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versión impresa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre enero/jun. 2019
ARTIGOS
Reinserção de idosos no mercado de trabalho: uma etnografia de tela do filme Um Sr. Estagiário
Reinsertion of old people at work: study about the old in the movie The Intern
Juliana Fernandes-Eloi1, I ; Maria Eliara Gomes Lima2; Angélica Maria de Sousa Silva3, II
I Centro Universitário Christus (Unichristus)
II Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
RESUMO
O objetivo dessa pesquisa é problematizar o processo de reinserção de idosos no mercado de trabalho através da etnografia de tela do filme Um Sr. Estagiário”. Trata-se de um estudo com delineamento qualitativo, descritivo e exploratório. Para tanto, foi utilizada a etnografia de tela do filme Um Sr. estagiário para alcançar de modo mais intenso o contexto analisado. Os resultados apresentaram as seguintes categorias: 1) Interações entre a reinserção de idosos no mercado de trabalho e novas tecnologias, 2) Processos intergeracionais e 3) Resiliência na velhice. Conclui-se que a reinserção de idosos ao mercado de trabalho é um desafio cultural que engloba perspectivas econômicas e aspectos biopsicossociais da pessoa idosa.
Palavras-chave: Velhice, Aposentadoria, Trabalho, Relações entre gerações.
ABSTRACT
The objective of this research is to problematize the process of reinsertion of the elderly in the labor market through the screen ethnography of the film The Intern. It is a study with qualitative, descriptive and exploratory design. In order to do so, the screen ethnography of the movie The Intern was used to reach a more intense context. The results presented the following categories: 1) Interactions between the reinsertion of the elderly in the labor market and new technologies, 2) Intergenerational processes and 3) Resilience in old age. It is concluded that the reintegration of the elderly into the labor market is a cultural challenge that encompasses economic perspectives and biopsychosocial aspects of the elderly.
Keywords: Old age, Retirement, Job, Relations between generations.
Aspectos sociodemográficos da velhice
São vastos os estudos (Daniel, Antunes, & Amaral, 2015; Santos, Tura, & Arruda, 2013; Torres, Camargo, Boulsfield, & Silva, 2015) que propõem-se discutir e problematizar o que representa a etapa da velhice. Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS (2005), as pessoas são caracterizadas como idosas somente a partir dos 60 anos. Contudo, o processo de envelhecimento não ocorre de modo homogêneo e padronizado com todos os idosos, uma vez que condições sociais, econômicas, históricas e culturais influenciam nesse processo (Araújo, Amaral & Sá, 2014).
O aumento crescente da população idosa tem se tornado uma nova evidência mundial (Antunes & Moré, 2016; Vieira & Lima, 2015). Os avanços da medicina, da farmacologia e da ampliação do reconhecimento dos direitos dos idosos, foram alguns dos fatores que ajudaram no aumento da expectativa e da qualidade de vida dessa população (Tavares & Souza, 2012). No contexto brasileiro, o aumento da expectativa de vida da população triplicou nas últimas décadas, passando de 45,5 (em 1940) para 75,5 em 2015 (IBGE, 2015).
O papel do idoso na sociedade moderna sofreu grandes transformações ao longo dos anos nas esferas social e familiar (Goldfarb & Lopes, 2006). Debert (1999) assegura que a sociedade capitalista possuí um papel específico para a população envelhecida, tornando assim, a existência dos idosos exauridas de sentido e de utilidade. A velhice é comumente associada a um período de senescência, inutilidade, finitude, sofrimento e incapacidade (Brunnet, et al., 2013; Laranjeira, 2010; Papalia & Feldman, 2013).
Envelhecer é uma etapa da vida que é permeada por grandes mudanças físicas, psicológicas, sociais e econômicas (Agostinho, 2004). Ou seja, os espaços de sociabilidade vividos por idosos, sejam no trabalho ou na aposentaria, são etapas que transformam a vida do idoso em todos os seus aspectos, interferindo como a pessoa idosa se percebe e como é percebida pela sociedade. E apesar das mudanças biopsicossociais, o idoso continua criando e construindo o sentido da sua própria existência, sendo um ator social, gerindo a sua família, as suas relações de amizades e afetividades que construíram e continuam construindo ao longo da sua vida (Alencar, 2012). E como envelhecer é uma etapa que é permeada por grandes transformações que impacta diretamente a sociedade em todos os seus âmbitos, a partir desse questionamento surge o interesse em estudar essa temática.
