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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.2 México ago. 2004

 

ARTÍCULOS

 

Psicodrama: uma abordagem metodológica qualitativa para o estudo da saúde do trabalhador

 

 

Sérgio Roberto de LuccaI*; Maria Luiza Gava SchmidtII**

IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp)
IIUniversidade Estadual Paulista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa propõe como metodologia de estudo qualitativo em saúde a utilização do método psicodramático. Procurou-se por meio deste identificar aspectos das condições e organização do trabalho de uma empresa automatizada e a influência destes na saúde dos trabalhadores. O estudo permitiu mostrar a aplicação do psicodrama no estudo das relações homem-trabalho, tanto no aspecto diagnóstico quanto terapêutico. Procurou-se também revelar a importância de se trabalhar com coletivos e a partir das manifestações destes diagnosticar os indicadores de riscos a saúde. A fundamentação teórica do material coletado foi estruturada com base na literatura científica sobre a “Teoria das Representações Sociais” e na “Psicodinâmica do Trabalho”.

Palavras-chave: Metodologia qualitativa, Psicodrama, Condições, Organização do Trabalho.


ABSTRACT

This research aims to use the psycho dramatic method as a methodology of qualitative study on health. This work intended to identify aspects of the conditions and the organization of work of an automatized company and their influences on the worker’s health. The study made it possible to show the application of psychodrama in the study of man-work relationship, in the diagnostic as well as in the therapeutic. This work also intended to reveal the importance of working in groups and based on their manifestations, diagnose possible dangers to health. The basic ideas here presented were structured based on the theory of scientific literature about social representation and psychodynamic of work theory.

Keywords: Qualitative methodology, Psychodrama, Conditions, Organization of Work.


 

 

I . INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

O mundo do trabalho, especificamente na esfera produtiva, está organizado de maneira a atender o sistema capitalista de produção que por meio de seus modelos de administração tais como: taylorismo, toyotismo, qualidade total, reengenharia, etc..., procura excessivamente a produtividade e o lucro contínuo. Sobre isto, LOPES (2000) afirma que “a ‘eficiência capitalista’ se realiza através da direção, sempre atualizada do processo técnico de produção e da organização social do trabalho. Essa eficiência materializada nos ganhos de produtividade, competitividade e lucro, fundam-se na capacidade de a empresa agenciar e mobilizar a subjetividade operária, antecipando-se às tentativas de resistência ante seus objetivos”. (LOPES, 2000, p. 23)

E para que isso ocorra, as organizações de produção,necessitam instaurar mecanismos de poder (dominação, alienação, assujeitamento, entre outros) . Esses mecanismos de poder que operam no mundo produtivo, visam produzir sujeitos seriais, tendentes a comportamentos repetitivos e padronizados. Segundo LOPES (2000) “a propriedade dos meios de produção e as formas de controle do processo produtivo configuram a dupla dominação que o capital procura manter sobre o trabalho. Essa dominação, para ser eficaz e efetiva, tem de ser constantemente atualizada e reposta sob novas ‘condições”. (LOPES, 2000, p. 22-23)

Neste contexto há um bloqueio da criatividade do trabalhador pois, “na maioria das organizações, a estrutura e funcionamento da máquina administrativa sufoca a espontaneidade e a iniciativa da maioria, durante a maior parte do tempo, predominando a produção de uma subjetividade voltada a adaptação semipassiva ao contexto”. (SOUSA CAMPOS, 2000, p. 31 - 32)

Segundo DEJOURS (1987), nessas condições, há emergência do sofrimento psíquico dos trabalhadores, o que o autor atribui “ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais conforme as suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos - isso é, quando a relação homem-trabalho é bloqueada”. (DEJOURS, 1987, p. 133)

Ainda na opinião desse autor, ”o trabalho repetitivo cria a insatisfação, cujas conseqüências não se limitam a um desgosto particular” (DEJOURS, 1987, p. 133), podendo ser também fonte de doenças somáticas, descompensações mentais e acidentes do trabalho.

