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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versión On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.65 no.2 Rio de Janeiro  2013

 

ARTIGOS

 

Empatia e redução fenomenológica: possível contribuição ao pensamento de Rogers1

 

Empathy and phenomenological reduction: potential contribution to the Rogers thought

 

Empatía y reducción fenomenológica: posible contribución al pensamiento de Rogers

 

 

Virginia MoreiraI; Rafael Bruno TorresII

IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clinica. Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza. Ceará. Brasil
IIPsicólogo. Residente do Programa de Residências Integradas em Saúde. Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE). Fortaleza. Ceará. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de compreensão empática ocupa um lugar fundamental na psicoterapia de Carl Rogers, visa a que o psicoterapeuta capte os sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo. Este artigo busca pensar possíveis contribuições que a redução fenomenológica, tal como entendida por Merleau-Ponty, pode fornecer à experiência do psicoterapeuta de ser empático. A prática clínica humanista fenomenológica tem mostrado que a utilização do conceito de redução fenomenológica tem muito a contribuir para a psicoterapia. Concluímos que a redução fenomenológica mostra-se como um recurso que, utilizado na psicoterapia de inspiração fenomenológica, permite ao psicoterapeuta pôr entre parênteses conteúdos pessoais e teóricos seus, no sentido de buscar penetrar no mundo vivido do cliente, compreendendo-o empaticamente.

Palavras-chave: Compreensão empática; Carl Rogers; Redução fenomenológica; Merleau-Ponty; Psicoterapia.


ABSTRACT

The concept of empathic understanding holds a key position in the psychotherapy of Carl Rogers, the psychotherapist aims to capture the feelings and personal meanings that the client is living. This article aims to explore possible contributions that phenomenological reduction, as understood by Merleau-Ponty, can provide to the therapist´s experience of being empathic. Humanistic phenomenological clinical practice has shown that the use of the concept of phenomenological reduction has much to contribute to psychotherapy. We conclude that the phenomenological reduction shows up as a resource that, used in phenomenological psychotherapy, allows the psychotherapist to put brackets to personal and theoretical contents, with the purpose of seeking to penetrate the lived world of the client, understanding it with empathy.

Keywords: Empathy; Carl Rogers; Phenomenological reduction; Merleau-Ponty; Psychotherapy.


RESUMEN

El concepto de comprensión empática ocupa una posición clave en la psicoterapia de Carl Rogers, es que el psicoterapeuta capta los sentimientos y significados personales que el cliente está viviendo. Este artículo tiene la intención de pensar las posibles contribuciones que la reducción fenomenológica, tal como la entiende Merleau-Ponty, puede suministrar a la experiencia del terapeuta de ser empático. La práctica clínica Humanista fenomenológica ha demostrado que el uso del concepto de reducción fenomenológica tiene mucho que aportar a la psicoterapia. Llegamos a la conclusión que la reducción fenomenológica se muestra como un recurso que, utilizado en la psicoterapia fenomenológica, permite al psicoterapeuta poner sus contenidos personales y teóricos entre paréntesis, en el sentido de tratar de penetrar en el mundo vivido del cliente, entendiéndolo con empatía.

Palabras clave: Comprensión empática; Carl Rogers; Reducción fenomenológica; Merleau-Ponty; Psicoterapia.


 

 

Introdução

A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) foi criada pelo psicólogo norte-americano Carl Rogers por volta dos anos 50 do século XX. Segundo Rogers (1985), proporcionando determinado tipo de relação, o indivíduo em psicoterapia buscará dentro de si a capacidade de utilizar essa relação para crescer e provocar um desenvolvimento pessoal. Rogers acreditava que deveria oferecer às pessoas uma relação acolhedora, compreensiva e honesta para que se efetivasse o processo psicoterápico (Amatuzzi, 2010). Pinto (2010) lembra que a ACP não nasceu pronta, foi sendo construída aos poucos, a partir das percepções e discordâncias de Rogers sobre os modelos de atendimento que existiam em sua época. Rogers (1977a) não desejava que sua teoria fosse engessada em seus pensamentos, mas que pudesse ser constantemente repensada. Afirma que "a ACP se trata de um sistema de certo modo 'fluido', que não cessa de se modificar e de se precisar" (p. 225, grifos do autor).

Dentre os conceitos dessa teoria, um dos mais pesquisados é a compreensão empática, algumas vezes apresentada como empatia, embora um estudo mais detalhado mostre que ele, na verdade, evoluiu de empatia para compreensão empática durante o percurso de Rogers como psicoterapeuta (Fontgalland & Moreira, 2012). O termo empatia deriva da palavra grega empatheia, que significa paixão ou ser muito afetado (Sampaio, Camino & Roazzi, 2009). No início do século XIX, os psicólogos sustentavam que a empatia era uma capacidade através da qual as pessoas compreendiam umas às outras, sentiam e percebiam o que acontece com os outros, como se estivessem vivenciando suas experiências. A empatia foi uma preocupação de Husserl (1900), criador da fenomenologia. Edith Stein, sua discípula, escreveu sua tese de doutorado intitulada O problema da empatia (1917). A partir de 1950, a empatia passa a ser investigada com maior aprofundamento aplicada na prática psicoterápica, especialmente com Carl Rogers (Sampaio et al., 2009).

