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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.8  Rio de Janeiro ago. 2006

 

Revisão

 

Conseqüências neuropsicológicas do uso da maconha em adolescentes e adultos jovens

 

Neuropsychological consequences of cannabis use in adolescents and young adults

 

Maisa dos Santos Rigoni; Margareth da Silva Oliveira; Ilana Andretta

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


Resumo

O interesse de pesquisas relacionadas ao consumo de Maconha tem aumentado, indicando que é a droga ilícita mais usada no Brasil entre estudantes. O uso crônico da maconha pode levar a déficits cognitivos. Neste artigo, realizou-se uma revisão de estudos sobre conseqüências neuropsicológicas do uso de maconha em adolescentes e adultos jovens, através de buscas em bases de dados PsycInfo e Pro Quest, entre 2000 e 2005, com as palavras-chave drugs, cannabis, adolescence, young people, teenager, evaluation cognitive, assessment cognitive and cognitive functions. Também foram consultados os acervos da Biblioteca Central da PUCRS e o site SCIELO. Encontraram-se poucos artigos sobre esta temática, e a maioria sugere alterações significativas no funcionamento cerebral e neuropsicológico em usuários graves de maconha que afetam funções associadas direta ou indiretamente ao Córtex Pré-frontal, como atenção, memória, funções executivas e funções psicomotoras. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 118-126.

Palavras-Chave: adolescência; maconha; funções cognitivas.


Abstract

The interest in researches related to cannabis use has been increasing, indicating that this is the most used illicit drug among students in Brazil. The chronic use of cannabis may lead to cognitive losses. This article reviewed studies about neuropsychological consequences of cannabis use among adolescents and young adults, making use of data basis PsicInfo and Pro Quest between 2000 and 2005, using the following key words for the search: drugs, cannabis, adolescence, young people, teenager, cognitive evaluation, cognitive assessment and cognitive functions. The main library of PUCRS and the site SCIELO were also used. There are few articles about this theme, and most of them suggest significant changes in brain functioning as well as neuropsychological functioning in heavy cannabis users, affecting functions associated directly or indirectly to the prefrontal cortex, such as attention, memory, executive and psychomotor functions.© Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 118-126.

Keywords: adolescence; cannabis; cognitive functions.


 

 

Introdução

Os estudos referentes ao uso da maconha vêm aumentando de forma progressiva, como descritos na literatura internacional com estudos de Bolla, Brown, Eldreth, Tate e Cadet (2002); Budney Hughes, Moore e Novy (2001); Hall e Solowij (1998); Pope, Gruber e Yurgelun-Todd (1995); Pope e Yurgelun-Todd (1996); Pope, Gruber, Hudson, Huestis e Yurgelun-Todd (2001); Pope e colaboradores (2003); e, Solowij e colaboradores (2002). A relevância desta temática se justifica pelo aumento do uso de maconha em todo o mundo, citando como exemplo os Estados Unidos da América (EUA), onde houve um aumento importante de usuários dependentes que fazem uso nocivo de maconha quando compara-se dois diferentes períodos: entre os anos de 1991-1992 e 2001-2002 (30,2% e 35,6%, respectivamente), assim como ocorreu um aumento no teor de tetrahidrocannabinol (THC), elemento psicoativo da maconha, na amostra de maconha consumida entre os anos 2001-2002 (5,11%) quando comparada a amostras consumidas entre 1991-1992 (3,01% de THC) (Associação Brasileira de Psiquiatria, 2005).

Identificamos pesquisas nacionais que também estudam temas relacionados ao consumo de maconha, como as desenvolvidas por Crippa e colaboradores (2005); Laranjeira, Jungerman e Dunn (1998); e, Lemos e Zaleski (2004). Estes pesquisadores têm investigado os efeitos e as repercussões neuropsicológicas relacionadas ao consumo de maconha.

A ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, 2005) relata que o interesse de pesquisas relacionadas ao consumo de maconha tem aumentado em função de: um maior número de pessoas ter utilizado esta droga, de o uso inicial ter ocorrido mais cedo, e de a concentração de THC ter aumentado. Aumentam também os estudos que discutem os efeitos adversos agudos e crônicos da maconha.

Segundo pesquisa realizada com alunos do Ensino Médio e Fundamental, da rede pública de ensino, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID (1997) a maconha é a droga ilícita mais usada no Brasil. No levantamento de 1997, as capitais que apresentaram maior consumo foram Curitiba (11,9%) e Porto Alegre (14,4%). Constatou-se que 7,6% dos estudantes relataram já ter experimentado maconha uma vez na vida. No estudo realizado por Saibro e Ramos (2003), com 1586 estudantes, em 14 escolas públicas e privadas do ensino médio e fundamental de Porto Alegre, verificou-se que o uso de maconha teve seu pico de experimentação na faixa etária dos 14 aos 16 anos (72,5%), sendo a prevalência de uso na vida (uso experimental) de 21% nesta população.

Além de observarem que o consumo de maconha tem aumentado entre os adolescentes, alguns estudos abordam os prejuízos acarretados ao longo do tempo, devido a este uso.

Há evidências de que o uso prolongado de maconha é capaz de causar prejuízos cognitivos relacionados à organização e integração de informações complexas, envolvendo vários mecanismos de processo de atenção e memória (Ribeiro e Marques, 2002). As alterações neuropsicológicas relevantes identificadas em usuários crônicos desta substância são déficits em tarefas psicomotoras, atenção e memória de curto prazo (Pope et al., 1995). Após períodos breves de tempo de uso desta substância, em alguns casos, são detectadas dificuldades de aprendizagem em função de prejuízos na memória de curto prazo. Também prejuízos da atenção podem ser detectados a partir de fenômenos tais como aumento da vulnerabilidade à distração, afrouxamento das associações, intrusão de erros em teste de memória, inabilidade em rejeitar informações irrelevantes e piora da atenção seletiva. Tais prejuízos parecem estar relacionados ao tempo de uso, mas não a freqüência do consumo de maconha (Pope e Yurgelun-Todd, 1996).

Diante do exposto, faz-se necessário estudos que possam clarificar os efeitos neuropsicológicos do uso da maconha devido ao crescente aumento do consumo desta substância na adolescência e suas conseqüências adversas na vida deste adolescente. A Associação Brasileira de Psiquiatria (2005) lembra que a adolescência é um momento da vida de maior vulnerabilidade e que pode favorecer a experimentação e a manutenção do uso de maconha: fatores, como, por exemplo, o baixo rendimento escolar, uso de outras substâncias psicoativas como álcool e o tabaco, por parte do próprio adolescente ou de amigos seus, delinqüência, e desestrutura familiar contribuem para a manutenção do comportamento do uso de substâncias.

Este artigo buscou realizar uma revisão bibliográfica de estudos sobre as conseqüências e os efeitos neuropsicológicos associados ao uso de maconha em adolescentes e adultos jovens.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica por meio de buscas em bases de dados PsycInfo e ProQuest, entre 2000 e 2004, com as palavras-chave drugs, cannabis, adolescence, young people, teenager, evaluation cognitive, assessment cognitive and cognitive functions. Na procura de artigos de revistas não indexadas foram consultados os acervos da Biblioteca Central da PUCRS e o site SCIELO. Também foram consultados alguns estudos de anos anteriores e de 2005 que se mostraram relevantes.

 

Resultados

Na busca às bases de dados, foram encontrados 101 estudos, mas poucos se referiam a temática proposta por este artigo. Apesar de poucos estudos encontrados abordarem as conseqüências neuropsicológicas do uso de maconha em adolescentes e adultos jovens, alguns realizaram pesquisas relevantes que são expostas a seguir. Estes dados encontrados nos levam a pensar que mais pesquisas envolvendo este assunto necessitam ser realizadas, principalmente estudos com adolescentes.