Deste modo, o trabalho repetitivo, associado ao ritmo acelerado e a sobrecarga de trabalho, coloca em risco a saúde do trabalhador tanto no aspecto físico quanto mental.

Para DEJOURS (1987) enquanto as condições de trabalho são prejudiciais à saúde do corpo, o funcionamento da organização do trabalho traz conseqüências à saúde tanto física como também mental.

O autor descreve, condições de trabalho como sendo, o “ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc), ambiente químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc), o ambiente biológico (vírus, bactéria, parasitas, fungos), as condições de higiene, de segurança, as características antropométricas do posto de trabalho”. (DEJOURS, 1987, p. 25)

E, designa como parte da organização do trabalho, “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que dela deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade etc... ”. (DEJOURS, 1987, p. 25)

De acordo com COSTA (1981), ”quanto mais intenso for o desgaste da força de trabalho dentro do processo produtivo, maior tenderá a ser o depauperamento da mesma, ou melhor, o desgaste físico e psíquico do operário”. (COSTA, 1981, p. 31)

Diante dessas conceituações, acreditamos que os sistemas automatizados podem trazer sérias conseqüências à saúde física e psíquica dos trabalhadores. E, considerando que são os trabalhadores as grandes vítimas do processo produtivo de modo que estes se defrontam no dia-a-dia com os problemas gerais decorrente das condições e da organização do trabalho buscamos nesta pesquisa um contato mais efetivo com grupos de trabalhadores para juntamente com estes identificar as questões relativas às condições e organização do trabalho e do ambiente onde estes estão inseridos. Para isso os objetivos que nortearam este estudo foram:

• Analisar aspectos das condições e organização de trabalho de uma empresa automatizada e identificar a relação destes com a saúde dos trabalhadores;

• Utilizar o Psicodrama como instrumento de coleta de dados das condições e organização do trabalho; Aplicar jogos e técnicas psicodramáticas em grupos de trabalhadores para identificar as representações dos mesmos acerca das condições e organização do trabalho;

• Interpretar as representações e percepções dos trabalhadores manifestadas por meio das expressões verbais e não verbais;

• Criar um espaço para a mobilização subjetiva e produção das práticas discursivas no contexto de trabalho;

• Promover um espaço para o exercício da criatividade e da espontaneidade, bem como para o desenvolvimento da subjetividade,

• Apresentar à empresa elementos gerais sobre o ambiente de trabalho e seu modo de funcionamento, apontando sugestões para melhoria qualidade de vida de seus trabalhadores;

• Fornecer subsídios para o conhecimento nas questões voltadas à saúde no trabalho, nos aspectos teórico e prático.

 

II. METODOLOGIA

A aplicação da metodologia qualitativa no campo da saúde na concepção de MINAYO (1999) , torna-se importante sobretudo porque, “o objeto ‘Saúde’ oferece um nível possível de ser quantificado mas ultrapassa quando se trata de compreender dimensões profundas e significativas que não conseguem ser aprisionadas em variáveis”. (MINAYO, 1999, p. 251)

Diante disso, a autora propõe que a compreensão qualitativa “é um movimento totalizador que reúne a condição original, o movimento significativo do presente e a intencionalidade em direção do projeto futuro”. (MINAYO, 1999, p. 252)

Ainda, em seus estudos, sobre a aplicação da metodologia qualitativa a autora procura mostrar que é a partir dos indivíduos, dos grupos, ou das classes que “a totalidade fundamental se expressa no perene conúbio entre mente e corpo, matéria e espírito: que na aparente simplicidade de uma manifestação sobre saúde, os sujeitos individuais projetam sua visão de sociedade e de natureza, a historicidade das relações e condições de produção inscritas no seu corpo, seu espaço hodológico, sua temporalidade social, seus infinitos culturais, seus fetiches, seus fantasmas e seus anseios de transcendência”. (MINAYO,1999,p. 252)

Com base nestas colocações, a autora concebe em pesquisa qualitativa o sujeito como ator, ou seja àquele que possui a capacidade de “retratar e refratar” a realidade. E, por isso a interação entre pesquisador e sujeito na abordagem qualitativa é essencial.

