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Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.16 no.2 Juiz de Fora mayo/ago. 2022

https://doi.org/10.34019/1982-1247.2022.v16.31322 

ARTIGOS

 

Profissionais de saúde e COVID-19: saúde mental e redes sociais significativas

 

Health professionals and COVID-19: mental health and significant social networks

 

Profesionales de la salud y COVID-19: salud mental y redes sociales significativas

 

 

Gabriela Sarturi RigãoI; Andressa Nascimento dos SantosII; Carolina Schmitt ColoméIII; Caroline Rubin Rossato PereiraIV; Jana Gonçalves ZappeV

IUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: gabrielasarturi4@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8107-3639
IIUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: snascimentoandressa@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8208-1435
IIIUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: carolcolome@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2855-4940
IVUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: carolinerrp@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9861-8391
VUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: janazappe@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4452-643X

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar a relação entre a saúde mental e as redes sociais significativas dos profissionais da saúde atuantes nas linhas de frente no enfrentamento da COVID-19. Por meio de análise documental de reportagens disponíveis em acesso midiático, articulam-se reflexões nas categorias: a) Saúde mental e sofrimento psíquico; b) Isolamento social e distanciamento das redes sociais significativas e; c) Estratégias de cuidado. Apesar da recomendação referente ao distanciamento social, sabe-se que os laços sociais são protetivos em situações de estresse e medo. Portanto, destacam-se estratégias de fortalecimento das redes, a abertura de espaços de escuta e a manutenção de vínculos.

Palavras-chave: Saúde Mental; Profissionais da Saúde; Redes Sociais Significativas; COVID-19.


ABSTRACT

This study aimed to investigate the relationship between mental health and significant social networks of health professionals which are frontline workers in the COVID-19 scenario. Through documentary analysis of reports available for media access, reflections are articulated in the categories: a) Mental health and psychological suffering; b) Social isolation and distancing from significant social networks and c) Care strategies. Despite the recommendation regarding social distancing, it is known that social ties are protective in situations of stress and fear. Therefore, strategies to strengthen networks, the opening of listening spaces and the maintenance of bonds stand out.

Keywords: Mental Health; Health professionals; Significant Social Networks; COVID-19.


RESUMEN

Este estudio buscó investigar sobre la salud mental y las redes sociales significativas de profesionales de la salud que trabajan en primera línea para hacer frente al COVID-19. Mediante el análisis documental de los informes disponibles en los medios de comunicación, se articulan reflexiones en las categorías: (a) Salud mental y sufrimiento psíquico; (b) Aislamiento social y distanciamiento de redes sociales significativas y (c) Estrategias de cuidado. A pesar de la recomendación del distanciamiento social, se sabe que los lazos sociales son protectores en situaciones de estrés y miedo. Por lo tanto, se destacan las estrategias para fortalecer las redes, la apertura de espacios de escucha y el mantenimiento de vínculos.

Palabras clave: Salud Mental; Profesionales de la Salud; Redes Sociales Significativas; COVID-19


 

 

De acordo com o Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em julho de 2020, até o dia 18 do referido mês, foram constatados, em nível mundial, 14.044.872 casos confirmados e 597.148 óbitos causados pela COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. COVID significa COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto "19" se refere a 2019, quando os primeiros casos em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês no final de dezembro. Essa nomenclatura passou a ser utilizada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir de fevereiro de 2020 (Fiocruz, 2020). No Brasil, até final de agosto de 2020, haviam sido confirmados 3.846.153 casos e 120.462 óbitos relativos à doença (Ministério da Saúde, 2020a).

Surtos repentinos no âmbito da saúde pública, como é o caso da atual COVID-19, assim como da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) de 2002 e 2003, da Influenza H1N1 de 2009, do Ebola de 2013 e do vírus Zika de 2016, trazem grandes desafios e demandas à população atingida em termos de saúde mental (Zhang, Wu, Zhao, & Zhang, 2020). Os efeitos psicossociais da pandemia do COVID-19 estão sendo identificados em grande alcance em todo o mundo, o que desencadeia repercussões psicológicas e emocionais na população (Pakpour & Griffiths, 2020). Sentimentos como pânico, medo e ansiedade podem se tornar mais frequentes nesse cenário, mobilizando a população e exigindo providências e estratégias de enfrentamento. Assim, para além do adoecimento físico, surge a ameaça do adoecimento psicológico e emocional, trazendo o alerta para que profissionais da saúde mental, envolvendo as áreas de psicologia, terapia ocupacional e psiquiatria, por exemplo, façam parte das equipes de enfrentamento e participem de intervenções direcionadas aos pacientes, famílias, comunidades e demais profissionais atuantes.

