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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.9 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20130002 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Patenção seletiva e memória implícita em sujeitos com diferentes IMCs

 

Selective attention and implicit memory in subjects with different BMIsp

 

 

Alexandre Vianna MontagneroI; Marco Aurélio Silva EstevesII

IDoutorado em Psicologia na Universidade de São Paulo - (Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia)
IIEstudante de Graduação - (Universidade Federal de Uberlândia) - Uberlândia - MG - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O aumento do número de casos de transtornos alimentares está sendo amplamente estudado. A obesidade e a compulsão alimentar são dois desses transtornos, que, por vezes, ocorrem concomitantemente. Entender como os vieses cognitivos de atenção e memória influenciam os hábitos de vida e o comportamento alimentar é de grande valia para os profissionais que lidam com esse tema, pois, a partir desse conhecimento, pode-se desenvolver programas de prevenção e intervenção ainda mais efetivos. Neste estudo, investigamos as relações entre viés de memória e atenção e índice de massa corporal (IMC). Para tanto, utilizamos um experimento composto por duas tarefas, uma sobre memória implícita e outra que comparou tipo de resposta e tempo de reação a palavras neutras e a palavras relacionadas a alimentos. Comparamos o desempenho do grupo experimental, composto por participantes com obesidade, com o desempenho do grupo-controle, composto por participantes com peso ideal, de acordo com o IMC. Os resultados analisados pela ANOVA demonstraram que os participantes do grupo experimental levaram significativamente mais tempo para identificar as palavras relacionadas à alimentação se comparados aos do grupo-controle. Além disso, a amostra como um todo recordou mais as palavras relacionadas a alimentos em ambas as tarefas.

Palavras-chave: atenção seletiva, compulsão alimentar, memória implícita.


ABSTRACT

The increase in the number of cases of eating disorders is being widely studied. Obesity and compulsive eating are two such disorders which sometimes occur together. Understanding how cognitive biases of attention and memory influence lifestyle and eating behavior is of great value to the professionals who deal with this issue, because this knowledge can be used to develop even more prevention and intervention programs. This study focuses on the relationship between memory and attention bias in Body Mass Index. For this we use an experiment consisting of two tasks, one being about implicit memory and the other being a task about comparing type of response and time of reaction in face of neutral words and words related to food. We compare the performance of the experimental group consisting of participants with obesity, with the control group composed of participants with normal weight, according to the Body Mass Index (BMI). The results analyzed by ANOVA showed that the experimental group took significantly longer to identify words related to food compared to the control group. Additionally, the sample as a whole recalled more the words related to food in both tasks.

Keywords: food compulsion, implicit memory, selective attention.


 

 

Os transtornos alimentares estão ganhando cada vez mais espaço tanto em estudos científicos quanto em programas de saúde pública. Isso se deve, provavelmente, ao aumento de sua prevalência na maioria dos países ocidentais, incluindo o Brasil, e também à sua relação com hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, hiperlipidemias, dentre outras doenças (Enes & Slater, 2010).

Por se tratar de uma preocupação recente, já que estudos sistemáticos sobre qualidade de vida começaram a ser realizados por volta de 1980 (Tirico, Stefano, & Blay, 2010), pode-se pensar que, entre a obtenção de conhecimento científico sobre o assunto e a modificação de hábitos alimentares por parte da população, se demanda algum tempo. Entretanto, nesse espaço de tempo, a configuração da saúde populacional pode seguir sofrendo alterações que confrontem as perspectivas de manutenção de uma população saudável.

Além disso, há o interesse das grandes indústrias em expandir o alcance de seus produtos a fim de aumentar sua lucratividade, o que ocorre via meios de comunicação (Souza & Souza, 2009), com as estratégias de marketing interferindo diretamente no processo de alimentação dos indivíduos. Também, para que não pereçam rapidamente na prateleira, os alimentos passam por processos químicos, físicos e biológicos, de modo que perdem parte de seus nutrientes originais (Evangelista, 2001) enquanto se excedem nutrientes como sódio, nitratos e outros.

O aumento exponencial do sobrepeso e da obesidade na população brasileira está diretamente relacionado ao aumento do consumo de alimentos industrializados, ricos em gordura, açúcar e sódio, e à diminuição da atividade física realizada pelos indivíduos (Brasil, 2008). Por isso é tão importante que o Ministério da Saúde tenha programas, como o guia alimentar para a população brasileira, que busquem conscientizar a população a respeito da obesidade e suas intercorrências.

