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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.19 no.1 Rio de Janeiro ene./jun. 2023  Epub 01-Jul-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20230004 

Pesquisa Empírica

A influência do apego nas habilidades sociais de estudantes universitários

The Influence of Attachment on the Social Skills of University Students

Matheus Casagrande Leal1 

Caroline Guisantes de Salvo Toni2 

Vanessa Fracazzo1 

1Universidade Estadual do Centro-Oeste, Psicologia - Irati - Paraná - Brasil

2Universidade Estadual do Centro-Oeste, Departamento de Psicologia - Irati - Paraná - Brasil


RESUMO

A entrada na universidade é um contexto de grande mudança e requer uma adaptação das habilidades sociais dos indivíduos para as novas demandas apresentadas. O presente estudo teve por objetivo verificar a possível influência do sistema comportamental do apego no repertório de habilidades sociais de universitários por intermédio de uma análise quantitativa dos dados obtidos pelos seguintes instrumentos de autorrelato: Inventário de Habilidades Sociais, Escala de Vinculação do Adulto e Questionário de Relacionamento. Os resultados obtidos apontam para a confirmação da hipótese de que o sistema comportamental do apego exerce influência parcial no repertório de habilidades sociais de universitários.

Palavras-chave: Habilidades sociais; Adulto jovem; Universidades; Relações interpessoais

ABSTRACT

Entering the university is a context of great change and requires an adaptation of individuals social skills to the new demands presented. The present study aimed to verify the possible influence of the attachment behavioral system on the repertoire of social skills of university students, through a quantitative analysis of the data obtained by the self-report instruments: Skills Inventory Social Media, the Adult Attachment Scale, and the Relationship Questionnaire. The results obtained point to the confirmation of the hypothesis that the attachment behavioral system exerts a partial influence on the university students repertoire of social skills.

Keywords: Social Skills; Young adult; Universities; Interpersonal relations

INTRODUÇÃO

A teoria do apego é uma teoria do desenvolvimento humano que se iniciou com os estudos do psiquiatra infantil John Bowlby. Segundo Bowlby (1969), o apego é um sistema comportamental que tem como meta garantir a proximidade e a manutenção de vínculo com uma figura de apego, a fim de garantir os cuidados que fornecerão conforto e segurança para a criança (Bowlby, 1969). Em síntese, as relações mantidas com essa figura de apego inicial servirão como um protótipo inicial, construído a partir das memórias não narrativas da infância, sob o qual se constituirá um modelo funcional interno composto por representações de si, de uma figura de apego e do mundo, e que mediará as crenças que o indivíduo tem sobre elas (Dalbem & Dell’aglio, 2005; Santos & Peixoto, 2020).

Ainda que o sistema comportamental do apego se desenvolva de forma única em cada indivíduo, de acordo com a relação estabelecida com os cuidadores, Mary Ainsworth, por meio do procedimento da “situação estranha”, encontrou meios de categorizar os mecanismos de apego em diferentes estilos, tomando como critério a sensação de segurança que é incorporada ao modelo interno de funcionamento do indivíduo (Dalbem & Dell’aglio, 2005). O procedimento consiste na observação dos comportamentos de uma criança direcionados ao ambiente e à figura de apego, nos contextos de presença, separação e retorno dessa figura de apego, e possibilita a categorização do estilo de apego da criança entre seguro, inseguro-evitativo e inseguro-ansioso (Dalbem & Dell’aglio, 2005).

As crianças com um estilo de apego classificado como seguro apresentam, na “situação estranha”, alto nível de comportamento exploratório na presença da figura de apego, desconforto e tensão no momento de separação e considerável facilidade para a recuperação de um estado tranquilo com o retorno da figura de apego. As crianças com estilo de apego classificado como inseguro-evitativo apresentam o mesmo nível de comportamento exploratório na presença ou na ausência da figura de apego, pouco ou nenhum desconforto no momento de separação e evitação da figura de apego no seu retorno. Por fim, as crianças com um estilo categorizado como inseguro-ambivalente apresentam baixo nível de comportamento exploratório mesmo na presença da figura de apego, grande desconforto e tensão no momento de separação e dificuldade de retorno a um estado confortável e do contato com a figura de apego após a separação (Dalbem & Dell’aglio, 2005). Um quarto estilo de apego foi descoberto por Main e Hesse em 1990, caracterizado pela falta de uma estratégia consistente para lidar com os momentos de tensão provocados pela separação da figura de apego na “situação estranha”. Esse estilo se mostrou característico de crianças vítimas de relações abusivas (Dalbem & Dell’aglio, 2005; Papalia & Martorell, 2021).

