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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro enero/jun. 2019

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20190007 

10.5935/1808-5687.20190007 ARTIGOS DE REVISÃO

 

Terapia Cognitivo-comportamental no Espectro Autista de Alto Funcionamento: revisão integrativa

 

Cognitive Behavioral Therapy for High-functioning Autism Spectrum Disorder: integrative review

 

 

Marília ConsoliniI; Ederaldo José LopesII; Renata Ferrarez Fernandes LopesIII

IMestre em Psicologia Aplicada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - (Doutoranda em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP.) - Ribeirão Preto - MG - Brasil
IIDoutor em Psicobiologia - (Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU)
IIIDoutora em Psicobiologia - (Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo teve como objetivo apresentar um estudo de revisão integrativa de artigos publicados nas línguas portuguesa e inglesa, nos últimos dez anos, sobre a terapia cognitivo- comportamental clássica (TCC) no atendimento de pacientes com transtorno do espectro autista de alto funcionamento (TEA-AF). Foram realizadas buscas nas bases de dados BVS, MEDLINE e PsycINFO. Unitermos e combinações utilizados foram "cognitive behavior therapy" e " Autism spectrum disorder", em inglês e português. Foram selecionados 40 artigos. Os resultados indicaram que a TCC apresenta manutenção de técnicas cognitivas e comportamentais, como psicoeducação, exposição e resposta, reestruturação cognitiva e regulação emocional. Adaptações de técnicas e/ou protocolos estavam presentes na maior parte dos artigos, e as comuns foram uso de interesses pessoais do paciente e de estratégias visuais. Houve importante foco nas comorbidades e nos sintomas associados, como ansiedade. O tipo mais comum de intervenção foi a intervenção em grupo, além de intervenção com participação dos pais. Os resultados sugerem que a TCC apresenta resultados efetivos para o TEA-AF, porém, adaptações são indissociáveis e há a necessidade de maior compreensão da manifestação de ansiedade nessa população. Assim, as pesquisas recentes e os protocolos de intervenção são promissores e poderão colaborar ainda mais na área do TEA-AF.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo Comportamental; Transtorno do Espectro Autista de Alto Funcionamento; intervenção.


ABSTRACT

This article aimed to present an integrative review of articles published in Portuguese and English in the last ten years on Classical Behavioral Cognitive Therapy (CBT) in the treatment of High Functioning Autism Spectrum Disorder (TEA-AF). We searched the BVS, MEDLINE and PsycINFO databases. Key words and combinations used were "Cognitive Behavior Therapy"; and " Autism spectrum disorder" in English and Portuguese. 40 articles were selected. The results indicated that CBT presents maintenance of cognitive and behavioral techniques, such as psychoeducation, exposure and response, cognitive restructuring and emotional regulation. Adaptations of techniques and/or protocols were present in most articles and the common ones were use of patient's personal interests and use of visual strategies. There was an important focus on comorbidities and associated symptoms, such as anxiety. The most common type of intervention was group intervention, in addition to intervention with parental involvement. The results suggest that CBT presents effective results of intervention for ASF-HF, however, adaptations are inseparable and there is a need for greater understanding of the manifestation of anxiety in this population. Thus, recent research and intervention protocols are promising and may further collaborate in the area of ASD-HF.

Keywords: Cognitive Behavior Therapy; Autism Spectrum Disorder; intervention.


 

 

INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro autista (TEA) foi uma das principais mudanças incluídas na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5; APA, 2014), no qual as avaliações passaram a priorizar o nível de gravidade dos sintomas, com ênfase em duas áreas: desordens da interação (prejuízos em interação social e comunicação) e do comportamento (com presença de padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses ou atividades) (APA, 2014; Duarte, Schwartzman, Matsumoto, & Brunoni, 2016).

Nesse sentido, compreende-se o TEA como uma síndrome neuropsiquiátrica que transita entre quadros sintomatológicos e é caracterizada por déficit ou ausência de contato social, dificuldade para compreensão e uso da linguagem, comportamento repetitivo e estereotipado, repertório restrito de interesses e atividades e uma baixa tolerância à frustração, apresentando-se como de nível 1, 2 ou 3, sendo o nível 3 o mais severo (APA, 2014; Backes, Mônego, Bosa, & Bandeira, 2014).

A evolução do TEA é muito variável, sendo que o quociente de inteligência (QI) normal e a presença de linguagem indicam maiores possibilidades de evolução em algumas áreas da vida (APA, 2014; Brito & Vasconcelos, 2016). De acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2014), indivíduos com TEA que conseguem trabalhar e viver de forma independente na fase adulta são minoria, compondo o grupo conhecido como TEA de alto funcionamento (TEA-AF). O funcionamento intelectual é um dos fatores importantes no fechamento de diagnóstico de TEA-AF, sendo usado para fins de diagnóstico diferencial. Assim, esses pacientes tendem a ter linguagem e capacidades intelectuais superiores, facilitando sua independência ou parte dela. Porém, mesmo com prejuízos menores, eles podem ser propensos a ansiedade e depressão – principalmente em situações que exigem habilidades sociais –, ser socialmente vulneráveis e ingênuos, e ter dificuldades para organizar demandas práticas (APA, 2014; Brito & Vasconcelos, 2016; Oliveras-Rentas, Kenworthy, Roberson, Martin, & Wallace, 2012).

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem que tem se mostrado eficaz para o tratamento de muitos transtornos que surgem na infância. Em relação especificamente ao TEA, há estudos que apresentam evidências de eficácia do uso da TCC em crianças e jovens com TEA-AF (Farrell, James, Maddox, Griffiths, & White, 2016; Loades, 2015; McGillivray & Evert, 2014). Porém, os mais recentes trabalhos que envolvem TCC e TEA abordam intervenções, propostas ou descrições de estudos apenas com crianças, adolescentes ou adultos com TEA-AF. Entende-se que a TCC no atendimento ao TEA, mesmo quando adaptada ao atendimento de crianças, implica que os pacientes apresentem um nível cognitivo suficiente para que o trabalho com as técnicas cognitivas seja efetivo. No caso de indivíduos com TEA de moderado a severo, esse nível cognitivo pode estar prejudicado, já que 70% das crianças com o transtorno apresentam deficiência intelectual com algum grau de comprometimento (APA, 2014). Nesse sentido, conclui-se que a capacidade cognitiva de pacientes com TEA varia em grande nível, tornando-se, por isso, necessária sua avaliação. Devem ser avaliadas as habilidades verbais da criança – necessárias no estabelecimento de relações terapêuticas e na expressão de pensamentos e sentimentos na TCC –, bem como a capacidade de reconhecimento de emoções, autorreflexão e raciocínio causal. Essas avaliações permitem definir se a TCC é adequada ao tratamento, identificar pontos que precisam ser trabalhados com a criança e realizar as adaptações – particulares a cada criança – necessárias no plano de intervenção (Rotheram-Fuller & Hodas, 2015).

Assim, o objetivo deste artigo foi realizar uma revisão integrativa de estudos em língua portuguesa e em língua inglesa, dos últimos dez anos, a respeito de aspectos teóricos ou de intervenções da abordagem da TCC clássica no TEA-AF.

 

METODOLOGIA

A questão norteadora desta revisão foi construída com base na estratégia PICO (P: população/pacientes; I: intervenção; C: comparação/controle; O: desfecho/outcome), amplamente empregada em estudos de revisão integrativa. A fim de atendê-la, a pergunta norteadora delineada na presente revisão foi: O que há na literatura recente sobre o modelo conceitual, as técnicas e a aplicação (O) da TCC (I) em pessoas com TEA-AF (P). Devido ao fato de o objetivo não envolver nenhum tipo de comparação entre grupos, a estratégia PICO foi utilizada sem a letra C (comparação).

Instrumentos: Como instrumentos, foram utilizadas duas planilhas de análise referentes às publicações sobre TCC para o TEA-AF, com dados gerais e metodológicos dos estudos selecionados.

 

PROCEDIMENTOS

Procedimento de coleta de dados

Foi realizada uma busca de materiais nas bases de dados BVS Saúde, MEDLINE e PsychINFO. Os unitermos usados foram consultados previamente na Terminologia em Psicologia e em Ciências da Saúde da BVS-Psi, e as combinações foram: "cognitive behavior therapy and autism spectrum disorder"; "terapia cognitivo-comportamental e transtorno do espectro autista".

Todos os artigos encontrados foram submetidos aos critérios de inclusão e exclusão.

Critérios de inclusão: Foram incluídos apenas artigos sobre TCC para o TEA-AF publicados entre 2006 e 2017 e escritos em língua portuguesa e em língua inglesa. Foram incluídos trabalhos teóricos, descritivos, exploratórios ou empíricos sobre as abordagens de TCC clássica com crianças, adolescentes ou adultos com TEA-AF. Ainda, foram incluídos apenas artigos publicados em periódicos indexados e que respondessem à questão norteadora.

Critérios de exclusão: Foram excluídos trabalhos anteriores ao ano de 2007, que não fossem artigos e artigos de revisão de literatura, que não abarcassem estudos com crianças, adolescentes ou adultos com TEA-AF, que não utilizassem como base teórica a TCC clássica ou que apenas a abordassem tangencialmente. Intencionalmente foram excluídos os trabalhos que apresentaram intervenções com síndrome de Asperger e por programas designados "treinamento de habilidades sociais" ou fundamentados em outras abordagens.

Posteriormente, foi feita uma seleção de trabalhos a partir da leitura de títulos e resumos. Os que se encaixaram nos critérios, foram recuperados e lidos na íntegra. Essa fase integrou a revisão crítica dos instrumentos e todos os materiais foram avaliados a partir dos critérios presentes nas planilhas de análise.

Análise de dados

As categorias sistematizadas a partir das planilhas foram organizadas em eixos temáticos que serviram como ponto de partida para a análise e interpretação dos dados, última fase da revisão integrativa. Os eixos temáticos foram: a) Delineamento dos estudos; b) Tipos de intervenção; c) Técnicas da TCC utilizadas; d) Adaptações; e) Protocolos utilizados; f) Comorbidades; g) Instrumentos. Além disso, foi realizada estatística descritiva dos estudos selecionados e análise desses dados.

 

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta o processo de seleção dos 40 trabalhos analisados nesta revisão integrativa. A primeira busca bibliográfica dessa pesquisa gerou um total de 726 artigos. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, além da exclusão por repetição, chegou-se a um total de 153 trabalhos. Com base na leitura dos resumos, foram selecionados 55 trabalhos. Após sua leitura completa, foram excluídos 15 artigos, chegando-se, na seleção final, a 40 artigos.

 

 

A Tabela 1 apresenta a relação dos trabalhos selecionados, com seus respectivos autores, ano, periódico de publicação e tipo de estudo.

Em relação aos anos de publicação e aos periódicos, 25% concentram-se no ano de 2015 (n = 10), sendo o primeiro artigo de 2008 e o último de 2017. Sobre o tipo de estudo, a tabela mostra que a maioria dos artigos (n = 17) é do tipo ensaio clínico controlado randomizado (ECCR).

A Tabela 2 apresenta algumas características metodológicas dos artigos.

De todos os artigos (n = 40), 60% são de intervenção em grupo (n = 24), 30% de intervenção individual (n = 12) e 10% (n = 4) de intervenção em parte individual e em parte em grupo. Além disso, de todos esses artigos, 57,5% apresentaram intervenção com os pais, seja em conjunto com a criança, em grupo separado ou ambos (n = 23).

Em relação às técnicas e aos conceitos cognitivocomportamentais utilizados ou apresentados nos artigos, algumas se destacaram. Em 17 artigos estiveram presentes psicoeducação (3, 6, 13, 15, 16, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 30, 31, 34, 36, 37, 40) e exposição e resposta (2, 3, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 16, 21, 25, 27, 29, 30, 36, 37, 40). As técnicas de autorregulação emocional estiveram presentes em 11 artigos (2, 3, 12, 19, 23, 27, 31, 35, 36, 37, 40) e em nove artigos apareceram a reestruturação cognitiva (7, 11, 14, 16, 26, 29, 34, 36, 40) e o treinamento de habilidades sociais (4, 7, 8, 11, 21, 23, 28, 32, 34). Em menor quantidade, também foram citadas estratégias cognitivas, automonitoramento, RPD, experimentos comportamentais, questionamento socrático, manejo somático, role play, resolução de problemas, hierarquia, reconhecimento cognitivo e emocional, reforço comportamental, prevenção de resposta, tomada de decisão, técnicas de imagens, definição de metas, ativação comportamental e relaxamento.

Além disso, de todos os artigos selecionados (n = 40), 67,5% (n = 27) utilizaram ou discutiram protocolos já existentes, como descrito na Tabela 3.

As adaptações de protocolo ou de técnicas para atendimento de pessoas com TEA apareceram de forma importante nos artigos, e 85% deles relatou o uso ou a necessidade de adaptações.

 

Tabela 4

 

Em relação às adaptações utilizadas em sessão, o uso de materiais visuais apareceu como adaptação em nove artigos (3, 5, 13, 16, 18, 19, 23, 25, 36), bem como a incorporação dos interesses do paciente (7, 9, 12, 13, 14, 16, 18, 27, 34). Materiais escritos com uso de planilhas apareceram em quatro artigos (12, 16, 27, 37), assim como a modelagem de vídeo (3, 12, 27, 36). As adaptações presentes em três artigos foram: ênfase em algumas necessidades, como flexibilidade, atenção, transição, manejo de ansiedade e estresse (8, 17, 24); uso de linguagem concreta (16, 18, 33); e uso de recompensas (7, 29, 36). Outras adaptações também foram mencionadas, mas em menos artigos: uso de metáforas, motivações concretas, estimulação sensorial, computador, temporizadores, rotinas e ênfase em habilidades de autonomia e comunicação apareceram uma vez, enquanto uso de instrução direta, programas informatizados interativos, roteiros de sessão previsíveis e repetição de conceitos-chave apareceram duas vezes.

Em relação aos instrumentos utilizados para fechamento do diagnóstico de TEA-AF, de todos os artigos que relataram seu uso (n = 34), 79,4% empregaram o instrumento Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS; n = 27; artigos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 40) e 50% (n = 17) usaram a Autism Diagnosis Interview-Revised (ADI-R; artigos 1, 2, 6, 7, 9, 15, 16, 17, 18, 19, 26, 29, 30, 32, 35, 37, 38) para sinais de TEA. Além disso, 20,5% utilizaram a Wechsler Intelligence Scale for Children – Fourth Edition (WISC-IV; n = 7; artigos 7, 8, 11, 13, 20, 26, 35) para auxiliar no diagnóstico de alto funcionamento.

As avaliações pré, pós e/ou de follow up estiveram presentes em 39 estudos (97,5% dos artigos). Desses, 33,3% (n = 13) utilizaram o ADIS-P; 30,7% (n = 12), o ADIS-C; e 28,2% (n = 11), o SRS (Tabela 5).

Sobre as comorbidades e os sintomas associados, apareceram como foco de intervenção ou de estudo: ansiedade (53%), transtorno obsessivo-compulsivo (7%), depressão (9%), estresse pós-traumático (2%), insônia (2%) e alimentação seletiva (2%).

Os principais resultados e conclusões dos artigos mostraram que a maioria observou a viabilidade e a eficácia preliminar da intervenção (artigos 3, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 24, 31, 34, 37, 39, 40). Muitos artigos apresentaram em suas conclusões algumas evidências e potencial de eficácia da TCC (artigos 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 26, 27, 28, 33, 38) e 11 apresentaram resultados efetivos da intervenção (artigos 1, 2, 4, 6, 8, 18, 29, 30, 32, 35, 36). Apenas dois artigos apresentaram resultados não conclusivos em relação à TCC (artigos 23 e 25).

 

DISCUSSÃO

O objetivo da discussão foi apresentar um panorama geral sobre o que há de mais recente nos estudos sobre TCC e TEA-AF na literatura, e, a partir de sete eixos estabelecidos, refletir sobre os resultados encontrados e propor algumas contribuições.

Delineamento dos estudos

Como apresentado nos resultados, a maior parte dos artigos desta revisão é do tipo ECCR. Foi sugerido, em 1956, que o ECCR fosse um método na pesquisa em psicoterapia e, atualmente, é visto como o delineamento mais rigoroso na avaliação de resultados em psicoterapia e na identificação das melhores intervenções terapêuticas para diferentes transtornos. A TCC, sendo uma abordagem baseada em evidências, naturalmente busca a utilização de métodos científicos atuais e reconhecidos para avaliar suas intervenções, o que explica a alta taxa de ECCRs encontrada nesta revisão, na qual estudos com esse delineamento foram usados para avaliar e investigar a eficácia e a viabilidade de intervenções de TCC em diferentes formatos para pessoas com TEA-AF (Bonell, Fletcher, Morton, Lorenc, & Moore, 2012; Leonardi, 2017; Vieira & Hossne, 2015).

Tipo de intervenção

Os resultados sobre o tipo de intervenção refletem a tendência da TCC atualmente: a intervenção em grupo (TCCG). Após muitas novas avaliações realizadas e mais de 40 anos de pesquisas em TCCG, pode-se afirmar sua elevada eficácia e efetividade em diversos transtornos mentais. Além disso, a TCCG apresenta alta probabilidade de ser uma intervenção econômica para a ansiedade em crianças e jovens com TEA (NICE, 2013; Rangé, Pavan-Cândido, & Neufeld, 2017).

A participação dos pais também foi citada na maior parte dos estudos, o que vai ao encontro da literatura, que destaca a frequência e a importância da participação dos pais no atendimento a TEA-AF pela TCC. Devido às características e aos déficits peculiares das crianças com TEA, o papel dos pais nesses casos torna-se mais intenso do que o papel que desempenham com filhos neurotípicos. Ao participar no tratamento, os pais muitas vezes assumem os papéis de defensores, treinadores, professores e coterapeutas. Além disso, possíveis crenças desadaptativas – que podem agir no reforço da ansiedade do filho – podem ser trabalhadas (Johnco & Storch, 2015; Reaven, Blakeley-Smith, Culhane-Shelburne, & Hepburn, 2012).

Técnicas da TCC utilizadas

No tratamento de TEA-AF, técnicas centrais da TCC comumente utilizadas incluem psicoeducação, técnicas cognitivas (questionamento socrático e reestruturação cognitiva), hierarquia de medos e técnicas de prevenção de exposição e resposta, sendo todas essas também encontradas na revisão, o que mostra que as principais técnicas da TCC foram mantidas nessas intervenções. Essa manutenção é possível porque indivíduos com TEA-AF têm capacidade cognitiva para a compreensão das técnicas da TCC (Lang, Mahoney, El Zein, Delaune, & Amidon, 2011; Ung, Selles, Small, & Storch, 2015). Na técnica de psicoeducação, o terapeuta transmite ao paciente com TEA-AF a natureza de sua ansiedade e o raciocínio do tratamento. Assim, com possíveis adaptações, a técnica se desenvolve de maneira satisfatória (Dobson & Dobson, 2017; Ung et al., 2015).

Técnicas bastante empregadas nas intervenções para manejo de comportamento foram aquelas relacionadas a gerenciamento comportamental, como recompensa e reforço. O objetivo nesses casos é aumentar ou reduzir a frequência de determinados comportamentos apresentados pelos pacientes com TEA-AF, como os relacionados a problemas de externalização (agressão, explosões ou comportamentos disruptivos) (Lerner, White, & McPartland, 2012).

No contexto do TEA-AF, a TCC trata alguns sintomas, como os de ansiedade, por meio de exposição aos estímulos aversivos de forma gradual e progressiva, durante a qual os pacientes são impedidos de lançar mão de táticas de redução de ansiedade até que esta tenha naturalmente diminuído (Ung et al., 2015). Já as técnicas cognitivas utilizadas, como a reestruturação cognitiva, têm como foco descobrir distorções cognitivas e reestruturá-las, como a distorção pensamento em preto e branco, comum nessa população. Objetiva-se também, com o uso dessas técnicas, focar nos déficits do TEA-AF relacionados à produção de perspectivas alternativas ou adicionais para desafiar pensamentos disfuncionais (Lerner et al., 2012; Spain, Sin, Chalder, Murphy, & Happé, 2015).

Técnicas de autorregulação emocional são importantes e comumente utilizadas com esses pacientes, que em geral apresentam dificuldade em descrever e rotular as emoções e podem ter dificuldade em identificar as relações entre cognições (pensamentos e crenças), emoções e respostas comportamentais. Além disso, podem apresentam um fraco controle de impulsos e automonitoramento precário. Nesse sentido, tais técnicas podem ajudá-los a entender melhor suas emoções e a lidar de forma mais saudável com situações estressantes ou que envolvam ansiedade (Spain et al., 2015; Stichter et al., 2010).

Adaptações

Características básicas do TEA-AF, como déficits sociais e de comunicação; déficits na flexibilidade cognitiva, no reconhecimento de pensamentos e emoções; dificuldades em tolerar a mudança e a incerteza, bem como variabilidades particulares, podem afetar o processo de terapia. Assim, apesar da grande quantidade de técnicas de TCC mantidas, suas adaptações e/ou as adaptações de protocolos podem ser consideradas indissociáveis da prática clínica da TCC no atendimento a pacientes com esse transtorno (Spain et al., 2015; Ung et al., 2015).

Outra referência no que tange a adaptações no atendimento a esses pacientes é a diretriz intitulada "Autismo: gestão e apoio de crianças e jovens no espectro do autismo", lançada em 2013 pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE) em Londres. Entre outros conteúdos, a diretriz traz orientações em relação ao uso da TCC para ansiedade em jovens com o transtorno (Crowe & Salt, 2015; NICE, 2013), indicando modificações focadas principalmente na estrutura e no fornecimento da TCC, mais do que no conteúdo. Também aponta a necessidade de redução ou simplificação dos fatores cognitivos (Baird et al., 2013; NICE Clinical Guideline 170, 2013; Walters, Loades, & Russell, 2016), por exemplo, pela incorporação dos interesses especiais da criança ou do jovem em terapia, o treino de reconhecimento emocional, um maior uso de informações escritas e visuais, o envolvimento de um pai ou cuidador e a manutenção da atenção oferecendo intervalos regulares, entre outros. De acordo com Farrel e colaboradores (2016), Lang e colaboradores (2011) e Reaven e colaboradores (2011), é estimado que até 80% dos jovens com TEA tenham ansiedade clinicamente significativa e que no TEA-AF o risco seja maior. Assim, os resultados aqui apresentados vão ao encontro do guia proposto, pois têm em sua amostra TEA-AF com alta comorbidade de ansiedade e utilização de todas as adaptações sugeridas no documento.

No geral, estratégias cognitivas modificadas têm sido consideradas promissoras para tratar sintomas de ansiedade com TEA. Para indivíduos com TEA sem deficiência intelectual e um transtorno de ansiedade, a TCC é sugerida por pesquisas quando acompanhada de adaptações, como uso de instruções diretas em treino de habilidades sociais, maior envolvimento familiar, suporte visual, reforçadores individualizados, interesses pessoais do paciente incorporados em sessões e menor ênfase em conceitos abstratos (Lang et al., 2011; Reaven et al., 2012). Os resultados desta revisão, portanto, também vão ao encontro da literatura recente.

Sobre as adaptações mais comuns observadas nesta revisão, as estratégias visuais, que apareceram em nove artigos, são, de acordo com Hume, Wong, Plavnick e Schultz (2014), comumente utilizadas no atendimento ao TEA e assumem diversas formas e funções, como fotografias, ícones, cartazes, palavras escritas, objetos, organização de móveis no espaço, horários, cronogramas, entre outras. São estratégias que provaram eficácia no crescimento de comportamentos pró-sociais (engajamento de tarefas e desempenho independente), além de redução do comportamento inadaptado em diversas faixas etárias e configurações. Outra adaptação comum foi o uso de interesses especiais do paciente, que pode ocorrer em diversos formatos (uso de jogos específicos de computador; "Download Time"; psicoeducação ou metáforas com uso dos interesses; recompensa), o que provoca seu envolvimento, sendo acessível e notável para a criança (Johnco & Storch, 2015; Krebs, Murray, & Jassi, 2016; Rotheram-Fuller & Hodas, 2015).

Protocolos utilizados

Os protocolos mais utilizados nos artigos foram o Behavioral Interventions for Anxiety in Children with Autism (BIACA; 14,8%), o Facing Your Fears: Functioning Autism Spectrum Disorders (FYF; 14,8%) e o Building Confidence CBT Program (11,11%).

O BIACA é um protocolo baseado no programa de TCC Building Confidence, para crianças de 7 a 11 anos com TEA e sintomas de transtornos de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo, com envolvimento e treinamento significativo dos cuidadores (Wood et al., 2015). Três dos quatro artigos que o empregaram, o fizeram com versões modificadas (Selles et al., 2015; Storch et al., 2015; Wood et al., 2015).

O FYF é um programa cognitivo-comportamental grupal centrado na família voltado a crianças e adolescentes com TEA-AF e ansiedade. Ele utiliza as principais técnicas dos programas de TCC padrão, e a participação dos pais tem papel central na intervenção (Reaven et al., 2012). Todos os artigos que o usaram o fizeram com adaptações (Drmic, Aljunied, & Reaven, 2017; Hepburn, Blakeley-Smith, Wolff, & Reaven, 2016; Reaven et al., 2015; Reaven et al., 2012).

O protocolo Buiding Confidence, no qual o BIACA foi baseado, trata-se de um manual de TCC para crianças em idade escolar que apresentam sintomas clinicamente significativos de transtornos de ansiedade. O programa abarca terapia individual e com os pais. Em todos os artigos que o utilizaram (Drahota, Wood, Sze, & Van Dyke, 2011; Wood et al., 2009a; Wood et al., 2009b) recebeu adaptações.

Houve presença de adaptações dos protocolos mais comuns em dez dos 11 artigos que os utilizaram, o que evidencia a dificuldade de aplicação de programas convencionais de TCC voltados para a população geral junto ao público de pessoas com TEA-AF, já que podem ser em grande parte verbais e abstratos para eles, os quais enfrentam desafios linguísticos e sociais (Reaven et al., 2012). Todos os programas discutidos, porém, apresentaram resultados que suportam sua aplicação e sugerem sua eficácia principalmente no tratamento de sintomas ansiosos nessa população. Nesse sentido, a tendência é que novas atualizações de programas sejam feitas e que mais estudos com esse público utilizem ou proponham manuais específicos, já adaptados para o atendimento de TEA-AF.

Comorbidades

A literatura indica que há coocorrência substancial de problemas emocionais em jovens com TEA, como ansiedade e depressão, sendo que crianças e adolescentes com TEA-AF correm ainda maior risco de desenvolver sintomas de ansiedade clinicamente significativos (Reaven et al., 2012; Sofronoff, Beaumont, & Weiss, 2014). Além disso, as intervenções promissoras de TCC voltadas à redução da ansiedade no TEAAF têm proliferado recentemente (Lerner et al., 2012). De acordo com Reaven e colaboradores (2012), "Cognitive behavior therapy (CBT) has been identified as the treatment of choice in addressing anxiety symptoms in the general population, and an emerging body of literature indicates that modified CBT for youth with ASD can be effective in reducing anxiety symptoms" (p. 257). Tais pontos favorecem a compreensão sobre o alto número de artigos abordados nesta revisão apresentando intervenções voltadas especificamente à ansiedade com resultados promissores.

Kernes e colaboradores (2014), contudo, apresentam uma reflexão interessante sobre a complexidade da compreensão envolvida nessa relação. Esses autores apresentam três hipóteses explicativas para os sintomas de ansiedade no TEA e para os medos relacionados a mudança de rotina, interações sociais ou estímulos incomuns: seriam (1) uma consequência universal do TEA, (2) uma comorbidade (ou seja, uma desordem distinta do TEA e semelhante a transtornos de ansiedade fora do TEA), ou (3) uma manifestação única de ansiedade, alterada pela coocorrência com TEA.

Na literatura, outros autores dissertam sobre a manifestação da ansiedade nessa população: para Lang e colaboradores (2011), o comportamento ansioso seria um meio de comunicar um desejo de escapar de determinada situação. Para outros autores (Bellini, 2004; Lang et al., 2011; Reaven et al., 2012; Sze & Wood, 2007), no âmbito social, a preocupação excessiva e a angústia em relação às situações sociais podem impedir o estabelecimento de relações sociais significativas, o que explicaria o impacto da ansiedade para esses pacientes, com efeitos de isolamento, no desempenho escolar e no funcionamento da família, além do possível agravamento de outros sintomas do TEA-AF. Ademais, os sintomas de ansiedade podem ser também entendidos como uma consequência do risco real aumentado de danos e não à disfunção cognitiva, já que são alvos de assédio e bullying constantemente.

É evidente que a ansiedade está presente na maioria dos casos de TEA. Porém, também é evidente a falta de consenso em relação ao diagnóstico diferencial do transtorno e à manifestação da ansiedade no TEA e especificamente no TEA-AF. Por isso, sua compreensão como fenômeno de manifestação única de ansiedade, alterada pela coocorrência com TEA, parece a mais coerente atualmente. Essa compreensão parte de dois fatores: (1) é muito difícil diferenciar se alguns sintomas do TEA-AF são agravados pela ansiedade ou se a agravam; (2) estudos que avaliam ansiedade em TEAAF utilizam instrumentos de ansiedade desenvolvidos para a população neurotípica. Este último ponto sugere que tais instrumentos podem não diferenciar sintomas de ansiedade de sintomas do TEA-AF e não capturar manifestações divergentes de ansiedade na população do TEA-AF, podendo, portanto, enviesar conclusões (Kernes et al., 2014).

Instrumentos

Os instrumentos utilizados em mais artigos da revisão, nas avaliações pré (linha de base), pós e de follow-up, foram: Anxiety Disorders Interview Schedule for DSM-IV – Child/Parent Version (ADIS-C/P) e Escala de Responsabilidade Social (SRS), respectivamente.

O ADIS-C/P é uma entrevista semiestruturada, com versão para pais e pacientes, que avalia os principais transtornos de ansiedade, o humor e a externalização em crianças e adolescentes em idade escolar (Wood, Piacentini, Bergman, McCracken, & Barrios, 2002). Já a SRS é uma escala que avalia habilidades e deficiências em reciprocidade social (Booker & Starling, 2011).

Apesar de esses serem os três instrumentos que mais aparecem, há no total 96 instrumentos utilizados, o que demonstra grande falta de consenso sobre quais são as melhores medidas de avaliação, mesmo para artigos com objetivos em comum. Essa constatação mostra, ainda, a dificuldade para a realização de um estudo de metanálise. Ademais, todos os instrumentos de avaliação de ansiedade ou depressão são para a população neurotípica e, considerando a manifestação variável e peculiar da ansiedade no TEA-AF, tais instrumentos podem não avaliar sua sintomatologia de forma satisfatória. Tais resultados apontam uma lacuna na área: a falta de instrumentos específicos de avaliação de ansiedade ou depressão no TEA-AF, associada com a necessidade de pesquisas que examinem a manifestação da ansiedade nessa população.

Em relação aos instrumentos utilizados para fechamento de diagnóstico, houve uma variedade menor (16 instrumentos), sendo que os instrumentos ADOS (68,2%), ADI-R (43,9%) e WISC-IV (19,5%) foram os mais comuns nos artigos.

O ADOS é um protocolo semiestruturado e padronizado para a observação do comportamento social e comunicativo no TEA, e avalia três domínios: comportamentos sociais, de comunicação e restritos e repetitivos (Lord et al., 1989). O instrumento ADI-R é uma entrevista padronizada aplicada a pais ou cuidadores, composta por 93 itens que fornecem uma avaliação diagnóstica abrangente do espectro autista (Lord, Rutter, & Le Couteur, 1994). Já a WISC-IV é um instrumento clínico de aplicação individual, cujo objetivo é avaliar a capacidade intelectual e o processo de resolução de problemas de crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos e 11 meses (Wechsler, 2013).

De acordo com Marques e Bosa (2015), na literatura internacional, os instrumentos ADOS e ADI-R são considerados padrão-ouro para o diagnóstico de TEA, o que vai ao encontro dos resultados encontrados nesta revisão. Em relação ao WISCIV, o uso de instrumentos de medida da capacidade intelectual em indivíduos com TEA é muito comum, entre outras coisas, para a diferenciação dos níveis de funcionamento e para o diagnóstico diferencial, particularmente na população com TEA (Oliveras-Rentas et al., 2012).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta revisão conseguiu discutir as principais contribuições da TCC para pacientes com TEA-AF, além de fornecer uma reflexão sobre novas possibilidades de atendimento e adaptações. Os artigos selecionados focaram principalmente na avaliação da eficácia e da efetividade das técnicas da TCC para esse público, porém, uma análise teórica sobre o funcionamento do indivíduo com TEA-AF sob o referencial dessa abordagem não foi encontrada. Em relação às intervenções, os resultados enfatizaram a importância da intervenção com os pais e a necessidade de adaptações, como o uso de interesses especiais do paciente, destacado como uma adaptação muito útil e importante (Johnco & Storch, 2015; Rotheram-Fuller & Hodas, 2015; Spain et al., 2015; Ung et al., 2015). Os resultados também evidenciaram que a TCC, assim como em diversos transtornos psiquiátricos, apresenta bons resultados em intervenções com o TEA-AF (Farrell et al., 2016; Loades, 2015; McGillivray & Evert, 2014). Dessa forma, além das pesquisas empíricas, estudos de metodologia de revisão como este mostram que indivíduos com TEA-AF podem ser beneficiados pela TCC.

 

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Correspondência:
Marília Consolini Teodoro
Instituição: Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Av. Maranhão, s/nº, Bloco 2C, Sala 2C54 Campus Umuarama - Bairro: Jardim Umuarama. Caixa Postal: 593
Uberlândia, MG - Brasil CEP: 38405-318
E-mail: marilia.cteodoro@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 11 de Maio de 2018. cod. 649
Artigo aceito em 25 de Março de 2019

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