Neuropsicologia e abuso de drogas

De acordo com a Psicologia Clássica, o abuso de substâncias pode ser explicado pela tendência do ser humano a repetir condutas que produzem prazer e evitam o desprazer. As drogas atuam em zonas do cérebro associadas às emoções positivas e que estimulam condutas incentivadoras. Atualmente, sabe-se que os mecanismos de recompensa produzidos pelas drogas no cérebro envolvem, de maneira relevante, ao menos seis sistemas neurotransmissores (dopamina, serotonina, acetilcolina, glutamato, GABA e diversos peptídeos) e seis áreas cerebrais (sistema mesolímbico, núcleo pálido ventral, hipocampo, hipotálamo, amígdala e núcleo pendúlo-pontino-tegmental) (Ustárroz et al., 2003).

O funcionamento neuronal pode ser alterado pelo uso de qualquer droga com conseqüente modificação do desempenho das funções cerebrais, tais como todo o processo do pensamento normal, sensopercepção, atenção, concentração, memória, sentimentos, emoções, coordenação motora, nível intelectual, entre outras (Mattos, Alfano e Araújo, 2004).

Do ponto de vista médico, as drogas de abuso ou uso recreacional são classificadas conforme sua forma de agir no cérebro, podendo ser divididas entre as depressoras ou estimulantes da atividade cerebral e as alucinógenas. Inicialmente, as drogas produzem uma sensação agradável de bem-estar devido a sua ação direta ou indireta sobre a via neuronal cerebral dopaminérgica mesolímbica, ou via do reforço, da gratificação ou do prazer, responsável pela nossa capacidade de sentir prazer e/ou satisfação em diferentes situações. Encontramos, na classificação de drogas alucinógenas, a cannabis, ou maconha, mescalina, ayhuasca, psilocibina, LSD, ecstasy, club drugs, triexfenidila e ketamina. Essas drogas perturbam o funcionamento do sistema nervoso central sem deprimir ou estimular as funções cerebrais. Alteram as percepções sensoriais, no pensamento e nos sentimentos, causando experiências alucinatórias vívidas (Lemos e Zaleski, 2004).

Efeitos do uso da maconha

No Brasil, maconha é o nome popular dado à planta de nome científico Cannabis sativa; ela pode ser preparada de diferentes formas; o que varia em seu preparo é o conteúdo do ingrediente ativo, o tetrahidrocannabinol (THC), droga psicoativa que afeta a mente e o corpo (Longenecker, 1998).

Estudos apontam a existência de um sistema neurotransmissor canabinóide endógeno, que modula outros sistemas de neurotransmissão, entre eles o dopaminérgico (Lemos e Zaleski, 2004). Há numerosos receptores de THC no sistema nervoso central, principalmente no cerebelo, núcleos da base e hipocampo, que atuam sobre o equilíbrio, os movimentos e a memória. A partir da descoberta de receptores de THC, passou-se a pesquisar um composto natural que agisse normalmente sobre eles; assim, recentemente se identificou a anandamida, que é um composto que interage com estes receptores (Longenecker, 1998).

Alguns autores classificam a maconha como uma droga alucinógena (Laranjeira et al., 1998; Lemos e Zaleski, 2004), mas Schuckit (1991) ressalta que, embora a maconha seja algumas vezes classificada desta forma, nas doses mais frequentemente usadas, os efeitos preponderantes são a euforia e uma alteração no nível de consciência sem alucinações francas. Os efeitos do THC são no cérebro, coração ou aparelho cardiovascular e pulmões. A maioria destas alterações ocorre de maneira aguda e parecem ser reversíveis. Os usuários tendem a desenvolver problemas com a memória recente e podem apresentar um prejuízo da capacidade de desempenhar tarefas com etapas múltiplas.