O sistema comportamental do apego continua a exercer influência em diversos tipos de relacionamentos íntimos na vida adulta, de modo a garantir as necessidades de segurança e conforto do indivíduo e as possíveis vantagens evolutivas disso (Ainsworth, 1989; Becker & Crepaldi, 2019). Partindo desse princípio, Bartholomew e Horowitz (1991) propuseram um novo modelo de classificação para o apego na vida adulta, com base nas crenças do indivíduo sobre o self e sobre os outros, e obtiveram resultados bastante consistentes. O modelo proposto pelos autores consiste na identificação de uma valência positiva ou negativa nas crenças do indivíduo sobre o self (digno ou não de amor e assistência) e sobre os outros (disponíveis e dignos ou não de confiança). Assim, as diferentes combinações entre as valências positivas e negativas do self e dos outros dariam a origem a quatro protótipos diferentes de apego entre os adultos: seguro (self e outros com valência positiva), desinvestido (self com valência positiva, outros com valência negativa), preocupado (self com valência negativa, outros com valência positiva) e amedrontado (self e outros com valência negativa).

Cada protótipo de apego se manifesta de maneira característica e, como é verificado no estudo, há predominância de um deles sobre os demais, ainda que o indivíduo possa apresentar características dos quatro (Bartholomew & Horowitz, 1991). Aqueles com predominância do protótipo seguro apresentam maior facilidade para confiar nos outros e desenvolver laços afetivos; no caso do protótipo desinvestido, os indivíduos não buscam proximidade e não reagem à separação, podendo ser percebidos como demasiadamente frios; o protótipo preocupado, por sua vez, é caracterizado pela busca excessiva por proximidade e atenção, com autoestima e autoconfiança baixas, e por ansiedade excessiva na separação. Por fim, o protótipo amedrontado é caracterizado por insegurança e evitação de proximidade por medo de rejeição, bem como dependência do outro uma vez que a proximidade é estabelecida.

Outros modelos propostos para a avaliação da vinculação no adulto se basearam em aspectos dimensionais subjacentes ao apego (Canavarro et al., 2006). Segundo os autores, esses modelos de avaliação de estrutura dimensional surgiram como uma tentativa de preencher lacunas referentes aos modelos tipológicos, possibilitando a determinação dos estilos de apego dos indivíduos a partir de uma análise de clusters aplicada nos escores dimensionais obtidos. Entre as ferramentas embasadas nos modelos dimensionais, destaca-se a Escala de Vinculação do Adulto (EVA) (Canavarro et al., 2006), versão portuguesa da Adult Attachment Scale, em pesquisas realizadas com a população portuguesa.

Abreu (2019) descreve dados da literatura produzida pela teoria do apego que têm apontado para grande estabilidade do estilo de apego desenvolvido pelo indivíduo na infância ao longo de todo o ciclo vital. Segundo o autor, o estilo de apego também exerce influência em diversas áreas da vida adulta, como o senso de autoeficácia, as preferências no ambiente de trabalho, entre outras (Abreu, 2019).

Assim, o estudo dos estilos de apego e do modelo funcional interno de adultos pode contribuir para a compreensão de como essas representações e crenças iniciais que têm certa estabilidade podem influenciar outros fatores relacionados ao comportamento social do indivíduo na vida adulta. Segundo Bandura (2008), essas crenças atuam como um mecanismo de determinismo recíproco, com o comportamento e o ambiente, de tal forma que cada componente exerce influência sobre os demais em um determinado evento, do qual resultará um efeito. Dessa forma, as crenças que um indivíduo tem afetam como ele percebe e age sobre o ambiente.

Considerando-se o papel do sistema comportamental do apego na construção do modelo interno de funcionamento, a estabilidade do estilo de apego ao longo do ciclo vital e a sua influência nas áreas interpessoais da vida adulta, é possível hipotetizar que o estilo de apego desenvolvido pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento exerça influência na aquisição e na manutenção do seu repertório de habilidades sociais.

