As emoções são componentes extremamente importantes que influenciam comportamentos, pensamentos, decisões e interações, além de auxiliar na construção e manutenção de laços sociais e bem-estar pessoal (Lazarus, 1991). Entende-se que as emoções são desencadeadas quando a interação entre uma pessoa e seu ambiente possui um significado, ativando múltiplos sistemas de respostas durante essa interação. Isso ocorre devido às emoções possuírem potencial de auxiliar na adaptação dos indivíduos à vida diária, sugerindo que a capacidade de influenciar sua experiência e expressão pode ser fundamental para a saúde mental e bem-estar (Garnefski & Kraaij, 2006).
A capacidade de influenciar a ocorrência, intensidade, duração e expressão das emoções é denominada regulação emocional (RE) (Gross, 1998). Através da orquestração de processos regulatórios dos sistemas biológico, social, comportamental e cognitivo, os indivíduos são capazes de produzir respostas adequadas às exigências ambientais, mesmo que diante de intensa experiência emocional (Aldao, Sheppes, & Gross, 2015). Ou seja, a RE pode ser considerada como mecanismo capaz de influenciar a ocorrência, intensidade, duração e expressão das emoções, permitindo que o sujeito interaja com seu ambiente de maneira adaptativa (Aldao et al., 2015; Gross & John, 2003). Os pesquisadores da área da RE buscam identificar as diferentes maneiras pelas quais os indivíduos regulam as suas emoções e se estão associadas a melhores resultados de saúde mental a longo prazo (Gross, 2015).
De acordo com a Teoria da Regulação Emocional, a maneira pela qual as pessoas regulam suas emoções pode ser vista como estratégias de RE (Gross & John, 2003). O processo de RE pode ser considerado adaptativo quando as estratégias utilizadas são apropriadas ao contexto e utilizadas para modular as emoções aproximando o indivíduo do seu objetivo (Gross, 2015). Em contrapartida, quando as estratégias não alteram a resposta emocional na direção dos objetivos desejados, ou os custos a longo prazo são maiores que os benefícios a curto prazo, o processo de RE é considerado desadaptativo (Garnefski & Kraaij, 2006). Desse modo, a RE adaptativa se diferencia da desadaptativa na medida em que influencia na expressão ou inibição da emoção de acordo com as exigências do contexto e os objetivos do indivíduo (Aldao et al., 2015).
Gross e John (2003) propuseram investigações utilizando estratégias de RE. Assim, observa-se um crescente interesse das pesquisas em relação ao impacto em termos afetivos, cognitivos e sociais de duas estratégias específicas: reavaliação cognitiva e supressão emocional. A reavaliação cognitiva é um tipo de modificação cognitiva cujo foco consiste na tentativa de modificar cognitivamente a forma de avaliar a situação de modo a alterar a resposta emocional. A supressão emocional, por sua vez, se insere no nível da modulação da resposta cujo foco é posterior ao impacto emocional, e consiste na tentativa de alterar o comportamento/expressão emocional (Gross, 1998) - por exemplo, manifestar um sorriso ainda que esteja sentindo raiva do outro. Em seus estudos iniciais, James Gross (1998), sugeriu que a RE adaptativa pode envolver dois processos distintos: níveis altos de reavaliação cognitiva e níveis baixos de supressão emocional.
As duas estratégias de regulação emocional foram testadas experimentalmente em vários estudos. Em um estudo, os participantes foram instruídos a suprimir ou a reavaliar as reações emocionais negativas eliciadas em um filme. Enquanto a supressão emocional deixou intacta a experiência da emoção negativa, a reavaliação cognitiva diminuiu tanto a experiência, quanto a expressão da emoção negativa (Gross, 1998). Além disso, as evidências mostraram que há influência entre a reavaliação cognitiva e a supressão emocional na memória social (por exemplo, nomes ou fatos sobre indivíduos). O experimento foi testado e os resultados encontrados sugerem que usar a supressão como estratégia de regulação emocional é cognitivamente desgastante podendo, inclusive, prejudicar as interações sociais diferentemente da reavaliação cognitiva (Butler et al., 2003).