Os efeitos prazerosos da maconha são: sensação de relaxamento, os cinco sentidos ficam mais aguçados, qualquer coisa torna-se divertida, euforia e aumento de prazer sexual. Já os efeitos que causam desprazer são: ansiedade, pânico, paranóia, diminuição das habilidades mentais especialmente da atenção e memória, diminuição da capacidade motora e aumento do risco de ocorrerem sintomas psicóticos (Laranjeira et al., 1998).

O uso crônico da maconha provoca déficits de aprendizagem e memória, diminuição progressiva da motivação (isto é, apatia e improdutividade, o que caracteriza a "síndrome amotivacional"), piora de distúrbios preexistentes, bronquites e infertilidade (reduz a quantidade de testosterona). No caso de adolescentes, o déficit cognitivo está relacionado a dificuldades na aprendizagem e repetência escolar (Lemos e Zaleski, 2004).

A síndrome amotivacional está associada a um estado de passividade e indiferença, caracterizado por disfunção generalizada das capacidades cognitivas, interpessoais e sociais, devido ao consumo de THC (princípio ativo da maconha) que mesmo quando interrompido, os efeitos persistem durante anos. Para a Organização Mundial de Saúde esta síndrome está associada aos efeitos diretos da intoxicação crônica por THC (Gallego, 2002).

O uso crônico da maconha também provoca náusea e fadiga crônica, letargia, dor de cabeça, de garganta crônica, irritabilidade, congestão nasal, piora da asma, infecções freqüentes nos pulmões, diminuição da coordenação motora, alteração na memória e atenção, alteração da capacidade visual e do pensamento abstrato, problemas menstruais, impotência, diminuição da libido e da satisfação sexual, depressão e ansiedade, labilidade e irritabilidade, ataques de pânico, tentativas de suicídio, isolamento social, afastamento do lazer e outras atividade sociais (Laranjeira et al., 1998).

Em um estudo controlado, com 12 pacientes ambulatoriais, na faixa etária de 18 a 50 anos, examinou-se a confiabilidade e especificidade dos efeitos da abstinência que ocorrem quando usuários diários de maconha param de fumar de forma abrupta. Avaliaram-se os mesmos, em 16 dias consecutivos, durante os quais eles fumaram como sempre (do 1º ao 5º dia - fase 1), ficaram abstinentes de maconha (do 6º ao 8º dia- fase 2), voltaram a fumar (do 9º ao 13º dia- fase 3) e novamente se abstiveram do uso (do 14º ao 16º dia - fase 4). Observou-se que estes sujeitos apresentavam aumento significativo de desconforto nas fases de abstinência e voltavam ao normal quando retomavam o uso. Fissura, diminuição do apetite, dificuldades de dormir e perda de peso mudaram nas fases de consumo e abstinência. Além disso, aspectos relacionados à agressividade, raiva, irritabilidade, inquietação e sonhos estranhos aumentaram significativamente durante a primeira fase de abstinência (Budney et al., 2001). Neste mesmo estudo , familiares confirmaram os relatos dos pacientes, e foi possível validar muitos efeitos específicos da abstinência de maconha em usuários graves, bem como foi demonstrado que estes dados são confiáveis e clinicamente significativos. Constatou-se, também, que estes efeitos da abstinência de maconha parecem semelhantes, em tipo e magnitude, àqueles observados em estudos de abstinência de nicotina (Budney et al., 2001).

Efeitos neuropsicológicos do uso da maconha

A maconha pode causar déficits na memória, atenção e na organização e integração de informações complexas. O uso prolongado de maconha está associado a déficits cognitivos, e a avaliação destas funções é necessária para verificar a reversibilidade em períodos de abstinência. Estudos em animais demonstram que a administração crônica de maconha pode comprometer o sistema endógeno canabinóide com prejuízos na memória, emoção e funções cognitivas (Hall e Solowij, 1998).