Segundo Rogers (1985), se o terapeuta compreende os sentimentos vivenciados pelo cliente, além de aceitá-lo incondicionalmente e ser autêntico com suas percepções, então há uma forte probabilidade de que esta psicoterapia seja eficaz; pois, quando o cliente se sente compreendido, bem-vindo e aceito nos vários aspectos de sua experiência, ocorre uma maleabilidade gradual de seu jeito de ser e uma fluência mais livre de sentimentos e movimentos (Rogers, 1985). Em uma entrevista concedida a Evans (1979), Rogers comenta que

para vastas áreas do conhecimento psicológico precisamos de uma ciência muito mais humana. Não sei que forma poderá tomar, mas acho que não estará longe da fenomenológica. Deixaremos de procurar olhar as pessoas só pelo lado de fora, e começaremos a tentar compreender o seu mundo fenomenológico. (Evans, 1979, p. 79)

A fenomenologia, segundo Merleau-Ponty (1945/1994), é uma tentativa de descrição "direta de nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às explicações causais que o cientista, o historiador ou o sociólogo dela possam fornecer" (p. I-II). A fenomenologia, para Husserl, buscou resolver uma crise das ciências do homem (Merleau-Ponty, 1973), especialmente da psicologia, que buscava tornar-se ciência - com um viés positivista e objetivo - , tratando, até então, de problemas internos. Segundo Merleau-Ponty (1973), Husserl já buscava a superação da dicotomia interno x externo, subjetivo x objetivo, defendendo a ideia de que a psicologia deveria ter como foco a experiência subjetiva. "A fenomenologia consiste em voltar à experiência humana direta, pondo de lado quaisquer ideias preconcebidas derivadas de nossas teorias científicas ou de filósofos" (Matthews, 2010, p. 27).

Nesse contexto, a redução fenomenológica, segundo Husserl (1990), proporciona o acesso ao modo de consideração transcendental, o retorno à consciência - este conceito, que visa revelar os objetos em sua constituição, foi criado por Husserl e trabalhado posteriormente por Merleau-Ponty - diz respeito a uma suspensão de valores e juízos, já que se deve buscar a essência ou o sentido, não fora do fato em que ocorre, "a essência só é acessível através da situação singular onde aparece" (Merleau-Ponty, 1973, p. 76).

Na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, o homem se encontra tão intrinsecamente constituído com o mundo que, para vê-lo e compreendê-lo, é necessário um artifício que o distancie dele (Moreira, 2009). Estamos localizados no mundo, vivendo nele; portanto, nossas reflexões surgem justamente desse fluxo temporal que elas procuram captar, de nossas vivências e experiências, que precisam ser compreendidas, e não julgadas ou analisadas (Merleau-Ponty, 1945/1994).

Julgar não é perceber [...] Se se vê aquilo que se julga, como distinguir a percepção verdadeira da percepção falsa? Como se poderá dizer, depois disso, que o alucinado ou o louco 'acreditam ver aquilo que não vêem de forma alguma'? Onde estará a diferença entre 'ver' e 'crer que se vê'? (p. 63, grifos do autor).

Merleau-Ponty (1973) adverte que Husserl já havia insistido sobre um paralelo entre psicologia e fenomenologia, referindo-se a "psicólogos que, com ou sem razão, reivindicam um vínculo com a fenomenologia" (p. 18), trazendo possíveis correlações entre ambas. É importante frisar que psicologia e fenomenologia, apesar de suas contribuições mútuas e relações possíveis, se apresentam em dois campos epistemológicos diferentes, dado que a fenomenologia originalmente se dá no campo da filosofia.

Partindo de discussões apresentadas anteriormente por Moreira (1993, 1995, 2007, 2009), este artigo tem como objetivo pensar possíveis contribuições que a redução fenomenológica, tal como entendida por Merleau-Ponty, pode vir a fornecer à experiência de ser empático em psicoterapia, mais especificamente no que diz respeito à experiência do psicoterapeuta de ser empático, segundo proposta de Rogers. A redução fenomenológica nesse contexto é considerada dentro da perspectiva de uma clínica humanista-fenomenológica, inspirada na fenomenologia de Merleau-Ponty.

 

Compreensão empática no pensamento de Rogers

Segundo Rogers (1983), existem algumas condições que devem estar presentes para que possa existir um clima facilitador de crescimento no ambiente psicoterápico. Em 1957, ele define pela primeira vez quais devem ser essas condições; publica um artigo intitulado As Condições Necessárias e Suficientes para a Mudança Terapêutica da Personalidade, em que, baseado na sua própria experiência clínica e na de seus colegas, considera as condições que avalia como essenciais para o processo psicoterápico - condições que parecem ser necessárias para iniciar "uma mudança construtiva de personalidade" (Rogers, 1957, p. 159), sendo esta última uma

mudança na estrutura da personalidade de um indivíduo, tanto ao nível superficial quanto mais profundo, numa direção que os clínicos concordariam que significa maior integração, menos conflito interno, mais energia utilizável para um viver efetivo; mudança de comportamento, no sentido de um afastamento de comportamentos geralmente considerados imaturos e na direção daqueles considerados como amadurecidos (p. 158).

As atitudes facilitadoras (aceitação incondicional, autenticidade e compreensão empática) são condições comuns a todas as relações terapêuticas (Hipolito, 1999). Rogers (1977a) relaciona a importância da Abordagem Centrada na Pessoa com a presença dessas atitudes na relação psicoterapêutica.

Com respeito à compreensão empática, Carl Rogers (1983) explica que o terapeuta deve captar com precisão os sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo e comunicar essa compreensão ao mesmo. Ele afirma ainda que esse tipo de escuta é extremamente raro em nossas vidas e se coloca como uma das forças mais poderosas em uma relação. No entanto, para se chegar a essas conclusões é interessante observar como se deu o processo de construção desse conceito dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, já que a obra de Carl Rogers sobre psicoterapia é ampla e variada (Fontgalland & Moreira, 2012).