O processo de reavaliação cognitiva envolve reinterpretar estímulos emocionais negativos de maneira não emocional, enquanto a supressão expressiva envolve inibir emoções negativas (Gross & John, 2003). Comportamentos desadaptativos, neste sentido, podem estar associados a dificuldades de regulação emocional (Garnefski & Kraaij, 2006; John, 2014; Santana & Gondim, 2016). Por exemplo, na tentativa de reduzir ou aliviar a experiência de emoções negativas, indivíduos que exibem déficit na regulação emocional são mais propensos a comportamentos de risco, como o uso de substâncias (Tice, Bratslavsky, & Baumieister, 2001).
Além disso, indivíduos que preferencialmente utilizam a supressão emocional em suas relações interpessoais têm tendência a evitar relações emocionalmente próximas. Conforme encontrado no estudo de Gross e John (2003), esta estratégia foi relacionada à inautenticidade, o que mostra que indivíduos que a utilizam cronicamente são menos propensos a compartilhar suas experiências emocionas reais. Relacionamentos afetivamente próximos muitas vezes dão origem a sentimentos fortes e a pedidos para que estes sejam compartilhados. Por outro lado, indivíduos que utilizam mais frequentemente a reavaliação cognitiva têm tendência a partilhar as suas emoções, estabelecendo relações afetivamente próximas com os seus pares (Gross & John, 2003). Assim, o uso dessas diferentes estratégias tem consequências importantes e bastante diferentes para o funcionamento interpessoal.
Os estudos mais recentes sobre a RE não se limitam à regulação de emoções negativas, englobando também as positivas, de acordo com a adaptação dos objetivos do indivíduo ao contexto (Braunstein, Gross & Ochsner, 2017). A capacidade de regular emoções têm sido também associada à boa performance na vida profissional e nos relacionamentos interpessoais, à diminuição da experiência de afeto negativo e, por fim, ao bem-estar (Gross, 2015). Evidências empíricas sugerem que indivíduos que possuem boa capacidade de RE tendem a ter níveis mais elevados de bem-estar (Gross & John, 2003). O bem-estar é um conceito amplo que está intimamente associado a emoções positivas (Diener, Sapyta, & Suh, 1998).
Diversos estudos têm investigado a relação do bem-estar com processos desenvolvimentais adaptativos e construtos que refletem dimensões positivas de saúde mental, como autoestima, coping, habilidades sociais, resiliência e afeto positivo (Ryff, 1989; Ryff, Keyes, & Hughes, 2003; Ryff & Singer, 2008). De forma geral, os resultados têm revelado que, quando as pessoas mantêm afeto positivo, seus níveis de satisfação com a vida e bem-estar aumentam proporcionalmente (Quoidbach, Berry, Hansenne, & Mikolajczak, 2010). Apoiando indiretamente essa relação, alguns estudos mostram que estratégias específicas de RE foram sugeridas como associadas ao aumento e/ou diminuição de afeto positivo e negativo (Braunstein et al., 2017; Gross, 2015). No entanto, ainda não se tem claro se as estratégias específicas de regulação emocional são capazes de interferir na relação existente entre afeto positivo e negativo e bem-estar psicológico.
Se as estratégias de regulação emocional (reavaliação cognitiva e supressão emocional) forem eficientes para influenciar a relação entre afeto e bem-estar psicológico, se tornará válido o desenvolvimento de intervenções clínicas que busquem o treinamento dessas estratégias com o objetivo de regular o afeto positivo e negativo. Por esta razão, torna-se importante investigações que procurem relacionar tais fatores, estabelecendo possíveis relações de moderação entre as variáveis estudadas, a exemplo do papel da RE. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi investigar se a regulação emocional exerce função moderadora na relação entre afeto positivo e negativo e bem-estar psicológico.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 857 participantes, com idades entre 18 e 70 anos (MD = 30,55; DP = 11,49), de ambos os sexos (sendo 70% do sexo feminino). Em relação à descrição da amostra, destaca-se que 69,3% são do sul do Brasil, 36,1% possuem pósgraduação, 42,8% são solteiros e 22,4% possuem renda familiar entre 03 e 06 salários mínimos. A amostra inicial do estudo foi composta por 965 sujeitos, entretanto, 108 questionários foram excluídos por estarem incompletos, totalizando a amostra final de 857 participantes.