Há uma relação significativa entre o bem-estar psicológico das pessoas e sua condição corporal. Os adolescentes com obesidade, por exemplo, geralmente sofrem estigmatização e discriminação em alguns contextos de suas vidas. Desse modo, pode haver um comprometimento de bem-estar psicológico (Wardle & Cooke, 2005), tendo em vista que esses fenômenos podem influenciar na formação da autoestima e do autoconceito desses adolescentes.

Segundo Silva e Maia (2010), os adultos com obesidade mórbida apresentam uma propensão maior para cometer suicídio quando comparados com outros grupos populacionais. Refletindo sobre o fato de o suicídio ser encarado como uma das mais extremas e, talvez, última alternativa para se lidar com alguma questão vivencial, é plausível concluir que esses obesos mórbidos, com propensão maior ao suicídio, já tentaram diversas outras alternativas, contudo sem êxito.

Os transtornos alimentares, apesar de terem semelhanças, não podem ser agrupados de maneira homogênea. Dentre tais transtornos, há o "transtorno de compulsão alimentar", que só foi elevado à categoria dos diagnósticos na década de 1990 (Azevedo, Santos, & Fonseca, 2004). A principal característica desse transtorno é o fato de os acometidos por ele ingerirem uma grande quantidade de alimentos em um período de até duas horas, com a perda de controle sobre o que e o quanto comem. Sendo que esses episódios ocorrem, no mínimo, dois dias por semana.

De acordo com Appolinário e Claudino (2000), a diferença entre os pacientes com transtorno de compulsão alimentar e os acometidos pela bulimia nervosa é que os primeiros não utilizam medidas severas com finalidade de não elevar o peso corporal. Pelo medo de ficarem "gordos", os pacientes com bulimia tomam medicamentos laxantes, provocam vômitos e submetem-se a outras medidas drásticas para "compensar" o abuso alimentar e evitar o ganho de peso. Contudo, os doentes com transtorno de compulsão alimentar não utilizam os procedimentos característicos dos bulímicos e, por tal motivo, são mais propensos ao sobrepeso e à obesidade.

Dentre os transtornos mentais crônicos, os transtornos alimentares representam o terceiro grupo mais comum em adolescentes do sexo feminino. Todavia, diferentemente dos impactos fisiológicos, que são bastante conhecidos, os impactos psicológicos ainda necessitam de estudos sistemáticos para maior entendimento (Padierna, Quintana, Arostegui, Gonzalez, & Horcajo, 2002).

Para se compreender a dinâmica de funcionamento dos comportamentos alimentares derivados do transtorno de compulsão alimentar e as distorções cognitivas nesses pacientes, estudos longitudinais seriam de suma importância. Tais estudos poderiam permitir, inclusive, a catalogação de quais são os impactos cognitivos e comportamentais mais comuns nos pacientes com esse transtorno. Todavia, não foram encontrados estudos desse tipo na literatura atual.

A terapia cognitivo-comportamental é reconhecida por sua eficiência no tratamento de alguns transtornos alimentares, como a compulsão alimentar e outros (Appolinário et al., 2007; Duchesne & Almeida, 2002). Segundo Williamson, Muller, Reas e Thaw (1999), o modelo de investigação e prática adotado pela teoria cognitiva relativa aos transtornos alimentares é duplamente útil, pois, por um lado, permite testar empiricamente insights vindos do ambiente clínico e que aparecem de forma recorrente nos pacientes com queixas alimentares e, por outro, ajuda a testar hipóteses teóricas com amostras selecionadas e, a partir dos resultados, propor novos olhares sobre a intervenção, sobretudo na compreensão e modificação dos processos cognitivos que levam à resistência e à baixa adesão ao tratamento.

No âmbito experimental, existem muitos achados que confirmam a hipótese de que há um funcionamento alterado nos processos cognitivos de pessoas com transtornos alimentares.

Brooks, Prince, Stahl, Campbell e Treasure (2011) realizaram uma metanálise sobre as pesquisas que tratam de vieses cognitivos em transtornos alimentares e argumentam que cognições distorcidas sobre comida, sobre peso e forma corporal, bem como sob o viés da atenção, da memória e do julgamento, configuram-se como os principais temas de investigação com resultados consistentes.

