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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versión On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.20 no.2 Rio de Janeiro mayo/ago. 2020

https://doi.org/10.12957/epp.2020.52586 

Estudos e Pesquisas em Psicologia
2020, Vol. 02. doi:10.12957/epp.2020.52586
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Depressão em Pais de Crianças com Deficiência Física:  uma Revisão da Literatura de 2013 a 2018

 

Depression in Parents of Children with Physical Disabilities: A Literature Review from 2013 to 2018

 

Depresión en Padres de Niños con Discapacidad Física: Una Revisión de la Literatura de 2013 a 2018

 

Diego Rodrigues Silva*; Rogerio Lerner**; Maria Cristina Machado Kupfer***
Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

Os primeiros anos do bebê são períodos sensíveis em que a disponibilidade dos pais é necessária para o desenvolvimento infantil. Estudos indicam que a detecção da deficiência física na criança aumenta o risco de depressão parental. Evidenciar suas causas e consequências para os pais e para a qualidade do vínculo que estabelecem com seus filhos é fundamental para fornecer os cuidados necessários a essas famílias. Este artigo revisa e discute a literatura acerca da depressão em pais de crianças com deficiência física nos últimos cinco anos. Os termos "disability", "depression", "parents" e "physical disability" foram utilizados nas bases PsycNET, Scopus, Web of Science, BVS e PEP-Web. Foram selecionadas 20 publicações. Os resultados revelaram que pesquisas quantitativas e transversais predominam, assim como o estudo das variações em relação à gravidade da deficiência. Quando detectada, a depressão foi frequentemente moderada, com aspectos singulares como culpa e remorso mediando sua probabilidade de ocorrência. Poucos estudos exploram como o sofrimento dos pais pode incidir sobre o aumento do grau de incapacitação motora da deficiência. Concluiu-se que o tempo transcorrido após o diagnóstico parece um fator preponderante, mas que agrega outros como reações ao diagnóstico e modos de elaboração. Pesquisas longitudinais futuras são necessárias para essa verificação.

Palavras-chave: deficiente físico, depressão (emoção), relações pais-criança.


ABSTRACT

Baby's early years are sensitive periods when parent's availability is necessary for the children development. Studies indicate that the physical disability detection in a child increases the parent risk for depression. Thus, highlighting its causes and consequences for the parents and for the quality of the bond with their children is fundamental to provide the necessary care for these families. This research reviews and discusses the literature on depression in parents of children with physical disabilities in the last five years. The terms "disability", "depression", "parents" and "physical disability" were used at the PsycNET, Scopus, Web of Science, BVS and PEP-Web. 20 publications were selected. The results revealed that quantitative and cross-sectional studies predominate, as well as the study of variations due to the severity of the disability. When the depression is detected, it is predominantly scored as moderate, and singular aspects, as guilt and remorse, controlling its probability of occurrence. Few studies have shown how parental distress can increase the degree of motor disability. In conclusion, the time elapsed after the disability disclosure seems a remarkable factor, to which other variables are associated, such as the reactions to the diagnosis, and elaboration modes. Further longitudinal research is needed to support it.

Keywords: physically disabled, depression (emotion), parent child relations.


RESUMEN

Los primeros años del bebé son períodos sensibles en que la disponibilidad de los padres es necesaria para el desarrollo infantil. Los estudios indican que la detección de discapacidad física en un niño aumenta el riesgo de depresión parental. Resaltar sus causas y consecuencias para los padres y para el vínculo con sus hijos es fundamental para suministrar los cuidados necesarios. Este artículo revisa y discute la literatura sobre la depresión en padres de niños con discapacidades físicas en los últimos cinco años. Los términos "discapacidad", "depresión", "padres" y "discapacidad física" se utilizaron en PsycNET, Scopus, Web of Science, BVS y PEP-Web. Se seleccionaron 20 publicaciones. Los resultados revelaron que predominan los estudios cuantitativos y transversales, así como el estudio de las variaciones debidas a la gravedad de la discapacidad. Cuando detectada, la depresión se clasificó predominantemente como moderada, con aspectos singulares, como culpa y remordimiento, controlando su ocurrencia. Pocos estudios han demostrado cómo el sufrimiento de los padres puede aumentar la incapacidad motora. En conclusión, el tiempo transcurrido después de lo descubrimiento de la discapacidad parece ser un factor notable, pero puede reunir otros, como las reacciones al diagnóstico y los tipos de elaboración. Se necesita más investigación longitudinal para apoyarlo.