Além de colocar o sujeito nesta posição, a autora assinala que a metodologia qualitativa requer referenciais teóricos, instrumentos de coleta de dados que possibilitem a apreensão da realidade, tudo isso somado ao potencial criativo do pesquisador.

Dentre os diferentes instrumentos a serem aplicados em pesquisa qualitativa, MINAYO (1999) cita a entrevista, a observação participante e a discussão em grupo como importantes instrumentos para manifestação das Representações Sociais. Entendendo como Representações Sociais “categorias de pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a”. (MINAYO, 1999, 158)

Dos instrumentos apontados pela autora optamos nessa pesquisa,como instrumento de coleta de dados, pela realização de atividades grupais, por considerarmos ser possível por meio destas a intercomunicação dos participantes e a manifestação coletiva acerca do cotidiano de trabalho.

DEJOURS (1987) ao descrever sobre a metodologia em Psicopatologia do Trabalho focaliza a importância do trabalho em grupo, pois na opinião desse autor a discussão em grupo contribui para elaboração coletiva de temas relacionados a condições e organização do trabalho, e para o diagnóstico dos efeitos nocivos destas duas modalidades à saúde física e psíquica dos trabalhadores. Tomando como objeto de estudo essas duas modalidades (condição e organização do trabalho) DEJOURS (1987) , considerou a metodologia qualitativa a mais adequada para dar conta desses propósitos. Pois, na opinião do autor, instrumentos quantitativos não conseguem dar conta do processo.

A investigação em psicopatologia do trabalho na proposta de DEJOURS (1987) apóia se na psicanálise e, de forma não reducionista baseia as interpretações. Desse modo, a interpretação na vertente dejouriana baseia-se “no que se encontra expresso e representado pelo sujeito na cena do trabalho e no que se parece estar excluído ou contido, aprisionado, emaranhado ou reprimido desta cena”. (DEJOURS, 1987, p. 157)

Neste sentido, para o autor entende a palavra como o meio privilegiado para se trabalhar com pesquisa em psicopatologia do trabalho pois, a partir da fala o sujeito se posiciona quanto a sua relação com o trabalho e denuncia os aspectos relacionados às condições e organização que podem estar agindo de forma nociva à sua saúde. Para isso o autor propõe a construção de espaços coletivos no ambiente de trabalho que possam promover o que ele denominou de Espaço de Mobilização Subjetiva, ou seja, lugar de democratização do poder e do exercício da subjetividade. Neste estudo, optamos por trabalhar com a construção de espaço coletivo, a fim de analisarmos por meio das representações manifestas pelos participantes a relação entre as condições e organização do trabalho e a saúde dos mesmos. . Para o entendimento dessa relação nos baseamos na abordagem metodológica qualitativa, a qual parte do pressuposto de que a realidade da vida cotidiana é socialmente construída e esta, compreendida através da produção de sentidos, entendendo o sentido como sendo: “uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta”. (SPINK et al., 1999, p. 41) .

Considerando a importância da metodologia qualitativa para as questões relacionadas à saúde no trabalho, temos em nossos estudos trabalhado com atividades grupais porém, introduzindo nestas atividades a abordagem psicodramática.

O Psicodrama, é um método psicoterápico criado por JACOB LEVY MORENO nas primeiras décadas do Século XX. É uma metodologia de investigação e intervenção nas relações interpessoais, tendo como premissa básica o desenvolvimento da criatividade e da espontaneidade dos indivíduos. A metodologia facilita ainda, a emergência de conflitos existentes e proporciona a busca de alternativas para resolução dos mesmos.