Nesse contexto, torna-se imprescindível considerar e refletir acerca da saúde mental dos profissionais de saúde atuantes na chamada "linha de frente" do combate à COVID-19. Uma vez caracterizados como fonte importante e indispensável para o apoio e a manutenção da saúde física, pessoal e emocional da população, configuram-se, também, como grupo social que necessita de suporte da mesma natureza (Zhang et al., 2020). Considerando que o profissional da saúde compõe uma das classes trabalhadoras mais afetadas pelo estresse, destaca-se a relevância de aliviar as cargas de pressão do trabalho, entendendo as redes sociais significativas de cada indivíduo como uma importante ferramenta de suporte, uma vez que se caracterizam por serem depositárias de cuidado (Azevedo, Silva, & Reis, 2019; Oliveira & Cunha, 2014).

Antes de continuarmos, chamamos a atenção para a expressão "profissionais das linhas de frente" sendo amplamente empregada nas mídias jornalísticas para descrever os profissionais que atuam no tratamento aos pacientes acometidos pelo COVID-19. Trata-se, então, de uma guerra? Dadas as particularidades de cada caso, poder-se-ia afirmar que os profissionais de saúde que atuam em contato direto com pacientes infectados equivaleriam aos soldados nos campos de batalha? Considerando a presença contínua da ameaça à vida, do medo da morte e da própria morte em si, respondemos que sim. E, partindo dessa consideração, lembramo-nos das cartas trocadas por Sigmund Freud e Albert Einstein, em 1932, sob o cenário instaurado a partir da Primeira Guerra Mundial, em que discutiam o contexto, as motivações e possíveis formas de enfrentamento à situação de guerra. Assim, seguindo as formulações de Freud e Einstein, nos atrevemos a sugerir que, da mesma forma como antes, atualmente a melhor "estratégia de combate" contra os horrores que a guerra traz continua sendo o acionamento das redes afetivas que nos unem: "Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra", diz Freud (1931-1932, p. 8).

Dessa forma, partindo dessas reflexões, destacamos a importância e o lugar das redes sociais significativas - também denominadas "redes pessoais significativas" -, as quais se caracterizam como "a soma de todas as pessoas que o indivíduo percebe ou sente como significativas no universo relacional no qual está inserido" (Sluzki, 1997, p. 42). A rede social significativa corresponderia ao que o autor denomina como "micro" rede social, ou seja, aquela que corresponde ao nicho interpessoal de cada sujeito, composto de pessoas que se considera importantes e diferenciadas das demais. Em contrapartida, como conceito mais amplo, o "universo relacional" inclui a comunidade, a sociedade e a cultura das quais cada indivíduo faz parte, abrangendo os contextos históricos, políticos, econômicos, de existência ou carência de serviços públicos, por exemplo (Sluzki, 1997). Ainda, a rede social significativa indica grande relevância na consideração dos processos de promoção de bem-estar, integração psicossocial, desenvolvimento da identidade e de capacidade de adaptação a situações difíceis.

De acordo com Sluzki (1997), há uma correlação direta entre a qualidade da rede social e a qualidade da saúde de um indivíduo, destacando-se, ainda, a importância do suporte que a rede pessoal significativa de cada sujeito pode lhe oferecer durante um momento de crise. Além de promover a saúde, a rede auxilia no desenvolvimento da autoestima e possibilita construir vivências capazes de promover o enfrentamento das lutas diárias. Ainda, desempenha um papel de proteção e estabilidade, proporcionando um ambiente confiável e participativo aos sujeitos a ela relacionados (Azevedo et al., 2019).