Palabras clave: discapacitado físico, depresión (emoción), relaciones padres-niños.


 

 

O nascimento de um filho é acompanhado de expectativas e suposições. Ainda que a criança não corresponda exatamente ao que os pais almejam, após o parto, é esperada uma satisfação advinda do nascimento. Nos casos em que uma deficiência é detectada e prejudica esta satisfação, há consequências que devem ser consideradas (Mannoni, 1964/1999). Há todo um campo de pesquisa voltado a compreender o que ocorre após a constatação de uma deficiência, principalmente o que se passa com os pais das crianças. Restringindo este campo para as deficiências físicas, termos como "impacto", "crise", "quebra" e "choque" são observados. Os motivos apresentados variam desde o impacto da notícia do diagnóstico (Battikha, Faria, & Kopelman, 2007) até as implicações cotidianas associadas às limitações da criança que demandam dos pais disposição, tempo e dinheiro (Kisler, 2014).

As deficiências físicas podem ocorrer na primeira infância devido à prematuridade, anóxia perinatal, desnutrição materna, infecções intrauterinas ou perinatais (como por exemplo rubéola ou toxoplasmose), trauma de parto, exposição à radiação, uso de drogas, causas metabólicas e outras desconhecidas (Macedo, 2008). A importância de se compreender as implicações de se ter um filho com deficiência não reside apenas na preocupação com o estado emocional do cuidador. Nesses casos, o filho também pode ser afetado pelo estado emocional parental. De acordo com Trevarthen (2004), aspectos importantes para o desenvolvimento ocorrem na relação pais-filho, mais especificamente na capacidade intersubjetiva dos pais com o bebê. Contudo, esta capacidade pode ser prejudicada: uma mãe deprimida pode ter dificuldades e seu comportamento ser menos contingente e assim menos favorecedor para o bebê.

Sintomas de depressão são frequentemente encontrados nos estudos voltados a esta população. Curiosamente, poucos evidenciam diretamente sua concepção de depressão, ainda que o modelo psiquiátrico seja predominante. Sendo assim, a depressão (ou sintomas de depressão) foi escolhida por ser uma variável passível de mensuração, sendo um índice quantificável do sofrimento parental, mesmo que de forma aproximativa e inferencial.

Dada a importância de verificar a ocorrência de depressão nesses pais ou cuidadores e compreender suas causas e consequências, impõe-se a necessidade de analisar criticamente o modo como os estudos atuais têm abordado esse fenômeno. Isto posto, o presente artigo tem por objetivo revisar e discutir a literatura acerca da depressão em pais de crianças com deficiência física nos últimos cinco anos. Sendo uma literatura ampla e com um percurso histórico, o recorte temporal permite verificar o estado atual do tema.

 

Método

A revisão da literatura partiu dos descritores "disability", "depression", "parents" e "physical disability", sendo que poucas publicações voltadas à deficiência física são indexadas com o último dos descritores. Muitos dos artigos abordam patologias específicas, utilizando o descritor "disability". Deste modo, foi necessário utilizar "disability" e filtrar os artigos relacionados ao tema pesquisado. As bases consultadas foram PsycNET, Scopus, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Psychoanalytic Electronic Publishing (PEP-Web). Foram selecionados os artigos de 2013 a 2018, compreendendo a faixa dos últimos cinco anos. Como critérios de inclusão, foram selecionados artigos em inglês, espanhol, francês e português, bem como artigos que tratavam de crianças com deficiência física. Como critérios de exclusão, foram excluídos aqueles que abrangiam outras deficiências cuja predominância não fosse física, assim como os que tratavam de deficiência física em adultos.

A Tabela 1 apresenta os resultados das buscas realizadas com cada conjunto de descritores. Para cada um dos conjuntos, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão a partir da leitura dos títulos e resumos. Em seguida, foram retirados os artigos repetidos.