Procedimentos
Foi realizado um levantamento (survey) online através da plataforma Qualtrics. Este é um sistema de organização e coleta de dados para pesquisas via web que possibilita utilizar e responder questionários eletronicamente. A partir da divulgação da pesquisa nas redes sociais, as pessoas acima de 18 anos que se interessaram em participar acessaram um link, através do qual foram direcionados para a plataforma de pesquisa onde responderam os instrumentos. Todos os participantes que responderam a pesquisa manifestaram o entendimento e a concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O projeto de pesquisa foi previamente avaliado pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia e pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (CAAE n. 84310518.6.0000.5336), reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes responderam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Online (TCLE), manifestando entendimento e concordância com sua participação voluntária no estudo.
Instrumentos
Ficha de Dados Pessoais e Sociodemográficos. O questionário sociodemográfico utilizado foi elaborado para uso nesta pesquisa e visou a caracterização da amostra em relação à idade, gênero, escolaridade, profissão, histórico de saúde e renda familiar.
Escala de Bem-Estar Psicológico (EBEP). Instrumento elaborado por Ryff (1989) e traduzido, adaptado e validado para o Brasil por Machado, Bandeira e Pawlowski (2013). Os autores que realizaram a adaptação da escala para o Brasil optaram por descartar itens que comprometessem as propriedades psicométricas do instrumento (n = 48), totalizando em uma escala de 36 itens. A EBEP consiste em uma escala tipo Likert de 1 a 6 (1= “discordo totalmente” e 6 = “concordo totalmente”), referente à maneira como o indivíduo lida consigo mesmo e com a sua vida. Além do escore total da EBEP (o qual sugere o valor da dimensão total de bem-estar psicológico), pode-se optar por utilizar as seis subescalas: relações positivas com os outros, autonomia, domínio sobre o ambiente, crescimento pessoal, propósito na vida e autoaceitação. A consistência interna (alfa de Cronbach) das subescalas variou de 0.77 a 0.89.
Escala de Afetos Positivos e Negativos (PANAS). Escala desenvolvida por Watson, Clark e Tellegen (1998) e adaptada e validada para o Brasil por Carvalho et al. (2013). A PANAS é uma escala de autorrelato composta por 20 itens que medem estados emocionais positivos e negativos. A escala consiste no formato Likert, variando entre 1= “nunca” e 5= “quase sempre”, referente à frequência na qual os participantes vivenciaram emoções específicas nas duas últimas semanas. A consistência interna das duas escalas na versão em português são altas (α= 0.87 na escala de Afeto Negativo e α= 0.88 na escala de Afeto Positivo).
Questionário de Regulação Emocional (ERQ). Escala elaborada por Gross e John (2003) e validada no Brasil por Gouveia et al. (2018). Trata-se de um instrumento de autorrelato envolvendo dez itens referentes aos processos de regulação emocional, sendo seis de reavaliação cognitiva e quatro de supressão emocional. Altos escores em uma destas facetas indica propensão a usar determinada estratégia de regulação emocional. A ERQ contém dez itens numa escala Likert de 7 pontos - do 1 (discordo totalmente) ao 7 (concordo totalmente). O alfa de cronbach variou entre 0.60 para a subescala de supressão emocional e 0.66 para a subescala de reavaliação cognitiva.
Análise de Dados
Os dados foram tratados no software SPSS 24.0 (IBM Corp, Armonk, NY). Foram conduzidas análises descritivas das variáveis incluídas no estudo, assim como explorado o seu padrão de distribuição para adequação ao uso de testes paramétricos. Análises de moderação foram realizadas com a macro PROCESS, que estima uma equação de regressão via Ordinary Least Squares (OLS): Ŷ= i + c1X + c2M + c3XM + ey, onde Ŷ= variável dependente (bem-estar), X = variável preditora (afeto positivo e afeto negativo), e M= variável moderadora (regulação emocional), usando escore centrado na média. Cada termo da equação possui um valor de significância associada e um valor de F que indica se a interação (c3XM) muda significativamente a quantidade de variância explicada pelo modelo (como indicado por R2). Foram utilizados os Modelos 1 e 2 da macro PROCESS no software SPSS 24.0. O nível de significância adotado foi 5%.
Resultados
As intercorrelações entre as variáveis podem ser observadas na Tabela 1. Conforme observado na tabela, foram encontradas correlações positivas fortes entre bem-estar psicológico e afeto positivo (p<0,001) e correlações negativas fortes entre bem-estar psicológico e afeto negativo (p<0,001). Observa-se ainda correlação positiva moderada entre bem-estar psicológico e reavaliação cognitiva (p<0,05) e correlação negativa moderada entre bem-estar psicológico e supressão emocional (p<0,05).