Entretanto, frente à situação de pandemia em que nos encontramos, o isolamento social tem sido uma das principais recomendações do Ministério da Saúde para reduzir a transmissão do patógeno, a qual se dá por meio do contato interpessoal, tendo sido regulamentada a medida de quarentena no território nacional, a partir da Portaria nº 356, de 11 de março de 2020 (Ministério da Saúde, 2020b). Assim, toda a população deve seguir as recomendações e orientações de afastamento social, buscando preservar os mais vulneráveis, para que o vírus não seja veiculado até eles. Frente a esse cenário, por estarem cotidianamente expostos à doença, os profissionais atuantes no tratamento dos pacientes acometidos pelo coronavírus são, por vezes, impedidos de manterem contato físico e interpessoal com suas famílias, amigos e serviços, os quais costumam representar grande parte da rede social significativa de um indivíduo. Com a finalidade de proteger aqueles que amam, acabam por se afastar dos mesmos. Contudo, considerando que se encontram também expostos a grandes níveis de estresse e ansiedade, a proximidade com as redes pessoais seria de muita importância e valia em termos da manutenção da saúde mental e do enfrentamento do sofrimento psíquico dos profissionais.

Por fim, destacamos o importante papel da mídia nesse momento de pandemia, considerando que ela não apenas nos apresenta a realidade, mas também participa de sua construção. Por meio da mídia compreendemos se algo existe ou não, fazemos julgamentos positivos e negativos, formamos nossas opiniões e conhecemos diferentes contextos. Ela está presente em nossas conversas, em nossas casas, tendo grande influência na nossa subjetividade e nas representações que fazemos da sociedade. Conforme Guareschi, Romanzini e Grassi (2008), é justamente por meio das representações sociais que os veículos de comunicação desempenham o papel de influenciar ou esclarecer teorias científicas, ideologias e experiências vivenciadas no cotidiano, uma vez que todos os dias somos cercados por informações que tentam criar, mudar ou fixar nossas atitudes ou opiniões. Além disso, durante a pandemia, ainda podemos dizer que houve uma maior aproximação entre a mídia e os profissionais da saúde, pois se mostrou necessário acessar as informações sobre ciência por meio daqueles que a produzem e que enfrentam a diretamente a realidade da pandemia. Tais considerações nos levam às seguintes questões: Como está sendo retratada nas mídias jornalísticas a saúde mental dos profissionais que atuam nas linhas de frente do combate da COVID-19? Qual a relação dos profissionais da linha de frente com suas redes sociais significativas nesse momento?

Tendo isso em vista, o presente estudo se propõe a refletir, de modo especial, sobre as redes sociais significativas dos profissionais que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, considerando-as essenciais na construção da subjetividade e da identidade dos sujeitos, e relacionando-as ao processo de trabalho, bem-estar e saúde emocional desses profissionais. Leva-se em conta a repercussão da atual situação de pandemia, em âmbito individual, coletivo e organizacional, considerando que os profissionais precisam estar em boas condições físicas e emocionais para que possam desempenhar um serviço de qualidade.

 

Método

Optamos por utilizar a estratégia metodológica de análise documental, a fim de acessar e analisar informações que ainda não haviam sido tratadas científica ou analiticamente, como é o caso de materiais jornalísticos, depoimentos e reportagens divulgadas em veículos de informação midiáticos. Assim, foram selecionadas reportagens que abordam a temática da saúde mental dos profissionais no contexto foco do estudo, publicadas no período de março a setembro de 2020. As reportagens foram provenientes dos jornais eletrônicos El País (Edição Brasileira), O Globo, Pública, Portal de Notícias G1 e UOL, que foram selecionados através de uma busca exploratória considerando os seguintes critérios: 1) ser um veículo jornalístico oficial; 2) disponibilizar conteúdo online de acesso aberto e; 3) abordar o tema da pesquisa: saúde mental e redes sociais significativas de profissionais da saúde no enfrentamento do COVID-19. Como destaca Gil (2010), dentre as vantagens da escolha por pesquisar documentos, está a não exigência do contato direto com o objeto de pesquisa, o que, no momento, adequa-se às recomendações de isolamento social. Assim, por meio dos jornais eletrônicos, pudemos ter acesso a uma diversidade de depoimentos de diferentes profissionais da saúde.

Para a análise qualitativa, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo (Minayo, 2011), que pressupõe leitura e releitura detalhadas do material a ser estudado, a fim de que se identifiquem categorias temáticas emergentes do próprio conteúdo explorado. Dessa forma, foram elencadas três categorias: a) Saúde mental e sofrimento psíquico; b) Isolamento social e distanciamento das redes sociais significativas e; c) Estratégias de cuidado. Das 10 reportagens analisadas, quatro abordaram a categoria um, quatro a categoria dois, e três a categoria três. Além disso, uma reportagem abordou ao mesmo tempo a categoria um e três. Pretendeu-se, dessa forma, articular tais fontes de conteúdo com publicações científicas acerca da temática, assim como com as portarias e normativas que estão sendo desenvolvidas para administração da situação de crise em que o mundo se encontra (Lemos, Galindo, Reis Júnior, Moreira, & Borges, 2015).

