SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Casamento dos pais e conjugalidade dos filhos: do modelo tradicional ao contemporâneoInfluências familiares no processo de psicoterapia infantil: enurese diurna e noturna - estudo de caso índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Pensando familias

versión impresa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.21 no.1 Porto Alegre jul. 2017

 

ARTIGOS

 

Estresse, coping e experiências emocionais: uma análise das respostas de enfrentamento do casal

 

Stress, coping and emotional experiences: an analysis of coping response couple

 

 

Aline Amaral Mussumeci1 ; Edna Lúcia Tinoco Ponciano2, I

I Instituto de Psicologia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar o estresse e a experiência emocional, destacando as respostas de enfrentamento (coping) apresentadas ao longo da vida, a partir de trechos de entrevistas de uma pesquisa qualitativa com casais heterossexuais de famílias intactas, da classe média do Rio de Janeiro e de Curitiba. Para tanto, realizamos entrevistas semiestruturadas com perguntas norteadoras, seguindo um roteiro, e sendo gravadas em áudio. O coping é um processo complexo que engloba o estresse e a experiência emocional. Desta forma, coping e sentimentos estão intrinsecamente associados e ao analisar as emoções temos uma perspectiva mais abrangente. Observamos que os cônjuges estabelecem diferentes formas de coping e, quando o estresse é compartilhado, há repercussões emocionais, individuais e para o casal. Concluímos que, ao elegerem determinadas estratégias de coping, os casais relatam o desencadeamento de emoções e de sentimentos, positivos ou negativos, que, embora inicialmente vividos com dificuldades, podem ser transformados pelas respostas de enfrentamento conjunto do estresse.

Palavras-chave: Coping, Estresse, Casal e experiência emocional.


ABSTRACT

The aim of this article is to analyze stress and emotional experience highlighting coping responses shown throughout life, from excerpts of interviews of a qualitative research with heterosexual intact families of middle class in Rio de Janeiro and Curitiba. To this end, semi-structured interviews were done with guiding questions, following a guide. All the interviews were recorded in audio. Coping is a complex process that embodies stress and emotional experience. Therefore, coping and feelings are intrinsically associated and by analyzing emotions we gain a broader perspective. We observe that couples establish different ways of coping and when stress is shared there are individual emotional repercussions and also repercussions to the couple. We conclude that when couples choose certain patterns of coping, they report unleashing emotions and feelings, positive or negative, that even though, they are initially lived with some difficulties, they can be transformed by the stress coping responses.

Keywords: Coping, Stress, Couple and emotional experience.


 

 

Introdução

Durante o casamento, os cônjuges vivenciam mudanças que podem interferir nas respostas às situações de estresse, de forma positiva ou negativa. Nesse percurso, os casais estabelecem estratégias próprias para lidarem com as modificações e as dificuldades que surgem, além de definirem diversas maneiras de adaptação às mudanças. A forma como os cônjuges lidam com essas situações pode facilitar ou dificultar esse processo, com repercussões na experiência emocional. Em uma pesquisa exploratória, abordamos histórias conjugais, investigando a relação entre estresse, individual e diádico, e a experiência emocional. As variações na maneira como cada cônjuge lida individualmente com eventos estressantes podem afetar o enfrentamento emocional do casal. Entendemos que tanto o indivíduo quanto a família e o casal possuem um ciclo vital de desenvolvimento, com fases diferenciadas que possuem tarefas particulares. O desenvolvimento ocorre conforme uma sequência não-linear de eventos, com alguns episódios considerados esperados e outros imprevisíveis. Não sendo necessariamente negativas, as mudanças imprevisíveis apresentam novos desafios e novas reorganizações para indivíduos, casais e famílias, que se afetam mutuamente (Baltes, 1987; 1997; Carter & McGoldrick, 2001; Vasquez, Posada & Messager, 2015).

O objetivo deste artigo é analisar o estresse e a experiência emocional, destacando as respostas de enfrentamento (coping) apresentadas ao longo da vida, ao trazer trechos de entrevistas de uma pesquisa qualitativa com casais heterossexuais de famílias intactas da classe média do Rio de Janeiro e de Curitiba. Desta maneira, as estratégias de coping utilizadas pelos casais, para lidar com os estresses e as dificuldades da vida, podem ser narradas pelos próprios, e por nós analisadas, discutindo as repercussões, com ênfase nas formas positivas de enfrentamento das mudanças.

Atualmente, constata-se que não faz sentido buscar um simples conceito para o termo estresse e diferentes campos de pesquisa se dedicam ao estudo das suas inúmeras facetas. Por isso, analisamos brevemente a concepção tridimensional do conceito de estresse e o entendimento dos termos estresse individual e estresse diádico. O foco principal do estudo sobre o estresse é a observação do organismo, da personalidade, ou do sistema social, tornando-se necessário analisar o estresse como um processo tridimensional que integra: o biológico, o psicológico e o social. A dimensão biológica constitui os aspectos constitucionais, herdados e congênitos, em que os órgãos e sistemas atuam no organismo humano, tais como, os sistemas glandular, cardiovascular e gastrointestinal, entre outros, que são responsáveis pelo seu funcionamento. Portanto, sua atuação remete à resistência e à vulnerabilidade do corpo. A dimensão psicológica abarca os processos afetivos, emocionais e intelectuais, conscientes ou inconscientes, relacionados à personalidade do indivíduo, a sua vida mental, suas relações com outras pessoas e com o meio ambiente. A dimensão social se refere às influências e às incorporações dos valores, das crenças e das expectativas dos indivíduos, dos grupos sociais e das diversas comunidades com que se relacionam na vida diária (Faro & Pereira, 2013; Moal, 2007).

Lazarus (1993) define estresse a partir de quatro construtos: 1) a presença de uma causa externa ou interna (agente); 2) a existência de uma avaliação (por meio de um processo mental ou do csistema fisiológico); 3) processos de coping (mecanismos mentais ou corporais para manejar o estresse); 4) a ocorrência de um padrão de efeitos sobre a mente e o corpo (geralmente remetido às reações de estresse.