Em estudo realizado avaliando as conseqüências neuropsicológicas em 22 usuários de maconha, com uma média de idade de 20,7 a 24,6 anos, foram utilizados os seguintes instrumentos de avaliação da memória visual e verbal, atenção, destreza manual, velocidade psicomotora e funções executivas: Wechsler Adult Intelligence Scale- revised (WAIS-R), Wechsler Memory Scales- revised (WMS-R), Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT), Rey Osterreith Complex Figure, Symbol Digit Paired Associat Learning Test, Trails A e B, Stroop, Wisconsin Card Sorting Test (WCST) e Judgement of Line Orientation. A amostra foi dividida em grupos de usuários leves (2 a 14 cigarros de maconha por semana, no período de 2 a 6 anos), moderados (18 a 70 cigarros de maconha por semana, no período de 2 a 15 anos) e graves (78 a 117 cigarros de maconha por semana, no período de 3 a 15 anos), para verificar as diferenças existentes nos resultados destas funções cognitivas de acordo com o consumo de maconha. O principal resultado encontrado foi que o uso grave de maconha faz com que persistam as alterações cognitivas relacionadas ao Córtex pré-frontal, como a memória, funções executivas e destreza manual após 28 dias de abstinência (Bolla et al., 2002).

Em outro estudo para investigar as conseqüências cognitivas residuais em estudantes com uso grave de maconha, na faixa etária de 18 a 28 anos, a amostra constituída de 161 estudantes foi dividida em dois grupos: um grupo - com uso grave caracterizado pelo consumo de maconha no mínimo durante os 22 dias no último mês; e outro grupo - com consumo leve caracterizado pelo uso de, no máximo, 9 dias no último mês. Nesta amostra, as funções cognitivas avaliadas demonstraram que houve uma redução na função do sistema executivo e atencional compreendido pelo decréscimo na flexibilidade mental e perseveração, bem como redução na capacidade de aprendizado. Já nas funções cognitivas de fluência verbal, habilidade de retenção de novas informações, funcionamento e recuperação de memória, mostraram-se inalteradas. Os autores citam como limitação deste estudo não haver diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de usuários e sugerem que, em estudos futuros, comparem-se amostras de usuários e não usuários (Pope e Yurgelun-Todd, 1996).

Em uma revisão computadorizada da literatura nos indexadores Medline e PsycLIT entre 1966 e 2004 com os termos "cannabis", "marijuana", "neuroimaging", "magnetc resonance", "computed tomography", "positron emission tomography" e "single photon emission computed tomography", verificaram que estudos de neuroimagem estrutural apresentaram resultados conflitantes com a maioria dos estudos, não relatando atrofia cerebral ou alterações volumétricas regionais. Contudo, há uma pequena evidência de que usuários de longo prazo que iniciaram um uso regular no início da adolescência demonstraram atrofia cerebral, assim como redução na substância cinzenta. Estudos de neuroimagem funcional relatam aumento na atividade neural em regiões (lobos frontal e orbital) que podem estar relacionadas com intoxicação por cannabis e alterações do humor e redução na atividade de regiões relacionadas com funções cognitivas prejudicadas durante a intoxicação aguda (Crippa et al., 2005).

Em um estudo longitudinal com 70 sujeitos usuários exclusivos de maconha, com idades entre 17 e 20 anos, com o objetivo de determinar: se o uso atual e regular de maconha é preditivo para a queda de QI (Quociente Intelectual) nos níveis de pré-uso; se há diferenças de QI entre usuários graves e leves, ambos usuários freqüentes; se as conseqüências no QI permanecem após os sujeitos cessarem o uso de maconha por pelo menos 3 meses. Nesta amostra, foi aplicado o WISC, na pré-adolescência e antes da iniciação do uso da maconha, para se obter o QI na faixa etária dos 9 aos 12 anos. Posteriormente, quando esta população estava na faixa etária dos 17 aos 20 anos, aplicou-se o WAIS para a obtenção do QI. Dos 70 sujeitos, 37 não usavam maconha regularmente (o uso regular foi definido como consumo de pelo menos um baseado por dia) e não usaram maconha nas últimas duas semanas. Outros 9 sujeitos, foram considerados como ex-usuários por fumarem maconha regularmente no passado, mas não nos últimos 3 meses antes da avaliação; 9 sujeitos foram atualmente considerados usuários leves (consumo de menos de 5 baseados por dia; e 15 sujeitos foram atualmente usuários graves (o uso grave foi definido como, pelo menos, 5 baseados por semana) (Fried et al., 2002).