 

 

Resultados

Foram encontrados 20 artigos, sendo dois nacionais (Pereira & Kohlsdorf, 2014; Alves, 2015). Há uma dissertação de mestrado (Alves, 2015), enquanto os demais trabalhos tratam de publicações em periódicos científicos. Dos 19 artigos em periódicos, 17 são pesquisas experimentais de forma geral (Al-Gamal & Long, 2013;  Basaran, Karadavut, Uneri, Balbaloglu, & Atasoy, 2013; Ben Thabet et al., 2013; Guillamon et al., 2013; Tekinarslan, 2013; Marrón, Redolar-Ripoll, Boixadós, Nieto, Guillamón, Hernández, & Gómez, 2013; Pereira & Kohlsdorf, 2014; Bemister, Brooks, Dyck, & Kirton, 2014; Pedrón-Giner, Calderón, Martínez-Costa, Borraz Gracia, & Gómez-López, 2014; Bemister, Brooks, Dyck, & Kirton, 2015; Hakobyan, Sabahgoulian, & Manvelyan, 2015; Krstic, L. Mihic, & I. Mihic, 2015; Malm-Buatsi et al., 2015; Türkoğlu, Bılgıç, Türkoğlu, & Yilmaz, 2016; Yoo, 2016; Kumar, Lakhiar, & Lakhair, 2016; Barfoot, Meredith, Ziviani, & Whittingham, 2017). O restante é constituído por uma revisão da literatura (Pousada, Guillamon, Hernandez-Encuentra, Munoz, Redolar, Boixados, & Gomez-Zuniga, 2013) e um ensaio apresentado em conferência (Franco, 2015). As revistas nas quais houve maior número de publicação foram igualmente Child Care Health and Development (n=2) e BMC Pediatrics (n=2).

A Tabela 2 apresenta uma síntese dos trabalhos encontrados. Na primeira coluna consta a referência, ordenando as linhas por ordem alfabética. Na segunda, o objetivo da pesquisa. A terceira coluna refere o método. As informações desse item se encontram na seguinte ordem: delineamento da pesquisa (quando mencionado no artigo), amostra (já contendo o n apresentado nos resultados) e instrumentos. Nos instrumentos populares no Brasil foram utilizados seus nomes em português. Para os demais, foi mantido o nome tal como escrito no texto de origem. O nome completo dos instrumentos foi utilizado para uma maior fluidez na leitura da tabela.

 

 

Discussão

Foram encontrados aspectos que se repetem em meio aos dados. Os resultados foram então agrupados em tópicos distintos para apresentação e discussão: questões metodológicas; fatores preditivos para a depressão e a importância do fator temporal.

Questões metodológicas

Do ponto de vista do método dos trabalhos observados, os resultados obtidos se assemelham aos de Pousada et al. (2013), havendo uma predominância dos estudos quantitativos. De forma geral, os estudos foram realizados com ambos os cuidadores e, quando apenas com um, a mãe é mais frequentemente chamada a participar. A idade média das crianças variou entre 5 e 7 anos, o que recorta a faixa pré-escolar nestes estudos selecionados. Considerando que grande parte das deficiências físicas da infância é congênita, esta faixa etária pode ser considerada tardia. De forma geral, as pesquisas utilizaram como marco o diagnóstico da deficiência e a presença de diagnósticos tardios pode elevar esta média. Cabe questionar se a suspeita de algum problema no desenvolvimento já não poderia causar sofrimento aos pais.

Em relação aos instrumentos, chamou a atenção o uso das Escalas Beck. Trata-se de um questionário de autorrelato respondido com base nos eventos da última semana, construído a partir de itens descritivos de atitudes e sintomas que poderiam ser encontrados em diferentes categorias nosológicas (Beck, et al., 2001; Beck, Steer, & Brown, 2014). 55% (n=11) dos trabalhos encontrados utilizaram a Escala Beck de Depressão (Al-Gamal & Long, 2013; Ben Thabet et al., 2013; Guillamon et al., 2013; Marrón et al., 2013; Tekinarslan, 2013; Hakobyan et al., 2015; Yoo, 2016) ou a Escala Beck de Depressão em conjunto com a Escala Beck de Ansiedade (Basaran et al., 2013; Pereira & Kohlsdorf, 2014; Malm-Buatsi et al., 2015; Türkoğlu et al., 2016). Tratando-se de um instrumento de rápida e simples aplicação, validado para a população brasileira (Cunha, 2001) e amplamente utilizado na literatura atual sobre o público em questão, defende-se o uso das Escala de Beck nas pesquisas nacionais.