No Modelo Transacional de estresse e de coping é possível distinguir dois tipos de avaliações e de reavaliação. A avaliação primária, caracterizada pela determinação da ameaça que a situação representa, depende de fatores pessoais como as crenças e os comprometimentos, que definem a percepção da situação vivida. A avaliação secundária representa a avaliação da existência ou não de recursos para lidar com o estressor, tentando responder à pergunta: “o que eu posso fazer?”. Verificando a presença de recursos nos aspectos físicos (saúde, força), sociais (rede de suporte social e emocional) e psicológicos (crenças, autoestima) e materiais (dinheiro, ferramentas e equipamentos). As avaliações do controle situacional estão incluídas na avaliação secundária. O indivíduo avalia as demandas da situação e os seus próprios recursos, opções e habilidades para efetivar as estratégias de coping necessárias. Podem ocorrer mudanças nas avaliações de controle, de acordo com as novas informações do ambiente e o resultado dos esforços de coping (Folkman, 1984). Este processo de avaliação cognitiva representa a relação entre estresse e coping e sugere que não é o evento em si que determina a resposta, mas sim os recursos e estratégias de coping individuais. Na reavaliação, mudanças na percepção inicial geram modificações na avaliação da experiência estressante. A partir dessa referência, definimos estresse como um processo psicológico no qual variáveis cognitivas interferem no entendimento dos eventos estressantes, não sendo o evento nem a resposta os determinantes da experiência de estresse (Lazarus & Folkman, 1980).

Quanto ao aspecto emocional do estresse, definimos como estados emocionais provenientes da reação pessoal dos indivíduos, frente a mudanças significativas em suas vidas (Simonton, Matthews-Simonton & Creighton,1987). Dependendo das formas de enfrentamento e do apoio social do indivíduo, as situações de estresse podem levar ou não a problemas de saúde mental e ao sofrimento emocional significativo (Coyne & Downey, 1991). Conforme as demandas da situação são avaliadas, dos recursos disponíveis e da opção selecionada pelos sujeitos para administrar um evento, as repercussões podem ser positivas ou negativas. Outra vertente aborda a necessidade de pertencimento do ser humano, enfatizando a importância da formação e manutenção dos relacionamentos (Baumeister & Leary, 1995). Diante de ameaças externas, as pessoas tendem a aumentar a formação de vínculos fortes. Nesse sentido, entendemos que, em momentos de estresse, é relevante o apoio do cônjuge, o que reforça a compreensão de que o indivíduo possui uma necessidade de pertencimento, de que é um ser relacional e o outro pode funcionar como um “restaurador” do bem-estar “perdido”, durante a situação perturbadora. Além disso, consideramos que as estratégias de coping podem mudar quando se tem o outro vivenciando a situação conjuntamente. Nesta perspectiva relacional, destacamos o conceito de estresse diádico, um processo de influência mútua em que o estresse de um cônjuge afeta as habilidades de coping (individuais e diádicas) e exige respostas de coping de ambos (Bodenmann, 2005; Bodenmann, Meuwly, & Kayser, 2011; Bodenmann & Randall, 2012; Bolze, Schmidt, Crepaldi, & Vieira, 2013; Jackson, Miller, Oka, & Henry, 2014). Portanto, o estresse diádico representa, direta ou indiretamente, uma ameaça a ambos os cônjuges e requer respostas de coping advindas do casal (Lavner & Bradbury, 2017).

Bodenmann (2005) define dois tipos de estresse diádico: direto e indireto. O estresse diádico direto ocorre quando ambos os cônjuges são afetados por um estressor comum, simultaneamente e em nível semelhante, apesar de ser de maneiras diferenciadas. Já o estresse diádico indireto se refere a situações em que somente um dos cônjuges é, a princípio, ameaçado, mas o outro e a relação são influenciados pelo comportamento e o estado emocional do cônjuge sob estresse. O conceito de estresse diádico demonstra a importância de analisar a díade e a forma como os cônjuges percebem e regulam, conjuntamente, o estresse e, consequentemente, como ocorrem os efeitos observados no relacionamento conjugal.

É importante enfatizar que o momento de estresse em si não é caracterizado somente por um evento negativo. Há mudanças, novidades e surpresas da vida que estão relacionadas a momentos de conquista e de felicidade, sendo marcados intensamente por estresse. McEwen e Lasley (2003) assinalam o papel positivo do estresse por meio do conceito de alostase, um mecanismo de enfrentamento dinâmico que demonstra a resiliência e a inteligência das reações corporais, em um mundo sempre em processo de mudanças. Em outras palavras, o ser humano, pelo processo alostático, tem um organismo com potencialidade de lidar com as dificuldades e as surpresas da vida, havendo um aparato orgânico para que enfrente positivamente os momentos de estresse. Desse modo, compreendemos que, quando o casal utiliza habilidades positivas de enfrentamento, que potencializam a resolução do evento estressante, a vivência de uma experiência negativa pode se tornar positiva para a relação conjugal, uma oportunidade para cada um dos cônjuges dar suporte ao outro, reforçar sentimentos positivos e aumentar a proximidade (Bodenmann, 2005; Bodenmann et. al., 2011; Bodenmann & Randall, 2012), sendo uma oportunidade para os casais reforçarem a sua relação (Story & Bradbury, 2004).

Na continuidade dessa discussão, destacamos os conceitos de coping individual e diádico. O estudo do coping é fundamental para compreender como o estresse afeta as pessoas, para melhor ou para pior. Entendemos que a forma como as pessoas lidam com o estresse pode reduzir ou ampliar os efeitos das situações adversas da vida, no que diz respeito à intensidade de sofrimento emocional e ao desenvolvimento das capacidades físicas e mentais para lidar com estes eventos. É importante destacar que há uma diversidade significativa de conceitos de coping.

Um dos paradigmas mais conhecidos é o apresentado por Lazarus e Folkman (1984), em que o entendimento de coping é o de um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais utilizados com o objetivo de lidar com exigências específicas, internas ou externas, que ocorrem em situações de estresse e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais. As estratégias de coping são ações intencionais, no nível físico ou mental, iniciadas em resposta a um estressor percebido, dirigida para circunstâncias externas ou a estados internos. Esse modelo aborda quatro características principais para o coping: 1) processo de interação entre o sujeito e o meio; 2) administração da situação de estresse e do controle; 3) avaliação, ou seja, a forma como o estressor é percebido e interpretado cognitivamente; e 4) mobilização de esforços cognitivos e comportamentais para lidar com as demandas internas ou externas que ocorrem na interação com o ambiente. Sendo assim, a resposta de coping geralmente objetiva a diminuição de estresse (Folkman & Lazarus, 1980).