Segundo Del Prette e Del Prette (1999), habilidades sociais são um construto descritivo sobre o conjunto de desempenhos na utilização de ferramentas comportamentais, cognitivo-afetivas e fisiológicas de um indivíduo diante das demandas de uma situação interpessoal analisada sob as dimensões pessoal, situacional e cultural. Enquanto as dimensões cultural e situacional de análise focam nas demandas impostas aos indivíduos pela cultura e situação, a dimensão pessoal tem seu foco direcionado ao repertório de ferramentas pessoais para a interação social (Del Prette & Del Prette, 1999; Zutião et al., 2018).

O estudo de Soares e Martins (2020) evidencia que as habilidades sociais estão relacionadas com maior adaptabilidade ao ambiente universitário e ao envolvimento nas decisões de carreira nessa população, sendo importante a promoção de atividades, estágios e processos que promovam o treinamento delas (Lima et al., 2019). O estudo de Bauth et al. (2019) indica que a permanência na universidade, em geral, resulta em um aprimoramento nas habilidades sociais do indivíduo, cujo desenvolvimento é essencial para a vivência dos relacionamentos interpessoais na universidade e para uma boa atuação no mercado de trabalho.

No Brasil, uma das formas mais utilizadas de mensuração do repertório de habilidades sociais é o Inventário de Habilidades Sociais (IHS) desenvolvido por Del Prette e Del Prette (2001). Diversos estudos utilizaram esse instrumento para verificar as relações entre as habilidades sociais gerais e seus subfatores com diferentes aspectos do desenvolvimento (Bartholomeu et al., 2011; Couto et al., 2012; Soares et al., 2018; Soares et al., 2019). O IHS é um instrumento de autorrelato com 38 situações sobre as quais o respondente deve avaliar a frequência com que agiria ou se sentiria da maneira descrita em cada item. Assim, obtém-se um escore que indica se o padrão de comportamentos do avaliado é socialmente competente ou incompetente segundo as convenções sociais vigentes.

Os subfatores do IHS consistem em uma avaliação da adequação do repertório do indivíduo para conjuntos de situações específicas que tenham algumas características em comum: enfrentamento com risco (Fator 1) - consiste na afirmação e defesa de direitos e da autoestima com risco considerável de reação indesejável; autoafirmação na expressão de afeto positivo (Fator 2) - caracteriza-se por situações de demandas interpessoais de expressão de afeto positivo e de afirmação da autoestima com baixo risco de reação indesejável; conversação e desenvoltura social (Fator 3) - engloba as situações de aproximação, neutras em termos de afeto, e que demandam o conhecimento das normas sociais de relacionamento cotidiano; autoexposição a desconhecidos ou situações novas (Fator 4) - consiste na abordagem de pessoas desconhecidas; e autocontrole da agressividade a situações aversivas (Fator 5) - situações na quais o interlocutor reage de maneira aversiva, demandando controle da raiva e da agressividade pelo indivíduo (Del Prette & Del Prette, 2001).

O processo de socialização apresenta diferentes demandas ao indivíduo ao longo de cada fase do ciclo vital (Del Prette & Del Prette, 1999), o que indica a necessidade de constante adaptação do repertório às novas situações. O ingresso no ensino superior certamente apresenta uma série de novos desafios na qual o jovem adulto possivelmente irá se deparar com mais responsabilidades e novos grupos sociais. O novo contexto pode ser bastante distinto dos anteriores, pois muitos estudantes deixam sua cidade natal, podem ir estudar em outros estados ou países e se afastam de suas figuras de apego iniciais (Bolsoni-Silva et al., 2018).

Alguns estudos mostram que o repertório de habilidades sociais de um sujeito está relacionado com a sua adaptação acadêmica (Soares et al., 2018, 2019). Outros evidenciam que alguns fatores se relacionam com a maior aceitação ou rejeição dos universitários pelo grupo para a realização de determinadas atividades (Bartholomeu et al., 2011) e que indivíduos com um repertório menos desenvolvido de habilidades sociais têm menor variabilidade para transitar entre as diferentes posições das interações interpessoais, situando-se majoritariamente no quadrante de hostilidade-submissão (Couto et al., 2012). Por fim, estudos têm mostrado a eficácia de programas de treinamento em habilidades sociais, nos quais elas são parcialmente generalizadas para os contextos sociais pela maioria dos participantes (Lopes et al., 2017), e uma vez adquiridas, tendem a ser mantidas pelas contingências sociais mesmo após longos períodos.