Este estudo constatou que o uso grave de maconha tem um efeito negativo no escore de QI global. Na média de QI global, a diferença foi de 4,1 pontos a menos para usuários graves, se comparados ao grupo de não usuários. Entretanto, este efeito negativo não foi observado no grupo de ex-usuários, que fumaram maconha regularmente no passado, mas não fumaram maconha nos últimos 3 meses antes da avaliação. Com isso, foi possível concluir que o uso de maconha não apresenta prejuízos na inteligência global, a longo prazo, após a suspensão do consumo.

Em um estudo realizado com 145 sujeitos, com idades entre 30 e 55 anos, foi avaliado o desempenho neuropsicológico de usuários de drogas no 1º, 7º e 28º dia após a interrupção do uso de maconha. Os sujeitos foram divididos em três grupos: o primeiro grupo de usuários graves havia fumado maconha pelo menos 5.000 vezes na vida e no último mês estava fumando diariamente; o segundo grupo havia fumado pelo menos 5.000 vezes na vida e, no máximo, 12 vezes nos últimos três meses; e o último grupo foi constituído por sujeitos que não fumaram mais de 50 vezes na vida. Comparando os resultados do 1º com o 7º dia de abstinência foram encontrados prejuízos na memória e aprendizagem. No entanto, no 28º dia de abstinência os prejuízos não foram mais detectados, sugerindo que os déficits cognitivos causados pela maconha podem ser um fenômeno reversível desde que investigados: a duração da exposição à droga, o tempo de uso na vida e os efeitos cumulativos pela quantidade de consumo (Pope et al., 2001).

Pope e colaboradores (2003) avaliaram 180 sujeitos, entre 30 e 55 anos de idade, que foram divididos em usuários de maconha com início precoce (antes de 17 anos de idade) e usuários de maconha tardios (início após os 17 anos de idade), para verificar se a exposição precoce à maconha estava associada a déficits cognitivos. Constataram que os usuários com início precoce demonstraram um desempenho cognitivo precário, principalmente em relação ao QI verbal. Estes resultados podem indicar que as diferenças entre os grupos podem ser inatas, anterior ao primeiro uso de maconha; o efeito neurotóxico da maconha pode ter desenvolvido um dano cerebral ou ser resultado de uma aprendizagem formal precária.

Solowij e colaboradores (2002) examinaram os efeitos do uso de maconha em 102 sujeitos, com idades entre 19 e 55 anos, sendo 51 usuários de longo-prazo (23,9 anos de uso) e 51 usuários de curto-prazo (10,2 anos de uso), e compararam com uma amostra de 33 sujeitos não usuários de drogas. Neste estudo, foram utilizados nove testes neuropsicológicos, e os resultados confirmam os prejuízos cognitivos entre usuários de maconha de longo-prazo que apresentaram déficits de memória e atenção, isto é, alterações em funções associadas direta ou indiretamente ao Córtex pré-frontal.

Cunha (2005) refere estudos que afirmam haver indícios eletrofisiológicos de que o uso da maconha está associado a problemas na resistência cerebrovascular, o que coloca o usuário crônico em situação de risco aumentado para acidente vascular cerebral (AVC). O THC atua principalmente nos receptores canabinóides chamados de CB1, que se localizam em regiões do hipocampo, amígdala e córtex cerebral, e seus efeitos agudos englobam prejuízos psicomotores, alterações de memória, atenção, estimulação do apetite, além dos efeitos analgésicos e antieméticos (alívio de náuseas).