Envelhecimento, aposentadoria e reinserção no mercado de trabalho
O Brasil está passando por inúmeras transformações no seu contexto atual, dentre as quais podem ser destacadas a economia, a cultura, a política e a social. Os brasileiros estão vivendo um processo de envelhecimento que impacta diretamente a economia do país e na mão de obra, uma vez que o envelhecimento cresce em uma velocidade considerável atingindo diretamente a distribuição de renda e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Brasil, 2015). Tendo isso em vista, surge a necessidade de verificar a possibilidade da reinserção do idoso no ambiente de trabalho, levando em consideração que o idoso pode contribuir de maneira significativa para o crescimento do país (Moser, 2010).
O trabalho é considerado um dos aspectos importantes para o desenvolvimento psicoemocional do indivíduo e o sucesso e a satisfação no trabalho reafirmam a identidade individual, proporcionando o reconhecimento social (Zanelli et al., 2010). O trabalho é visto como uma das dimensões mais destacadas do ser humano (Antunes & Moré, 2014). O papel profissional é considerado um dos pilares fundamentais da autoestima, identidade e senso de utilidade. Desse modo, percebe-se a complexidade que envolve o desligamento das pessoas no mercado de trabalho (Antunes, Soares, & Silva 2013). Com o aumento da longevidade tornar-se crescente também o aumento do número de aposentados (Antunes, Soares, & Moré, 2015). Nesse sentido, tornar-se crucial analisar os efeitos da aposentadoria para os idosos (Brunnet, et al., 2013).
O termo aposentadoria está etimologicamente ligado a duas ideias: a primeira é referente à de retornar aos aposentos ou recolhimento ao lugar de não trabalho e a segunda de jubilamento. A primeira definição é muitas vezes vinculada ao status de inatividade e finitude. Mas também de reorganização da vida, dos vínculos sociais e familiares, de voltar ao lar e viver, ou seja, de ressignificação da vida. Já a segunda traz uma ideia de recompensa, satisfação e finalização (Soares, et al., 2007). As pessoas possuem maneiras diferentes de experienciar e viver o processo de aposentadoria. Se por um lado enxergam como uma situação de crise (Antunes, Moré, & Schneider, 2016), por outro, podem perceber a sua chegada como tempo de liberdade.
Durante a história do Brasil, várias mudanças aconteceram para que a população pudesse ter acesso aos seus direitos. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência Social, o qual estabelece previdência como um seguro que garante benefícios financeiros aos trabalhadores na sua aposentadoria (Brasil, 2015). A arrecadação advinda da previdência social é usada para substituir a renda do trabalhador contribuinte, quando ele não possui mais a capacidade de trabalho, devido à doença, invalidez, idade avançada, morte, desemprego ou maternidade (França, 2016).
Para a concessão da aposentadoria, são utilizados alguns critérios, o tempo de contribuição, a idade, o tipo de atividade ou as incapacidades que contraiu durante a vida laboral. A aposentadoria que é permitida por idade é dada a pessoa que comprovar o mínimo de 180 contribuições/pagamentos e ter a idade mínima de 60 para mulheres e 65 para homens. Já para a aposentadoria por tempo de serviço, são necessários 30 anos de contribuição para mulheres e 35 para homens, não possuindo idade mínima. E quanto menor a idade no ato da aposentadoria, menor será o valor recebido. Para essa modalidade também é necessário o tempo de carência de 180 contribuições. Existem outras regras para a concessão da aposentadoria, como por invalidez, que se dá por meio de um laudo médico, e a especial, que ocorre através do tempo de trabalho e exposição excessiva aos agentes nocivos à saúde (Brasil, 2015). Contudo, a aposentadoria precisa ser compreendida não somente como uma questão jurídica, mas como um fenômeno que envolve e afeta as dimensões psicológicas e sociais do ser humano (Antunes, Soares, & Silva, 2015).
A partir da problemática apresentada, pode-se perceber a necessidade de se articular teoricamente novas discussões acerca da intersecção envelhecimento, aposentadoria e reinserção de idosos no mercado de trabalho. Assim, diante da complexidade que envolve os efeitos do processo da aposentadoria na sociedade (Antunes, Soares, & Silva, 2013), esse estudo objetiva problematizar o processo de reinserção de idosos no mercado de trabalho através da etnografia de tela do filme Um Sr. Estagiário.