Entre os testes mais comuns para avaliar os processos cognitivos em pessoas com transtornos alimentares, destaca-se o teste Stroop em versões modificadas. No teste original, a tarefa consiste em nomear as cores de palavras; essas palavras são nomes de cores tais como azul, verde ou vermelho. Quando as palavras são congruentes com a cor da tinta com que estão grafadas, ou seja, a palavra "azul" pintada de azul, por exemplo, a nomeação é significativamente mais rápida do que quando o nome da palavra não é igual à cor da tinta em que está grafada, por exemplo, a palavra "verde" grafada com tinta vermelha. No caso dos transtornos alimentares, os participantes devem nomear as cores das palavras como na tarefa original, contudo as palavras não são nomes de cores, mas termos com valência emocional significativa para pessoas com transtornos alimentares, como palavras relativas a peso, forma física ou alimentos calóricos. Em outra variação desse teste, não são as cores de palavras que o participante deve nomear, mas, sim, a cor de imagens que podem ser neutras ou ligadas a alimentos ou à forma corporal (Stormark & Torkildsen, 2004).

O teste Stroop modificado, seja na versão pictórica ou na linguística, é amplamente usado para avaliar o viés da atenção em transtornos alimentares. Em uma metanálise realizada em 27 estudos que utilizaram o teste Stroop em queixas alimentares, Johansson, Ghaderi e Andersson (2005) concluíram que o efeito do viés da atenção realmente está presente, mas aparece de maneira modesta. Esses dados indicam que outras ferramentas devem ser utilizadas para avaliar o viés cognitivo em pessoas com transtornos alimentares.

Uma das alternativas é avaliar o viés da atenção por meio do paradigma do dot prob task, que consiste em localizar no menor tempo possível um ponto que surge na tela do computador. O paradigma argumenta que, se um estímulo emocionalmente relevante aparece no mesmo campo visual no qual, depois, aparecerá o ponto, a tarefa de localizar esse ponto é feita de maneira mais rápida se comparada à tarefa de localização realizada no mesmo local onde havia um estímulo neutro. Para avaliar pessoas com transtornos alimentares, as imagens emocionais são de alimentos calóricos e saborosos. Os dados revelam um efeito de hipervigilância aos estímulos ligados a alimentos em pacientes com bulimia e anorexia se comparados a participantes sem esses transtornos (Shafran, Lee, Cooper, Palmer, & Fairburn, 2007).

Outra forma de se avaliar o viés da atenção é apresentar estímulos subliminares, por exemplo, Dickson e colaboradores (2008) solicitavam aos participantes que recordassem algumas letras aleatórias que apareciam em um monitor; paralelamente à apresentação dessas letras aparecia uma tela muito rápida (subliminar) que podia conter uma imagem referente a alimentos hipercalóricos ou imagens neutras. Os dados revelaram que os participantes com transtornos alimentares foram significativamente melhores na tarefa de lembrar as letras quando estas apareceram simultaneamente às imagens nas telas com tema alimentar. Nesse tipo de estudo, ficam claras a intercessão que existe entre os processos de atenção e memória e a necessidade de estudá-los conjuntamente para compreender melhor o viés cognitivo nos transtornos alimentares.

Para se estudar a memória, vários modelos e testes são utilizados. Por vezes, os participantes escutam uma lista de palavras, outras, listas com muitas palavras são fornecidas, e, ao final do processo, em ambos os casos, a pessoa deve falar em voz alta ou escrever o maior número possível de palavras que se lembrar. Em outros estudos, várias palavras aparecem na tela do computador e, depois de um tempo fixo, palavras isoladas aparecem no centro da tela, ocasião em que o participante deve responder se a palavra estava presente ou não na lista de palavras memorizadas anteriormente. Nesses casos, é esperado que pessoas com transtornos alimentares se lembrem com mais facilidade das palavras relacionadas a alimentos se comparadas aos demais participantes. Apesar de a pesquisa na área da memória em transtornos alimentares não ser tão comum como na área que investiga o viés da atenção, os resultados apontam para uma memória seletiva em pessoas com queixas alimentares (Brooks et al., 2011).