 

Discussão dos resultados

Alguns autores evidenciaram que o uso prolongado de maconha pode causar prejuízos cognitivos em atenção, memória de curto prazo, tarefas psicomotores e funções executivas (Hall e Solowij, 1998; Pope et al., 1995; Pope et al., 1996; e, Ribeiro e Marques, 2002).

Já outros estudos detectaram que o uso grave de maconha propicia a persistência de alterações cognitivas associadas ao córtex pré-frontal, como memória, funções executivas e destreza manual, após 28 dias de abstinência da droga (Bolla et al., 2002). Também apontam que em usuários graves, há um efeito negativo no escore de QI global, mas não em ex-usuários, concluindo que o uso de maconha não apresenta prejuízos cognitivos em longo prazo após a suspensão do consumo (Fried et al., 2002).

Determinados estudos verificaram prejuízos cognitivos em usuários de maconha abstinentes de 1 a 7 dias, mas esses prejuízos se extinguiram no 28º dia de abstinência, sugerindo um fenômeno de reversibilidade destes prejuízos (Pope et al., 2001).

O que se pode concluir com estes achados é que o uso de maconha pode levar a déficits cognitivos tanto em usuários graves quanto em usuários de longo prazo. No entanto, o que gera contradição nos estudos é o que caracteriza um uso grave e o que determina um uso de longo prazo ou crônico.

Para Bolla e colaboradores (2002), um usuário grave consome de 78 a 117 baseados por semana, num período de 3 a 15 anos; já para Pope e colaboradores (2001), o usuário grave é aquele que fumou maconha pelo menos 5000 vezes na vida e fumou diariamente no último mês; Fried e colaboradores (2002) consideram um uso grave o consumo de mais de 5 baseados por semana; e, Solowij e colaboradores (2002) definiram um uso de longo prazo o consumo de maconha por 23,9 anos.

Diante disto, verificamos que faltam definições mais precisas que possam auxiliar os profissionais de saúde quanto à abordagem e tratamento de usuários de maconha.

Sabe-se que a maconha causa prejuízos cognitivos, mas persistem sem respostas questões como: Que tipo de usuário e por quanto tempo esses efeitos perduram após a abstinência? Isto reforça a necessidade de estudos com esta temática. Também há uma carência de estudos com populações mais jovens, adolescentes, que estão no início do uso de maconha e nem sempre percebem a presença de alguma dificuldade relacionada a este consumo.

A investigação relacionada a usuários recentes de maconha pode auxiliar na criação de programas de prevenção e divulgação de informações referentes aos cuidados com a saúde.

 

Considerações finais

A adolescência é um período conturbado, de muitas mudanças físicas e psicológicas que tornam o adolescente vulnerável ao uso de maconha, e as conseqüências deste uso, em alguns casos, podem ser fatais.

Esta revisão identificou na literatura especializada que o funcionamento cerebral e neuropsicológico em usuários graves de maconha poderia apresentar alterações significativas, afetando funções associadas direta ou indiretamente ao córtex pré-frontal, como: atenção, memória, aprendizagem, funções executivas, tomada de decisões, funcionamento intelectual e funções psicomotoras, mesmo após 28 dias de abstinência.

Estes prejuízos podem afetar de maneira crucial a vida dos usuários, podendo afetar a motivação para a realização de atividades do cotidiano e, mesmo, prejudicar a aderência aos tratamentos propostos. Apesar do aumento de estudos referentes ao uso da maconha, são necessárias mais pesquisas em neuropsicologia para que se possam detectar as conseqüências do uso desta substância, não só em usuários de longo-prazo, mas também em usuários recentes que, na maior parte das vezes, não percebe as pequenas alterações cognitivas associadas ao consumo de maconha.

 

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Notas

M.S. Oliveira
Endereço para correspondência: Programa de Pós Graduação em Psicologia (PUCRS). Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, 9 º andar, sala 932 / Porto Alegre, RS 90.619.900.
Telefone: (51) 3320-3633 ramal 217.
E-mail para correspondência: marga@pucrs.br.