Outro instrumento que aparece com frequência nos trabalhos encontrados é o Gross Motor Function Classification System. Desenvolvido por Palisano, Rosenbaum, Walter, Russell, Wood e Galuppi (1997), tem por objetivo avaliar pessoas com paralisia cerebral a partir das limitações funcionais. Trinta por cento (n=6) dos trabalhos encontrados (Al-Gamal & Long, 2013; Basaran et al., 2013; Pedrón-Giner et al., 2014; Yoo, 2016; Barfoot et al., 2017) utilizaram este instrumento. Pousada e colaboradores (2013) também encontraram alta frequência deste instrumento em sua revisão. É preciso atentar a especificidade de seu escopo para sua utilização em pesquisa. Sendo um instrumento direcionado às habilidades motoras aplicado em crianças com um quadro advindo de diversas etiologias e modalidades clínicas e que incidem sobre um período sensível do desenvolvimento, é de se esperar que outras dificuldades surjam. Desta forma, a crítica recai sobre propor correlações que partem apenas da dimensão motora do desenvolvimento e desconsiderando a influência dos aspectos cognitivos e sociais, por exemplo.

Fatores associados à depressão parental

Sobre os dados gerais acerca dos sintomas de depressão, por meio da média das porcentagens apresentadas ou calculadas nos artigos encontrados, estima-se que 42% dos avaliados apresentaram depressão. Os níveis de depressão, quando presentes, são mais encontrados entre leve e moderada, ainda que uma pequena parte, em torno de 15%, apresente níveis severos. Um resultado que pode ser considerado baixo em relação à literatura sobre o tema e suas hipóteses.

Os artigos encontrados buscam relacionar a depressão a outras variáveis que possam explicar ou mesmo predizer sua ocorrência. Basaran e colaboradores (2013) sugerem que o tempo gasto com tratamento, problemas financeiros, adaptações, equipamentos e isolamento podem estar associados à depressão dos pais. Pereira e Kohlsdorf (2014) apontam para a questão da passagem do tempo, de modo que, quanto mais próximos do momento da notícia da deficiência os pais se encontram, maiores são os níveis de depressão e vice-versa. Kumar et al. (2016) verificaram que o aumento dos problemas comportamentais pode ampliar o estresse e este seria um fator precipitador da depressão.

Mais uma vez, indo ao encontro dos resultados da revisão de Pousada e colaboradores (2013), 40% (n=8) dos trabalhos observados (Al-Gamal & Long, 2013; Bemister et al., 2014; Brooks et al., 2014; Alves, 2015; Bemister et al., 2015; Krstic et al., 2015; Yoo, 2016; Barfoot et al., 2017) tratam da relação entre depressão parental e a severidade da deficiência do filho. Nesses artigos, a noção de severidade da deficiência está associada ao grau das dificuldades motoras das crianças. A hipótese é a de que um filho com mais dificuldades representaria mais sofrimento aos pais. Um exemplo ilustrativo é a pesquisa de Yoo (2016) que verificou que os escores de depressão foram negativamente correlacionados às habilidades da criança de "deitar e rolar", "sentar", "engatinhar e ajoelhar", "controlar os esfíncteres", "comunicar-se e "exibir cognição social". Como dito anteriormente, a maioria das pesquisas se pauta apenas nas dificuldades motoras, sendo o trabalho de Yoo (2016) é uma exceção a essa tendência. Além do Gross Motor Function Measure, o autor utiliza o Functional Independence Measure. Ao verificar os resultados, nota-se correlações significativas entre a depressão parental, o "controle dos esfíncteres", a "comunicação" e a "cognição social", advindos deste segundo instrumento. Este é mais um indício de que a literatura precisa se valer de instrumentos abrangentes quanto ao desenvolvimento ao realizar pesquisas neste tema.