A memória é um processo cognitivo imprescindível na vida humana. Ela sustenta a capacidade do homem de viver em sociedade, remete-o a comportamentos errôneos do passado para não repeti-los, remete-o ao caminho da universidade ou do trabalho, dá noção de continuidade, dentre outros fatos importantes. Há vários estudos e várias distinções sobre os tipos de memória. Essa pesquisa se ateve à memória de curto prazo, ou memória implícita. A memória de curto prazo ou implícita é aquela que precisa ser retida por apenas alguns segundos, como o armazenamento de um número de telefone momentaneamente, estando relacionada à parte frontal do córtex (Atkinson et al., 2002; Baddeley, 2011; Sternberg, 2010).

Uma hipótese proposta por essa pesquisa é a de que pode existir uma relação entre o índice de massa corporal (IMC) maior que 24,99, que caracteriza sobrepeso (Sampaio & Figueiredo, 2005), e uma maior tendência em focalizar a atenção em estímulos relacionados à alimentação. Essa tendência poderia produzir resultados diferentes no índice de tempo e de recordação das palavras relacionadas à alimentação no grupo de pessoas com sobrepeso e obesidade quando comparado ao grupo-controle com IMC normal.

O objetivo geral dessa investigação foi verificar se há relações entre o viés de memória e atenção e o IMC. Para isso, foi realizado um experimento de memória de curto prazo que continha estímulos neutros e estímulos com valência emocional relacionados à alimentação ou a alimentos específicos. O objetivo específico era averiguar se havia diferenças na capacidade de recordar itens de uma lista de palavras comparando as respostas dos voluntários do grupo experimental, composto por participantes com sobrepeso (IMC acima de 24,99), às dos voluntários do grupo-controle, composto por participantes com IMC indicando peso normal com valores entre 18,5 e 24,99. Também, propôs-se investigar se havia diferença entre o tempo de reação a estímulos relacionados à alimentação e a estímulos neutros em relação aos participantes do grupo do sobrepeso e do grupo-controle, bem como se havia diferença na quantidade de itens lembrados relacionados a alimentos ou neutros.

 

MÉTODO

Participantes

O experimento contou com dois grupos de voluntários, o grupo A (grupo experimental) e o grupo B (grupo-controle). O parâmetro para definir um indivíduo como participante do grupo A ou do grupo B foi o IMC, que é a medida mais utilizada em estudos com grupos populacionais para dimensionar e classificar o estado nutricional, por acreditarmos que os comportamentos de compulsão alimentar são mais prováveis no grupo com IMC acima do ideal (Kakeshita & Almeida, 2006).

O IMC dos participantes foi obtido por meio da divisão do peso (kg) pela altura (m) dos participantes. O resultado entre 18,5 e 24,99 é considerado normal e, acima de 24,99, acima do peso. Desse modo, o grupo A foi composto por pessoas com o IMC que indica sobrepeso e o grupo B por pessoas com IMC normal.

O grupo A foi composto por 12 mulheres e quatro homens. A escolaridade de sete desses participantes era o ensino médio, quatro estavam cursando o ensino superior, dois tinham completado o ensino superior e três participantes haviam concluído o ensino fundamental. O IMC médio do grupo foi de 41,88, que caracteriza obesidade de grau III ou obesidade mórbida. Sete participantes eram casados e nove solteiros.

O grupo B foi composto por nove mulheres e seis homens. Onze desses participantes estavam cursando o ensino superior, três já haviam completado o ensino superior e um havia completado o ensino médio. O IMC médio do grupo foi 21,1, considerado saudável.

Os participantes do estudo tinham idade entre 18 e 40 anos, e as capacidades cognitivas diminuíram de acordo com o aumento da idade (Alonso & Prieto, 2004). Os participantes do grupo A tinham uma média de idade de 28 anos, enquanto a média de idade do grupo B era de 22 anos.

Além disso, os grupos foram compostos por amostra de ocasião. Sendo que a maioria desses participantes foi encontrada em uma universidade do interior de Minas Gerais ou no ambulatório de cirurgia bariátrica do Hospital Universitário. A participação foi de livre e espontânea vontade dos participantes e com aprovação do comitê de ética.