M(DP) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1.Idade | 30,55±11.49 | 1 | ,230* | ,195* | -,251* | ,016 | -0,44 |
2. Bem-estar | 170,01±23,55 | - | 1 | ,671** | -,546** | ,249* | -,264* |
3. Afeto positivo | 33,62±8,09 | - | - | 1 | -,381* | ,183* | -,186* |
4. Afeto negativo | 21,97 ±7,98 | - | - | - | 1 | -,271* | ,151* |
5. Reavaliação cognitiva | 28,29±7,14 | - | - | - | - | 1 | ,010 |
6. Supressão emocional |
14,61 ±4,47 | - | - | - | - | - | 1 |
*p<05
**p<001
Para investigar se a RE modera a relação entre afeto positivo e negativo e o grau de bem-estar psicológico, realizaram-se análises de moderação, tendo como desfecho o bemestar psicológico. Para esta análise, as variáveis preditoras (afeto positivo e negativo) e moderadores (reavaliação cognitiva e supressão emocional) foram padronizadas em escores Z e criados termos de interação.
Os resultados revelaram que o afeto positivo está relacionado positivamente ao bemestar (b=1.16, SE=0.24, t=4,82, p<0,01). Paralelamente, verificou-se que a supressão emocional exerce efeito moderador, enfraquecendo a relação positiva entre afeto positivo e bem-estar (b=0,04, SE=0,01, t=3,15, p<0,01) (Figura 1). Por outro lado, os resultados revelaram que o afeto negativo está relacionado negativamente ao bem-estar (b=-2,26, SE=0,32, t=-6,92, p<0,01). Entretanto, a reavaliação cognitiva exerce função moderadora, enfraquecendo a relação negativa entre afeto negativo e bem-estar (b=0,02, SE=0,01, t=2,34, p<0,01) (Figura 2). A Tabela 2 apresenta os modelos que apresentaram significância estatística e maior poder explicativo (R2) em relação ao bem-estar psicológico.
b | SE b | R2 | AR2 | |
---|---|---|---|---|
Modelo 1 | ||||
Afeto positiva | 1.16 | 0.24 | ||
Supressão emocional | -2.21 | 0.51 | ||
Afeto positivo X Supressão emocional |
0.04 | 0.14 | .48* | .07* |
Modelo 2 | ||||
Afeto negativo | -2.26 | 0.32 | ||
Reavaliação Cognitiva | -0.27 | 0.29 | ||
Afeto negativo X Reavaliação cognitiva | 0.02 | 0.01 | .31* | .05* |
*p<05
Discussão
O presente estudo foi pioneiro na investigação da relação entre afeto positivo e negativo e bem-estar através da análise de moderação de estratégias de RE. Análises de correlação mostraram que o aumento de afeto positivo está associado com o aumento de bemestar, enquanto o aumento de afeto negativo está associado com diminuição de bem-estar. Como resultado principal, identificou-se que a maneira com que os indivíduos regulam as suas emoções pode influenciar na relação entre afeto e bem-estar. O estudo evidenciou que a supressão emocional, como variável moderadora, é capaz de diminuir a força da relação positiva entre afeto positivo e bem-estar psicológico. Por outro lado, verificou-se que a reavaliação cognitiva, como variável moderadora, é capaz de diminuir a força da relação negativa entre afeto negativo e bem-estar psicológico.
Os estudos sobre emoções e afetos sugerem que as características de emoções positivas são distintas daquelas de emoções negativas e, portanto, merecem atenção separada (Garland, Gaylord, & Fredrickson, 2011). Nota-se que indivíduos com altos índices de afeto negativo apresentam maior tendência ao estresse, ao aborrecimento e à ansiedade. Maiores níveis de afeto negativo também estão associados à baixa autoestima e à insegurança (Castro, Soares, Pereira, & Macedo, 2017). Entretanto, os resultados encontrados revelaram que indivíduos que tendem a fazer mais uso da estratégia de reavaliação cognitiva podem enfraquecer a associação existente entre afeto negativo e bem-estar, enquanto a estratégia de supressão emocional não se mostrou significativa nessa relação.