O Psicodrama tem inúmeras aplicações, sendo este utilizado em diferentes contextos organizacionais e institucionais.

As técnicas psicodramáticas no meio organizacional, tem sido aplicadas por profissionais sobretudo, para o desenvolvimento de atividades de seleção, treinamento, integração e desenvolvimento pessoal e profissional.

Assim, o caráter desse estudo deve-se ao fato de haver pouco referencial teórico com pesquisas em Psicodrama voltadas para o tema Saúde do Trabalhador.

Dada a natureza do tema, representações das condições e organização do trabalho, ficou evidente a necessidade de contarmos com a espontaneidade das manifestações dos participantes e o Psicodrama, diante de seu conteúdo teórico-prático, mostrou-se favorável para o atendimento de nossos objetivos, pois o mesmo é indicado para qualquer ambiente onde exista a necessidade de se trabalhar com grupo.

DEJOURS (1987) ao descrever acerca da metodologia em Psicodinâmica do Trabalho, atenta para a importância da composição dos grupos ser feita por voluntários e, esse foi então o critério por nós adotado. Optamos também por mantermos o anonimato dos participantes, propiciando assim a maior exposição dos mesmos nas atividades. Além, disso fechamos com cada grupo um contrato ético, que abarcou as questões de respeito entre os mesmos, sigilo sobre as discussões, momento em que estes também foram informados dos objetivos da pesquisa e da entrega do relatório aos dirigentes da empresa com apontamentos dos resultados obtidos.

O método psicodramático, tal como concebeu MORENO (1978), apresenta-se dividido em três etapas, a saber: aquecimento, dramatização e comentários. A etapa do aquecimento subdivide-se em: aquecimento inespecífico e específico. Segundo, (MENEGAZZO et al., 1995, 21) “o aquecimento inespecífico começa com cada sessão e termina quando aparece o protagonista” ou seja, aquele que oferece a ação em primeiro lugar. O aquecimento específico começa no momento em que aparece o protagonista e permanece por toda a sessão. Essa primeira etapa, é caracterizada pela introdução de atividades de relaxamento para diminuir os estados de tensão dos participantes e prepará-los para a segunda etapa, ou seja, a dramatização. É, nessa segunda etapa, que há a emergência e identificação dos conflitos.

A terceira etapa, denominada comentários, ou compartilhamento, é a elaboração final da sessão psicodramática, e neste momento se faz o processamento do que emergiu na dramatização.

Para o aquecimento aplicamos jogos psicodramáticos, pois, este instrumento é eficiente para relaxamento, devido ao seu caráter lúdico. E, uma atividade espontânea que favorece a liberdade de expressão.

Segundo MONTEIRO (1994), “o jogo é uma atividade que propicia ao indivíduo expressar livremente as criações de seu mundo interno, realizando-as na forma de representação de um papel, pela produção mental de uma fantasia ou por uma determinada atividade corporal” (MONTEIRO, 1994, p. 21) .

As atividades de jogos foram desenvolvidas com introdução de diferentes Objetos Intermediários, ou seja, diferentes materiais como: música, colagem, figuras, marionetes, máscara, entre outros. Esse tipo de objeto foi denominado por ROJAS-BERMÚDEZ (1970), como intermediário devido a sua função de proteger o indivíduo do temor de ser invadido e permitir que o mesmo se expresse também de forma não verbal. Do ponto de vista psicodramático, esses objetos tem uma característica inócua e portanto, favorecem a expressão.

No final da aplicação de cada jogo, fizemos o compartilhamento solicitando que os participantes relacionassem os resultados dos mesmos com as condições e organização do trabalho. Os discursos dos entrevistados foram então anotados e posteriormente analisados e agrupados por temas. O mesmo procedimento foi feito em relação às cenas criadas e dramatizadas pelos grupos.

Embora, tenhamos utilizado o referencial psicodramático como instrumento de coleta de dados, a fundamentação teórica da análise do material coletado foi estruturada com base na literatura científica sobre a “Teoria das Representações Sociais” e na “Psicodinâmica do Trabalho”.