Método
O presente estudo possui caráter qualitativo com delineamento descritivo-exploratório (Gil, 2010). A pesquisa qualitativa dedica-se a responder questionamentos bem específicos, detendo-se a um nível de realidade que não pode ser quantificada (Minayo, 2001). A pesquisa qualitativa está relacionada a compreender sobre o universo dos significados, crenças, valores e atitudes dos indivíduos de uma população (Minayo, 2001). O objetivo dela é ser exploratória, não se limitando na obtenção de números como resultados, mas em emergir aspectos subjetivos de forma espontânea dos entrevistados (Minayo, 2001).
A etnografia de tela é definida como um diálogo que existe entre a revisão de literatura e o objeto de estudo do pesquisador, na qual faz-se, inicialmente, uma decomposição do filme (cenas, personagens, planos) e, logo após, a reconstrução do mesmo para apresentar o modo de articulação entre os elementos assinalados (Penafria, 2009). Rial (2005) denomina etnografia de tela como o estudo de textos da mídia, no qual possuem seus próprios procedimentos de etnografia (longo período de contato com o campo/filme; observação sistemática; registo em caderno de campo; escolha de cenas mais aprofundada/personagem/enredo). Desse modo, é necessário analisar o filme dentro de um contexto sociocultural, e perceber de que ponto a obra está sendo vista e que provocações ela causa (Balestrin & Soares, 2014).
Foi realizada uma etnografia de tela do filme Um senhor estagiário (2015) e foram escolhidas as cenas que se relacionavam com o objetivo do estudo. Para a realização da etnografia desta pesquisa utilizou os seguintes critérios: um longo período de familiaridade com o filme, sendo assistindo 10 vezes, totalizando 20 horas e 10 minutos de exposição, anotações em um diário de campo, observação sistemática e descrição das cenas que se relacionavam com o objetivo da pesquisa.
Os achados deste estudo apresentam três categorias analíticas: 1) Interações entre a reinserção de idosos no mercado de trabalho e novas tecnologias, 2) Processos intergeracionais e 3) Resiliência na velhice. Essas categorias surgiram a partir das cenas do filme que fortemente mostram o processo de reinserção do idoso no mercado de trabalho. Essas cenas são ilustradas em cada categoria a fim de possibilitar uma maior compreensão desse fenômeno.
Resultados e discussões
O presente estudo problematiza o envelhecimento a partir da realidade vivida no filme Um senhor estagiário. O filme foi dirigido por Nancy Meyers, e demonstra em seu enredo o processo de inserção do idoso no mercado de trabalho após a aposentadoria. O filme narra a história de Ben Whittaker, um viúvo aposentado de 70 anos, ex-executivo que trabalhou durante 40 anos em uma empresa que produzia listas telefônicas e descobre que a aposentadoria não era exatamente como imaginava. Em busca de uma oportunidade para voltar ao trabalho, se candidata a vaga de estagiário sênior em uma empresa de site de roupas on-line.
Mesmo enfrentando o choque de gerações e o uso das novas tecnologias que alteraram o ritmo das atividades laborais, Ben conquista os seus colegas de trabalho e se aproxima cada vez mais de Jules Ostin, sua chefe que se torna sua amiga. Jules por sua vez, é a uma jovem empresária bem-sucedida que gerencia uma empresa moderna online, em um ambiente bastante descontraído e inovador. Mesmo possuindo muitos problemas para resolver dentro da empresa, ela faz questão de observar e acompanhar de perto o trabalho de todos os seus funcionários e cada detalhe do andamento dos produtos desenvolvidos dentro da empresa para uma maior satisfação dos seus clientes. Jules e Ben possuem uma relação que não limita-se apenas ao ambiente físico da empresa e das relações entre funcionário e chefe, mas de amizade e cumplicidade no trabalho e na vida.
Ben também possui uma ótima relação com os seus colegas estagiários mais novos e um deles é o Jay, um jovem descolado que entende tudo sobre tecnologia e mídia sociais, porém não sabe nada sobre o universo feminino. Então Ben o ensina como conquistar uma mulher e a importância de um delicado lencinho de bolso, fenômeno que para Ben é um item de cavalheirismo indispensável para ser gentil com uma dama. Ou seja, novas relações intergeracionais e interpessoais começam a se estabelecer no cotidiano de Ben.