De acordo com sua função, as estratégias de coping podem ser definidas de duas maneiras: o coping focado no problema e o coping focado na emoção. O coping focado no problema diz respeito à tentativa de alterar a situação que originou o estresse, sendo uma resposta ativa para resolução da situação. O coping focado na emoção se relaciona ao esforço para regular as emoções, associadas ao estresse ou dele resultantes. Estes esforços são dirigidos a um nível somático e/ou a um nível de sentimentos, objetivando modificar o estado emocional e minimizar a sensação física desagradável de uma circunstância estressante. A utilização de estratégias de coping focando o problema ou a emoção inclui a avaliação da situação estressora. Nas situações consideradas como mutáveis, o coping focalizado no problema tende a ser mais empregado, já o coping focalizado na emoção tende a ser mais escolhido em situações consideradas como inalteráveis (Folkman & Lazarus, 1980).

O coping focalizado na emoção é uma estratégia pouco valorizada, na literatura sobre o tema, já que é vista como uma forma passiva para lidar com um evento estressante (Folkman & Lazarus, 1980; Jackson, Mackenzie, & Hobfoll, 2000). Uma indicação dessa desvalorização está na conclusão de algumas pesquisas em que o coping focalizado na emoção tem sido relacionado a pobres resultados na saúde física e psicológica, além de serem as mulheres que tendem a eleger esta estratégia, mais do que os homens, sendo consideradas mais suscetíveis a experimentar sofrimento psicológico (Fischer & LaFrance, 2015). Discordamos do entendimento do coping focalizado na emoção como estratégia inferior ou mesmo não caracterizada como uma ação, por entendermos que é uma resposta, incluída no processo de resolução do problema. Teoricamente, o sucesso dos esforços focados no problema depende do êxito dos esforços focados na emoção, considerando que certas emoções intensas afetam a atividade cognitiva necessária para focar no problema (Folkman, 1984).

Desse ponto de vista, o gerenciamento das situações estressantes dificilmente acontece de modo isolado. As relações íntimas são constituídas pela interdependência e as estratégias de coping e as experiências de estresse são permeadas pela intersubjetividade. A dinâmica interpessoal possibilita uma maior fluidez nas respostas emocionais, com a presença de cooperação, o que permite alívio às tensões, suporte em situações estressantes e restabelecimento do equilíbrio físico e/ou emocional (Oatley & Jenkins, 2002). Uma forte ligação com os outros caracateriza as pessoas que são mais felizes, mais saudáveis, mais capazes de lidar com as tensões e menos propensas a experimentar problemas psicológicos e somáticos de saúde (Baumeister & Leary, 1995; Lakey & Orehek, 2011; Rook, Luong, Sorkin, Newsom, & Krause, 2012). Os estudos sobre coping diádico têm demonstrado que esta forma de enfrentamento está vinculada a uma maior qualidade conjugal, a baixos níveis de tensão, a menos problemas psicológicos, ao maior bem-estar físico e a maior estabilidade das relações (Lavner & Bradbury, 2017; Neff & Benjamin, 2017; Pires, 2011).

Ao considerar que o conceito de coping individual tornou-se insuficiente para a compreensão do processo de coping no contexto dos casais, famílias e outros sistemas sociais (Story & Bradbury, 2004), uma nova compreensão destaca a dimensão intersubjetiva, caracterizando o coping diádico. Neste estudo, consideramos a abordagem sistêmica de coping diádico tal como é entendida por Bodenmann (Bodenmann et. al., 2011; Bodenmann & Randall, 2012): esforços de um ou de ambos, no processo de gerenciamento do estresse, no sentido de criar ou restaurar a homeostase física, psicológica ou social, individualmente ou do casal como unidade. O coping diádico atenua o impacto negativo do estresse no casamento, reforça os sentimentos de pertencimento, a confiança mútua, a intimidade e a representação da relação como útil e de suporte (Bodenmann, 2005; Papp & Witt, 2010). Nesse sentido, é necessário considerar a dimensão relacional nas pesquisas sobre estresse e não apenas o funcionamento individual e a personalidade. Ampliar o conceito de coping para a díade conjugal enriquece a análise dos mecanismos de enfrentamento do casal, à medida que o cônjuge pode apoiar e promover estratégias para manejar os episódios estressantes.

Mesmo que cada cônjuge tenha sua forma particular de responder aos conflitos ou às alegrias da vida conjugal, as reações de um induzem a resposta do outro (Carr, Freedman, Cornman, & Schwarz, 2014), o que é denominado como contágio emocional: um estado simples em que um indivíduo captura as emoções dos outros, produzindo um estado interno semelhante (Buchanan, Bagley, Stansfield, & Preston, 2011). Dessa forma, há uma ressonância de emoção entre os cônjuges, na forma de vivenciar os momentos de estresse, o que pode ter fortes implicações para as respostas positivas no enfrentamento do estresse.

 

Metodologia

Participaram desta pesquisa dez casais com idade entre 27 a 74 anos, estrategicamente selecionados em diferentes fases do ciclo de vida, para observar vários momentos da história conjugal. Divulgamos os critérios, para que os possíveis entrevistados fossem indicados por pessoas próximas e conhecidas. Nesse sentido, esclarecemos que se trata de uma amostra de conveniência, em que os entrevistados preencheram os seguintes critérios: heterossexuais de famílias intactas, casados por tempo variado, de qualquer idade, com filhos(as) de idades e de gênero variados ou sem filhos(as). Os(as) entrevistados(as) foram identificados pelas letras M (mulher) e H (homem), seguido por um número de um a dez, correspondendo a cada casal. Todos os casais têm 3º grau completo e possuem filhos, exceto o casal 1 e 7. Apesar de serem de diferentes cidades e contextos, não identificamos diferenças significativas entre os casais, considerando as diferentes etapas do ciclo de vida.