Esse estudo teve como base epistemológica o Pensamento Sistêmico, considerando os pressupostos de complexidade, instabilidade e intersubjetividade apontados por Vasconcellos (2002). Segundo tal paradigma, a complexidade requer do pesquisador uma ampliação do foco, a fim de se considerar as diversas circunstâncias em que o fenômeno acontece, contextualizando-o. Consideramos que pensar em termos de redes sociais, considerando as diferentes relações vivenciadas pelos profissionais de saúde (relações familiares, de trabalho, de responsabilidade ético-profissional-social, por exemplo) imersas em um contexto de pandemia mundial, consiste em uma forma de legitimar a complexidade de tais reflexões. Já a instabilidade se refere à constante mudança a qual o fenômeno está suscetível. Ao considerarmos que nada "é", mas "está", destacamos o caráter dinâmico e processual da situação em que nos encontramos/pesquisamos. O que nos leva, por fim, à ideia de intersubjetividade, que diz da participação do pesquisador no fenômeno pesquisado, reconhecendo que não pode haver uma verdade a ser conhecida, mas que diferentes verdades são construídas pelas diferentes visões de mundo dos diferentes pesquisadores. Dessa forma, ressaltamos que as discussões e interpretações realizadas neste estudo se encontram inevitavelmente atravessadas pelos nossos olhares, leituras e perspectivas, bem como pelos olhares, leituras e perspectivas dos autores do material escolhido por nós para análise (o que nos remete novamente ao conceito de complexidade).

 

Resultados e Discussão

Saúde mental e sofrimento psíquico.

Em reportagem de Amaral et al. (2020) noticiada pela agência de jornalismo Pública no final de março de 2020, diversos profissionais da saúde, dentre os quais médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem relataram o sofrimento emocional concernente ao medo da contaminação: "Pessoalmente, estou extremamente abalada, com medo de contaminar minha família ou qualquer outra pessoa. Não tenho conseguido dormir e meus colegas fazem o mesmo relato", "Quem está na ponta [profissionais atuantes da linha de frente] está morrendo de medo de adoecer", "Nós estamos passando um medo muito grande dentro do hospital nessa situação de coronavírus", "Enquanto trabalhadores, estamos com medo, lidamos com técnicos de enfermagem e agentes de saúde com medo, e temos que trabalhar para lidar com o stress e a fadiga dos trabalhadores". Tais relatos demonstram o caráter paralisador e terrificante do medo, que pode inclusive funcionar como gatilho para diversas demandas relacionadas a psicopatologias e sofrimento psíquico, como confirma um dos profissionais entrevistados: "Os casos de ansiedade e síndrome do pânico estão começando, então a previsão é um aumento de casos de saúde mental".

Os relatos vão ao encontro do que propõem Li, Wang, Xue, Zhao e Zhu (2020), afirmando que a incerteza na qual a COVID-19 nos submerge não diz respeito apenas à ameaça da saúde física das pessoas, mas também da saúde mental. Neste estudo, realizado por pesquisadores chineses, foram analisadas postagens de 17.865 usuários ativos na rede social Weibo, examinando as diferenças no conteúdo das mesmas antes e após a declaração do COVID-19 em 20 de janeiro de 2020. Foi possível identificar o crescimento de emoções como a ansiedade e tristeza, além de preocupação com a família e com a sua própria saúde, além de incerteza e medo do futuro.

Seguindo essa linha e corroborando os depoimentos, de acordo com Pakpour e Griffiths (2020), o medo se caracteriza como um aspecto psicológico comumente desencadeado por situações extraordinárias como surtos de doenças, tendo se destacado frente à pandemia de COVID-19. Nesse sentido, um fator que pode agravar o medo se refere à falta de preparo para o enfrentamento da doença. Câmara (2020), em reportagem para o UOL, em março de 2020, publicou um relato sobre as condições de atuação de profissionais da saúde no combate ao coronavírus, destacando que os mesmos vivenciam jornadas exaustivas, falta de protocolo, de equipamentos de proteção e ausência de treinamento prévio para a realização dos procedimentos necessários para lidar com a nova doença. Podemos evidenciar essas questões a partir do relato de um dos profissionais entrevistados em uma reportagem:

As pessoas estão todas nervosas, a gente fica inseguro e trabalha com medo. Quando chegou ao hospital o primeiro paciente com sintomas do novo coronavírus, não tínhamos sido treinados para lidar com essa situação e estávamos usando máscara cirúrgica, que não é recomendada nesses casos (Câmara, 2020).