Após o filme ser assistido, observado detalhadamente e discutido, os resultados apontam três categorias que expõem sobre o processo de reinserção do idoso no mercado de trabalho: interações entre a reinserção de idosos no mercado de trabalho e novas tecnologias; processos intergeracionais; e resiliência na velhice. Deste modo, observa-se que os dados possibilitaram a discussão aprofundada do cenário vivido na velhice de Bem, personagem principal da trama.
Interações entre a reinserção de idosos no mercado de trabalho e novas tecnologias
O filme Um senhor estagiário narra a vivência que um idoso aposentado passa ao retornar ao trabalho. A primeira cena relata a solidão e o vazio que Ben sente ao estar aposentado e a falta que sente da sua esposa que faleceu há 3 anos e meio. Ben tenta aproveitar ao máximo a sua aposentadoria, viaja bastante, realiza atividades físicas, vai tomar café todos os dias pontualmente na mesma lanchonete. Porém, sempre sente o vazio quando volta para casa de viver a mesma rotina todos os dias, por estar aposentado, viúvo e sem a companhia do filho.
Na sociedade contemporânea, o trabalho é visto como uma atividade que envolve o ser humano em todas as suas dimensões ocupando um lugar importante na vida das pessoas (Antunes & Moré, 2014). O trabalho, além de contribuir para a sobrevivência financeira dos indivíduos, proporciona uma rede de relações e de contatos, estruturando o tempo de cada indivíduo e construindo espaço na sociedade através de direitos e obrigações.
Portanto, como ilustra o personagem Ben, ter um emprego e ser trabalhador no contexto social vivenciado hoje, possibilita ao idoso um status social de importância, valor e significado à vida em sociedade. – “Ben: Freud disse amor e trabalho, trabalho e amor. É só isso que existe. Bom, eu estou aposentado e minha esposa faleceu” (Nancy Meyers, 1 minuto e 20 segundos).
O desligamento do trabalho é considerado um período de incertezas e preocupações tendo em vista o desconhecimento e o preconceito que a sociedade tem sobre o processo de aposentadoria (Antunes, Soares, & Silva, 2013). Nesse sentido, o aposentado pode se deparar com sentimento de crise, devido rejeitar a sua condição de aposentado e o estereótipo de inutilidade que a sociedade impõe aos aposentados.
O trabalho não é visto somente um modo de sustento financeiro, ele simboliza a realização pessoal do indivíduo, pois através do trabalho há um reconhecimento social (Zanelli, Silva, & Soares, 2010). Ou seja, há uma necessidade nas pessoas de ter um sentimento e sensação de utilidade, de ser capaz e produtivo, de repassar o seu conhecimento e experiência profissional para os demais, estando acima do retorno financeiro que o trabalho traz (Pereira, 2002).
No início da sua aposentadoria, Ben gostava da sua vida de aposentado, na qual ele podia descansar bastante, viajar pelo mundo inteiro, sair da rotina e não ser dependente do relógio. Porém, com o passar do tempo, ele sente um vazio, uma angústia por não ter o que fazer durante todo o dia e o sentimento de inutilidade começa a florescer dentro dele. Esse sentimento de inutilidade fica explícito na sua fala ao ter que gravar um vídeo para concorrer a uma vaga de estagiário sênior na empresa com o objetivo de se reinserir no mercado de trabalho.
“Ben: No começo admito que gostei da novidade, era como faltar ao trabalho. Usei todas as milhas que guardei e viajei pelo mundo. Só que para onde quer que eu fosse, assim que voltava para casa a inutilidade daquilo partia pesado na cabeça. Percebi que a chave dessa coisa toda era continuar na ativa, levantar, sair de casa e ir para algum lugar. Qualquer lugar! Faça chuva ou faça sol, estou na starbucks [cafeteria] 7:15. Não dar para explicar, mas me faz sentir parte de um todo (Nancy Meyers, 1 minuto e 55 segundos).
A visão que se tem em torno da aposentadoria desconsidera todas as atividades que foram desempenhadas anteriormente pelo aposentado que lhe garantiram o direito à seguridade. O idoso que está apto à atividade desenvolvida no trabalho, torna-se refém da sua própria condição física e mental, uma vez que ele quer ser útil, se depara com as relações de poder que são exercidas pela sociedade, instituição, organização que não estão preparadas para recebê-lo. Desse modo, o idoso representa para o mercado de trabalho como um ser improdutivo, no qual deve abrir mão do trabalho para novas gerações, ocasionando a exclusão do trabalhador que não está atualizado a modernidade e aos novos conceitos que esse advento traz consigo. E esse sistema faz com que o idoso seja considerado improdutivo e impossibilitado de exercer suas funções que executou durante toda a sua vida profissional (Pinheiro, Ribeiro, & Souto, 2016).