 

 

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em 17/07/2015, sob registro número 42129415.6.0000.5282. Utilizamos entrevista semiestruturada com perguntas norteadoras, sendo gravadas em áudio, com o intuito de analisar as estratégias de coping, as respostas ao estresse e as experiências emocionais correlatas, com o seguinte roteiro: como vocês se conheceram?; falem dos momentos importantes da vida de vocês (individuais, conjugais, positivos e negativos); como lidaram com esses momentos?; que emoções vocês vivenciaram nestes momentos? (vivência de cada um e como foi ver a experiência do outro); que influências vocês tiveram nestes momentos? Os casais assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

A decisão sobre o fechamento da amostra em 10 casais foi feita pela seleção de um casal para cada momento do ciclo de vida, sendo ainda confirmada pela saturação. Para tanto, utilizamos um método chamado saturação teórica, que consiste na suspensão da inclusão de novos participantes quando os dados obtidos, na avaliação do pesquisador, começam a ser repetitivos e torna-se irrelevante persistir na coleta de dados, ou seja, os dados fornecidos por novos participantes não contribuiriam, significativamente, para o aperfeiçoamento da reflexão teórica, sendo uma decisão fundamentada nos dados que foram coletados (Fontanella, Rica, & Turato, 2008). Este método está respaldado pelo pressuposto da constituição social do sujeito que, na Teoria das Representações Sociais, repercute no conceito de determinação social das representações individuais e, na Análise do Discurso, no conceito de determinação histórica e social das formações discursivas e da fala. O entendimento é o de que a representatividade da amostra não é alcançada apenas estatisticamente, no domínio matemático, mas sim cognitivamente, envolvendo a percepção do pesquisador e de seu domínio teórico (Fontanella et. al., 2008).

As entrevistas foram transcritas e posteriormente os dados foram analisados de acordo com Análise de Conteúdo (Bardin, 2008), utilizando-se a técnica de análise temática e categorial, que consiste em desmembrar o texto em eixos temáticos, estabelecendo núcleos de sentido e, posteriormente, identificando categorias conceituais e descritivas, possibilitando uma compreensão sobre os significados e a vivência dos cônjuges, diante de situações de estresse. Submetemos cada entrevista a uma análise buscando a temática de base e a lógica interna de cada entrevista. Para a escolha dos temas, considerando o objetivo da pesquisa, foi realizada uma leitura flutuante, demarcando núcleos de sentido de cada entrevista (decifração estrutural) e, posteriormente, estabelecendo relações entre elas, a partir da repetição de alguns temas significativos. Por conseguinte, desmembramos o texto em eixos temáticos, estabelecendo núcleos de sentido e as suas respectivas categorias. Os temas e as categorias foram selecionados conforme a presença no relato dos entrevistados, sendo associados à vivência de suas experiências. Desse modo, são constituídos dois eixos, coping e Ciclo de Vida. No eixo coping, são analisados os esforços conscientes dos entrevistados, com o objetivo de regular a emoção, a cognição e o comportamento diante de circunstâncias estressantes (Compas, Jaser, Dunbar, Watson, Bettis, Gruhn, & Williams, 2014). No eixo Ciclo de Vida, são abordados os fenômenos previsíveis e imprevisíveis ao longo do tempo, como um processo de expansão, contração e realinhamento do sistema de relacionamentos, para suportar a entrada, a saída e o desenvolvimento dos membros da família, assim como assimilar variados acontecimentos (Baltes, 1987; 1997; Carter & McGoldrick, 2001; Vasquez, Posada & Messager, 2015). Para esse artigo, trabalhamos com as categorias relativas à experiência emocional e ao estresse positivo, descritas ao apresentar as falas dos(as) entrevistados(as). A escolha de temas e de categorias foi demarcada por um critério, o da compreensão a partir da narrativa, estando de acordo com uma das possibilidades técnicas de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2008). Verificamos que as categorias Experiência Emocional e Estresse Positivo foram identificadas em todas as entrevistas, caracterizando uma amostra significativa pelo método de saturação. Nessa pesquisa exploratória, as histórias conjugais abordadas não são lineares, sendo agrupadas pela análise da experiência emocional e do estresse, individual e diádico.

 

Resultados e discussão

Acontecimentos previsíveis e imprevisíveis, ao longo do ciclo de vida, trazem mudanças que são demarcadas por experiências emocionais intensas (Carter & McGoldrick, 2001). A categoria Experiência Emocional é formada pelos relatos de situações, em que os(as) entrevistados(as) demonstram experiência emocional variada, em relação a eventos positivos ou negativos.

Eu fiz porque eu queria crescer na vida sem gastar, então eu quis fazer os dois, eu sempre fui muito assim de estudar, correr atrás, buscar uma forma de eu estudar sem ter dinheiro. (H7)

É, eu acho que foram mais esses momentos (...) de conquista mesmo. A gente tinha muita vontade de morar por aqui, esperava um cantinho bom para nós dois praticamente, de frente pra praia. Eu não esperava. Foi uma coisa assim, muito boa. (H1)

Um ano depois de aluguel, demos o sinal e em partes pagando. E ali, para mim, foi minha grande realização. (...) Então, a casa para mim, era meu porto seguro. (M4)

Momentos marcantes de conquista são acompanhados de emoções positivas. As conquistas da vida foram relatadas com o sentimento de satisfação. Conseguir estudar sem dinheiro, alugar um apartamento de frente para praia e adquirir a casa própria foram mencionados como momentos positivos da vida. Mas há também os momentos difíceis.

H6: O que fez ela andar mesmo foi a escada.

M6: Aí descia sempre um comigo para, se caísse, ter um comigo.

H6: Pra segurar, para se caísse, caía os dois...kkk

Depois foi a meleca do sítio. Nossa! Porque eu detesto mato. Meu Deus

do céu, eu não nasci pra ser mosquito. (M6)

O casal seis demonstrou bom-humor e apoio mútuo, ao lembrar de situações difíceis da vida conjugal, dentre elas, o processo de recuperação do AVC de M6 e a compra do sítio, que acarretou muitos problemas financeiros. Esse é um exemplo de que situações difíceis podem ser acompanhadas por emoções positivas, o que aparece também em outros relatos a seguir.

Ela era a mais bonita do grupo (...) Nós começamos a se entender, começamos a bater papo e tudo mais. Terminou em casamento. (H3)

A primeira vez que eu liguei para ela foi num dia que caiu um temporal absurdo, chamei ela para comer uma pizza. “Pô, nem tá chovendo tanto!” Estava um temporal, a rua toda alagada. Mas aí, alguns dias depois, né? A gente saiu para o Gendai, comida japonesa (H5).