Desenvolvimento do conceito

Cury (1987) adverte que a ACP pode ser caracterizada como tendo passado por períodos distintos no que se refere à elaboração de seus conceitos. O próprio Rogers (1977) afirma a mobilidade de sua teoria e sua possibilidade de variações. No intuito de facilitar os estudos, o pensamento rogeriano foi dividido em fases por alguns de seus comentadores, de acordo com as características mais marcantes de cada uma; alguns autores citam diferentes datas e períodos. Cury (1987), Holanda (1994) e Moreira (2007) se baseiam em Hart e Tomlinson (1970) e Wood (1983) para estabelecer as seguintes fases:

1) Psicoterapia Não-Diretiva (de 1940 a 1950), que se caracterizou pela criação de uma atmosfera permissiva, não interventiva, de aceitação e clarificação (Cury, 1987).

2) Psicoterapia Reflexiva (de 1950 a 1957), em que Rogers baseia suas hipóteses sobre a relação terapêutica em observações de suas próprias experiências subjetivas na interação com o cliente. Esta fase é caracterizada pela reflexão dos sentimentos e por uma maior valorização das atividades do terapeuta (Cury, 1987).

3) Psicoterapia Experiencial (de 1957 a 1970), onde "o objetivo nesta fase é ajudar o cliente a usar plenamente sua experiência, promovendo uma maior congruência do self e desenvolvimento relacional" (Holanda, 1994, p. 8).

Holanda (1994) e Moreira (2007) propõem uma quarta fase, Inter-humana (ou Coletiva), que "descreveria a atuação rogeriana pública e sua preocupação com os problemas humanos em uma perspectiva macroscópica" (Moreira, 2007, p. 218). Moreira (2010) propõe, posteriormente, a fase pós-rogeriana, de 1987 até a atualidade.

Antes de enveredar por uma nova teoria, ou mesmo construi-la, Carl Rogers publicou um livro, em 1939, denominado O Tratamento Clínico da Criança-problema. Nessa sua primeira obra, Rogers não cita, ainda, o conceito de empatia, mas percebe-se um início do que viria a sê-lo. Rogers (1939/1979) esclarece que se faz necessário ao psicoterapeuta uma compreensão do ponto de vista de seus clientes, sem que ocorra uma identificação emocional. Nesse momento, uma das qualificações do terapeuta que colaboram para a terapia é sua objetividade. A partir desse caráter objetivo, Rogers (1939/1979) explica que deve existir uma compreensão sem qualquer julgamento moral. Apesar de não representar efetivamente o conceito de compreensão empática, timidamente, essas considerações já indicam a direção em que irá se desenvolver seu pensamento.

Na obra Psicoterapia e Consulta Psicológica, que marca o início de sua proposta inovadora de psicoterapia não diretiva, Rogers (1942/1987) descreve algumas qualidades que tornam a atmosfera da consulta psicológica mais útil. Ao escrever sobre a compreensão necessária por parte do psicoterapeuta, ele a define como "um calor e uma capacidade de resposta por parte do conselheiro que tornam a relação possível e a fazem evoluir gradualmente para um nível afetivo mais profundo" (p. 97). Esclarece, ainda, sobre a importância de o conselheiro não censurar seu paciente, nem ser excessivamente simpático, mantendo uma atitude equilibrada, com o objetivo de afastar o paciente de seus mecanismos de defesa, mostrando-se mais autêntico e permitindo um "melhor enfrentamento de sua realidade" (p. 100).

Apesar da possível relação dessas ideias com o que viria a ser o conceito de compreensão empática, nesse momento Rogers escreve sobre uma atmosfera controlada, demonstrando clareza e precisão sobre a atuação do conselheiro que, citando o próprio Rogers (1942/1987), deve trabalhar com "uma ligação afetiva com limites definidos" (p. 97). Diferentemente do que viria a propor futuramente, nesse período Rogers ainda é influenciado fortemente pela atmosfera americana objetivista e pragmática da época no âmbito do aconselhamento, da psicoterapia e da psicologia. Cerca de dez anos mais tarde, Rogers (1992) desenvolve suas ideias e propõe a Terapia Centrada no Cliente. No aconselhamento, elucida que o orientador deve ter uma atitude empática, com um caráter compreensivo. Os conceitos de empatia e aceitação passam a ter cada vez mais importância na teoria rogeriana.

Nos relacionamentos terapêuticos mais satisfatórios, o terapeuta tem como função assumir, da melhor maneira possível, uma estrutura de referência interna do cliente, para que possa perceber o mundo como o cliente o vê, deixando de lado todos os a prioris, enquanto estiver naquela função, comunicando algo de sua compreensão empática ao cliente (p. 38).

Nesse momento, Rogers (1992) explica que, quando o terapeuta participa da relação com seu cliente fazendo interpretações e avaliando, suas distorções participam com ele, mas quando este tenta compreender o outro de forma completa, é menos provável que ocorram distorções e desajustes; e para que a empatia exista na relação, é importante que o psicoterapeuta esteja atento ao que seu cliente está sentindo. Percebe-se, a partir daí, que a empatia passa a ser citada como uma das atitudes necessárias ao processo psicoterápico. Em 1957, Carl Rogers explana sobre as condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade:

que duas pessoas estejam em contato psicológico; que a primeira (cliente) esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; que a segunda pessoa (terapeuta) esteja congruente ou integrada na relação; que o terapeuta experiencie consideração positiva incondicional pelo cliente; que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do esquema de referência interno do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo (p. 159-160, grifos do autor).