Antunes, Moré e Schneider (2016) afirmam que as pesquisas realizadas sobre a temática da aposentadoria demonstram vários efeitos do afastamento do ambiente laboral na vida das pessoas. Dentre esses efeitos pode-se destacar, os prejuízos emocionais e na vida social de uma pessoa após a aposentadoria. Os laços que são construídos e fortalecidos durante a carreira profissional e o sentimento de utilidade, ao serem quebrados com a vinda da aposentadoria geram um sentimento de tristeza que pode ocasionar uma futura depressão, comprometendo a boa qualidade de vida do idoso.
Na segunda parte da história, Ben tenta se reinserir no mercado de trabalho em uma empresa de moda feminina em plena ascensão. A empresa “Sob medida.com” é extremamente moderna, tanto em sua tecnologia quanto em sua dinâmica de trabalho. A tecnologia possibilitou grandes transformações no modo de trabalho. Com o auxílio do computador, as pessoas podem realizar compras sem sair de casa, trocar e receber informações, conhecer muitas pessoas pelo mundo inteiro e se candidatar a uma vaga de emprego. Para concorrer à vaga, Ben deveria gravar um vídeo e postar no youtube. Sem entender e conhecer quase nada sobre tecnologia, recorreu ao neto de 9 anos para ajudá-lo.
Ben: Cartas de apresentação são antiquadas, mostre quem você é no vídeo de apresentação. Descarregue seu vídeo no youtube ou via e-mail usando os arquivos OGG, AVI, GIF e MPG. Nós queremos conhecer você! Bom, acho que é isso que é conhecer (Nancy Meyers, 4 minutos).
A sociedade contemporânea está passando por um processo de transformação em todas as suas áreas do conhecimento humano. As tecnologias têm gerado impactos que provocam alterações no estilo de vida da sociedade, nos seus hábitos, condutas e comportamentos. E isso tem gerado transformações não só na geração mais nova como também nas populações mais idosas. Cada vez mais o manuseio da internet e do computador vem ganhando importância em vários segmentos da sociedade. Desse modo, surge a crescente necessidade das pessoas tornarem-se integrantes de um universo cada vez mais digital e interativo (Maciel, Pessin & Tenório, 2012).
O público mais jovem não possui tanta dificuldade em fazer parte desse novo universo, tendo em vista que já nasceram imersos na tecnologia. Contudo, as gerações mais velhas tem apresentado inúmeras dificuldades de ingressar neste novo universo, devido à diferença de contextos sociais no qual nasceram. Alguns idosos que nasceram anteriormente à era do universo da internet, não conseguem absorver e extrair da mesma forma os mesmos benefícios que os mais jovens conseguem assimilar (Kachar, 2010). Já os idosos que estão inseridos no mundo virtual não se sentem tão excluídos e isolados da sociedade (Morris, 1994).
Incluir o idoso no contexto do mundo digital pode contribuir para o bem-estar do idoso, diminuindo o sentimento de inutilidade e o isolamento que sentia devido não fazer parte desse universo, possibilitando assim, o estreitamente de laços entre gerações (Kachar, 2001). No diálogo entre Ben e sua chefe no trabalho chamada Jules, pode-se perceber como a aproximação do idoso com as redes sociais e o suporte de apoio podem contribuir para aproximar gerações.
Jules: Tá no facebook? - Ben: Estou tentando ver como é, acabei de entrar há 10 minutos. -Jules: Antes tarde do que nunca. Quer ajuda? Agora você oficialmente faz parte da geração facebook (Nancy Meyers, 2015, 53 minutos e 16 segundos).
A inclusão do idoso no mundo digital configura-se como uma ferramenta de estreitamento existente entre as gerações e na participação nas novas formas de relações sociais (Pasqualotti & Both, 2008). Nesse contexto, a socialização do idoso no universo digital possibilita aos idosos melhor qualidade de vida gerando um sentimento de satisfação e vínculo nas relações.