Entretanto, Pakpour e Griffiths (2020) também referem um aspecto positivo relacionado ao medo, envolvendo ações preventivas e de autocuidado por ele desencadeadas. Segundo os autores, os indivíduos se preocupam mais com a prevenção a partir da percepção de ameaças graves, como é o caso da pandemia, o que poderia atuar como fator motivacional para comportamentos que previnam a transmissão e o contágio do coronavírus. A partir de reportagem de Knoploch (2020), publicada pelo O Globo também em março, pode-se observar tal movimento por meio do depoimento de uma enfermeira que relata ter tido de ir morar longe dos pais, de 78 e 86 anos:

Se ele [pai da profissional] pega isso, não aguenta. Eu tinha medo de fazer uma besteira sem querer, descuidar de algo e contaminá-los [seus pais]. Estava ficando paranoica, com uma neurose muito ruim, para dar conta de tudo. Até conduzia de uma forma adequada quando as coisas estavam mais lentas, mas, agora que está ficando mais grave, tenho medo. Chegava em casa, e tinha de tomar conta de tudo, do sapato, roupas, mãos, de não ter contato com os meus pais antes de tomar banho e me higienizar. Estava até andando de máscara em casa porque não sei se estou contaminada. Não aguentava mais. Estava muito arriscado (Knoploch, 2020).

Assim, é possível constatar que, por mais sofrimento que pudesse causar estar longe da família, prevaleceu o sofrimento gerado pelo medo de contaminá-los, acarretando uma ação de prevenção significativa. Ainda sobre o efeito ambivalente do medo, Eberle e Casali (2012), que realizaram um estudo de caso acerca de uma crise organizacional ocorrida em um hospital no cenário da gripe H1N1, relataram que os sentimentos de medo e pânico relativos ao adoecimento contribuíram para que muitos funcionários construíssem um sentido plausível de que aquela situação era de extremo risco. Em função disso, muitos deixaram de realizar tanto atividades cotidianas como atividades profissionais, as quais poderiam trazer risco de exposição à contaminação. Assim, enquanto efeitos do medo, pode-se assinalar implicações tanto positivas - em relação à prevenção - quanto negativas - em função do afastamento dos profissionais e do prejuízo no desempenho das atividades do hospital.

Seguindo a discussão, destacamos as reflexões de Greenberg, Docherty, Gnanapragasam e Wessely (2020), que apontam para os possíveis efeitos psicológicos negativos que podem advir da necessidade de tomadas de decisões por parte dos profissionais da saúde, as quais envolvem alocar recursos escassos para pacientes carentes. As difíceis condições de trabalho e de atenção à saúde dos pacientes infectados pelo coronavírus coloca os profissionais sob pressões extremas. Como podem equilibrar suas próprias necessidades de saúde física e mental com a dos pacientes? Como alinhar seu desejo de ver seus familiares e amigos com o dever que têm para com eles, os pacientes e a sociedade? Como prestar assistência para todos os pacientes gravemente doentes, considerando os recursos limitados? Tais questões trazem consigo um potencial de adoecimento psíquico para os profissionais. Acerca desse assunto, apresentamos um depoimento de um enfermeiro, noticiado em uma reportagem divulgada pela Pública em março de 2020: "É frustrante, deprimente e agonizante saber que vai ter tubo para um e não vai ter para outro É algo que eu não quero nem pensar agora, vai ser muito dano psicológico [para os profissionais da saúde]" (Amaral et al., 2020).