A partir dos estudos citados, observa-se uma relação entre as crenças de autoeficácia acadêmica e o repertório de habilidades sociais de um indivíduo, e isso pode ser um indício de que outras crenças ou representações iniciais desempenhem algum papel na aquisição e na manutenção do repertório de habilidades sociais. Considerando que as representações iniciais do indivíduo estão relacionadas ao seu estilo de apego e à importância das habilidades sociais na adaptação acadêmica, foi objetivo deste estudo investigar as relações entre estilos de apego e habilidades sociais em universitários, uma vez que as crenças que compõem o modelo interno de funcionamento do indivíduo podem privá-lo de se expor a contingências que possibilitem o desenvolvimento de um repertório adequado de habilidades sociais, como evidencia Bandura (2008) no modelo de determinismo recíproco.

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 60 universitários de uma universidade pública do Centro-Oeste do Paraná. A idade média dos participantes foi de 21,61 anos (DP = 4,79).

Instrumentos

a) Escala de Vinculação do Adulto (EVA): versão em português (Canavarro et al., 2006) da Adult Attachment Scale-R (AAS-R) (Collins & Read, 1990), consiste em uma sequência de 18 afirmações sobre sentimentos relacionados a relacionamentos, em que o participante deve assinalar, em uma escala de 1 a 5, o quanto ele se identifica com a afirmação. Esse instrumento possibilita a avaliação de três dimensões da vinculação adulta: nível de ansiedade sentido em relacionamentos interpessoais, como medo de abandono e rejeição; nível de conforto sentido com proximidade e intimidade; e nível de confiança em relação aos outros e da percepção de disponibilidade emocional oferecida. É possível converter as variáveis dimensionais obtidas pela escala nos protótipos de apego propostos por Bartholomew e Horowitz (1991) seguindo o método de Canavarro et al. (2006). Os valores médios das três variáveis foram calculados para a população e, na sequência, uma média entre as variáveis conforto com a proximidade e confiança foi convertida na variável conforto-confiança. A partir dos escores médios nessas variáveis, estabeleceu-se os seguintes critérios para a classificação dos participantes nos protótipos: seguros - participantes que obtiveram escores superiores a 3 em confiança-proximidade e inferiores a 3 em ansiedade; preocupados - aqueles que obtiveram escores superiores a 3 em ambas as variáveis; desligados - os que obtiveram escores inferiores a 3 em ambas as variáveis; por fim, amedrontados - os que obtiveram escores inferiores a 3 em confiança-proximidade e superiores a 3 em ansiedade.

b) Questionário de Relacionamento (RQ), publicado por Bartholomew e Horowitz (1991), tem por objetivo verificar as tendências de orientação de um indivíduo para relacionamentos com pessoas próximas. Consiste em quatro parágrafos descritivos relativos aos diferentes estilos de apego, sobre os quais o participante deve assinalar o que mais se identifica e avaliar, num nível de 1 a 7, o quanto cada parágrafo corresponde a seus sentimentos e impressões.

c) Inventário de Habilidades Sociais (IHS) (Del Prette & Del Prette, 2001), que consiste em uma série de 38 afirmações que contêm uma situação e uma resposta comportamental, e os participantes devem nivelar de 0 a 4 a frequência com a qual responderiam na situação descrita. O instrumento avalia um escore geral das habilidades sociais do indivíduo e os escores relativos aos cinco fatores mencionados previamente na introdução.

d) Foi utilizado também um questionário sociodemográfico para a obtenção de dados do grupo amostral que se mostravam relevantes de acordo com a literatura da teoria do apego produzida até então, como arranjo social de residência, frequência e meio de comunicação com a família de origem, estado civil e a qual grupo pertence a principal pessoa de confiança atualmente (membro da família, amigo ou parceiro amoroso).

e) Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Procedimento

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética sob parecer nº 3.622.181. A apresentação da pesquisa e convite para a participação ocorreu em sala de aula. Os graduandos que aceitaram participar assinaram o TCLE e foram informados que poderiam desistir a qualquer momento. Os instrumentos foram aplicados em sala, de forma coletiva, com tempo médio de 40 minutos. Os pesquisadores permaneceram na sala por todo o tempo da coleta de dados para sanar eventuais dúvidas.