A partir da década de 60, o conceito de empatia passa a se configurar como compreensão empática. Segundo Fontgalland e Moreira (2012), o conceito de compreensão empática, como uma evolução do conceito de empatia, consiste em que o terapeuta seja sensível aos sentimentos e às reações pessoais que o cliente experiência em cada momento. Nesse momento podemos designar a compreensão empática como

quando o terapeuta é sensível aos sentimentos e às significações pessoais que o cliente vivencia a cada momento, quando pode apreendê-los 'de dentro' tal como o paciente os vê, e quando consegue comunicar com êxito alguma coisa dessa compreensão ao paciente (Rogers, 1985, p. 72).

Se o terapeuta compreende os sentimentos do cliente como eles surgem, então há uma grande possibilidade de o processo de psicoterapia ser mais eficaz. E, dessa forma, cada vez mais o cliente se torna ele mesmo, "não uma fachada de conformidade aos outros, não um negação cínica de todos os sentimentos, nem uma frente de racionalidade intelectual [...] ele se torna uma pessoa" (Rogers, 1985, p. 129-130). Sendo assim, esse recurso é um catalisador para que o indivíduo possa se tornar efetivamente aquilo que se é de forma genuína e congruente. Outra consideração importante que Rogers (1977) faz é sobre a condição de como se, visto que não podemos efetivamente ser a outra pessoa para percebermos o seu mundo, mas apenas avaliá-lo como se fôssemos ele: "perceber de maneira empática é perceber o mundo subjetivo do outro 'como se' fôssemos essa pessoa, sem, contudo, jamais perder de vista que se trata de uma situação análoga, 'como se'" (p. 179, grifos do autor).

As décadas de 70 e 80 são definidas por Wood (1995) como um momento em que Rogers esteve voltado para "processos sociais, formação e transformação da cultura" (p. VII). Diferentemente de outros períodos, nesse momento Rogers (1986) afirma que, durante seus anos como terapeuta, pôde ver cada vez com mais clareza que o processo de mudança no cliente é uma recíproca das atitudes do terapeuta. Ele explica que uma pessoa facilitadora pode ajudar na relação quando "se relaciona como uma pessoa real para com outra, possuindo e exprimindo seus próprios sentimentos; [...] e quando compreende com aceitação o mundo interno da outra" (p. 23-24). Rogers (1986) explica a compreensão empática nesse momento como uma "disponibilidade para ouvir" (p. 124) e afirma, ainda, que quando esse processo empático ocorre da melhor maneira, "o terapeuta penetra tanto dentro do mundo privado do outro, que ele pode esclarecer não somente os significados dos quais o cliente está consciente, mas também aqueles que estão imediatamente abaixo do nível da consciência" (Rogers, 1977b, p. 87).

Na fase mais avançada de seu pensamento, Rogers (1977a) não considera mais a compreensão empática como um estado, uma habilidade que deve partir do terapeuta; acredita que ela seja um processo que ocorre entre o terapeuta e seu cliente. Wood (1995) explica que, inicialmente, Rogers realmente definiu a empatia como um estado específico de consciência, o estado de empatia ou ser empático. Segundo Amatuzzi (2010), posteriormente, Carl Rogers começou a perceber a empatia como uma relação entre terapeuta e cliente; a empatia passou a ser, então, definida como compreensão empática e um processo que ocorre entre os envolvidos na psicoterapia: "o conceito de empatia evoluiu de apenas um estado para um processo, sendo mais do que apenas um conceito, mas uma atitude fundamental, uma compreensão profunda, verdadeira e sem julgamentos, por meio de um ver e ouvir verdadeiros" (Fontgalland & Moreira, 2012, p. 52).

Retomada por diferentes autores, sempre comentada e pesquisada, podemos perceber a compreensão empática como um dos conceitos centrais da Abordagem Centrada na Pessoa, o que demonstra a real importância que esse conceito tem na psicoterapia, pois a compreensão empática possibilita que o psicoterapeuta não somente penetre no mundo do cliente, tal como já afirmava Rogers, como se mova na companhia deste, buscando a compreensão de sua experiência vivida (Moreira, 2009).

Neste artigo, buscamos pensar possíveis contribuições que a redução fenomenológica, tal como entendida por Merleau-Ponty, pode vir a fornecer à experiência de ser empático. Buscamos desdobrar principalmente o conceito de compreensão empática presente na denominada fase experiencial, visto que, de acordo com Moreira (2007, 2010) e Fontgalland e Moreira (2012), na fase experiencial a prática clínica de Rogers aproxima-se da tradição fenomenológica, já que passa a focalizar a experiência intersubjetiva, mais do que apenas se focar na pessoa. Algumas das ideias mais pertinentes desse período aparecem na obra Tornar-se Pessoa (1985).

Nesse período, em que as transformações na obra de Carl Rogers foram afetadas pelas contribuições de Gendlin (Rogers, 1977b; Moreira, 2009), o terapeuta confia nos próprios sentimentos, compartilha o mundo interno do cliente, comunica isso a ele e é capaz de revelar seus próprios sentimentos. Moreira (2009) assinala que o contato de Rogers com Gendlin possivelmente contribuiu para que ele passasse do positivismo lógico para uma orientação existencialista em sua fase experiencial.

 

Fenomenologia e redução fenomenológica

A fenomenologia é uma corrente filosófica fundada por Edmund Husserl, visando estabelecer um método de fundamentação da ciência e de constituição da filosofia como ciência rigorosa (Japiassu, 2008). Lyotard (1967) explica que a fenomenologia de Husserl desabrochou na crise do subjetivismo e do irracionalismo (entre o final do século XIX e início do século XX). Segundo Husserl (1990), a fenomenologia consiste em um método da crítica do conhecimento universal das essências, método que é a própria ciência da essência do conhecimento, ou doutrina universal das essências. Husserl criou a fenomenologia como um método descritivo que tinha o objetivo de "voltar às coisas mesmas" (Moreira, 2009, p. 28), realizando uma crítica à ciência positivista, reinante na época, que priorizava exclusivamente o uso da razão.