Se há um consenso quanto à importância de se estudar a correlação entre "severidade da deficiência" e o sofrimento parental, a explicação de como ambos podem estar associados ainda carece de estudos. Alguns dos artigos encontrados fornecem dados interessantes. Krstic et al. (2015) verificaram que os filhos de mães com mais dificuldades para lidar com a deficiência têm menor nível funcional. Estas mães apresentam mais eventos estressantes no último ano e maiores níveis de depressão. Por outro lado, Pedrón-Giner et al. (2014) não encontraram correlações entre a severidade da deficiência e o sofrimento parental. Discutem que isto pode ter decorrido do tamanho pequeno da amostra, não permitindo que diferenças pudessem ser notadas. Ainda assim, sugerem que outros fatores como dificuldades de comunicação ou características emocionais da criança podem estar mais relacionadas ao estresse dos cuidadores. Barfoot et al. (2017), nesta linha, também não encontraram correlações significativas entre habilidades funcionais da criança e estresse parental. São ainda enfáticos pontuando que é necessário evitar este tipo de suposição. Ainda que se trate de estresse e não de depressão, trata-se de um dado que chama a atenção.

Outros artigos apresentam dados mais pontuais. Bemister et al. (2015), por exemplo, observaram que culpa foi a única variável independente que mediou a relação entre severidade da deficiência e depressão. Os autores exploram esta relação indicando que os primeiros anos com estas crianças são mais críticos devido ao desconhecimento da causa primária da deficiência. Nesse movimento, a culpa pode ser um sentimento importante para explicar a depressão parental. O trabalho destaca que a coleta foi realizada cinco anos após a notícia do diagnóstico. Se os níveis de culpa e depressão estiveram presentes no momento da coleta, isto indica que os autores consideram que os pais podem manter esse sentimento por anos. Kumar et al. (2016) observaram que os problemas comportamentais da criança com deficiência podem aumentar o estresse e assim se tornar um fator precipitador da depressão nas mães. Marrón et al. (2013) relatam que a severidade da deficiência e a depressão foram positivamente associadas à sobrecarga do cuidador. Mostram ainda, uma associação entre a deficiência e a dependência da criança como preditor da sobrecarga.

É possível apontar que a maioria destes trabalhos que correlacionam depressão dos pais e severidade da deficiência na criança partem da hipótese de que a segunda leva à primeira. Pouco se discute, entretanto, como a primeira leva à segunda. Dos trabalhos encontrados, Bemister et al. (2015) é um dos poucos que comenta a existência desta possibilidade. Recuperando Krstic et al. (2015), o artigo sugere que crianças com maior nível funcional têm mães mais "resolvidas". Cabe ressaltar que ainda que a hipótese dos autores seja unidirecional, tal correlação pode ser pensada bidirecionalmente: a falta de recursos pode explicar o sofrimento, mas também o sofrimento pode explicar a falta de recursos da criança.

Guardadas as proporções acerca das consequências primárias do fator etiológico, sabe-se que pais em sofrimento podem deixar de desempenhar funções importantes para o desenvolvimento dos filhos (Trevarthen, 2004). Como exemplo, o artigo Barfoot et al. (2017) encontrou que pais com maiores níveis de depressão apresentam menor disponibilidade emocional para as crianças. Em parte de sua amostra, pais apresentaram menor contato ocular com seus filhos, menos alegria e ludicidade. Esses pais exibiram um número significativamente menor de narrativas verbais para seus filhos e apresentaram dificuldades em atividades para atender suas necessidades. Uma das mães não foi capaz de responder ao filho quando este estava angustiado e o deixou sozinho, ficando com raiva e frustrada.

Tais exemplos reforçam a necessidade de estudos voltados para essa direção de hipótese pouco estudada. Talvez existam, entre sofrimento parental e severidade do quadro, outras variáveis intermediando a relação, sendo necessárias pesquisas que verifiquem esta ocorrência e promovam a compreensão de seus mecanismos. Este ponto enfatiza os efeitos do sofrimento parental na criança, assim como a possibilidade de minimizar os efeitos do fator etiológico da deficiência e maximizar o desenvolvimento de forma geral.