Com base nos resultados encontrados, a reavaliação cognitiva exerceu função moderadora na relação entre o afeto negativo e o bem-estar. Por ser considerada uma estratégia focada no antecedente emocional, ela se torna capaz de alterar o significado de uma situação potencialmente desagradável e pode estar associada a níveis reduzidos de emoção negativa e aumento do bem-estar (Goldin, McRae, Ramel, & Gross, 2008). Esse achado sugere que indivíduos que têm a tendência de reinterpretar as situações, de forma a alterar o impacto emocional subsequente, têm maiores níveis de bem-estar associado ao afeto negativo. Desta forma, a reavaliação cognitiva pode enfraquecer tanto a experiência quanto a expressão de emoções negativas (Gross & John, 2003), influenciando positivamente no bem-estar. Este tipo de estratégia é utilizado quando as pessoas optam por alterar características emocionais das situações, geralmente desagradáveis (Gross & Thompson, 2007). Tendo isso em vista, confirma-se a influência da reavaliação cognitiva nas situações geradoras de afeto negativo.
Indivíduos que tendem a usar mais reavaliação cognitiva são mais propensos a terem relações mais próximas com os seus pares. Uma das possíveis explicações para isso é que esta estratégia está associada à busca de apoio e de suporte social para aliviar estados emocionais negativos (Gross & John, 2003). Conforme visto na revisão da literatura, a partilha de emoções intensas pode estar associada a relacionamentos emocionalmente próximos e sentimento de conexão interpessoal (McRae & Gross, 2020).
A supressão emocional não exerceu função moderadora na relação entre o afeto negativo e o bem-estar. Diferentemente da reavaliação cognitiva, a supressão emocional é uma estratégia comportamental, focada na inibição da resposta (por exemplo, expressões faciais, verbais e gestos) (Gross & Thompson, 2007). Embora grande parte das pesquisas descrevam a supressão emocional como uma estratégia desadaptativa de RE, torna-se válido destacar que as mesmas estratégias podem ser mais ou menos adaptativas dependendo do contexto em que elas são usadas (McRae, Heller, John, & Gross, 2011). A RE é considerada adaptativa quando as estratégias utilizadas são apropriadas ao contexto e utilizadas de forma flexível para modular as emoções e engajar-se em comportamentos direcionados aos objetivos do indivíduo.
Deve-se considerar que os pesquisadores estão reconhecendo cada vez mais a importância do ajuste estratégia-situação, isto é, a configuração entre as estratégias de RE e os contextos nos quais elas são usadas (Aldao et al., 2015). Ainda, as estratégias de RE não são consideradas adaptativas ou desadaptativas de forma universal (Brockman, Ciarrochi, Parker, & Kashdan, 2017). Diariamente as pessoas experenciam uma série de respostas emocionais negativas, que devem ser cuidadosamente avaliadas. Os estudos mais atuais têm trazido a ideia de que o uso de reavaliação cognitiva não garante resultados benéficos (Ford & Troy, 2019; McRae & Gross, 2020; Milyavsky, et al., 2019). Se as emoções são importantes para o desenvolvimento da personalidade, reduzir essas emoções pode gerar embotamento afetivo e sentimento de inautenticidade (McRae & Gross, 2020).
É importante que se tenha habilidades para diminuir emoções negativas, como ansiedade ou tristeza, em uma reunião de negócios ou em uma entrevista de emprego. Entretanto, pode não ser adaptativo diminuir emoções negativas, como raiva, em uma negociação injusta no trabalho (Swerdlow, Pearlstein, Sandel, Mauss, & Jhonson, 2020). Embora saiba-se que o uso frequente da supressão emocional possa resultar em desfechos negativos para relacionamentos interpessoais e bem-estar, entende-se que, se utilizada em contextos adaptativos e direcionados para objetivos específicos, ela pode não implicar negativamente, tampouco positivamente, na relação entre afeto negativo e bem-estar.
No que diz respeito à relação entre afeto positivo e bem-estar, não surpreendentemente encontrou-se que estas variáveis estão associadas positivamente. Uma das principais pesquisadoras sobre esta temática se dedica a evidenciar que o bem-estar está intimamente ligado ao afeto positivo (Diener et al., 1998). Em apoio a esta teoria, há evidências de que as mudanças fisiológicas que acompanham as emoções positivas tendem a ter efeito benéficos para a saúde (Garland et al., 2011). Com base nos achados deste estudo, o uso de reavaliação cognitiva não exerceu efeito significativo, enquanto o uso de supressão emocional exerceu função moderadora, enfraquecendo a relação entre o afeto positivo e o bem-estar.