Porque a gente aprendeu a ter que lidar, a gente aprendeu a digamos assim, a namorar diante de toda essa situação, mesmo com toda essa interferência a gente conseguiu manter a nossa família muito unida e isso foi aumentando mais o nosso sentimento um pelo outro. (M8)

Ela sempre assumiu tudo, mas não é assumiu porque era um fardo não, entendeu? Mas era um assumir de reconhecimento, assim ele vai ter que sair de manhã. Se ela precisasse de mim eu imediatamente iria atender (H4).

As falas acima indicam respostas positivas dos(as) entrevistados(as) ao recordarem fases importantes da vida como o começo do relacionamento, o nascimento e desenvolvimento dos(as) filhos(as). H3 e H5 relembram o início do namoro e demonstram alegria ao recordarem o primeiro encontro e a forma como o relacionamento começou.

Nascimento das nossas filhas, momentos importantes positivos. Foi tranquilo. A gente queria, né? Foi programado, né? (H2), Cada dia foi melhorando um pouquinho. A gente é vitorioso. Nós conseguimos passar por tantas etapas. (...) A gente se ama até hoje. E não queria outro H2 e não queria casar de novo com ninguém. Eu só queria se fosse ele mesmo, entendeu? (M2)

E as duas em termos de capacidade intelectual, de desenvolvimento são muito boas. (H10), Nunca me deram trabalho no colégio, na adolescência nem nunca, nunca, nunca de chorar assim por causa de aborrecimento, nunca. Sempre foram muito estudiosas, muito. (M10)

O casal dois enfatiza a fase do nascimento das filhas como positiva e relatam com satisfação que venceram muitas etapas e se sentem vitoriosos. H4 relata que sempre houve parceria no cuidado com os filhos, que sua esposa assumia majoritariamente, mas se fosse preciso também cuidava. O orgulho da capacidade intelectual das filhas e o fato delas nunca terem dado trabalho aos pais, nem mesmo na adolescência, foram mencionados pelo casal 10. A partir desses trechos, em relação ao ciclo de vida, considerando mudanças previsíveis e imprevisíveis, não constatamos diferenças significativas nos relatos dos casais, a respeito das diferentes fases (Carter & McGoldrick, 2001). Destacam-se nos relatos a satisfação com as conquistas, tais como estudar sem dinheiro, alugar um apartamento de frente para praia e adquirir a casa própria, bom-humor nos momentos de superação e de felicidade, ao descreverem fases importantes de mudança, durante o ciclo de vida. Constatamos que estes momentos declarados como alegres, geraram estresse e desencadearam sentimentos positivos durante o processo de coping, com efeitos posteriores.

Os momentos mencionados como negativos pelos entrevistados, tais como momentos de dificuldade no relacionamento, períodos de mudanças, inclusive geográficas, de doença e crise financeira trouxeram sentimentos negativos. Quando questionados quais emoções sentiram, relatam sentimentos de frustração, impotência e raiva. É importante ressaltar que alguns entrevistados tiveram dificuldade de falar das emoções e dos sentimentos e foram auxiliados por seus cônjuges. Baumeister e Leary (1995) afirmam que a existência de um vínculo interpessoal pode transformar a maneira como se responde emocionalmente, podendo intensificar muitas reações emocionais. Neste sentido, entendemos que o vínculo conjugal pode auxiliar o cônjuge no processo de expressão da emoção e de desenvolvimento emocional.

Só que aí quando a gente se conheceu e quis ficar junto, isso me gerou essas questões, a gente tinha ciúme um do outro. Mais por provocação, mulher gosta dessa coisa de picuinha, de provocar a outra, e em ambiente de academia isso foi um prato cheio. Mas de estressar, né? Porque você vai num ambiente para poder relaxar, para você desopilar, jogar fora todas as tensões do dia, e isso daí é muito chato. (M5)

H1, quero um tempo, vou te pedir um tempo. ‘Não estou aguentando, pensa no que você quer fazer, eu vou pensar na minha vida também.’ (...) Ah, eu fiquei mal, foi um momento que eu estava muito confusa, foi muito confuso. (M1)

Frustração, impotência, raiva também. (...) Foi frustrante, não saber entrar no universo dela. Não saber pedir perdão, perdoar, a frustração muito grande e isso vai minando a vida do casal. (H2)

Todos os casais mencionaram sentimentos negativos, principalmente ao relatarem momentos de dificuldade no relacionamento, períodos de mudanças, de doença e crise financeira. Os relatos acima estão relacionados às dificuldades no relacionamento que geraram sentimentos negativos: o ciúme do começo do relacionamento, a confusão e o mal-estar com o tempo do namoro e a frustração, impotência e raiva por não saber habitar no universo feminino da esposa.

Ao relatarem os momentos importantes das suas vidas, tanto positivos quanto negativos, os(as) entrevistados(as) indicaram a interligação entre as estratégias de coping utilizadas e as emoções de caráter positivo ou negativo. Emoção e coping estão intrinsecamente associados. Analisar as emoções possibilita uma perspectiva enriquecedora no estudo do coping (Lazarus, 1993). É importante enfatizar que processo de coping em si engloba o estresse e a emoção. O coping envolve a tentativa de mudança de uma realidade estressante, que está atrelada a emoções. Nesse sentido, o estresse não tem apenas o caráter negativo. Momentos de realizações e de conquistas importantes na vida trazem sentimentos positivos, que também são permeados por estresse, e momentos de dificuldades são experimentados com emoções negativas, embora a forma de enfrentamento possa mudar o resultado final, transformando as emoções.

Na época, às vezes, eu ficava com muita raiva! Muita raiva mesmo! Eu falava assim: ‘Não é possível estudar tanto pra cuidar de porco!’ Porque, às vezes, não tinha ninguém pra trabalhar lá, aí a gente é que tinha que colocar a mão na massa. (M6)

Nossa eu me sentia muito acabada. Me sentia fracassada mesmo, assim, uma sensação de fracasso, sensação de impotência, sempre que eu era incapaz assim, sabe? Era muito difícil, quando eu fazia e não passava (se referindo aos concursos), fazia e não passava, aí que começou a bater na trave. (M7)

Pra não ser aquela decepção por pensar que estava grávida e depois... Foi o que fiz e descobri que estava grávida desse baixinho, tinha cinco semanas. (...) Não foi só alegria. Eu ficava será que vou perder? Não vou perder? Foi até nascer, que eu tinha esse pensamento. (M9)

As mulheres acima mencionaram situações de dificuldades nas suas vidas que foram superadas. No entanto, destacaram que esses eventos difíceis foram acompanhados de sentimentos negativos, que, muitas vezes, permaneceram por um tempo, durante o processo de superação. As mulheres tiveram mais facilidade para descreverem suas emoções bem como relacionar sentimentos negativos às situações de dificuldades nas suas vidas (Fischer & LaFrance, 2015). Lembraram que esses eventos difíceis, muitas vezes, permaneceram por um tempo e tiveram que lidar com as emoções negativas desencadeadas durante o processo.