Procedimentos e materiais

Primeiramente, foi solicitado o preenchimento de um questionário que continha perguntas referentes aos próprios indivíduos e relacionadas a peso, altura, escolaridade, estado civil e idade. Os participantes que preencheram os requisitos foram convidados a participar das duas próximas etapas do experimento que ocorreram no mesmo dia. A amostra final foi composta pelos participantes que atendiam aos requisitos e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A primeira tarefa consistiu na apresentação de 16 listas (ver Tabelas 1 e 2) compostas por sete palavras cada. Isso se deve ao fato de que "...a amplitude da memória imediata é em geral 'sete mais ou menos dois' se as unidades forem números, letras ou palavras." (Eysenk & Keane, 2007, p. 191).

 

 

 

 

Essa etapa do experimento foi guiada por uma tarefa de memória de curto prazo e livre recordar. Das 16 listas, oito continham uma palavra central (a quarta palavra) relacionada a alimentos, e as outras oito listas continham apenas palavras neutras. Cada palavra ficou centralizada na tela do computador por 1,2 segundos e com um fundo branco. Após a apresentação de cada lista de sete palavras, os participantes anotaram as palavras que se recordaram em uma folha e iniciaram a próxima lista. Ao findar essa etapa do experimento, os participantes entregaram para o pesquisador as folhas de respostas antes de iniciarem a terceira etapa.

Essa diferenciação entre os dois tipos de listas, com palavras centrais neutras ou com referências a alimentos, serviu para avaliar o efeito de primazia e recência (Baddeley, 2011; Eysenk & Keane, 2007). Tais efeitos remetem ao fato de os indivíduos recordarem mais palavras do início e do final de uma lista, esquecendo com mais facilidade os itens centrais.

Vale salientar que as palavras utilizadas eram compostas por três ou quatro sílabas, e uma mesma lista continha apenas palavras com o mesmo número de sílabas. Assim, foi configurado o teste para que essas alterações no tempo de pronúncia não alterassem a capacidade de recordar as palavras mais rapidamente, como demonstrado em alguns estudos (Baddeley, 2011).

Das sete palavras, as três primeiras e as três últimas foram palavras neutras (como "cadeira", "parede", "maçaneta" e "zabumba") e a quarta palavra foi uma palavra de valência emocional ligada à alimentação (como "lasanha", "churrasco", "sanduíche" e "feijoada"). Essas listas de palavras foram configuradas no software Super Lab.® apresentadas por intermédio do monitor de um computador.

As palavras apareciam individual e sequencialmente. Cada palavra ficou no monitor por 1 segundo. Após o final de cada lista, o participante dispôs do tempo que julgou necessário para relembrar as palavras e anotá-las em uma lista de anotação fornecida previamente.

Na terceira etapa do experimento, foram apresentadas palavras isoladas no monitor do computador. Esses estímulos estavam divididos em quatro classes de palavras. Foi solicitado que os participantes respondessem o mais rapidamente possível, por meio de comandos no teclado do computador, se essas palavras haviam aparecido em alguma das listas anteriores ou não. Para as palavras que apareceram nas listas anteriores, os participantes deveriam pressionar a tecla "Z", e para as palavras que não apareceram na lista anterior, a tecla "M".

Havia quatro classes (Tabela 3) de palavras nessa etapa do experimento. A primeira classe continha nove palavras neutras que realmente haviam sido apresentadas em alguma das listas da primeira etapa, essas palavras foram nomeadas como "verdadeiras neutras". A segunda classe continha cinco palavras relacionadas a alimentos e que haviam aparecido em alguma lista da primeira etapa do teste, denominadas "verdadeira-alimentos".

 

 

A terceira classe era composta por nove palavras neutras que não haviam aparecido em nenhuma das listas anteriores, por isso chamadas de "falsas neutras". E, por fim, na quarta classe de palavras, havia seis palavras relacionadas a alimentos, mas que não foram mostradas em nenhuma das listas da primeira etapa do teste, por isso denominadas "falsasalimentos".

Também foi utilizado o Inventário Beck de Ansiedade (BAI) (Cunha, 2001) para análise das possíveis relações entre a capacidade de recordar itens e o nível de ansiedade vivenciado pelos participantes e para comparar o nível de ansiedade entre os grupos A e B.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O primeiro dado observado foi a capacidade de recordar itens das listas de sete palavras. Em relação aos efeitos de primazia e recência, encontrados em diversos estudos (Eysenk & Keane, 2007; Matlin, 2004; Sternberg, 2010; Baddeley, 2011), foi possível perceber que o modo como esses efeitos ocorrem está relacionado ao tipo de estímulo em questão.