Todos os instrumentos foram corrigidos manualmente e seus dados adicionados em uma base de dados criada no software SPSS 18.0 for Windows, para a realização de análise estatística descritiva e inferencial. A aplicação e a correção do IHS foram realizadas de acordo com o manual do instrumento. Primeiro, foram obtidos os escores brutos do total e dos fatores e, depois, foi realizada uma conversão para a obtenção dos escores dos cinco fatores para melhor comparação entre eles.

Resultados

Os resultados serão apresentados comparando-se habilidades sociais em função dos estilos de apego, seguido de uma análise de estatística inferencial a partir de regressão, linear (modelo stepwise), da variável total de habilidades sociais em função das variáveis independentes dimensionais de apego.

Inicialmente, comparou-se os escores dos grupos formados pelos diferentes estilos de apego relatados. Na Tabela 1, pode-se observar as médias e as diferenças significativas entre os grupos.

Tabela 1 Escores médios das habilidades sociais e das dimensões da vinculação adulta em função do estilo de apego relatado. 

Apego seguro Apego amedrontado Apego preocupado Apego rejeitador X2/p
M DP M DP M DP M DP
Total de habilidades sociais 95,52 12,16 79,90 19,13 95,43 19,47 75,86 22,33 7,79; 0,051
F1: assertividade 2,03 0,57 1,90 0,79 2,18 0,70 1,68 0,97 1,46; 0,692
F2: expressão do afeto positivo 3,04 0,52 2,74 0,48 3,07 0,56 2,49 1.03 3,83; 0,281
F3: desenvoltura social 2,57 0,63 2,10 0,76 2,68 0,76 1,94 0,69 6,96; 0,073
F4: autoexposição ao desconhecido 2,75 0,64 2,08 0.65 2,52 0,90 2,00 0,61 9,40; 0,024*
F5: autocontrole da agressividade 0,87 0,52 0,87 0,92 0,86 0,87 0,62 0,80 0,696; 0,874
Ansiedade 2,38 0,85 3,10 0,97 3,26 0,88 2,73 0.90 10,61; 0,014*
Proximidade 3,72 0,41 3,34 0,48 3,68 0,69 2,90 0,71 10,94; 0,012*
Confiança 3,53 0,47 2,64 0,52 3,29 0,69 2,86 0,81 16,62; 0,001**

Nota:

*p ≤ 0,05

**p ≤ 0,01.

O estilo de apego seguro obteve escores significativamente mais altos na variável autoexposição a pessoas e situações desconhecidas, fator 4 do IHS, enquanto o estilo rejeitador obteve o escore mais baixo, seguido pelo estilo amedrontado (X2 = 9,40; p = 0,024). Além disso, o estilo de apego seguro obteve os maiores escores médios nas variáveis conforto com a proximidade (X2 = 10,94; p = 0,012) e confiança nos outros (X2 = 16,62; p = 0,001) e o menor na variável ansiedade (X2 = 10,61; p = 0,014). O estilo de apego seguro também obteve o maior escore médio no total do IHS e se aproximou bastante de um valor estatisticamente significativo (X2 = 7,79; p = 0,051), o que pode ter sido influenciado pelo tamanho da amostra. O estilo de apego rejeitador obteve os menores escores nas variáveis autoexposição a desconhecidos (X2 = 9,40; p = 0,024), ansiedade (X2 = 10,61; p = 0,014) e conforto com a proximidade (X2 = 10,94; p = 0,012), e o segundo menor escore na variável confiança. O estilo de apego amedrontado obteve o menor escore na variável confiança (X2 = 16,62; p = 0,001), o segundo menor escore na variável conforto com a proximidade (X2 = 10,94; p = 0,012) e o segundo maior escore médio em ansiedade (X2 = 10,61; p = 0,014). Por fim, o estilo preocupado obteve o maior escore médio em ansiedade (X2 = 10,61; p = 0,014) e os segundos maiores escores médios em conforto com a proximidade (X2 = 10,94; p = 0,012) e confiança (X2 = 16,62; p = 0,001).

Após verificar as diferenças significativas entre os grupos na amostra, foi realizada uma análise de regressão múltipla visando responder à principal hipótese levantada neste estudo - de que o apego exerce função no desenvolvimento e na manutenção das habilidades sociais. A análise de regressão múltipla é composta por um conjunto de técnicas estatísticas que possibilitam encontrar as relações preditivas de um conjunto de variáveis independentes para com uma variável dependente (Burgell & Anzanello, 2018). Para o presente estudo, utilizou-se o método de regressão stepwise, no qual testaram-se todas as variáveis dimensionais do apego (ansiedade, conforto com a proximidade e confiança) como possíveis preditoras da variável total de habilidades sociais, que foi tomada como a variável dependente. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 Estatística inferencial, a partir de regressão linear (modelo stepwise), da variável total de habilidades sociais em função das variáveis independentes dimensionais de apego. 