Processos intergeracionais
Viver em sociedade é extremamente importante, a vivência em grupo possibilita assimilar novas formas de linguagem, comunicação, regras acerca do convívio social, conhecimento de si e do mundo (Cachioni & Aguilar, 2008). Possuir contatos sociais com diferentes gerações possibilita ricas trocas de experiências entre elas. Em contrapartida, a ausência desse contato intergeracional pode possibilitar a presença e manutenção de preconceitos e estereótipos na velhice (Tarallo, Neri, & Cachione, 2017).
O conceito de geração pode ser definido como um conjunto de pessoas que nasceram em uma mesma época, que viveram os mesmos fatos históricos e partilham de uma mesma experiência comum (Chiuzi, Peixoto, & Fusari, 2011). A partir dessa experiência comum, as pessoas percebem e experimentam o mundo à sua volta. Ou seja, pertencer a uma geração é como pertencer a uma classe social, legitimando assim, as diferenças intergeracionais. Uma vez que os sujeitos, posicionados nas suas respectivas gerações, seriam influenciados a olhar e a perceber o mundo de uma forma peculiar e distinta daqueles que nasceram em outras gerações (Borges & Magalhães, 2011).
No diálogo existente entre Ben e seu colega de trabalho chamado Jay, no qual o aposentado lhe dá conselhos sobre como reconquistar uma garota, pode-se observar que a interação entre as gerações pode possibilitar contribuições bastante produtivas e positivas que vão ao encontro das necessidades do jovem.
Ben: Falou com ela? Pediu desculpas e disse o que ela significa para você? - Jay: Mandei mensagem bilhões de vezes. Ela não respondeu e daí eu mandei um e-mail. Foi tipo um e-mail bancada, bem longo, bem pensado. No assunto eu escrevi me desculpe cheio de ‘’uuu’. Mandei junto com emoction chorando, com lágrima. Acho que eu devia falar com ela, né? -Ben: não vai fazer nenhum mal (Nancy Meyers, 2015, 22 minutos e 54 segundos).
A interação de idosos nas atividades intergeracionais possibilita aos idosos e às outras gerações um resgatar a sua autoestima, na valorização e no reconhecimento de se sentir integrado e integrador a um todo, pertencente à sociedade (Newman, 2011). A integração entre as gerações por meio das atividades intergeracionais podem proporcionar benefícios tanto aos jovens como aos mais velhos, os quais aprenderão juntos por meio da experiência (Tarallo, Neri, & Cachione, 2017).
Ben e Jules, sua chefe, ao longo do filme, vão construindo laços de amizade que podem ser observados no diálogo que possuem em algumas cenas do filme. Uma das cenas, é quando os dois viajam para outra cidade a trabalho e após um alarme falso de incêndio ser acionado no hotel que estão hospedados, Jules convida-o para conhecer o seu quarto e a partir daí iniciam um diálogo onde Ben fala sobre a sua falecida esposa.
Ben relata que foi casado com a sua esposa chamada Moly durante 42 anos. Tiveram um filho e dois netos que moram em São Francisco. Se conheceram quando tinham por volta dos vinte anos de idade, e então os dois decidiram envelhecer juntos. Para Ben, Moly era uma pessoa incrível, ela foi diretora de uma escola e era muito querida por todos. A característica que mais admirava em sua esposa era a simplicidade que percebia a vida, mesmo com a sua batalha contra o câncer, levava a vida com muita facilidade e leveza.
O filme apresenta a situação da perda do cônjuge que também é algo comum na velhice. Ben, ao relatar sobre a sua esposa, de certa forma, traz em sua fala a falta que ele sente de sua esposa. A forma como Ben fala de sua esposa Moly demonstra o afeto e o amor que eles construíram no casamento. Muitas vezes, a vivência intensa de uma relação de amor pode fortificar a dor no momento da perda do cônjuge (Parkes, 2009). O isolamento pode ser umas das estratégias de enfretamento que o enlutado encontra para conviver diante dessas situações (Parkes, 2009).
Possuir vínculos sociais e uma rede de apoio com as pessoas sejam da família, amigos, colegas de trabalho, fortalece a saúde, uma vez que esses vínculos sociais podem estimular o senso de significado e minimizar o estresse (Papalia & Feldman, 2013). Os indivíduos que estabelecem contato com outras pessoas possuem a probabilidade de ter hábitos saudáveis, a troca mútua de ajuda nas relações possui uma influência positiva no bem-estar psicológico (Ramos, 2002). A relação de Ben e Jules é um exemplo que as trocas de experiências entre as gerações trazem benefícios para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, pode-se verificar no diálogo entre eles quando Jules vai até a sua casa antes de ir trabalhar.