 

2.1 Local de Coleta de Dados

O local utilizado para coleta de dados foi uma das unidades de produção de uma empresa multinacional de grande porte no ramo industrial, bastante competitiva no mercado (dentro de parâmetros de qualidade e produtividade) e que atua com grande volume de capital.

A escolha da mesma se deu, sobretudo, por suas características como: máquinas automáticas, trabalho em turnos, ilhas de produção, entre outras que atendiam nossos objetivos.

 

2.2 Sujeitos

Participaram das atividades grupais, 39 trabalhadores do setor de produção. Distribuídos respectivamente da seguinte forma: Equipe A, 11 participantes, equipe C, 13 e equipe D, 15 participantes.

 

2.3 Duração

Foram realizadas 6 horas de atividade com cada equipe, divididas em três horas por dia, em dois dias consecutivos.

 

III. RESULTADOS

Após a análise do material coletado, verificamos que alguns temas relativos às condições e a organização do trabalho se repetiram de modo significativo nas manifestações dos participantes sendo estes expressos tanto na forma verbal, como também na forma não verbal, ou seja, através dos desenhos, cartazes, colagens, dramatizações produzidas nas atividades psicodramáticas.

Percebemos então, que tínhamos idéias centrais desses trabalhadores que representavam a percepção de vários sujeitos sobre determinadas questões e, portanto, estas traziam a representação social desse grupo de atores sociais sobre o objeto pesquisado.

Dentre os temas, os resultados apontaram mais manifestações acerca da organização do trabalho do que em relação às condições de trabalho.

Quanto ás condições de trabalho, as manifestações dos participantes revelaram que a percepção destes acerca dos fatores relativos á riscos físicos e químicos do ambiente de trabalho são percebidos enquanto desconforto e não como geradores de doenças ocupacionais.

Dentre os riscos físicos e químicos mais apontados estão: poeira, calor, ruído e vapores químicos.

Algumas questões referentes a higiene e limpeza dos postos de trabalho também foram manifestadas como indicadores de condições desfavoráveis ao ambiente de trabalho.

Os participantes expressaram ainda suas percepções acerca das condições de transporte e alimentação e apresentaram sugestões de melhorias para estes aspectos. No que se refere a organização do trabalho, os dados foram agrupados em tópicos,considerando os itens descritos por DEJOURS (1987) acerca deste aspecto e os temas que sobressaíram nas expressões dos participantes.

• Divisão do Trabalho: Neste item,as manifestações dos participantes centraram-se nas queixas referentes a sobrecarga de trabalho. Na percepção destes, a sobrecarga está associada ao excesso de máquinas por operador, ritmo acelerado da produção e quadro de funcionário reduzido.

Ainda, com relação a forma de divisão das atividades, as manifestações apontaram várias queixas sobre o desvio de função. Percebemos que muitas vezes os trabalhadores são deslocados para outras funções das quais não possuem conhecimento específico para desempenhá-la, nem mesmo treinamento técnico para execução das atividades. O que produz ,o aumento da ansiedade, a dificuldade de adaptação ao novo posto de trabalho, somado ao sentimento de auto-superação para o exercício da tarefa a ser executada, levando assim, os trabalhadores a maior exposição a riscos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

• Processo de Trabalho: As manifestações revelaram que a maneira como o trabalho está organizado, ou seja, ilhas de produção, geram nos trabalhadores o aumento da preocupação com o cumprimento de metas, medo do fracasso, tensão nervosa, isolamento social devido a individualização dos mesmos nas respectivas ilhas. Isso ocorre, basicamente devido ao controle sobre volume, produção e qualidade que cada um tem que cumprir. Esse resultado mostra o que assinalou DEJOURS (1987), “o trabalho taylorizado engendra, definitivamente, mais divisões entre os indivíduos do que pontos de união” (DEJOURS, 1987, p.39). E, sendo assim vemos que as ilhas de produção pela própria estrutura e forma como estão organizadas, contribuem para que os trabalhadores confrontem-se “um por um individualmente e na solidão, às violências da produtividade”. (DEJOURS, 1987, p. 39)