Variável dependente (IHS) R2 F p Variável independente Beta padronizado p
Total de habilidades sociais 0,33 13,82 0,000 Proximidade 0,448 0,000
Ansiedade -0,309 0,006

Os resultados demonstram que a variável total de habilidades sociais obteve um coeficiente de determinação (R2) de 0,33 para duas das variáveis dimensionais do apego (ansiedade e conforto com a proximidade), isto é, elas explicaram 33% da variância do total de habilidades sociais.

Os coeficientes de regressão padronizados (beta padronizado) indicam as proporções na qual alterações da referente variável independente modificariam a variável dependente. De acordo com Ferreira (2018), os coeficientes de regressão padronizados cujo valor encontra-se em um intervalo entre 0,10 e 0,29 apresentam relação moderada entre as variáveis da equação, enquanto os que têm valores maiores ou iguais a 0,30 indicam forte relação. O coeficiente padronizado das duas variáveis dimensionais do apego testadas como preditoras do total de habilidades sociais obtiveram valores acima de 0,29, indicando forte relação com a variável dependente. Enquanto conforto com a proximidade obteve um coeficiente de 0,448, ansiedade obteve um valor de -0,309 para o seu coeficiente, sendo que o valor negativo indica uma relação inversamente proporcional entre a variável independente e a variável dependente. Portanto, os resultados obtidos sugerem que essas dimensões do apego são capazes de predizer significativamente parte do total de habilidades sociais de um indivíduo.

DISCUSSÃO

Neste estudo, foram encontrados resultados que fortalecem a hipótese levantada de que o apego exerce influência na aquisição e na manutenção no repertório de habilidades sociais em universitários. Contrastando os participantes em função do estilo de apego, comparando-os em função dos escores de habilidades sociais e dimensões de apego ansiedade, conforto com a proximidade e confiança, propostas por Canavarro et al. (2006), observou-se que o maior escore no fator autoexposição ao desconhecido do IHS foi daqueles seguramente apegados, seguido do estilo de apego preocupado, enquanto os estilos amedrontado e desinvestido apresentaram escores consideravelmente menores. Esse resultado dialoga com o modelo proposto por Bartholomew e Horowitz (1991), no qual indivíduos com os protótipos com crenças negativas sobre os outros parecem estar menos dispostos a entrar em interações sociais com desconhecidos.

O fator 4 do IHS diz respeito à interação com pessoas e situações desconhecidas, como pedir favores, fazer perguntas, apresentações ou palestras para um público desconhecido. Esse resultado se mostra interessante para a população universitária, pois a interação com pessoas e públicos desconhecidos faz parte de diversas situações que contribuem para a formação profissional e pessoal desses estudantes, como a apresentação de trabalhos desenvolvidos em pesquisas e projetos de extensão e a participação em atividades extracurriculares, como grupo de estudos, congressos, envolvimento com o movimento estudantil e grupos de atléticas acadêmicas.

Além disso, uma grande diferença entre os protótipos com crenças positivas e negativas sobre os outros também foi encontrada nos escores médios totais de habilidades sociais, nos quais os protótipos com crenças positivas obtiveram os maiores escores. Esse resultado vai ao encontro do modelo de determinismo recíproco de Bandura (2008), visto que as crenças negativas sobre os outros pode tornar o indivíduo menos disposto a interagir com desconhecidos, consequentemente dificultando a autoexposição a contingências reforçadoras de comportamentos socialmente habilidosos. Já os indivíduos com crenças positivas estariam mais dispostos a se expor a interações com desconhecidos e, portanto, a contingências modeladoras de seu repertório de habilidades sociais.

Dessa forma, é possível que universitários que estejam mais abertos à interação com desconhecidos tenham mais oportunidades para o desenvolvimento de comportamentos socialmente competentes ao longo da graduação, se sobressaindo no comportamento socialmente competente em relação àqueles menos abertos a essas experiências. Essa hipótese verifica-se na amostra analisada pela diferença nas médias dos escores totais de habilidades sociais entre os grupos de estudantes com estilo de apego com crenças positivas sobre os outros e os estilos com crenças negativas, que também têm uma diferença significativa no fator de autoexposição ao desconhecido. O estudo de Machado et al. (2020) verificou correlação positiva entre o escore total do IHS e o tempo de participação em atividades extracurriculares, fortalecendo a hipótese apresentada.