- Ben: Acho que veio aqui porque queria ouvir algumas verdades. - Jules: Sim, talvez eu tenha vindo aqui porque você é o meu. - Ben: Estagiário? - Jules: eu ia dizer estagiário e melhor amigo (Nancy Meyers, 2015, 1 hora e 48 minutos).
Através do vínculo entre Jules e Ben, pode-se perceber que o contato entre as gerações contribui para uma melhor do processo de envelhecimento, aumentando a empatia entre os mais jovens e a população mais velha, proporcionando harmonia e bem-estar dentro da empresa, além de fortalecer os vínculos e princípios dentro dos processos intergeracionais.
Resiliência na velhice
O termo resiliência nasceu no âmbito da física e da engenharia, podendo ser definida como a capacidade que um material possui de armazenamento de energia de deformação e essa energia não lhe traz alterações permanentes no seu material (Barreiras & Nakamura, 2006). Para Garcia (2001), existem três tipos de resiliência, a social, emocional e acadêmica. A resiliência social está relacionada com fatores ligados ao sentimento de pertença, relacionamentos íntimos com familiares e amigos. Ou seja, modelos sociais que promovem a aprendizagem de solução de problemas. Ben possuiu um bom relacionamento diário com a sua esposa durante 42 anos e estabilidade com os filhos.
Outro exemplo de resiliência social é a estabilidade financeira, a saúde e a disposição para o trabalho e a experiência na área administrativa. Já a emocional está interligada as experiências e vivências que trazem sentimentos de auto eficácia, autoestima e autonomia. Pode-se perceber esse outro tipo de resiliência no filme na facilidade de Ben em criar vínculos facilmente com os seus colegas de trabalho e com a sua chefe. A prática regular de exercícios de Tai chi chuan e a sua calmaria em lidar com as situações. E a resiliência acadêmica incorpora a escola como um lugar que possibilita a aprendizagem de habilidades para resolução de conflitos através de agentes educacionais. Ben possui instrução acadêmica em administração e a prática no trabalho.
Por outro lado, mesmo levando em consideração a experiência prolongada do idoso no mercado de trabalho, o idoso (após a aposentadoria), torna-se desvalorizado socialmente (Bulla & Kaefe, 2003). Ou seja, o aposentado sofre discriminação em dobro, por ser idoso e estar aposentado, sendo considerado inútil e que precisa ser trocado por uma pessoa mais jovem.
Portanto, para a sociedade capitalista, o envelhecimento se tornou estigmatizado, tornando-se sinônimo de inutilidade, negatividade e geradora de sofrimento (Laranjeira, 2010; Papalia & Feldman, 2013). Assim, ao conseguir se reinserir no mercado de trabalho, Ben encontrou alguns obstáculos, o uso das tecnologias nos processos de trabalho, o preconceito dos seus colegas e da própria fundadora em achar que ele não teria a capacidade de ser seu estagiário, alegando que ele deveria ir para um setor onde as coisas acontecem mais lentamente. Mas, com o passar do tempo, Ben consegue se adaptar a empresa e conquistar os seus colegas. Bem é promovido de setor e passa a trabalhar diretamente com a fundadora Jules, ajudando no controle da contabilidade da empresa. - Jules: No começo, eu achei que isso não ia dar certo, mas eu estava errada (Nancy Meyers, 2015, 59 minutos e 42 segundos).
A resiliência é considerada como um construto psicossocial bastante relevante para entender como é desenvolvido o mecanismo de superação das adversidades em idosos (Araújo & Silva, 2017). E pode ser definida também como uma resistência que é adquirida mediante a exposição às adversidades ou riscos psicossociais (Coimbra & Morais, 2015). Ou seja, os idosos resilientes, ao invés de se esquivarem do risco, possuem a habilidade de se adaptarem diante dele. É considerada como um atributo fluido, podendo uma pessoa agir bem em uma situação e em outra reagir de outro modo. Pois, a resiliência não depende apenas das características pessoais do indivíduo, mas dos locais onde os sujeitos existem e fazem as trocas das suas experiências (Araújo, Teva, & Bermúdez, 2015).