Caracteriza-se a fenomenologia como uma corrente filosófica que não faz distinção entre o papel atuante do sujeito que conhece - como ocorre no racionalismo - e a influência do objeto conhecido - como ocorre no empirismo. A consciência é sempre consciência de alguma coisa e o objeto é sempre objeto para uma consciência. Para a fenomenologia não existe o objeto em si destacado de uma consciência que o conhece. O objeto é um fenômeno (Carmo, 2000, p. 21).

A fenomenologia de Husserl é retomada posteriormente por Merleau-Ponty. Segundo este filósofo, a fenomenologia é uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo senão a partir de sua facticidade (Merleau-Ponty, 1945/1994). Fenomenologia, na interpretação de Merleau-Ponty, é um método filosófico que tem como objetivo colocar fora de ação os pressupostos que temos normalmente com propósitos científicos e práticos, para voltar ao mundo tal como o experimentamos diretamente na percepção pré-reflexiva (Matthews, 2010).

Nessa perspectiva, na fenomenologia existe um estudo da experiência vivida, que tem como objetivo fundamental descrever o homem no mundo e sua realidade vivida. E para se chegar a esse objetivo se faz necessário pôr entre parênteses qualquer teorização ou pensamento pré-concebido: "pôr entre parênteses consiste primeiro em despedir uma cultura, uma história, retomar todo saber remontado a um não-saber radical" (Lyotard, 1967, p. VII).

Na medida em que a fenomenologia visa a descrever os fenômenos presentes na consciência imediata, faz-se necessário suspender qualquer juízo existente, para se chegar a uma consciência de mundo e experiências imediatas (Japiassu, 2008). Ela consiste na

colocação entre parênteses de tudo aquilo a que a consciência atualmente se refere de imediato como da ordem do ser transcendente [...] a intencionalidade deve buscar distanciar-se de novo, para trás, de todas as suas tomadas de posição ônticas e ontológicas, mas sem que tenha de lançar sobre elas nenhuma negação, tendo apenas de permanecer 'neutra', pois é este o único meio de que dispõe para poder reorientar-se exclusivamente para suas vivências e perguntar-se como tudo lhe pareceu na origem (Huisman, 2001, p. 527, grifos do autor).

Origem do termo em Husserl

Husserl (1990) apresenta a redução fenomenológica como um método transcendental e única via de acesso possível ao tratamento das vivências intencionais (Huisman, 2001). Segundo Husserl (1990), a redução fenomenológica permite o acesso ao modo de consideração transcendental; através daquela, os objetos revelam-se em sua constituição, permitindo que o ser se torne consciência. Capalbo (2003) assinala que Husserl nomeia sua fenomenologia de transcendental por ser uma ciência rigorosa, descritiva, concreta, intuitiva e eidética: "procurava mostrar e explicitar o ser nele mesmo, buscando a essência do vivido" (p. 434). Segundo Lyotard (1967), a redução não é uma operação lógica, mas um passo que dá acesso a um mundo novo da existência. Segundo Husserl,

o que precisa ser mostrado em particular e acima de tudo é que através da epoché [redução fenomenológica] uma nova forma de experienciar, de pensar, de teorizar se abre ao filósofo; aqui situado acima do seu próprio mundo natural e acima do mundo natural (p. 152).

Lyotard (1967) explica que a redução é por ela mesma expressão do eu puro, ou sujeito da redução, o que significa que "o fluxo da vivência que o constitui enquanto ele se aparece a si mesmo não pode ser questionado nem na sua essência, nem na sua existência" (p. 27). Segundo Capalbo (2003), nesse contexto, pode-se acessar o núcleo essencial da experiência vivida.

A fenomenologia de Edmund Husserl não estabelece, e sim antes critica, a dicotomia entre ser e fenômeno, pois o que se mostra de si mesmo em seu ser se mostra à experiência da consciência. E o que ela visa nesta experiência é descrever o ser do fenômeno buscando alcançar o seu núcleo essencial através dos atos da consciência (p. 433).

Merleau-Ponty (1945/1994) assinala que, enquanto para Husserl a redução era apresentada como o retorno a uma consciência transcendental diante da qual o mundo se desdobra em uma transparência absoluta, ele defende a ideia de que "a fenomenologia é uma fenomenologia, estuda a aparição do ser para a consciência, em lugar de supor a sua possibilidade previamente dada" (p. 96).

A redução fenomenológica segundo Merleau-Ponty

Merleau-Ponty tem papel de destaque no pensamento filosófico ocidental; "de maneira geral, causou grande impacto na intelectualidade francesa essa filosofia que se preocupa com o homem muito mais na sua existência do que na sua essência" (Carmo, 2000, p. 13). O homem, para Merleau-Ponty, é pensado em seu meio natural, cultural e histórico, como ser-no-mundo, mais do que como ser ideal (Moreira, 2007).

O pensamento merleau-pontyano procura superar o dualismo entre o sentir e o entender, defendendo a interação entre ambos. Numa relação de conhecimento, é necessário um mergulho no sensível, unindo o sujeito que conhece ao objeto que é conhecido (Carmo, 2000). Merleau-Ponty (1945/1994) escreve que "o primeiro ato filosófico seria retornar ao mundo vivido aquém do mundo objetivo, já que é nele que poderemos compreender tanto o direito como os limites do mundo objetivo" (p. 63). Ainda segundo o filósofo,

tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda (p. III).