Os resultados obtidos na comparação dos participantes pelo estilo de apego também fortalecem a relação entre a escala de fatores dimensionais do apego de Canavarro et al. (2006) e o modelo proposto por Bartholomew e Horowitz (1991). O protótipo seguro obteve o menor escore médio na dimensão ansiedade e os maiores escores médios nas dimensões conforto com a proximidade e confiança, estando, portanto, de acordo com a literatura (Collins & Allard, 2001). O protótipo seguro é caracterizado por baixos escores em ansiedade e evitação (“avoidance”, dimensão oposta às dimensões conforto e confiança); o protótipo preocupado, caracterizado por alta ansiedade e baixa evitação (Collins & Allard, 2001), obteve o maior escore médio em ansiedade, e os segundos maiores escores em proximidade e confiança; o protótipo rejeitador, caracterizado por baixa ansiedade e alta evitação (Collins & Allard, 2001), obteve o segundo menor escore em ansiedade e confiança, e o menor escore em proximidade; e, por fim, o protótipo amedrontado, caracterizado por altas ansiedade e evitação (Collins & Allard, 2001), obteve o segundo maior escore em ansiedade, o segundo menor escore em proximidade e o menor escore em confiança.

Por fim, o estudo também verificou que duas dimensões da EVA (conforto com a proximidade e ansiedade) são preditoras de cerca de um terço do total de habilidades sociais. Tais resultados, bastante significativos quando se pensa que o comportamento é multideterminado, apoia a hipótese inicial deste estudo de que os estilos de apego exercem influência na aquisição e na manutenção das habilidades sociais.

A dimensão conforto com a proximidade pode ser entendida como o nível de conforto sentido pelo indivíduo para construir relações íntimas com outros (Canavarro et al., 2006). A emissão de comportamentos socialmente competentes pode propiciar maior proximidade com o interlocutor, como seria no caso de situações de expressão do afeto positivo, desenvoltura social e autoexposição ao desconhecido. Assim, um indivíduo com baixos níveis de conforto com a proximidade poderia reduzir a emissão de comportamentos socialmente competentes, a fim de esquivar-se da proximidade indesejada. A dimensão ansiedade, por sua vez, pode ser entendida como o nível de medo ou preocupação com a possibilidade de rejeição ou de abandono. Em altos níveis, essa dimensão, ao contrário de conforto com a proximidade (Canavarro et al., 2006), poderia prejudicar a emissão de comportamentos socialmente competentes, em especial os relacionados a situações de enfrentamento com risco ou assertividade e de autoexposição ao desconhecido.

Considerando que o sistema comportamental do apego tem por objetivo a saciação das necessidades de segurança e conforto subjetivos de um indivíduo em relação a uma figura de apego, e continua a operar em diversos contextos de vinculação ao longo de toda a vida (Ainstworth, 1989; Becker & Crepaldi, 2019; Santos & Peixoto, 2020) e até mesmo outros aspectos da vida adulta (Collins & Allard, 2001), torna-se interessante a possibilidade de capacitar os indivíduos a identificarem as influências de seus estilos de apego em suas interações sociais com o objetivo de corrigir padrões desadaptativos ou não competentes.

A dificuldade repousa no fato de que o sistema comportamental do apego se utiliza de uma complexa rede de modelos internos funcionais organizados hierarquicamente de acordo com a especificidade e que operam de maneira automática e fora da consciência (Collins & Allard, 2001). Essa rede continua a enviesar diversos processos do indivíduo, como atenção seletiva, memória, respostas emocionais e comportamentais, de forma a tentar satisfazer as necessidades de vinculação e a manter a coerência dos modelos já formados (Collins & Allard, 2001). Os indivíduos seguros tendem a operar em níveis mais específicos da rede, enquanto os inseguros em níveis mais gerais, denotando menor flexibilidade destes em relação às suas crenças (Collins & Allard, 2001), o que pode afetar seus compartimentos (Bandura, 2008), entre eles os comportamentos socialmente habilidosos.