Quando os estímulos centrais das listas de palavras eram neutros, os índices de recordação foram de 30% para o grupo B, e 27% para o grupo A. Nesse caso, os baixos índices de recordação das palavras centrais podem ser explicados por meio dos efeitos já citados. Todavia, quando os estímulos centrais eram relacionados a alimentos, o índice de acertos foi significativamente maior. No grupo B, o índice de acertos foi de 65%, enquanto, no grupo A, foi de 59%.

A explicação para esse fenômeno também pode estar relacionada à atenção seletiva, que ocorre quando os indivíduos passam a focar a atenção em determinados estímulos, em detrimento de outros. Nesses casos, os estímulos mais salientes se destacam e, por isso, demandam mais atenção que os estímulos neutros (Sternberg, 2010).

É possível inferir que os estímulos que remetem à alimentação são salientes para a maioria dos seres humanos, já que são estímulos básicos para a sobrevivência, além de serem caracterizados como reforços primários (Moreira & Medeiros, 2007). Daí a possibilidade de que, quando os participantes perceberam que havia no teste alguns estímulos dessa ordem, passaram a ter atenção seletiva.

Matlin (2004) salienta que, em uma revisão de literatura especializada, se conclui que os estímulos agradáveis para os indivíduos, na maioria das vezes, são mais lembrados do que os estímulos desagradáveis ou neutros. Nesse estudo, foram apresentados alguns dados que confirmam essas evidências, como o índice de acerto para as palavras centrais, que em ambos os grupos foi significativamente maior quando eram palavras relacionadas a alimentos em relação às palavras neutras.

Appolinário e colaboradores (2004) apontam que há um desempenho inferior em testes de memória verbal de curto e longo prazos em pacientes com anorexia, um dos transtornos alimentares. Os dados encontrados no estudo atual não apontaram diferenças estatisticamente significativas na tarefa de livre recordar entre o grupo que contou com participantes obesos e o grupo de participantes com peso ideal.

A Figura 1 demonstra o número de acertos de palavras centrais nos grupos A e B.

 

 

Por meio do teste ANOVA, foi observada uma diferença estatisticamente significativa no tempo de reação apresentado pelos dois grupos ante palavras verdadeiras-neutras (F = 6,874, p < 0,05), sendo que, ante essa classe de estímulos, ao se comparar à média, o grupo experimental foi 328,8 milissegundos mais lento que o grupo-controle. A média do tempo de reação do grupo experimental foi de 1,551 segundos e a do grupo-controle foi de 1,222 segundos.

Também por intermédio do teste ANOVA, foram encontradas diferenças significativas no tempo de reação dos dois grupos ante as palavras verdadeiras-alimentos (F = 18,76, p < 0,001).A média de tempo de reação do grupo A ante essa classe de estímulos foi de 1,145 segundos e a do grupo B foi de 0,845 segundos. A diferença entre a média dos dois grupos é de 300 milésimos de segundos.

Para a diferença no tempo de reação dos dois grupos ante as palavras falsas-neutras, encontrou-se F = 5,25 (p < 0,05) no teste ANOVA. O tempo médio de reação do grupo A foi de 1,508 segundos, enquanto o do grupo B foi de 1,127 segundos. A diferença entre esses tempos é de 381 milissegundos.

Com relação à diferença entre os grupos no tempo de reação ante as palavras falsas-alimentos, encontrou-se F = 6,43 (p < 0,05).A média de tempo de reação do grupo A foi de 1,406 segundos, enquanto a média de tempo de reação do grupo B foi de 1,058 segundos. A diferença entre os dois grupos foi de 348 milésimos de segundos.

O tempo de reação do grupo A foi significativamente maior em todas as classes de palavras. Em média, o grupo A demorou 339,45 milésimos de segundo a mais para responder aos estímulos em relação ao grupo B.

Ambos os grupos também foram significativamente mais rápidos quando os estímulos eram palavras relacionadas a alimentos. O que nos leva a questionar se ocorreu o fenômeno da atenção seletiva, que estaria direcionada aos estímulos relacionados à alimentação, e, por isso, ao perceber esses estímulos, os participantes processariam essas informações mais rapidamente, o que os levaria a responder, também, com mais agilidade.

A capacidade de atenção é um recurso limitado. Com elevada excitação, causada por uma carga emocional excessiva, há uma alteração da capacidade de atenção do indivíduo. Essa modificação provoca uma alteração na codificação da informação, causando efeitos amnésicos sobre detalhes de eventos (Leichtman, Ceci, & Ornstein, 1992). Nesse ponto, podemos refletir a respeito do quanto a atenção do indivíduo influencia em seu tempo de reação.

Os dados encontrados nesse estudo também são congruentes com os dados anteriores de um estudo feito com uma variação do teste Stroop, em que os voluntários deveriam nomear as cores das palavras. Porém, as palavras poderiam ser neutras ou relacionadas à comida, à forma ou ao peso corpóreo. Nesse estudo, o tempo de reação dos participantes (com bulimia nervosa) foi alto para estímulos alimentares, mas o do grupo-controle sem transtornos alimentares também foi, não havendo diferenças estatisticamente significativas entre os resultados (Davidson & Wright, 2002).

É possível refletir se, no caso de pessoas com compulsão alimentar, os estímulos relacionados às comidas ou aos hábitos alimentares se sobressaem e requisitam maior atenção em relação aos demais estímulos. O que é similar ao fato de alguns estímulos mais relevantes para determinado indivíduo receberem maior atenção em detrimento de outros estímulos (Bradley & Mogg, 2000).

Segundo Matthews e Wells (2000), estados de emoção influenciam o desempenho dos indivíduos em tarefas que requerem seleção de estímulos ou concentração intensa. No caso dos participantes do grupo A, os estímulos relacionados à alimentação podem ter provocado alguma alteração no estado de emoção, e isso pode ter alterado seu desempenho, retardando seu tempo de reação.

Entretanto, o fato de o tempo de reação ante as palavras relacionadas à alimentação ser significativamente mais rápido do que quando as palavras eram neutras demonstra que o processamento de informação pode ocorrer mais rapidamente se os estímulos tiverem alguma valência emocional para os participantes, se os estímulos estão relacionados a alimentos ou se os estímulos são relacionados a reforços primários. O que se percebe é que o processamento das informações foi significativamente diferente, contudo, para atribuir uma causalidade a esse fenômeno são necessários novos estudos.

Em relação ao índice de acertos na segunda etapa do teste, não houve diferença significativa entre os dois grupos. Também em relação ao Inventário Beck de Ansiedade (BAI) (Cunha, 2001) não foi verificada diferença significativa entre os dois grupos, sendo que os fenômenos que ocorreram neste estudo não podem ser explicados pelos níveis de ansiedade vivenciados pelos participantes.

O fato de as pessoas se manterem obesas pode estar relacionado à sua dificuldade em manter uma alimentação saudável ou uma dieta. Tal dificuldade parece estar associada à baixa manutenção da atenção focalizada em tais dietas. Os causadores dessas dificuldades em se manter focado na dieta podem estar relacionados à influência das pessoas que convivem com os obesos sobre os seus comportamentos (Cavalcanti, Dias, & Costa, 2005).

Em relação à atenção seletiva dos participantes, foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos. O tempo de reação do grupo A foi substancialmente maior do que o tempo de reação do grupo B. Sendo a atenção um dos componentes das funções executivas, juntamente com a memória implícita (Fuentes, Leite, Malloy-Diniz, & Sedo, 2008), acredita-se que esse pode ser um foco de novos estudos. Sendo a atenção seletiva, possivelmente, um importante foco de intervenção no atendimento dos pacientes obesos.

Conclui-se que o efeito da atenção seletiva foi verificado na recordação de itens com valência emocional ante os itens neutros, entretanto, não houve diferença significativa na recordação de itens entre os grupos A e B. As maiores diferenças foram encontradas no tempo de reação, em que o grupo-controle foi significativamente mais rápido do que o grupo experimental em relação a estímulos de todas as classes de palavras utilizadas.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Alexandre Vianna Montagnero
Instituto de Psicologia - IPUFU Campus Umuarama - Bloco 2C - Sala 34
Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama
Uberlândia - MG. CEP: 38400-902
E-mail: montagnero@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 24 de novembro de 2014. cod. 321.
Artigo aceito em 28 de janeiro de 2015.

 

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