A redução fenomenológica, nesse pensamento, "é a resolução não de suprimir, mas de colocar em suspenso, e como que fora de ação, todas as afirmações espontâneas nas quais vivo" (Merleau-Ponty, 1973, p. 30), mas não para negá-las, e sim para compreendê-las. "A fenomenologia realiza uma redução que suspende o 'preconceito do mundo' e dá acesso ao acontecimento pré-empírico da abertura do mundo" (Dupond, 2010, p. 34). A redução fenomenológica é um artifício utilizado para se chegar ao fenômeno mesmo (Moreira, 2009).

Merleau-Ponty (1945/1994) explica que, para ver o mundo e apreendê-lo, é preciso romper nossa familiaridade com ele. "É porque somos do começo ao fim relação ao mundo que a única maneira, para nós, de apercebermo-nos disso é suspender este movimento, recusar-lhe nossa cumplicidade [...] ou ainda colocá-lo fora de jogo" (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. X).

A redução consiste numa atitude de espanto diante do mundo, uma curiosa e admirada indagação. "Não podemos retirar-nos completamente do mundo, mas podemos afrouxar os laços que nos prendem às coisas em nossa lida prática com elas" (Matthews, 2010, p. 28). É preciso colocar algo em suspenso para poder melhor compreendê-lo tal como ele se mostra, mas, como lembra Merleau-Ponty: "o maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa" (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. X). Matthews (2010) adverte para a correta compreensão de redução:

Não se deve tomá-la como uma retirada de todo envolvimento com o mundo para algum tipo de subjetividade absoluta, uma vez que isso é impossível [...] não posso me retirar totalmente para minha própria subjetividade e cortar todos os laços com o mundo do qual tenho consciência [...] Minhas experiências são experiências do mundo e é o mundo que dá sentido às experiências que tenho. Por isso, não posso separar o próprio mundo do mundo enquanto significados para mim (p. 27-28).

Pois, ainda como explana Matthews (2010), temos que estar no mundo antes de começar a refletir sobre ele. Sobre a mundaneidade do homem, Merleau-Ponty (1973) esclarece que

o filósofo, enquanto filósofo, não deve pensar à maneira do homem exterior, deste sujeito psicofísico que estaria no tempo, no espaço, na sociedade, como um objeto numa caixa: pelo simples fato de que ele não quer existir somente, mas existir compreendendo o que faz, é-lhe necessário suspender o conjunto de afirmações implicadas nos dados de fato de sua vida. Suspendê-las, porém, não é negá-las, e, menos ainda, negar o vínculo que nos liga ao mundo físico, social e cultural; ao contrário, é vê-lo e ser dele consciente. É a redução fenomenológica (p. 22).

O pensamento merleau-pontyano - apesar de sua morte prematura em 1961 - se mostra contemporâneo em sua ambiguidade, superando ideias dualistas (Moreira, 2009). Nesse sentido, uma contribuição para o desenvolvimento de uma clínica humanista-fenomenológica consiste em um desenvolvimento fenomenológico do pensamento de Carl Rogers, proposta desenvolvida por Moreira (1993, 1995, 2009, 2010).

 

A contribuição da redução fenomenológica para a experiência de compreensão empática em psicoterapia

Utilizar-se da fenomenologia com o objetivo de contribuir para uma atuação clínica e psicoterápica pode ter grande relevância para os estudos em psicologia humanista. Amatuzzi e Carpes (2010), por exemplo, já haviam buscado relacionar aspectos fenomenológicos na teoria rogeriana, a partir da fenomenologia husserliana. No entanto, "ainda que haja aproximações e afinidades entre a psicologia humanista de Carl Rogers e a fenomenologia, não se pode dizer que o pensamento de Rogers seja fenomenológico" (Moreira, 2009, p. 32), visto que o próprio autor apontou, em diversas ocasiões, que desconhecia filosofia e que somente tardiamente percebeu aproximações com a fenomenologia.

Diante disso, cabe sublinhar que, além de estarmos tratando de campos epistemológicos distintos - a fenomenologia e a psicoterapia - , neste artigo buscamos aprofundar fenomenologicamente a discussão já realizada por Moreira (1993) e Fontgalland e Moreira (2012) em relação à compreensão empática. Trata-se de pensar contribuições possíveis do pensamento merleau-pontyano à atuação clínica em psicologia, na qual "o cuidado de não confundir conceitos e campos é fundamental" (Moreira, 2009, p. 40). O que não impossibilita a utilização do método fenomenológico em psicologia, utilizando-se do "potencial da fenomenologia como método para o desenvolvimento da psicoterapia" (Moreira, 2009, p. 60).

Ainda que não se possa dizer que Rogers fosse fenomenólogo, ele sempre se mostrou aberto a novas contribuições. Não é por acaso que existem tantas vertentes contemporâneas que partem de seu pensamento (Moreira, 2010). Este trabalho consiste em uma contribuição no sentido de desenvolver teoricamente a proposta original rogeriana aprofundando seu potencial fenomenológico, no sentido de uma psicoterapia humanista-fenomenológica (Moreira, 1993, 1995, 2009, 2010).

Segundo Rogers (1977b), para estarmos com o outro empaticamente, devemos "deixar de lado, nestes momentos, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos. Num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu" (p. 73). Essa afirmação está relacionada à redução fenomenológica, visto que nesse contexto precisamos "reencontrar os fenômenos, a camada de experiência viva através da qual primeiramente o outro e as coisas nos são dados" (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. 90). Ou seja, compreender empaticamente seria justamente ter acesso a essa camada de experiência viva do outro em sua alteridade.

Rogers (1985) confirma que é enriquecedor abrir canais através dos quais o outro possa me comunicar, como psicoterapeuta, os seus sentimentos e suas percepções; assim, "consciente de que a compreensão compensa, procuro reduzir as barreiras entre os outros e mim, para que eles possam, se assim o desejarem, revelar-se mais profundamente" (p. 22). Para se captar e refletir sobre a significação pessoal do cliente, é preciso fazer uma abstração de seus próprios valores, sentimentos e necessidades (Rogers, 1977).

Merleau-Ponty (1945/1994) elucida que, para ver o mundo, é preciso romper nossa familiaridade com ele, e é essa a função da redução fenomenológica. Usando essa ideia, como psicoterapeuta, deve-se buscar colocar entre parênteses seus próprios valores, sentimentos, conhecimentos e necessidades, com fins de, deixando de lado seu mundo vivido (seu Lebenswelt), mergulhar no mundo vivido do outro, cliente - sem nunca conseguir fazer isso completamente, já que a redução fenomenológica nunca se completa, como nos lembra Merleau-Ponty (Moreira, 2009).

Na psicoterapia, a redução fenomenológica pode se desenvolver a partir da necessidade de se compreender a realidade existencial vivida do cliente; por exemplo, quando este fala ao psicoterapeuta sobre suas crenças, que podem não ser as mesmas do profissional, "não lhe caberá [ao psicoterapeuta] julgá-las, mas pôr entre parênteses suas próprias crenças e valores para poder penetrar no mundo existencial do paciente" (Moreira, 2009, p. 65).

Pôr em prática a redução fenomenológica na experiência de ser empático no contexto clínico exige, de antemão, que o psicoterapeuta tenha certo nível de contato consigo mesmo, que tenha um funcionamento congruente, que tenha autoconhecimento suficiente sobre seu jeito de funcionar no mundo, com seus limites e potencialidades. Nessa mesma linha, Merleau-Ponty (1973) escreve sobre o filósofo que deve considerar primeiro sua própria vida:

o próprio do filósofo consiste, realmente, em considerar sua própria vida no que ela tem de individual, temporal e condicionado, como uma vida possível entre muitas outras, e, nesta medida, tomar recuo em relação ao que ele é atualmente, a fim de, através do que atualmente é, apreender tudo o que poderia ser, considerando seu personagem empírico apenas como uma das possibilidades de um universo muito mais largo e que está por explorar (p. 22). 

A compreensão empática pode ser muito difícil de ser posta em prática, pois exige a adoção do ponto de vista de outra pessoa (Rogers, 1977), o que só é possível se o psicoterapeuta consegue, de fato, se despojar de seu próprio ponto de vista e aceitar incondicionalmente o jeito de ser de seu cliente, ainda que momentaneamente na situação da relação psicoterapeuta-cliente-mundo. Rogers (1985) questiona-se:

poderei permitir-me entrar completamente no mundo dos sentimentos do outro e das suas concepções pessoais e vê-los como ele os vê? Poderei entrar no seu universo interior tão plenamente que perca todo desejo de avaliá-lo ou julgá-lo? Poderei entrar com suficiente delicadeza para me movimentar livremente, sem esmagar significações que lhe são preciosas? Poderei compreender esse universo tão precisamente que apreenda, não apenas as significações da sua experiência que são evidentes para ele, mas também as que são só implícitas e que ele não vê senão obscura e confusamente? Poderei ampliar ilimitadamente essa compreensão? (p. 62)

A redução fenomenológica pode ser utilizada como um recurso facilitador dessa compreensão, já que retornar às coisas mesmas é retornar a um mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala (Merleau-Ponty, 1945/1994), e, portanto, "o eu filosófico tomará recuo em relação a todas as condições de fato, de maneira a percebê-las, e não deixá-las agir à sua revelia" (Merleau-Ponty, 1973, p. 30). Carl Rogers (1985) justifica a grande importância da compreensão empática no processo psicoterapêutico pelo fato de que, quando o psicoterapeuta é capaz de apreender a vivência do que ocorre no mundo interior de seu cliente como este a sente e a vê, então a mudança pode ocorrer. A fenomenologia de Merleau-Ponty não trabalha com essa ideia de um mundo interior ou exterior, mas de um mundo vivido (Lebenswelt) que tem lugar na interseção entre homem e mundo, interior e exterior (Moreira, 2007, 2009).

Apesar dessa diferença epistemológica radical entre os pensamentos de Rogers e Merleau-Ponty no que se refere a sua concepção de homem - Rogers fazendo parte do pensamento dualista cartesiano no campo da psicologia e Merleau-Ponty superando esse dualismo, na filosofia - , é interessante observar como o pensamento de Merleau-Ponty pode ser útil no sentido de ampliar e desenvolver fenomenologicamente o potencial clínico rogeriano, especialmente quando Merleau-Ponty (1945/1994) afirma que ocupar-se da psicologia é necessariamente encontrar abaixo do pensamento objetivo que se move uma primeira abertura às coisas, já que "não há explicação sem compreensão" (p. 164).

Segundo Rogers (1985), uma relação psicoterápica só é significativa à medida que existe, por parte do psicoterapeuta, um desejo contínuo de compreender. "É somente à medida em que compreendo os sentimentos e pensamentos que parecem tão terríveis para você [...] que você se sente realmente livre para explorar todos os cantos recônditos e fendas assustadoras de sua experiência interior" (p. 39, grifos do autor). Podemos tomar a conceituação de Merleau-Ponty (1945/1994) quando nos esclarece que pensamos saber o que é sentir, ver, ouvir, mas somos convidados a retornar às próprias experiências para poder melhor compreendê-las, no sentido de ampliar o significado de compreender.