Senti muito solidão, porque eu vim logo morar aqui, sem família nenhuma, sem nenhum apoio familiar, só tinha ele. Então, ou eu me acertava com ele ou ficava sozinha, né? (...) Ficava triste, porque achava que ele nunca ia mudar. (M2)

Ah, muito péssimo porque faltava o eixo, sabe? O casal estava sem o eixo e minha filha ela ficou muito mal, ela chorava muito, ela tinha febre, sem ter nada, por saudade do pai. (M3)

As mudanças geográficas também foram mencionadas como momentos que eclodiram sentimentos de solidão, tristeza e mal-estar por conta da distância da família e de todo o processo de adaptação.

Ah, estado de profunda tristeza (se referindo ao processo de depressão). Muita tristeza mesmo, e eu me recolhi muito, eu emagreci muito. (...) Eu acho que, quando ela volta, você fica mais decepcionado porque o problema está voltando. Porque, na verdade, é um processo longo, você não fica curada assim, você tem que aprender a lidar e você administrar. (M4)

Assim, de desespero, de não acreditar, a primeira coisa que eu pensei, por incrível que pareça é: ‘Ele é uma criança, como ele vai fazer a festa de aniversário?’, coisas assim absurdas que a gente pensa, né? E ele sempre, dos três, foi o que mais gostou de comer, principalmente doce, ele sempre teve loucura por doce. Então, veio aquela dor, como eu vou negar para o meu filho? (M8)

Na verdade, nesse período todo, o perrengue foi que os meses iam passando... passando... e não arrumava nada. E, vai batendo um desespero, pelo menos pra mim. Eu não gosto de ficar em casa sem fazer nada, pelo menos pra mim. Aí começou a bater um desespero e chegou ao ponto dela falar alguma coisa e qualquer coisa me irritava, entendeu? (H9)

A doença na família e os eventos de crise financeira também foram relacionados a sentimentos negativos, tais como tristeza, dor, desespero, irritação. Os relatos acima foram atrelados à melhoria destes sentimentos com o apoio e o cuidado do cônjuge. Dessa forma, confirmamos que ampliar o conceito de coping para a díade conjugal enriquece a análise dos mecanismos de enfrentamento do casal, considerando que o cônjuge pode apoiar e promover estratégias para manejar os episódios estressantes (Story & Bradbury, 2004). O coping diádico tal como é entendido por Bodenmann (Bodenmann et. al., 2011; Bodenmann & Randall, 2012): - esforços de um ou de ambos, no processo de gerenciamento do estresse - atenua o impacto negativo do estresse no casamento, reforça os sentimentos de pertencimento, a confiança mútua, a intimidade e a representação da relação como útil e de suporte (Bodenmann, 2005; Papp & Witt, 2010).

Portanto, mesmo que cada cônjuge tenha sua forma própria de responder aos conflitos ou às alegrias da vida conjugal há um contágio emocional, um estado simples em que um indivíduo captura as emoções dos outros, produzindo um estado interno semelhante (Buchanan, Bagley, Stansfield, & Preston, 2011). Dessa forma, há uma ressonância de emoção entre os cônjuges, na forma de vivenciar os momentos de estresse, o que pode ter fortes implicações para as respostas positivas no enfrentamento do estresse.

Ao longo do Ciclo de Vida, o estresse é certo, mas, de acordo com o relato dos entrevistados(as), nem toda experiência estressante tem consequências negativas. A categoria Estresse Positivo aborda um mecanismo de enfrentamento dinâmico, que demonstra a resiliência e a inteligência das reações corporais, mentais e emocionais, diante de um mundo sempre em processo de mudanças (McEwen e Lasley, 2003).

Eu acho que a gente se encaixou muito mais, por tudo que a gente passou, né? Mas enfermidade quando ela chega, ela traz muito mais dificuldade assim, pra você aceitar e tudo mais, né? E isso também acabou nos unindo, até mesmo mudou nossa alimentação. (M8)

Foi um momento assim, eu acho que foi o cume do nosso casamento, sabe? Ali a gente se uniu de um jeito, que eu posso dizer assim, qualquer um que passar por essa situação, é claro que eu não desejo que ninguém passe por isso (H8).

A demissão de H9, um desses perrengues que a gente passou, mas acho que tudo isso é crescimento para o casal. (M9)

Aí eu passei num vestibular de veterinária em Lages, que também fica longe da terra da gente, né? (...) Positivo porque, sofremos todas as intempéries e o barquinho ficou andando. (H10)

Os exemplos acima representam situações mencionadas que estão relacionadas à crise financeira, doença na família, perda do emprego e mudança de cidade. Estes eventos foram nomeados pelos casais como momentos de dificuldade. No entanto, os(as) entrevistados(as) enfatizaram que, apesar da dificuldade, estes momentos proporcionaram muito aprendizado e crescimento para o casal, possibilitando surgir outras formas de funcionamento enquanto casal e/ou família. Portanto, o coping diádico possibilita uma maior qualidade conjugal, baixos níveis de tensão, menos problemas psicológicos, maior bem-estar físico e maior estabilidade das relações (Lavner & Bradbury, 2017; Neff & Benjamin, 2017; Pires, 2011), pois quando o casal enfrenta os estresses em conjunto e com estratégias adequadas de coping, o efeito do estresse tende a diminuir e a proximidade do casal aumentar.