No filme, Ben conhece uma colega de trabalho que se chama Fiona, massagista da empresa onde é estagiário. Os dois começam a se encontrar e, a partir de então, a se relacionarem.
[...] - Ben: Conto minha história em 10 segundos. Viúvo, com filho, 2 netos. Passei a vida fabricando listas telefônicas que não tem mais serventia. Atualmente trabalho como estagiário e me divirto muito. A melhor noticia é que estou afim de uma garota que eu conheci no trabalho. - Fiona: Divorciada, 3 lindas filhas, um neto muito esperado que está a caminho. Faço massagem com hora marcada, adoro o meu trabalho. E finalmente conheci um homem que me sinto muito bem (Nancy Meyers, 2015, 1 hora e 20 minutos).
Ao estabelecer contatos sociais com as pessoas, o ser humano, em algum momento da sua vida, passará por conflitos. Esses conflitos podem se dar por meio de uma discussão conjugal, morte de um parente, perdas de bens materiais, preconceito contra a idade, gênero ou sexualidade. E essas situações adversas podem se tornar para alguns traumáticas, impossibilitando de prosseguir com a sua vida. Já para outros, como um processo mais elaborado que deve ser encarado e superado (Angst, 2009).
Portanto, a resiliência na velhice pode ser descrita como o resultado da adaptação do individuo perante eventos adversos, onde se mantém bem-sucedido mediante os conflitos da vida. A resiliência na velhice é um recurso que pode ser considerado como mediador e protetor (Araújo & Silva, 2017). Através dela os idosos conseguem possuir um mecanismo de enfrentamento para lidar com os eventos negativos e adversos e com as perdas que são inerentes ao envelhecimento humano.
Considerações finais
A presente pesquisa buscou articular teoricamente as discussões acerca da intersecção envelhecimento, aposentadoria e reinserção de idosos ao mercado trabalho. Para tanto, utilizou a etnografia de tela para alcançar de modo mais intenso o contexto analisado, em que foram encontradas três categorias analíticas: 1) Interações entre a reinserção de idosos no mercado de trabalho e novas tecnologias, 2) Processos intergeracionais e 3) Resiliência na velhice.
Nesse sentido, a realização da etnografia de tela do filme Um senhor estagiário permitiu, de modo mais aprofundado, a discussão do contexto de idosos que vivenciam o preconceito e discriminação pela sociedade, por motivos etários e/ou de aposentadoria e a vivência dos processos de resiliência frente ao prolongamento da vida.
O estudo revelou que ainda se faz necessário discutir o papel do idoso na sociedade, em que a dificuldade que ele possui em ingressar no mercado de trabalho pode estar interligada a várias questões que devem ser compreendidas por um olhar mais amplo, e uma dessas questões é a vivência da discriminação por ser idoso. Assim, de acordo com os resultados, envelhecer configura-se como um fenômeno complexo e emergencial, que carece de articulações científicas e práticas, para que se possibilite viver mais e com qualidade de vida.
Nesse sentido, faz-se cada vez mais necessário problematizar cenários que incluam a população que mais cresce de maneira significativa em todo o mundo, para que se ampliem suas redes de relações interpessoais e intergeracionais, ocasionando ao mesmo tempo, uma redução do isolamento social e estimulando a processos psicossociais, além proporcionar ao idoso uma melhoria na sua qualidade de vida e satisfação pessoal (Kreis, et al., 2007).
Espera-se com essa pesquisa contribuir para uma melhor compreensão sobre o processo de envelhecimento e desmitificar a visão negativa que a sociedade possui sobre o idoso. Diante da limitação dessa investigação, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas no modelo adaptado para a cultura brasileira, que as políticas públicas direcionadas ao público mais velho possam ser reformuladas, não se limitando apenas a garantias de cuidados a saúde. Mas de integração e reinserção do idoso na sociedade e no mercado de trabalho.
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Endereço para correspondência
Juliana Fernandes-Eloi
E-mail: julianafernandeseloi@gmail.com
Enviado em: 09/01/2018
1ª revisão em: 31/10/2018
2ª revisão em: 04/03/2019
Aceito em: 24/05/2019
1 Psicóloga, Doutora em Psicologia (UNIFOR), Professora Universitária no Centro Universitário Christus (Unichristus) e no Centro Universitário Estácio do Ceará.
2 Psicóloga, especialista em saúde mental.
3 Psicóloga, mestranda em Psicologia (UNIFOR).