Prosseguindo para outros fatores associados à depressão parental, alguns artigos trazem dados a respeito de questões práticas. Krstic et al. (2015), com uma amostra de 100 mães, encontraram elevados gastos financeiros com tratamentos médicos e aumento da dificuldade em lidar com a deficiência. Pereira e Kohlsdorf (2014), em estudo realizado com 27 pais, observam que após a notícia do diagnóstico, 19 relataram ter redobrado os cuidados em relação ao filho, muitas vezes gerando desgaste físico e emocional. Um dos relatos citados menciona "não deixo ela só, pois ela é muito dependente de mim, e eu tenho medo que aconteça o pior" (p. 42). Sobre mudanças ocorridas, observaram 10 pais que abandonaram o trabalho para dispor mais tempo ao filho. Relatos incluem também o abandono de estudos e atividades de lazer. Apenas para dois pais não houve menção a mudanças na rotina familiar. Segundo as autoras, o período logo após o diagnóstico é um momento crítico, sendo necessário atentar a esta variável para a análise de seus resultados.

Considerando os dados apresentados, é possível compreender que o diagnóstico é apenas uma variável dentre outras que podem levar ao sofrimento destes pais. Não ao acaso, muitas pesquisas têm como objetivo controlar estas variáveis confundidoras, como Malm-Buatsi et al. (2015) e Türkoğlu et al. (2016). No primeiro, o aumento da idade dos pais foi associado à diminuição da depressão (p=0.045). Assim como o estado civil também foi responsável por explicar a variação da depressão. Ter uma esposa em casa foi associado a menor depressão nos pais (p=0.041). Não foram informados os valores de tamanho de efeito, o que prejudica a compreensão integral dos resultados. No segundo, os escores de depressão tiveram uma forte correlação negativa com todos os resultados de uma escala de qualidade de vida. Ainda, há uma reflexão acerca do controle das variáveis em questão. De acordo com os autores, o relato das dificuldades com o filho pode interferir no relato sobre as demais esferas, generalizando o caráter negativo. Da mesma forma, questões culturais podem levar ao mesmo efeito. Apontamos que isto acaba por confundir e dificultar as chances de encontrar efeitos que expliquem as relações quando elas de fato existem. O uso de instrumentos de observação e os delineamentos de pesquisa com medidas repetidas podem auxiliar nesta dificuldade.

Por outro lado, as dificuldades práticas, as mudanças inesperadas, as demandas de tempo e dinheiro e a necessidade de abdicar de atividades parecem fatores importantes para explicar a depressão nestes pais. Entretanto, em uma apreciação geral dos resultados encontrados, não há uma predominância absoluta de depressão. Quando presente, parece haver uma maior concentração em níveis moderados. Excluindo-se os casos de problemas metodológicos e resultados devido ao erro amostral, é necessário inserir uma variável ao lado destes problemas de ordem prática, que se refere às variações singulares.

Apenas em Franco (2015) foi encontrado um trabalho partindo da psicanálise voltado ao tema em questão. O autor traz à discussão o componente psíquico: o modo pelo qual as experiências dos pais podem adquirir diferentes sentidos, sem depender estritamente dos eventos concretos que se sucedem. O trabalho apresenta uma proposta de ocorrências psíquicas encontradas nestes pais. Primeiramente, há o período em que se supõe um bebê com determinadas características. Estão são advindas da experiência de vida e suas decorrentes representações construídas. Há um componente estético em que o "o bebê ideal tem características de perfeição física e estética, incorporando semelhanças com os pais, mas sempre atingido por padrões estéticos elevados" (p. 207). As competências do bebê também são colocadas neste patamar e assim espera-se um futuro imaginado. Com a notícia de um diagnóstico de deficiência física há uma situação de ruptura e necessidade de elaboração do ideal perdido. "Muitos destes movimentos estão interligados ou mascarados, como, por exemplo, a revolta, raiva, negação, culpabilização ou os sentimentos depressivos" (p. 210). Por fim, há um novo movimento de idealização do filho. Deste modo, estética, competências e futuro são colocados em novos termos.