Lembrando, mais uma vez, que "o maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa" (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. X). Como psicoterapeuta, quando busco perceber o mundo do cliente como se fosse ele (Rogers, 1977), nunca posso esquecer, como já frisava Rogers, o como se, pois

por mais que eu ponha os conteúdos de meu mundo vivido entre parênteses, no sentido de, sendo empática, perceber o mundo vivido do cliente na perspectiva dele, isto nunca se produz completamente, nunca vou livrar-me totalmente de meu próprio Lebenswelt, que me constitui (Moreira, 2009, p. 53).

Conforme Merleau-Ponty (1945/1994), "o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo. Eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável" (p. 18). Assim, como a teoria é fundamental, mas não é completa, ela deverá ser posta entre parênteses, sem ser negada (Moreira, 2009). O psicoterapeuta parte do princípio de que, por mais que ele tenha conhecimentos teóricos sobre as doenças mentais, ou por longa e intensa que seja sua experiência clínica e de vida, o paciente é quem mais sabe a respeito de si mesmo, e "é por isso que voltar à pessoa do paciente e não a uma teorização ou reflexão sobre ele será fundamental para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico" (Moreira, 2009, p. 65).

Suspender não significa negar o vínculo que nos une ao mundo, mas ver o mundo e ter consciência dele com um passo para trás; "trata-se de um artifício para revelar o mundo, colocando a nossa relação com ele em suspenso" (Moreira, 2009, p. 66). A função do terapeuta não é pensar sobre seu cliente, mas junto com ele (Rogers, 1985), visto que o processo psicoterapêutico consiste em que cliente e psicoterapeuta passeiem juntos, de mãos dadas, pelo mundo vivido do cliente (Moreira, 2009).

 

Considerações finais

A fenomenologia de Merleau-Ponty e seu conceito de redução fenomenológica, em especial, tem muito a contribuir para uma prática clínica e psicoterápica humanista-fenomenológica. Tal como descrito neste artigo, a compreensão empática tem um papel fundamental na psicoterapia. Rogers defende que uma compreensão profunda da percepção do cliente pode provocar um processo significativo de transformação no indivíduo. A redução fenomenológica, nesse contexto, pode figurar como um agente potencializador, possibilitando mais intensamente essa compreensão e facilitando sua realização mais profunda.

A redução fenomenológica merleau-pontyana, nessa conjuntura, foi considerada dentro de uma clínica humanista-fenomenológica, já discutida por Moreira (1993, 1995, 2009, 2010), e que tem em sua base um desenvolvimento fenomenológico da psicoterapia de Carl Rogers. O foco deste artigo centrou-se no conceito de "empatia", não por desmerecer as outras considerações rogerianas, mas por ter estabelecido como foco as possíveis contribuições dos temas tratados numa aplicação clínica. Não pretendemos encerrar tais discussões, mas justamente incentivar novas contribuições.

A redução fenomenológica utilizada nesse contexto tem um papel fundamental em psicoterapia, propiciando que, a partir de seu exercício na clínica, o psicoterapeuta consiga compreender de forma mais potente as percepções, vivências e sentimentos experienciados por seu cliente, conseguindo, então, alcançar o mundo vivido do outro e permitindo-se passear por ele, de mãos dadas (Moreira, 2009), sem se perder, julgar ou rejeitar qualquer vivência experimentada.

A redução fenomenológica pode figurar, assim, como um artifício metodológico que, bem utilizado em um contexto psicoterápico, contribui para uma melhor atuação clínica do psicoterapeuta. Ela permite que o terapeuta reduza por alguns momentos conteúdos, impressões e vivências suas, para que o foco possa estar prioritariamente no cliente, que, dessa forma, pode ser mais bem percebido e compreendido.

O fato de o psicoterapeuta colocar entre parênteses, mesmo que nunca completamente, conteúdos pessoais e teóricos facilita que a experiência psicoterápica se firme como um momento em que o foco é a experiência vivida do cliente. Isso não significa que o terapeuta, humano como é, não tenha pensamentos, sensações e sentimentos em relação aos fenômenos que emergem na situação; porém, no espaço e no momento da terapia, são as vivências do cliente que devem ser privilegiadas. Desse modo, realizando a redução fenomenológica, o psicoterapeuta deve estar atento aos conteúdos e percepções pessoais que não interessam ao processo, identificando também quando esses mesmos conteúdos podem ser úteis ao processo psicoterapêutico, no qual a pessoa do psicoterapeuta é um instrumento.

Conforme Merleau-Ponty (1945/1994), quando escreve que a verdadeira filosofia consiste em reaprender a ver o mundo, vale pensar que, na psicoterapia, este objetivo - reaprender a ver (além de sentir, pensar, funcionar e ser-no-mundo) - é possível através da compreensão empática, "uma maneira complexa, exigente e intensa, ainda que sutil e suave" (Moreira, 2009, p. 74), recurso facilitador que na psicoterapia pode ser potencializado fenomenologicamente através da utilização da redução fenomenológica.

 

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 Endereço para correspondência:
Virginia Moreira
virginiamoreira@unifor.br
Rafael Torres
rafaelbrunotorres@gmail.com

Submetido em: 16/07/2012
Revisto em: 13/07/2013
Aceito em: 15/07/2013

 

 

1 Este artigo é um desenvolvimento do projeto de Iniciação Científica "A noção de empatia no pensamento de Carl Rogers", desenvolvido pelo coautor sob a orientação da autora no APHETO - Laboratório de Psicopatologia e Psicoterapia Humanista-Fenomenológica Crítica na Universidade de Fortaleza - UNIFOR no período 2010-2011. Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Ceará - FUNCAP.