A supressão emocional é, por definição, implementada após a geração da emoção e produz um comportamento expressivo diminuído (Goldin et al., 2008). Pesquisadores têm descoberto que a supressão da emoção é útil quando as pessoas querem alterar sua expressão emocional, mas falha em fornecer alívio subjetivo para a experiência de emoções negativas (Brockman et al., 2017). Entretanto, a supressão de emoções positivas pode resultar na diminuição da experiência dessas emoções. Com base nos achados do estudo, a supressão de afetos positivos pode resultar em menor experiência de bem-estar.
Algumas limitações devem ser notadas como oportunidades para futuros estudos. O reconhecimento da RE como uma variável contextual provou ser um dos quebra-cabeças mais complexos no estudo das emoções; e os instrumentos de medidas para a flexibilidade de RE ainda são escassos (Aldao et al., 2015; Gross, 2015). Novos estudos podem aprofundar o entendimento a respeito da RE como uma variável contextual, bem como investigar a escassez de instrumentos para avaliar essa condição. Além disso, há um crescente campo de pesquisa que tem encontrado que a RE não necessariamente ocorre em níveis conscientes e controlados. Recomenda-se que as futuras pesquisas investiguem a RE como um possível processo implícito e automático.
O caráter transversal adotado não permite inferir causalidade acerca das variáveis investigadas, portanto desfechos longitudinais e/ou experimentais poderão complementar os achados. Ainda, o estudo foi realizado no contexto brasileiro, com participação preponderante de indivíduos da região sul do país. Tal fato impossibilita a generalização dos achados, tendo em vista as diferenças culturais relacionadas à forma de lidar com as emoções. A amostra não foi randomizada e estratificada por gênero e idades, e houve maior número de participantes do gênero feminino. Assim, na continuidade de pesquisa sobre essa temática, recomenda-se a inclusão de outros contextos culturais e atenção às características individuais dos participantes que podem influenciar na forma como experenciam e expressam as emoções. Além disso, sugere-se também que futuras pesquisas se dediquem à investigação de possíveis intervenções com enfoque na regulação emocional como forma de prevenção e promoção da saúde mental e do bem-estar.
Considerações Finais
No presente estudo foi investigado se a RE poderia moderar a relação entre o afeto positivo e afeto negativo e o bem-estar. Os resultados evidenciaram que as estratégias de RE exercem influência significativa entre o afeto e o bem-estar. Enquanto estratégias de reavaliação cognitiva podem se configurar como um fator protetivo na relação entre afeto negativo e bem-estar, estratégias de supressão emocional podem ser um fator de risco para afeto positivo e bem-estar. A ideia de que podemos mudar as nossas emoções ao invés de experimentá-las passivamente é promissora no campo da saúde mental e do bem-estar. Face à crescente valorização do construto de RE como um possível fator etiológico e mantenedor de quadros psicopatológicos, torna-se válido destacar a valorização da produção científica nesta área.
As intervenções clínicas que visam a regulação emocional para tratar psicopatologias são cada vez mais comuns. O uso menos frequente de estratégias amplamente adaptativas, como reavaliação e, em menor medida, o uso excessivo de estratégias desadaptativas, como supressão, caracterizam de forma consistente grupos clínicos com transtornos de humor (Aldao et al., 2015). As terapias cognitivas visam diretamente o treinamento das habilidades de reavaliação cognitiva (Goldin et al., 2008) e as evidências empíricas mostram o sucesso disso na diminuição de sintomas de depressão e ansiedade (Gross, 2015).
Diante do exposto, o presente estudo faz contribuições que merecem ser destacadas. Primeiro, o enfoque na RE como uma variável que pode influenciar a relação entre afeto positivo e negativo e bem-estar. Essa contribuição tem implicações clínicas, visto que enfatiza a importância do treino de habilidades para regular afeto positivo e negativo. Destaca-se a necessidade de futuros estudos desenvolverem intervenções com enfoque nas habilidades de tolerância e de regulação das reações emocionais para que indivíduos ampliem o leque de comportamentos para lidar com o sofrimento para promover bem-estar.