• Conteúdo da Tarefa: Sobre esse item, apreendemos por meio das manifestações dos participantes que há por parte destes, a preocupação excessiva com o fluxo de produção, ou seja, com o cumprimento de prazo, volume, qualidade (padrões de especificação do produto). Há manifestações acerca da percepção dos mesmos de se sentirem robotizados. Manifestam também a falta de conhecimento em relação ao que produzem e o produto final, o que nos revelou que os mesmos não conhecem a própria significação do trabalho. Expressaram indignados de que se fala tanto em qualidade total do produto, se exige tanto a especificação deste, mas, no entanto, desconhecem a relação entre um produto final e o material produzido por eles.

Ainda, com relação ao conteúdo da tarefa, as expressões revelaram como os trabalhadores vivenciam o comportamento produtivo a que estão expostos.A questão do adormecimento intelectual pode ser avaliada pelas sensações manifestadas. Como exemplo disto segue um dos relatos : “Tem operador que toca vinte e duas máquinas numa linha reta, chega uma hora que dá um branco”. Esse discurso e outros semelhantes revelaram a sensação de adormecimento intelectual, marcada pelo condicionamento ao comportamento repetitivo.

• Relações Interpessoais: Os participantes manifestaram que as relações entre os colegas de trabalho são harmoniosas e sentem uma forte união entre os trabalhadores de uma mesma equipe. Associam os focos de conflitos interpessoais à competição entre os turnos e relacionam isto ao controle de produtividade que é feita por turno. Segundo os mesmos mesmo a empresa não divulgando a produção de cada turno, os trabalhadores conseguem fazer essa avaliação através de seus próprios conhecimentos.

Ainda quanto às relações interpessoais, no que tange as relações hierárquicas, as manifestações denotaram que os conflitos entre chefias e subordinados surgem basicamente da pressão dos dirigentes na execução das atividades.

• Treinamentos Técnicos e de Segurança: Quanto a este item, os participantes manifestaram muitas queixas relativas tanto a falta, quanto a falha dos treinamentos técnicos e de segurança, e associam isto ao aumento de riscos de sofrerem acidentes do trabalho.

• Horário de Trabalho: As manifestações acerca deste item revelaram que o horário à que os participantes estão submetidos; trabalho em turno, regime de seis dias de trabalho e dois de descanso e, oito horas diárias de trabalho, é considerado pelos mesmos desgastantes. Quanto a isto, os mesmos manifestaram também: falta de adaptação aos horários de turno, dificuldade de sono, dificuldade de manter a atenção, nervosismo, dores de cabeça, irritação, queimação no estômago e, conflitos sócio-familiares relacionados ao horário de trabalho.

• Política de Desenvolvimento Profissional: Por meio das atividades foram reveladas queixas quanto a insatisfação e frustração devido a: falta de reconhecimento profissional, falta de perspectiva de ascensão profissional, associadas a falta de um Plano de Carreira. Além de queixa sobre a falta de espaço para tomada de decisão.

DEJOURS (1987), ao definir aspectos a serem avaliados na organização do trabalho, cita ainda as Relações de Poder. Desse modo, procuramos também neste estudo apontar alguns mecanismos de objetivação por meio dos quais estas relações se estruturam. A medida que os participantes foram se mobilizando ,foram também revelando o que sentem em relação ao contexto do trabalho. E, o que eles revelaram sentir foi o que os mesmos denominaram de pressão.E, diante das manifestações sobre as formas pelas quais estes se sentem pressionados pudemos avaliar algumas tecnologias de poder que sustentam a organização de trabalho da empresa em questão.