Ao invés de afastar, foi só aproximando, foi fazendo a gente gostar mais ainda um do outro. Os problemas iam surgindo a gente se apoiava um no outro e as coisas iam melhorando. (H1)

Então apesar desse lado negativo eu acho que o nosso relacionamento passou por muitos altos e baixos, mas diante de toda essa situação criada de um casamento recente, conturbado, com muitas opiniões, isso fez com que o nosso laço aumentasse, e a cada dia, a gente sente que está mais fortalecido, que a nossa família é mais forte com isso. (M8)

Os participantes revelaram que a vivência de um evento negativo pode se tornar positivo para a relação conjugal, uma oportunidade para cada um dos cônjuges dar suporte ao outro. H1 sublinha que quando um apoia o outro as coisas já começam a melhorar e M8 explica que, após as dificuldades, a família ficou mais forte. A compreensão de McEwen e Lasley (2003) em relação ao papel positivo do estresse, remetido às relações conjugais, é relatada em 100% das entrevistas. Os casais esclarecem que, muitas vezes, os eventos de estresse têm repercussões positivas para o relacionamento, como aprendizado, crescimento e união para o casal. Quando o casal utiliza habilidades positivas de enfrentamento do estresse, a vivência de um evento negativo pode se tornar positivo para a relação conjugal, uma oportunidade para cada um dos cônjuges dar suporte ao outro, reforçar sentimentos positivos e aumentar a proximidade entre eles (Bodenmann, 2005; Bodenmann et. al., 2011; Bodenmann & Randall, 2012).

Portanto, entendemos que momentos de estresse sempre ocorrem na vida conjugal, mas a forma como é administrado pelo casal traz repercussões positivas, apesar de poderem ser eventos negativos. Por isso, a importância de refletir sobre o enfrentamento do estresse pelo casal, pois as habilidades de coping empregadas na situação têm impacto sobre o casamento (Randall & Bodenmann, 2017). Se as estratégias de coping estabelecidas pelo casal forem adaptativas, podem gerenciar melhor a crise, aumentar a resiliência conjugal e consequentemente a qualidade conjugal. A utilização de estratégias de coping adaptativas está diretamente relacionada à qualidade conjugal (Jackson et. al., 2014).

A utilização de estratégias de coping positivas para lidar com as diferenças e os inevitáveis altos e baixos do dia a dia do casamento possibilita aos cônjuges manter os sentimentos conjugais positivos. Para preservar a satisfação no relacionamento, os cônjuges precisam se esforçar para minimizar eventos de ordem negativa (Bolze et. al., 2013; Jackson et. al., 2014; Lavner & Bradbury, 2017; Neff & Benjamin, 2017). Acreditamos que o êxito do relacionamento conjugal depende da forma como o casal maneja, interpreta e responde aos momentos de estresse. Desse modo, aqueles que utilizam estratégias adaptativas, que respondem encontrando saídas positivas para as suas dificuldades, tendem a sustentar a sua satisfação inicial de forma mais eficaz do que os cônjuges que elegem estratégias desadaptativas. Portanto, entendemos que a qualidade do casamento depende das diversas interações que se estabelecem entre emoção e habilidades de coping. Os casais entrevistados relatam eventos de superação do estresse e não há relatos significativos de comportamentos negativos dos cônjuges, que gerassem incômodo a tal ponto de inviabilizar estratégias positivas e de transformação da experiência emocional.

 

Considerações finais

A conjugalidade não é estática, mas se constrói ao longo da vida em um processo contínuo, ou seja, a manutenção de habilidades construtivas de enfrentamento de estresse permite a adaptação dos casais aos diversos eventos, às mudanças previsíveis e imprevisíveis do ciclo de vida conjugal. A partir do estudo realizado, constatamos que o estresse e as experiências emocionais, positivas e negativas, fazem parte do relacionamento amoroso. Uma conjugalidade facilitadora do crescimento emocional e promotora de saúde não é aquela com ausência de sofrimento. Um dos aspectos centrais dos relacionamentos íntimos é a interdependência, particularmente na relação conjugal, uma vez que favorece o surgimento e a manutenção de formas de enfrentamento, que podem ser experimentadas com maior ou menor sofrimento.

Com os resultados obtidos nesta pesquisa exploratória, compreendemos a importância de considerar a maneira como os cônjuges administram, no cotidiano, as situações de estresse. Verificamos que os casais podem estabelecer individualmente e conjugalmente determinadas formas de coping e as mesmas estão relacionadas a certas experiências emocionais, como também trazem repercussões para as respostas positivas de enfrentamento do estresse. Esta pesquisa nos possibilita ainda uma reflexão a respeito da importância de se pensar a prática clínica com casais, identificando a forma como enfrentam o estresse e quais são as repercussões para a conjugalidade. Consideramos ter alcançado o objetivo de analisar o estresse e a experiência emocional, destacando as respostas de enfrentamento (coping) apresentadas ao longo da vida, ao trazer trechos de entrevistas de uma pesquisa qualitativa. Embora não tenhamos encontrado diferenças significativas nos relatos dos entrevistados, identificamos a necessidade de separar as fases do ciclo de vida, diferenciando-as para compreender melhor quais eventos estressantes, experiências emocionais e respostas de enfrentamento (coping) estão presentes em cada fase, o que deve ser considerado para pesquisas futuras. Além disso, pretendemos, em estudos posteriores, analisar especificamente a regulação emocional que as estratégias de coping diádico possibilitam ao cônjuge, pela participação e presença do outro no processo de estresse, além de identificar as emoções envolvidas.

Temos, por conseguinte, a proposta de criar e estimular o desenvolvimento de programas de intervenção, que se propõem a um trabalho terapêutico com os casais e que possibilitam a construção de ferramentas para lidarem com as experiências de estresse e as emoções correlatas, ratificando a importância do estudo da conjugalidade para o enfrentamento positivo das situações estressantes. Acreditamos que as propostas dos programas de intervenção são essenciais à medida que abordam educação, habilidades e princípios que ajudam os indivíduos e os casais a aumentarem a chance de terem êxito no casamento. O estudo do estresse, do coping diádico e das repercussões emocionais para o casal possibilita refletir sobre questões importantes do desenvolvimento humano, tais como o estresse vivido a dois e a regulação conjunta da experiência emocional. Concluímos que ao elegerem determinadas estratégias de coping, os casais relatam o desencadeamento de emoções e de sentimentos, positivos ou negativos, que, embora inicialmente vividos com dificuldades, podem ser transformados pelas respostas positivas de enfrentamento conjunto do estresse.

 

Referências

Baltes, P. B. (1987). Theoretical propositions of life-span developmental psychology: On the dynamics between gryowth and decline. Developmental Psychology, 2(5), 611-626.         [ Links ]

Baltes, P. B. (1997). On the incomplete architecture of human ontogeny: Selection, optimization, and compensation as a foundation of developmental theory. American Psychologist 52, 366–380.

Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edição Setenta.         [ Links ]

Baumeister, R. F., & Leary, M. R. (1995). The need to belong: Desire for interpessoal attachments as a fundamental human motivation. Psychological Bulletin, 117(3), 497-529.         [ Links ]

Bodenmann, G. (2005). Dyadic coping and its significance for marital functioning. In T. Revenson, K. Kayser, & G. Bodenmann (Eds.), Couples coping with stress: Emerging perspectives on dyadic coping (pp. 33–50). Washington, DC: American Psychological Association.

Bodenmann, G., Meuwly, N., & Kayser, K. (2011). Two Conceptualizations of Dyadic Coping and Their Potential for Predicting Relationship Quality and Individual Well-Being. European Psychologist, 16(4), 255-266.         [ Links ]

Bodenmann, G., & Randall, A. K. (2012). Common factors in the enhancement of dyadic coping. Behavior Therapy, 43(1), 88–98.

Bolze, S., Schmidt, B., Crepaldi, M., & Vieira, M. (2013). Relacionamento conjugal e táticas de resolução de conflito entre casais. Actualidades em Psicologia, 27(114), 71-85.         [ Links ]

Buchanan, T. W., Bagley, S. L., Stansfield, R. B., & Preston, S. D. (2012). The empathic, physiological resonance of stress. Social Neuroscience, 7(1), 191-201.         [ Links ]

Carr, D., Freedman, V. A., Cornman, J. C., & Schwarz, N. (2014). Happy marriage, happy life? Marital quality and subjective well-being in later life. Journal of Marriage and Family, 76(5), 930-948.         [ Links ]

Carter, B., & McGoldrick, M. (2001). As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Compas, B. E., Jaser, S. S., Dunbar, J. P., Watson, K. H., Bettis, A. H., Gruhn, M. A., et al. (2014). Coping and emotion regulation from childhood to early adulthood: points of convergence and divergence. Australian Journal of Psychology, 66(1), 71-81.         [ Links ]

Coyne, J. C., & Downey, G. (1991). Social factors in psychopathology: Stress, social support, and coping processes. Annual Review of Psychology, 42(1), 401-425.         [ Links ]

Faro, A., & Pereira, M. E. (2013). Estresse: Revisão narrativa da evolução conceitual, perspectivas teóricas e metodológicas. Psicologia, Saúde & Doenças, 14(1), 78-100.         [ Links ]

Folkman, S. (1984). Personal control and stress and coping processes: A theorical analysis. Journal of Personality and Social Psychology, 46(4), 839-852.         [ Links ]

Folkman, S., & Lazarus, R. S. (1980). An analysis of coping in a middle-aged community sample. Journal of Health and Social Behavior, 21(1), 219-239.         [ Links ]

Fontanella, B. J. B., Rica, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: Contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27.         [ Links ]

Jackson, T.; Mackenzie, J., & Hobfoll, S. E. (2000). Communal aspects of self-regulation. In M. Boekaerts, P. R. Pintrich, & M. Zeidner (Orgs). Handbook of self-regulation (pp. 275-300). San Diego, CA, US: Academic Press.         [ Links ]

Jackson, J. B., Miller, R. B., Oka, M., & Henry, R. G. (2014). Gender differences in marital satisfaction: A meta-analysis. Journal of Marriage and Family, 76(1), 105–129.

Lakey, B., & Orehek, E. (2011). Relational regulation theory: a new approach to explain the link between perceived social support and mental health. Psychological Review, 118(3), 482–495.

Lavner, J. A., & Bradbury, T. N. (2017). Protecting relationships from stress. Current Opinion in Psychology, 13(1), 11–14.

Lazarus, R. S. (1993). From psychological stress to emotions: A history of changes outlooks. Annual Reviews of Psychology, 44(1), 1-21.         [ Links ]

Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. New York: Springer.         [ Links ]

McEwen B., & Lasley E. N. (2003). O fim do estresse como nós o conhecemos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.         [ Links ]

Moal, M. L. (2007). Historical approach and evolution of the stress concept: A personal account. Psychoneuroendocrinology, 32(1), 3-9.         [ Links ]

Neff, L. A., & Benjamin, R. K. (2017). Acknowledging the elephant in the room: how stressful environmental contexts shape relationship dynamics. Current Opinion in Psychology, 13(1), 107–110.

Oatley, K., & Jenkins, J. M. (2002). Compreender as emoções. Porto Alegre: Instituto Jean Piaget.         [ Links ]

Papp, L., & Witt, N. (2010). Romantic partners’ individual coping strategies and dyadic coping: implications for relationship functioning. Journal of Family Psychology, 24(5), 551-559.

Pires, A. R. A. (2011). Coping diádico e satisfação conjugal: Um estudo em casais portugueses. Dissertação de Mestrado não publicada. Mestrado em Psicologia. Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Portugal.         [ Links ]

Randall, A. K., & Bodenmann, G. (2017). Stress and its associations with relationship satisfaction. Current Opinion in Psychology, 13, 96–106.

Rook, K. S., Luong, G., Sorkin, D. H., Newsom, I. J. T., & Krause, N. (2012). Ambivalent versus problematic social ties: implications for psychological health, functional health, and interpersonal coping. Psychology and Aging, 27(4), 912–923.

Simonton, C., Matthews-Simonton, S., & Creighton, J. L. (1987). Com a vida de novo: Uma abordagem de autoajuda para pacientes com câncer. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Story, L. B., & Bradbury, T. N. (2004). Understanding marriage and stress: Essential questions and challenges. Clinical Psychology Review, 23(8), 1139-1162.         [ Links ]

Vasquez, N. S. M., Posada, J. J. Z., & Messager, T. (2015). Conceptualización de ciclo vital familiar: Una mirada a la producción durante el period comprendido entre los años 2002 a 2015. Revista CES Psicología, 8(2), 103-121.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Aline Amaral Mussumeci
E-mail: aline.mussumeci@gmail.com

Edna Lúcia Tinoco Ponciano
E-mail: ednaponciano@uol.com.br

Enviado em: 04/08/2016
1ª revisão em: 27/03/2017
Aceito em: 30/05/2017

 

 

1 Mestre em Psicologia Social, UERJ.
2 Professora adjunta do Instituto de Psicologia, UERJ/Rio de Janeiro, Brasil.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons