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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.17 no.1 Rio de Janeiro ene./jun. 2021

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20210007 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Critérios para acreditação/certificação e formação do supervisor de Terapia Cognitivo-Comportamental ao redor do mundo e as implicações para o contexto brasileiro

 

Criteria for accreditation and training of Cognitive Behavioral Therapy supervisor around the world and the implications for the Brazilian context

 

 

Isabela Maria Freitas FerreiraI; Nazaré de Oliveira AlmeidaI; Janaína Bianca BarlettaI; Fabiana Maris VersutiII; Carmem Beatriz NeufeldI

IFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP) - Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil
IIFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), Laboratório de Pesquisa e Integração em Psicologia, Educação e Tecnologia - ConectaLab - Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Ainda há poucas orientações sobre as competências do supervisor clínico em psicoterapia. Por outro lado, a supervisão em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é reconhecida como componente essencial do desenvolvimento do terapeuta. O objetivo do presente trabalho é identificar diretrizes existentes sobre a acreditação/certificação e formação do supervisor de TCC ao redor do mundo e refletir as implicações para o contexto brasileiro. A partir de uma pesquisa documental, o estudo contou com a busca de diretrizes em 15 associações de TCC, resultando em 4 documentos. Como principais resultados, as diretrizes apresentaram que o candidato a supervisor deve ter treinamento de terapeuta prévio, além de treinamento para a função de supervisor, que inclui atividades de desenvolvimento profissional continuado e desenvolvimento de competências específicas. No Brasil não há acreditação/certificação de supervisor em TCC, mas entende-se que há um movimento inicial para a qualificação dessa atividade profissional. Concluiu-se que a formação de supervisores é um processo amplo, com diferentes etapas e critérios. Acredita-se que a disseminação de atividades para formação de supervisores em TCC pode favorecer a qualidade de terapeutas e serviços psicoterápicos ofertados no país.

Descritores: Terapia Cognitivo-Comportamental; Ensino; Acreditação


ABSTRACT

There are still few guidelines on the skills of the clinical supervisor in psychotherapy. On the other hand, supervision in Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) is recognized as an essential component of the therapists development. The aim of this paper is to identify existing guidelines on the accreditation and training of CBT supervisor around the world and to reflect the implications for the Brazilian context. Based on a documentary research, the study looked for guidelines in 15 CBT associations, resulting in 4 documents. As main results, the guidelines showed that the candidate for supervisor must have prior therapist training, in addition to training for the supervisor role, which includes activities of continued professional development and development of specific skills. In Brazil there is no supervisor accreditation in CBT, but it is understood that there is an initial movement to qualify this professional activity. It was concluded that the training of supervisors is a broad process, with different stages and criteria. It is believed that the dissemination of activities for the training of supervisors in CBT may favor the quality of therapists and psychotherapeutic services offered in the country.

Headings: Cognitive Behavioral Therapy; Teaching; Accreditation


 

 

INTRODUÇÃO

A supervisão em saúde mental é uma prática profissional que envolve diferentes objetivos: aprimoramento da competência profissional, colaboração e orientação ao conhecimento e monitoramento da qualidade de serviços prestados. É tanto uma etapa para o ingresso na profissão como o aperfeiçoamento da atuação do profissional (American Psychological Association [APA], 2014). O Departamento de Saúde da Grã-Bretanha considera a supervisão uma das dez capacidades essenciais dos profissionais da saúde mental, elevando-a ao patamar de reconhecimento internacional de seu papel profissional distinto e essencial (Watkins & Milne, 2014).

Segundo Bernard e Goodyear (2014), o processo da supervisão está atrelado a três características principais: engajamento, incerteza e formação. O engajamento consiste na relação genuína entre o supervisor e supervisionado, que vão em busca da troca de conhecimentos e aprendizagens. Além disso, é um processo rodeado pela incerteza, pois cada supervisão é única, seus desdobramentos são variáveis e aos poucos essa relação e os frutos dela vão se tornando mais claros. E, por fim, é um processo de formação, no qual o supervisor auxilia as descobertas do supervisionado para ter uma efetiva atuação profissional.

A supervisão ocorre em diversas áreas de atuação e existem diferentes modelos para operacionalizá-la (Bernard & Goodyear, 2014). Em psicologia clínica, o processo da supervisão envolve a educação e o treinamento focados no trabalho, sendo realizado por supervisores aprovados que apoiam, desenvolvem e avaliam o trabalho do supervisionado (Milne, 2007). Ao se pensar em terapia cognitivo-comportamental (TCC), o modelo de supervisão é embasado na própria abordagem psicoterápica (Barletta & Neufeld, 2020). Ou seja, da mesma forma que a TCC oferece um processo terapêutico estruturado e diretivo, a supervisão nessa abordagem também segue esses pressupostos, ressaltando o estabelecimento de objetivos, com estrutura sistemática e específica de ensino que inclui métodos de avaliação e feedback, bem como a ênfase na relação entre supervisor e supervisionado (Corrie & Lane, 2015; Milne, 2018). Além disso, a prática supervisionada de qualidade é vista como um elemento fundamental para o desenvolvimento de habilidades para um efetivo atendimento em TCC (Taylor et al., 2013).

Apesar de a literatura enfatizar os pressupostos e as etapas necessárias para uma efetiva supervisão em TCC, há poucas orientações sobre as competências do supervisor, os pré-requisitos tanto de conhecimentos como de habilidades necessárias para tornar efetivo esse domínio da prática profissional (Corrie & Lane, 2015; Velasquez et al., 2015). Além disso, há uma grande variação de treinamentos de supervisores, o que dificulta definir critérios e padrões para tornar-se um supervisor (Newman & Kaplan, 2016). Falender e Shafranske (2007) afirmam que é um desafio estabelecer um modelo padrão de supervisão. Essa ausência de informações pode ser atribuída tanto pelo fato do estudo sobre supervisão baseada em evidências ser algo recente, como também pela diversidade de critérios existentes na legislação e certificação de cada país para se tornar supervisor clínico (Silvares et al., 2016).

Para Bernard e Goodyear (2014), o treinamento clínico por meio da supervisão é um problema na medida em que necessita associar a formação acadêmica e a prática clínica. Junto a essa dificuldade, as diretrizes formais de regulamentação do supervisor clínico que determinam a qualificação dos profissionais para a sua acreditação/certificação são específicas de cada país, o que leva a diferentes exigências e estratégias de formação e dificulta a profissionalização da atividade. Por exemplo, na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido, as diretrizes e trajetórias já estão bem estruturadas, com sistemas formais de acreditação/certificação de supervisores. Contudo, a maioria dos outros países não apresenta orientações de treinamento para esses profissionais.

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) descreve que o supervisor da prática clínica deve ser uma pessoa com registro no órgão de regulamentação profissional, mas não estabelece outras diretrizes (Resolução CFP n° 003/2007). Algumas instituições de ensino solicitam que o candidato a supervisor tenha preferencialmente experiência mínima de três anos (Silvares et al., 2016), ainda que essa não seja uma regra estabelecida. Em relação ao treinamento de supervisores, são escassas as informações a respeito. Uma das poucas pesquisas brasileiras sobre a formação de supervisores em TCC aponta para a importância da preparação específica para essa função na percepção de profissionais em treinamento (Barletta et al., no prelo). Nesse estudo qualitativo com 10 supervisoras de TCC, foram levantadas as percepções sobre a concepção do treinamento de supervisão e sobre seu impacto na aprendizagem da função.

Entende-se que entre os fatores que podem colaborar para a escassez de informações estão as limitações de estruturação metodológica nos cursos de especialização em TCC. Velasquez et al. (2015) realizaram um estudo com o objetivo de possibilitar reflexões sobre a formação de terapeutas cognitivo-comportamentais no Brasil, tomando por base a prática supervisionada. Na referida pesquisa, foram encontradas 27 instituições regularmente credenciadas junto ao Ministério da Educação (MEC) ou ao CFP em 2015, sendo que, destas, apenas 15 realizavam prática clínica supervisionada com ênfase em TCC. Além disso, observou-se que mais da metade dos cursos que ofertavam essa prática (61,54%) não apresentavam uma supervisão estruturada ou com critérios mais específicos.

Outro aspecto preocupante, conforme apontam Roth e Pilling (2009), é que mesmo nos países onde há políticas de formação de supervisores, nem sempre são adotadas as práticas recomendadas. De forma geral, verifica-se que há uma lacuna significativa entre o número de clínicos e aqueles que obtiveram acreditação/certificação formal para oferecer supervisão. A título de exemplo, os autores apontam que, em 2018, a British Association for Behavioral and Cognitive Psychotherapies (BABCP) contava com 46 supervisores credenciados, em comparação com cerca de 1.300 profissionais credenciados. Em 2020, a BABCP contava com 300 supervisores e 7.500 terapeutas com acreditação (BABCP, 2021). Na mesma direção, a revisão apresentada no trabalho de Barletta et al. (no prelo) indicou dados que destacam a distância entre os discursos sobre a relevância da formação do supervisor e quantidade de supervisores treinados nos Estados Unidos, por exemplo.

Para além das dificuldades supracitadas, é importante abordar o mecanismo de validação da atuação do supervisor como um movimento oportuno para pungir a qualificação profissional. A prestação de serviço de qualidade é atestada por documentos denominados credenciamentos, acreditações e certificações. Apesar de se referirem a contextos diferentes, seu uso se confunde frequentemente. Observa-se uma confusão constante em todo o mundo acerca da distinção entre os processos de acreditação e certificação. No Brasil, essa confusão persiste no português, inclusive em traduções de textos sobre supervisão. Acreditação é o reconhecimento formal da competência de uma organização ou pessoa para o desenvolvimento de tarefas específicas, segundo critérios estabelecidos. Por sua vez, a certificação é o procedimento pelo qual uma organização imparcial acreditada atesta por escrito que o sistema de qualidade do produto, processo ou serviço está conforme os requisitos estabelecidos (International Accreditaion Forum [IAF], 2014). A preferência pelo termo acreditação foi formalizada pelo Conmetro (2003), que alterou o termo credenciamento para acreditação. O Conmetro é um departamento do Inmetro, organismo oficial de acreditação no Brasil, que trata da qualidade industrial. Apesar de não normatizar os serviços psicológicos e educacionais, influencia a preferência ou não do uso do termo em acreditação. Nesse sentido, pode-se entender que a acreditação de um profissional em TCC implica dizer que a pessoa passou por um treinamento mínimo exigido na área e demonstrou que atende aos padrões de qualidade esperados, incluindo tempo de experiência e competências para exercer a função específica, seja de terapeuta, seja de supervisor clínico (BABCP, 2021). Por sua vez, a certificação é um atestado de conformidade com certos níveis de qualidade, quando o clínico passou por todas as etapas especificadas e formalmente atingiu o esperado para aquela função.

De forma geral, entende-se que a supervisão clínica é uma atividade que envolve especificidades e se difere de outras funções executadas pelo psicólogo (APA, 2014; Barletta et al., no prelo), logo, torna-se uma necessidade direcionar os estudos para a formação do supervisor (Milne & Reiser, 2017). Em síntese, sabe-se que esse assunto ainda é recente, e que os treinamentos são diversificados, ocasionando uma falta de critérios desde questões simples, como a duração dos treinamentos, até a avaliação de sua eficácia (Barletta & Neufeld, 2020; Newman & Kaplan, 2016). A partir do cenário exposto, justifica-se a integração das informações já existentes e o reconhecimento de possíveis lacunas no que se refere ao processo de formação do supervisor em TCC. Por isso, o presente trabalho objetiva identificar as diretrizes existentes sobre a acreditação/certificação e formação do supervisor de TCC ao redor do mundo, a fim de refletir sobre direções futuras e implicações para o contexto brasileiro.

 

MÉTODO

Para atender ao objetivo proposto, empregou-se uma pesquisa documental, que preconiza a busca por fontes diversificadas e sem tratamento analítico, portanto, consideradas fontes primárias de dados (Andrade, 2009). A pesquisa documental tem como intuito compreender um fenômeno ou uma realidade específica e, assim, não tem como foco a quantidade de material a ser analisado, mas sim sua qualidade e representatividade para a área em análise. Dessa forma, reconhecer sítios onde se encontram arquivos relevantes para responder ao objetivo da investigação é uma etapa essencial na pesquisa documental, que favorece o acesso e a seleção de fontes pertinentes (Silva et al., 2009). Desse modo, entende-se que a confiabilidade e a qualidade da fonte a ser analisada são fundamentais em uma pesquisa dessa natureza. A questão norteadora possibilitou a identificação das fontes de dados e do tipo de documentos elencados para esta pesquisa: "Quais são e o que recomendam as diretrizes para a formação do supervisor em TCC nas principais associações dessa categoria profissional no mundo?".

Nesse sentido, foi realizada uma busca de diretrizes, orientações ou guidelines nas principais associações nacionais e internacionais de TCC, podendo estar nos idiomas inglês, português, espanhol ou francês. Adicionalmente, foram excluídas as diretrizes focadas na formação de terapeutas e não de supervisores, diretrizes que não focavam na TCC e documentos que não fossem diretrizes ou orientações. As associações pesquisadas foram escolhidas devido ao seu reconhecimento na área da TCC, sendo elas: Academy of Cognitive Therapy (A-CBT), American Psychology Association (APA), Association for Behavioral and Cognitive Therapies (ABCT), Association for Cognitive and Behavioural Psychotherapies (ACBP), Beck Institute for Cognitive Behavior Therapy, British Association for Behavioural and Cognitive Psychotherapies (BABCP), British Psychological Society (BPS), European Association for Behavioral and Cognitive Therapies (EABCT), Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), Federación Latinoamericana de Psicoterapias Cognitivas y Conductuales (ALAPCCO), National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), NHS Education for Scotland (NES), Psychology Board of Australia (PBA), The Canadian Association of Cognitive and Behavioural Therapies (CACBT) e Working Groups on Training Standards (WGTS).

A seleção dos documentos foi realizada por duas pesquisadoras. No primeiro momento, foram selecionadas diretrizes por título e, no segundo momento, por especificidade de conteúdo relacionado com supervisão em TCC. Sabe-se que importantes instituições realizam formação e avaliação de supervisores, mas não foram incluídas neste estudo, visto não apresentarem os critérios em diretrizes ou nem mesmo em seu site, como o Beck Institute for Cognitive Behavior Therapy.

Para o processo analítico de tratamento das informações, foi realizada uma análise de conteúdo (Bardin, 2016). Na fase de pré-análise, duas pesquisadoras sistematizaram e organizaram as ideias iniciais: após a leitura flutuante em separado dos documentos na íntegra, foi confirmada a composição do corpus a ser analisado. A partir desse processo, também foi possível elaborar uma ficha de codificação para onde informações foram transferidas. Uma terceira pesquisadora, que também realizou a leitura flutuante das diretrizes e codificação descritiva de forma independente, participou da segunda fase da análise, chamada de categorização. Nessa etapa, houve a comparação dos dados obtidos, a reorganização em novos agrupamentos (recodificação) e a obtenção de códigos analíticos que permitem as relações conceituais e culturais no contexto brasileiro.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das quatro diretrizes incluídas para análise, três são de instituições com sede na Europa e uma nos Estados Unidos, sendo todas sem fins lucrativos. A maior delas é a EABCT, uma vez que é considerada uma instituição guarda-chuva por ser uma associação de associações, e não de pessoas diretamente vinculadas. Ou seja, seus membros são outras 54 associações de diferentes países europeus e seis associações de outros lugares do mundo, abarcando um total de 44 diferentes países e mais de 25.000 associados indiretamente. Uma vez que não há uma regulação única na Europa sobre a psicoterapia, e a formação do supervisor tem diferenças conforme cada país, a EABCT tem como propósito desenvolver diretrizes para boas práticas clínicas em saúde mental, baseadas em evidências e práticas eficazes. Dessa forma, apoia as associações que treinam supervisores em TCC conforme os padrões de qualidade sugeridos pela EABCT.Também acredita as associações para ofertar os treinamentos, bem como os membros que fecham os critérios para terapeutas, professores e supervisores de TCC (EABCT, 2021).

Diferentemente da primeira associação, as outras três são compostas por membros individuais diretamente, mas nem por isso têm pouco impacto na TCC no cenário mundial.Assim como a EABCT, pode-se dizer que as três associações também têm como propósito disseminar boas práticas em TCC e saúde mental, fomentando a qualidade de sua implementação por meio da divulgação de informações relevantes e baseadas em evidências, da promoção de fóruns de discussão e treinamentos profissionais, e do fornecimento de acreditação/certificação de terapeutas, supervisores e programas de treinamento de universidades ou outras instituições. A A-CBT, por exemplo, tem grande influência nos Estados Unidos e conta com mais de mil associados de diferentes profissões ligadas à saúde mental, como medicina, psicologia e assistentes sociais. Portanto, é considerada uma associação que certifica diversas profissões para atuação emTCC, de acordo com os alcances possíveis de cada disciplina e sua regulamentação, fornecendo treinamento tanto dentro dos Estados Unidos quanto internacionalmente. Dessa forma, também oferta treinamentos para formação de terapeutas e de supervisores clínicos, assim como a acreditação dessas funções profissionais (ACBT, n.d.).

Por sua vez, a BABCP é a associação de TCC mais importante do Reino Unido e Irlanda, e conta com a abertura para associados de diferentes profissões da saúde mental, compondo um grupo multidisciplinar com mais de 12.000 membros associados, incluindo psicoterapeutas, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, professores, estudantes, entre outros. A BABCP oferece treinamentos, acreditação de supervisores e terapeutas, bem como parcerias essenciais, incluindo o programa governamental Improving Access to Psychological Therapies (IAPT), que fomenta o acesso da população às terapias baseadas em evidências no Reino Unido (BABCP, 2021).Vale ressaltar que a BABCP é membro associado e tem acreditação da EABCT (EABCT, c2021).

A quarta associação, o NES, é considerada um conselho especial de saúde do NHS Scotland, cujo objetivo é promover o treinamento na área da saúde na Escócia, incluindo a TCC. Nesse sentido, tem amplo alcance, desde a formação inicial na graduação e na pós-graduação, até o desenvolvimento profissional continuado. Baseia a formação do supervisor em TCC nas competências propostas por Roth e Pilling (NES, 2021), considerado um importante marco da área que suporta a elaboração de benchmarks a serem seguidos (Barletta & Neufeld, 2020). Somado a isso, e por seu caráter educativo, o NES tem forte atuação no processo de regulamentação profissional na sua região (NES, 2021).

Em relação às características das diretrizes, apenas a EACBT apresentava um livreto com detalhamentos mais próximos de uma guideline (Kalpakoglou, 2013), enquanto as outras três apresentam as orientações em website, seja mais simplificada (NES) ou detalhadamente (ACBT, n.d.; BABCP, 2021). A Tabela 1 apresenta o resumo dos pré-requisitos e critérios apresentados nas diretrizes para acreditação/certificação do supervisor.

Para se candidatar para receber a acreditação/certificação de supervisor, todas as diretrizes apresentaram um critério de treinamento de terapeuta prévio, com acreditação/certificação dessa função por no mínimo dois anos, chegando a cinco anos em algumas delas. Ainda que o objetivo desta pesquisa não passe pelo exame dos critérios para acreditação do terapeuta cognitivo-comportamental, as diretrizes da A-CBT (ACBT, n.d.) ressaltam que a falta de rigor no treinamento em TCC é um problema comum, portanto, baseiam-se em padrões de formação e acreditação de profissionais considerados exigentes, estendendo-os para a função de supervisores em TCC. Essa exceptiva de experiência clínica prévia também ocorre no cenário brasileiro (Silvares et al., 2016), porém ainda sem critérios de competências estabelecidos. Contudo, os primeiros passos nessa direção já foram dados com a iniciativa de certificação do terapeuta pela FBTC (Barletta & Neufeld, 2020; Barletta et al., no prelo).

Verifica-se que a acreditação para supervisor não é uma simples prova, mas sim um processo de formação profissional enfatizado nas quatro diretrizes, com treinamento específico em supervisão e com duração máxima para completar essa etapa. Por exemplo, ao se candidatar para a acreditação de supervisor em TCC naA-CBT, o profissional precisa concluir os pré-requisitos e critérios em no máximo dois anos para receber o credenciamento (ACBT, n.d.). As diretrizes da EACBT e BABCP, talvez por apresentarem orientações mais completas e detalhadas, indicam que a acreditação para supervisor tem tempo finito, sendo necessário uma nova solicitação de acreditação. Esse processo de reacreditação garante a qualidade do profissional, o treinamento de supervisão continuado e a necessidade de comprometimento com o próprio crescimento como supervisor.

Apesar de no Brasil não haver acreditação/certificação de supervisor em TCC até o presente momento, tampouco uma cultura fortalecida que reconheça a necessidade de treinamento em supervisão (Barletta & Neufeld, 2020), acredita-se que há um movimento inicial no país em direção à importância de qualificar o supervisor para exercer essa função. O que sustenta esse entendimento é o aumento, ainda que tímido, da produção científica. Por exemplo, Barletta et al. (no prelo), em sua pesquisa, descrevem um treinamento continuado de terapeutas e supervisores ofertado para pós-graduandos stricto sensu vinculados a atividades clínicas em TCC do laboratório de uma universidade pública que oferece essa prática. A pesquisa fez uma avaliação de necessidades, a fim de sustentar uma nova proposta de treinamento de supervisores com base em evidências, mas também customizado às características da clientela a ser treinada e do contexto local. Já Velasquez (2017) apresentou uma pesquisa com 18 supervisores de TCC de uma instituição privada, separados em um grupo controle e um grupo experimental, que tiveram um treinamento de competências de supervisão em TCC em cinco encontros. Barletta, Gauy, Kaji-Markenfeldt e Vilela (2018) também apresentaram um modelo estruturado de treinamento de terapeutas e supervisores, com 20 encontros, várias medidas de avaliação e observação clínica, tanto do paciente quanto do terapeuta e do supervisor. Dessa forma, entende-se que há um aumento da preocupação de pesquisadores e profissionais com a qualificação da atividade supervisionada na clínica da TCC.

Outros aspectos comuns identificados nas quatro diretrizes apontaram para a importância do desenvolvimento profissional continuado (CPD), fortalecendo a ideia de que a lapidação de competências é constante. Ainda que nem todas as atividades para a formação de supervisores sejam alocadas como CPD em todas as diretrizes, ressalta-se que em todas elas aparecem elementos que se encaixam nesse conceito, como: a) conhecimento teórico sobre supervisão em TCC a partir de cursos, workshops, autoaprendizagem, envolvimento com grupos de trabalho com interesse em supervisão da associação específica; b) treino no uso de escalas de competência clínica em TCC, incluindo a Cognitive Therapy Rating Scale (CTRS ou CTS) de Young e Beck (1980), a versão revisada da mesma escala (CTS-R; James et al., 2001) e a Supervision:Adherence and Guidance Evaluation (SAGE) (Milne & Reiser, 2017); c) receber supervisão da própria atuação como supervisor, chamada de supervisão da supervisão; d) práticas de pesquisa e publicação em supervisão clínica de TCC; e) prática de ensino de TCC, com participação em cursos e workshops como monitor ou professor; f) participação em atividades de divulgação da prática supervisionada para a comunidade, seja pela mídia ou por meio de parcerias como o IAPT. Dessa forma, o treinamento do supervisor passa tanto por atividades similares exigidas nas quatro diretrizes quanto por práticas específicas de cada uma delas, a fim de lapidar as práticas profissionais para exercer a função com a máxima qualidade (Figura 1).

Ao olhar para o treinamento e atividades de CPD em TCC no Brasil, o primeiro aspecto a ser considerado é que apenas nos últimos anos cursos e workshops sobre supervisão clínica começaram a ser mais divulgados. Outro ponto que merece atenção está ligado ao uso de medidas e avaliações de competência em TCC. Das escalas indicadas nas diretrizes, apenas duas foram recentemente adaptadas culturalmente e validadas para o português, sendo a CTS (Moreno & DeSousa, 2020) e a CTS-R (Reis & Barbosa, 2016). A SAGE ainda não tem uma versão brasileira. Somado a isso, atualmente tem-se conhecimento da elaboração de um instrumento de competências de terapeutas cognitivo-comportamentais de grupo, a Escala de Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos (ETCCG) (Scotton & Neufeld, 2019). Isso sugere que, no país, há recentemente uma busca, ainda tímida, mas já importante, de instrumentos que podem indicar competências clínica em TCC, fortalecendo a qualidade do treinamento de terapeutas.

Por sua vez, não foi citado nas diretrizes o uso de escalas de competência do supervisor, visando aumentar a reflexão sobre o desenvolvimento profissional para o exercício dessa função. Um exemplo de instrumento, sugerido na revisão de Barletta e Neufeld (2020), para medida de competência do supervisor em TCC por observação direta da supervisão é a Supervisor Competence Scale (SCS) (Kennerley et al., 2010). A esse exemplo, um grupo de supervisoras brasileiras tem indicado o uso da SCS, seja pela autoavaliação dos terapeutas supervisionados, seja pela avaliação de pares quando outro supervisor observa o encontro supervisionado, ou mesmo como autoavaliação da própria supervisora (Barletta et al., 2018). Mais uma vez, há indícios do aumento da preocupação pela qualidade da supervisão e da formação do supervisor em TCC no país.

Entende-se que esse esforço em proporcionar uma formação de supervisor que culmina em uma acreditação/certificação tem como objetivo, a partir de uma prática baseada em evidências, o desenvolvimento de competências essenciais para a função de supervisor de TCC. Segundo a APA (2014), o aperfeiçoamento de tais competências pode fortalecer um serviço de saúde mental com maior qualidade, beneficiando a todos os envolvidos, incluindo o profissional, o paciente e a própria comunidade. Logo, ao lançar pré-requisitos e critérios para se tornar um supervisor recomendado, as diretrizes também destacam os conhecimentos, as habilidades e as atitudes a serem alcançados, conforme Tabela 2.

Percebe-se que as competências são amplas e envolvem: a) conhecimentos de TCC, de supervisão e sobre o processo de ensino e aprendizagem; b) habilidades, sejam elas técnicas, de uso de recursos, como escalas e metodologias de aprendizagem, sociais e de resolução de problemas; e c) atitudes, seja de sensibilidade à diversidade, sejam éticas e questões relacio-nadas.Todos os aspectos citados nas diretrizes relacionados ao conhecimento, às habilidades e às atitudes compõem as competências mínimas necessárias que são construídas ao longo do processo de se tornar supervisor em TCC. Entre as diferentes competências encontradas nas diretrizes, verifica-se que há consenso sobre a importância dos conhecimentos teórico e prático específicos de supervisão em TCC, bem como a experiência prévia e qualificada de atendimento clínico. Dessa forma, pode-se considerar que esse é um aspecto relevante para embasar a importância do treinamento para a função do supervisor, bem como para fortalecer a necessidade de disseminação da prática baseada em competências no Brasil, seja do supervisor, seja do terapeuta (Barletta & Neufeld, 2020). Em acordo com essa ideia, um aspecto relevante encontrado na pesquisa de Barletta et al. (no prelo) foi a identificação de que o treinamento de supervisor favorece a mudança de função, promovendo o entendimento das tarefas e competências, das responsabilidades e desafios associados à supervisão.

Na Tabela 2, verifica-se que, além de toda a estrutura e protocolos da supervisão em TCC, há flexibilidade para a inclusão de aspectos pessoais e contextuais para o fornecimento da supervisão clínica. Esse entendimento está de acordo com os princípios da própria TCC, bem como pode ser alocado como um aspecto da metacompetência do supervisor (Roth & Pilling, 2009), que permite adaptações necessárias para melhorar a aprendizagem, para se adequar ao contexto e para incluir idiossincrasias da relação supervisor-supervisionado (Corrie & Lane, 2015). Sabe-se que o desafio de estabelecer um protocolo padrão de supervisão é intenso (Falander & Shanfranske, 2007; Newman & Kaplan, 2016), por isso a busca por modelos de supervisão compatíveis com a cultura nacional (Barletta & Neufeld, 2020; Barletta et al., no prelo) e com os axiomas da TCC (Milne, 2018), incluindo as três características do processo de supervisão propostas por Bernard e Googdyear (2014), pode ser considerado um excelente começo de boas práticas clínicas supervisionadas no cenário nacional.

Acredita-se que esse entendimento é fundamental ao se pensar na cultura brasileira, uma vez que ainda é preciso percorrer um longo caminho para se alcançar as propostas sugeridas nas diretrizes. Contudo, há de se flexibilizar e entender o que é possível ser colocado em prática no contexto nacional (Barletta et al., no prelo). Somado a isso, vale ressaltar que as diretrizes apontam que a formação do supervisor de TCC é um processo longo e continuado, com diferentes nuances e possibilidades, o que permite pensar em um processo não linear de construção, com variações que contemplam as necessidades apresentadas. Entende-se que o cenário nacional está se voltando em direção ao fortalecimento para um olhar mais preciso e claro para a função do supervisor em TCC, como uma prática profissional específica que necessita ser realizada com competência, ainda que esse seja um passo inicial de uma longa jornada.

As diretrizes estudadas não incluíram informações sobre os recursos para supervisão remota, talvez por terem sido descritas em um período anterior à pandemia. Entende-se que esse é um elemento fundamental no treinamento de clínicos, sejam supervisores ou terapeutas, uma vez que o atual momento pandêmico introduziu abruptamente o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) no cotidiano da psicologia. Um recente levantamento com 180 supervisores brasileiros de TCC apresentou uma lacuna sobre o treinamento de TDICs para as supervisões remotas (Barletta, Araújo, & Neufeld, em revisão). Dessa forma, pesquisas recentes já apontam a necessidade de treinamento dos profissionais para seu uso adequado, a fim de fortalecer a qualidade da atividade ofertada e manter-se nos princípios éticos e regulatórios do exercício profissional (Sampaio et al., 2021), incluindo a prática da supervisão clínica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo de uma pesquisa documental, o presente trabalho identificou diretrizes sobre a acreditação/certificação e a formação do supervisor de TCC ao redor do mundo, o que permitiu uma reflexão sobre algumas implicações para o cenário brasileiro. A proposta deste trabalho não foi esgotar todas as possibilidades, mas organizar as orientações e os apontamentos disponíveis pelas associações relevantes da área a respeito do supervisor clínico em TCC para fomentar a discussão de um tema ainda embrionário no Brasil.

Acredita-se que o cenário nacional está iniciando uma mudança e que, aos poucos, a concepção do treinamento de supervisor em TCC pode se tornar mais consistente.Atualmente, no contexto brasileiro, verifica-se a divulgação de alguns cursos e workshops sobre supervisão, bem como estudos sobre treinamento de supervisores, além da adaptação, validação e construção de instrumentos de medidas e avaliações de competência em TCC. Conforme pesquisadores brasileiros apontam (Barletta et al., no prelo; Velasquez et al., 2015) ainda são escassas as ofertas de treinamentos e há poucos estudos, porém é um começo para esse processo.

Ainda que adequado ao propósito do estudo, o método utilizado apresenta algumas limitações, como a não inclusão de dados já tratados analiticamente, isto é, deixa-se de lado publicações de pesquisa, como artigos científicos, capítulos de livros e teses. Ressalta-se a importância de novos estudos que deem outros enfoques metodológicos, a fim de dar robustez ao tema estudado, como, por exemplo, uma revisão de escopo ou sistemática que possa abarcar as melhores evidências disponíveis e permitir a elaboração de guidelines e recomendações amplas. Outra limitação consiste no fato de terem sido encontradas apenas quatro diretrizes sobre a acreditação/ certificação de supervisores em TCC. Talvez ampliar os locais para acessar diferentes diretrizes, ou mesmo ampliar a busca para diretrizes sobre formação de supervisores, independentemente da orientação teórica de base, pode fornecer novas e importantes informações.

Em virtude da lacuna de estudos e trabalhos sobre a formação do supervisor em TCC no Brasil, a reunião das informações sobre diretrizes de associações ao redor do mundo sobre a acreditação/certificação para essa prática profissional pode ser considerada uma importante contribuição deste trabalho.

De modo geral, compreende-se que este estudo trouxe importantes informações sobre a formação de supervisores em TCC, incluindo aspectos que envolvem esse processo, como treinamento e competências de supervisores, medidas de avaliação de supervisão, entre outros enfoques. Refletir sobre esses achados no contexto brasileiro pode sugerir caminhos a serem trilhados na tentativa de ter um olhar mais cuidadoso para a formação de supervisor no Brasil, bem como fortalecer esse processo no país.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Isabela Maria Freitas Ferreira
E-mail: isa_mff@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 22 de Abril de 2021. cod. 198
Artigo aceito em 02 de Setembro de 2021

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