As tecnologias de poder que pudermos verificar foram: as que sustentem a dominação, as que sustentam a normatização, as que sustentam o processo de assujeitamento e as tecnologias de si. Estas a nosso ver, estão fortemente engendrados na organização do trabalho e, por meio de seus dispositivos conduzem o funcionamento desta.

A dominação advém dos dispositivos de alienação e de submissão às ordens de comando para o cumprimento de metas de produção, qualidade e volume.

O exercício do poder por sua vez, atua também por meio das tecnologias que sustentam a normatização tais como: padronização e especificação do produto na qual o sistema controlador faz-se presente e a vigilância perpassa os limites do olhar do outro, produzindo nos sujeitos a vigilância sobre si mesmo, na medida em que os trabalhadores assumem a total responsabilidade pela produtividade dentro das metas exigidas.

Encontramo-nos então, com o sujeito assujeitado do mundo da produção, e pudemos verificar algumas das tecnologias de poder que sustentam esse assujeitamento. Dentre estas estão: o comportamento estereotipado do trabalhador robotizado em função do ritmo á que está submetido; o trabalhador temorizado com o fracasso e não superação das metas de produção, o trabalhador modelado de acordo com o desejo do próprio sistema, o trabalhador colado a uma identidade para atender o desejo do outro e para garantir a sua própria sobrevivência. Enfim, o trabalhador cujo processo de subjetivação não encontra vazão e sim obrigação de objetivar-se.

As relações de poder engendram-se também por meio das tecnologias de si, aquelas exercidas por dispositivos que incitam o medo tais como: aumento da responsabilidade sobre si mesmo, incitação da angústia, incorporação de metas, técnicas de exame e controle, preocupação, ansiedade, entre outras.

 

IV. CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO

A pesquisa foi realizada como requisito para obtenção do título de Doutorado, junto ao Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva / Área Saúde Ocupacional, da Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP.

Embora, houvesse necessidade de um estudo de campo, para a pesquisa tivesse uma sólida base empírica, teríamos então, que entrar em contato com os trabalhadores para a partir das manifestações destes chegarmos aos resultados.

Contudo, nossa preocupação desde o primeiro momento, foi desenvolver uma pesquisa sem fazer do sujeito, um assujeitado e sim participante do processo. Para isso a metodologia psicodramática revelou-se satisfatória pois, no espaço psicodramático os indivíduos reafirmam-se enquanto si mesmos e Reencontram-se.

Após a coleta de dados assinalamos os pontos essenciais denunciados pelos participantes e a partir deste elaboramos um relatório diagnóstico acerca dos problemas relativos as condições e organização do trabalho. Então, em devolutiva à empresa este foi apresentado e discutido com os dirigentes, e estes após tomarem conhecimento dessas questões implementaram melhorias no ambiente de trabalho. Dessa forma, vemos que isto se caracterizou numa efetividade do retorno social desta pesquisa.

Teoricamente a pesquisa contribuiu também para mostrar a importância do Psicodrama como instrumento de diagnóstico para as questões relacionadas a Psicodinâmica do trabalho, sobretudo, para investigação das condições e organização do trabalho.

Além disso, colocamos em questão, um novo modelo de instrumento de coleta de dados em pesquisa qualitativa, na medida em que houve nesta uma efetiva participação de um grupo de atores sociais.

A pesquisa oferece ainda, insumos para formação de profissionais psicodramatistas, especificamente no campo de aplicação do Psicodrama Organizacional, para que estes possam fazer uso deste método no que tange a melhoria da qualidade de vida da população trabalhadora, através do diagnóstico das condições e organização do trabalho e, a partir destes oferecer subsídios que contribuíram para redução de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho.

 

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos os significados trazidos pelos trabalhadores participantes deste estudo procuramos entender as práticas discursivas que atravessam o cotidiano desses. Entendendo que, “na Representação Social expressada através do Discurso do Sujeito Coletivo, os indivíduos pertencentes à coletividade geradora de representação social deixam de ser indivíduos para se transmutarem, se dissolverem e se incorporarem num ou em vários discursos coletivos que os expressam e à dita representação” (LEFÈVRE; LEFÈVRE & TEIXEIRA, 2000, p. 29).