Esta breve apresentação de Franco (2015) dá a dimensão da variável psíquica. Apenas com os relatos livres, sob determinadas condições, pode-se explorar o componente psíquico dos pais para buscar associações com o sofrimento parental. De todo modo, se existe algo que atravessa as respostas e as atitudes dos pais frente a um diagnóstico de deficiência, isto deve ser investigado. Chama a atenção que este seja um componente pouco presente na literatura. Apenas para depuração, uma busca geral sem aplicação de critérios de busca na base PEP-Web pelo termo "physical disabilty", com esta inserção das aspas, apresentou 168 resultados, mas com apenas 15 trabalhos diretamente relacionados ao tema. Este dado, somado à presença de um trabalho (5% da amostra) advindo da revisão empregada, aponta para a baixa incidência de produção deste campo para a compreensão da deficiência física.

A Importância do Fator Temporal

Recuperando o trabalho de Pereira e Kohlsdorf (2014) discutido, é citada uma limitação do estudo acerca do tempo decorrido da notícia do diagnóstico até o momento da coleta. Corroborando com esta observação dos autores, foram encontrados dois trabalhos (Krstic et al., 2015; Kumar et al., 2016) que tiveram o cuidado metodológico de selecionar famílias que haviam recebido o diagnóstico há no máximo seis meses. Tal detalhamento parece ir além de uma questão metodológica. Dos trabalhos encontrados, nenhum realiza uma pesquisa longitudinal e 40% (n=8) cita a necessidade deste tipo de pesquisa (Al-Gamal & Long, 2013; Guillamon et al., 2013; Pousada et al., 2013; Bemister et al., 2014; Alves, 2015; Bemister et al., 2015; Krstic et al., 2015; Türkoğlu et al., 2016). Comparando com a revisão anterior de Pousada e colaboradores (2013), é citado como problema a falta de pesquisas com este delineamento. Os argumentos utilizados em prol da pesquisa longitudinal são: pesquisas transversais são insuficientes para compreender as mudanças ocorridas ao longo do tempo (Al-Gamal & Long, 2013); a pesquisa longitudinal promove melhor compreensão dos processos de adaptação e transição e permite examinar os fatores relacionados a cada estágio específico (Guillamon et al., 2013); a pesquisa longitudinal pode auxiliar na detecção e elucidação de uma trajetória que explique o maior sofrimento em resposta aos diagnósticos iniciais e para explorar o efeito das perdas ao longo do desenvolvimento (Türkoğlu et al., 2016).

Além dos benefícios metodológicos, do ponto de vista clínico trata-se de um aspecto importante. Ajuriaguerra (1983) sugere, ainda que brevemente e sem prover maiores detalhes, que estas famílias passariam por três fases: "um período de choque inicial, um período de luta contra a doença e, finalmente um período de reorganização e aceitação" (p. 833). Ainda que estabelecidos como fases, considera que existem variações quanto à intensidade e o tempo com que uma fase passe para outra, independente da gravidade da doença. Para além das suposições dos artigos encontrados, algumas evidências apontam para este modelo. Krstic et al. (2015) e Kumar et al. (2016), controlando o fator tempo da notícia do diagnóstico, encontraram respectivamente depressão severa e muito severa em um quarto da amostra e sintomas de depressão em 49,38% da amostra, distribuída em 30% leve, 60% moderada e 10% severa. Em Guillamon et al. (2013), 40% dos pais apresentaram sintomas de depressão leve a severa e os níveis de ansiedade foram semelhantes aos da população geral. Justificam o resultado por conta da distância temporal em relação a notícia do diagnóstico e comentam que pode existir uma "fase crônica" relacionada ao fator tempo.

Pereira e Kohlsdorf (2014) encontraram que pais que acompanham os filhos há pelo menos sete meses podem apresentar menor ansiedade e depressão devido ao intervalo de tempo ser favorável ao processo de adaptação. No entanto, não é citada uma justificativa ou referência para tal critério. Já Krstic et al. (2015) justificam o período de seis meses para seleção da amostra baseados na consideração de que, neste intervalo de tempo, os pais têm a chance de aprender sobre as condições do filho e já teriam lidado com algumas de suas reações iniciais de luto. A referência utilizada pelos autores é Barnett, Clements, Kaplan-Estrin e Fialka (2003). Estes recomendam o mesmo critério dos seis meses, dizendo supor que já tenha passado o período de choque inicial. Indicam que pais de recém-nascidos precisam de mais tempo para processar a informação do diagnóstico, bem como, consideram que muitas das necessidades do bebê ainda se evidenciarão ao longo de seu desenvolvimento. Ponderam que, em suas pesquisas longitudinais anteriores, não encontraram uma regularidade em relação ao tempo, sendo este, isoladamente, um fator que não permite avaliar a adaptação dos pais. Igualmente, citam a importância das diferenças individuais (Barnett et al., 2003).