O estudo realizado por Couto et al. (2012) sugere que indivíduos socialmente habilidosos são mais capazes de transitar livremente entre diversas posições nas relações interpessoais, enquanto os menos habilidosos tendem a ocupar posições no quadrante submissão-hostilidade. Além disso, uma série de estudos vem demonstrando relações positivas entre um repertório socialmente habilidoso e adaptação acadêmica (Soares et al., 2018, 2019) e entre autoeficácia acadêmica e habilidades sociais, habilidades sociais e resolução de problemas (Santos & Soares, 2020), habilidades sociais e participação em atividades extracurriculares (Machado et al., 2020).

Considerando a importância interpessoal e acadêmica das habilidades sociais evidenciadas nos estudos mencionados, universidades que visam ao desenvolvimento integral dos graduandos para a capacitação dos futuros profissionais devem promover meios para que desenvolvam um repertório comportamental socialmente habilidoso. Alguns estudos mostram que programas de treinamento desenvolvidos por universidades têm sido efetivos para auxiliar a aquisição de um repertório socialmente habilidoso por parte dos estudantes (Lima et al., 2019; Lopes et al., 2017; Soares & Martins, 2020).

Os resultados obtidos indicam a possibilidade de estruturas relacionadas ao apego influenciarem uma parcela considerável do comportamento socialmente competente, além das inúmeras outras influências exercidas sobre as relações interpessoais. Dessa forma, propostas de intervenção visando ao desenvolvimento de técnicas de auto-observação e identificação de modelos internos funcionais desadaptativos que podem estar enviesando processos cognitivos, comportamentais e emocionais do indivíduo e, consequentemente, prejudicando habilidades sociais e causando dificuldades de adaptação em situações interpessoais, podem complementar os programas de treinamento em habilidades sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve por objetivo verificar uma possível influência do sistema comportamental do apego no repertório de habilidades sociais de jovens universitários. Os resultados apontam que os aspectos dimensionais do apego são capazes de prever porcentagem significativa do comportamento socialmente habilidoso, portanto, confirmando a hipótese inicial de que esses construtos poderiam estar relacionados.

É importante ressaltar que, apesar das diferenças significativas encontradas entre os grupos, há limitações para a generalização desses resultados causadas pelo pequeno número amostral e pelos fatores culturais e institucionais que podem gerar diferenças nas experiências de graduação. Além disso, a utilização de uma abordagem quantitativa na análise dos dados coletados pelos instrumentos de autorrelato, apesar de fornecer informações interessantes sobre a significância dos achados, não possibilita realizar uma análise mais aprofundada de como ocorrem esses processos.

Para melhor investigação das relações entre o sistema comportamental do apego, novos estudos com grupos amostrais maiores e em outras instituições devem ser feitos. Além disso, pesquisas incluindo outros cursos e outras metodologias, considerando também abordagens qualitativas, podem contribuir para uma compreensão mais aprofundada de como se dá essa influência do sistema comportamental do apego no repertório de habilidades sociais de estudantes universitários.

Obtendo maior clareza nas relações entre os estilos de apego e a sua influência nas habilidades sociais, será possível pensar programas de treinamento de habilidades sociais focados nas diferentes demandas entre indivíduos com diferentes estilos, além de possibilitar um olhar mais atento aos possíveis déficits de cada estilo, bem como programas para sua prevenção. Parte dos déficits em habilidades sociais também pode estar relacionada a questões de vinculação, portanto, estratégias voltadas a esse construto podem ser efetivas em complementar os treinamentos em habilidades sociais.

Os períodos de ingresso e egresso do ensino superior acarretam grandes mudanças nas contingências sociais as quais os estudantes estão expostos e requerem a adaptação do repertório de habilidades sociais para o ajustamento às novas demandas apresentadas. Esses períodos de transição podem ser de particular sensibilidade para os indivíduos, por isso, instituições preocupadas em garantir o desenvolvimento integral dos profissionais e cidadãos devem pensar em estratégias que possibilitem desenvolver a autorreflexão sobre a forma de enxergar o mundo e a si próprios, transformando esses processos em crenças mais flexíveis e adaptáveis, e que, com isso, também facilitem o desenvolvimento de outras habilidades necessárias às novas demandas desses contextos.

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Recebido: 29 de Maio de 2022; Aceito: 09 de Agosto de 2023

Correspondência: Vanessa Fracazzo. E-mail: vaanefr@gmail.com

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