Frente a estas colocações, buscamos nesta pesquisa entender tanto as práticas discursivas que atravessam o cotidiano dos trabalhadores bem como os repertórios interpretativos utilizados nas produções discursivas desses sujeitos. Considerando para isso que, a circulação dos repertórios produzidos derivam, sobretudo, de um contexto marcado pela temporalidade, ou seja, o momento histórico, a circunstância, o estilo dos sujeitos e os seus sentimentos, emoções, conflitos e principalmente as representações que marcam a realidade desse momento vivenciado pelos participantes, o que prescreve as características de singularidade do material coletado.

Os trabalhadores, participantes deste estudo, reconhecem a existência da relação entre as condições e organização do trabalho e a influência disso à saúde física e mental.

Os participantes manifestaram por meio das atividades psicodramáticas, a necessidade de mudança no contexto do trabalho e apontaram sugestões para que essas fossem implementadas. O que ressalta a importância desse método para o desenvolvimento da capacidade de análise, manifestação dos interesses do grupo bem como para a descoberta do potencial grupa.

A possibilidade de um espaço de fala, conforme descreve DEJOURS, foi bem aceita pelos participantes. Mas do nosso ponto de vista, e diante desta experiência com o Método Psicodramático percebemos que este além de possibilitar esse espaço, torna-se terapêutico, pois, ao favorecer o desenvolvimento da criatividade e da espontaneidade bloqueadas pela organização do trabalho.

Diferentemente de outros métodos qualitativos, o trabalho com grupos utilizando-se a aplicação do método psicodramático mostrou-se eficiente por apresentar um resultado imediato. Ou seja, enquanto outros instrumentos produzem um resultado a curto, médio ou longo prazo, por ser constituída em etapas de coleta, análise de dados para posterior proposta de ação. O Psicodrama, devido a sua própria característica metodologia prima por um resultado imediato que ocorre no “aqui agora” da sessão.

Finalizando, encerramos este artigo frisando que no estudo dos aspectos psicodinâmicos da relação homem-trabalho, a espontaneidade necessita ser resgatada, pois, para intervir de modo eficiente, é preciso criar uma situação nova, para que os trabalhadores possam denunciar mais do que eles já denunciaram, permitindo ao pesquisador entender profundamente como se encontra a relação com o trabalho, de modo que possa por meio deste material construir com os próprios trabalhadores, condições estabilizadoras que neutralizam o sofrimento psíquico desta relação e que dêem vazão para o desejo. No espaço psicodramático é possível o trabalhador refletir sobre os seus conflitos no cotidiano do trabalho e desenvolver a percepção e si e do outro, diminuindo assim, à distância entre o ser humano e o sujeito robotizado. As estruturas psíquicas bloqueadas pela produção de comportamentos estereotipados do mundo produtivo têm no psicodrama um espaço para serem desenvolvidas.

Diante de todo exposto, finalizamos dizendo que o método psicodramático neste estudo, revelou sua eficácia tanto como diagnóstico, como também terapêutica, sendo esta última manifesta também pelos participantes .Na opinião dos mesmos as atividades promoveram o espaço de fala, escuta, desenvolvimento da percepção de si e do outro ,bem como possibilitou reflexões sobre o cotidiano de trabalho e, sobretudo, contribuiu para melhorias em alguns aspectos relacionados às condições e organização do trabalho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Endereço para correspondência
E-mail: lucca@aso.fcm.unicamp.br / mlschmidt@uol.com.br

 

 

*Professor Assistente Doutor do Departamento de Medicina Preventiva e Social – Área de Saúde Ocupacional – Unicamp
**Professora e Supervisora de Estágio do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da Unesp, Câmpus de Assis.

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