Frente aos dados, a proposta de Ajuriaguerra (1983) parece se manter. Não há um consenso definido em relação a quanto tempo cada fase teria ou que fenômenos são esperados em cada um. Os fatores individuais se colocam como um obstáculo para estabelecer critérios desta natureza, o que mais uma vez reforça a necessidade de se considerar a dimensão psíquica nestes estudos. A guisa de uma consideração acerca da importância do fator temporal nos casos de deficiência física, pode-se afirmar com certa segurança que a notícia do diagnóstico dá início a um período crítico, seja pelas questões práticas, emocionais ou psíquicas. A passagem do tempo parece necessária, mas não suficiente, visto que é preciso que ocorram mudanças internas e ajustes práticos no cotidiano. A presença de intervenção de profissionais também parece uma necessidade para alguns casos. Os demais períodos se mostram ainda difusos. Ainda que Barnett et al. (2003) tenham um estudo acerca dos processos de adaptação e estabeleçam critérios, sua observação e mensuração podem ser complicadas e/ou pouco confiáveis. De todo modo, reforça-se a necessidade de pesquisas longitudinais que possam explorar as mudanças nas diferentes variáveis ao longo do tempo.

 

Conclusão

Este artigo teve como objetivo revisar e discutir a literatura acerca da depressão em pais de crianças com deficiência física nos últimos cinco anos. Comparando com o último artigo de revisão realizado por Pousada et al. (2013) considera-se que houve pouca mudança na literatura. Ainda há uma predominância dos estudos quantitativos e transversais. A questão da severidade da deficiência em sua relação com a depressão parental continua um tema frequente, assim como o uso do Gross Motor Function Classification System para sua avaliação.

Frente aos resultados, foi possível encontrar novos dados como o uso das escalas Beck de ansiedade e depressão. Criticou-se o uso predominante dos instrumentos restritos ao desempenho motor, indicando a necessidade de avaliações globais. Foi encontrada uma tendência em tratar a severidade da criança como uma das explicações para o sofrimento parental, sem que se considere a relação inversa. Há avanços nas últimas décadas acerca da importância da relação pais-criança para o desenvolvimento infantil, sendo necessário incorporá-los a esta literatura para uma maior compreensão. Também se fizeram pouco expressivas as contribuições da psicanálise. A medida em que se trabalha no âmbito do singular, a variação das possibilidades se multiplica, demandando estudos.

A importância do fator temporal foi elencada por outros trabalhos, sendo analisada detalhadamente. Aponta-se que os diferentes momentos em que estas famílias se encontram trazem consigo características específicas. É preciso sublinhar que "fator temporal" contém em si outros fatores. É possível avançar questionando o peso do diagnóstico para o sofrimento (para além das dificuldades concretas), fatores de elaboração, adaptação e o modo pela qual os pais dão significado e vivenciam a criação de um filho com deficiência física. Destacamos a forma pela qual atribuem significado, pois este parece ter uma importante influência sobre as demais. Ainda que não se tenha algo estabelecido, é preciso atentar ao fator temporal tanto para a pesquisa quanto para a clínica, visto que existem diferentes demandas a depender do momento. Este estudo teve como limitação o recorte de temas específicos. Frente a um campo complexo como este, outros pontos podem ser abordados e trabalhados em pesquisas futuras como as diferenças entre depressão, ansiedade e estresse, correlações entre a qualidade de vida e as diferenças entre genitores.

 

Referências

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Recebido em: 29/05/2019
Reformulado em: 08/02/2020
Aceito em: 05/03/2020

 

 

Notas

* Psicanalista. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES.
** Professor associado do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP). Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da USP.
*** Professora titular sênior do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP) e dos programas de pós-graduação do IPUSP e da Faculdade de Educação da USP.

 

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.

 

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