Deve-se atentar, também, à possibilidade de sobrecarga de trabalho potencializada devido a medidas de afastamento de profissionais que pertençam ao grupo de risco. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) define, em Boletim do dia 26 de março de 2020, que "servidores e empregados públicos nas áreas de enfermagem, médica e assistencial considerados vulneráveis poderão ser realocados para outras atividades não relacionadas à triagem e ao tratamento direto de pacientes suspeitos ou confirmados com COVID-19" (EBSERH, 2020). Porém, que efeitos emocionais tal afastamento pode ter? Seguindo essa linha, uma reportagem de Rossi (2020) publicada pelo jornal El País, também no mês de março do mesmo ano, abordou o dilema enfrentado pelos profissionais da saúde que se encontram no grupo de risco. Em entrevista com um médico de 78 anos atuante em um hospital de São Paulo há 51 anos, este se referiu à culpa que sente por estar afastado:

Os colegas mais jovens me falaram para eu ficar em casa. E, nessa idade, a gente já está um pouco fora da linha de frente, então eu poderia, sob esse ponto de vista de medicina prática, me afastar. Mas fica uma situação chata. Somos em 30 colegas na minha equipe, eu sou o mais velho, mas muitos têm mais de 60. Se eu me coloquei na situação de médico ativo, eu não poderia recuar nessa hora. É um sentimento ruim, porque nem perto do front eu estou. Estou fora. Não é agradável. Não tenho concentração para ler, por exemplo. A tendência é ficar mais depressivo mesmo. Definitivamente não é férias (Rossi, 2020).

Ainda sobre o afastamento de membros da equipe nesse cenário, a reportagem do El País também discorre sobre a realocação dos profissionais que são considerados grupo de risco. Porém, refere, em entrevista com o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, aos obstáculos encontrados a esse respeito:

O ideal seria remanejar esses profissionais [idosos] para a retaguarda, não deixar no atendimento direto. Porém, dos cinco médicos da minha equipe, dois têm entre 30 e 40 anos, uma tem entre 45 e 50 anos e duas têm mais de 60 anos. Ontem mesmo, duas médicas se afastaram porque estavam com sintomas respiratórios. Tivemos que encontrar um plantonista extra que, no fim, era um médico de 62 anos (Rossi, 2020).

Mais recentemente, começam a surgir relatos sobre impactos positivos da atuação no enfrentamento da pandemia, apesar do sofrimento e da sobrecarga emocional, o que exemplificamos com o depoimento de uma enfermeira em reportagem do G1:

Eu carrego com muito carinho [a experiência de trabalhar no enfrentamento], foi cansativo, foi exaustivo, mas foi possível. É uma loucura trabalhar 24 horas de um dia, mudar totalmente a rotina, mas é possível. O meu balanço é que é possível acreditar e fazer, realizar. Eu dei o meu melhor e isso eu vou carregar para a minha vida (Gonçalves, 2020).

É possível que, futuramente, uma análise dos resultados das experiências profissionais, considerando tanto o reconhecimento e homenagens produzidos socialmente quanto a aprendizagem obtida por meio das ações de enfrentamento reflitam processos de resiliência, que remetem à possibilidade de desenvolvimento positivo diante de adversidades, e vários estudos sobre o tema estão em desenvolvimento no cenário nacional (Oliveira & Nakano, 2018).

Isolamento social e distanciamento das redes sociais significativas.

Equacionar a dedicação ao trabalho com o cuidado e o afastamento em relação aos familiares é um desafio que necessita de atenção. É sabido que se espera que os profissionais da saúde trabalhem com forte compromisso aos seus deveres com a sociedade. Porém, em situações de crise, estes deveres precisam ser balanceados com os deveres para com as suas famílias, especialmente em casos de plantões continuados e de risco de transmissão da doença (Goldim, 2009). É possível pressupor a sobrecarga que pode resultar da busca pela resposta de ambas as exigências, que compreendem tanto os deveres sociais como os familiares, gerando um impacto na saúde emocional do profissional. Em uma notícia da plataforma de conteúdos UOL, de março de 2020, foi destacado o sofrimento associado ao afastamento físico dos profissionais em relação a suas famílias (UOL, 2020b). Em um vídeo que viralizou nas redes sociais após ter sido divulgado pela TV norte-americana ABC News, um enfermeiro da Arábia Saudita, atuante no enfrentamento ao coronavírus, chora por não poder abraçar o filho pequeno ao reencontrá-lo, com o intuito de não contaminá-lo. No vídeo, é possível ver o menino correndo em direção ao pai, que pede para que não se aproxime e, em seguida, começa a chorar. O enfermeiro relata que compartilhou o momento para que pudesse "tocar o coração das outras pessoas que não seguem regras de isolamento ou outras precauções". Ainda, o profissional afirma que "independentemente de qualquer coisa, não devemos deixar nossas emoções prevalecerem. Precisamos proteger nossos filhos e conter a disseminação da epidemia" (UOL, 2020b).

O depoimento nos permite perceber a explícita relação hierárquica entre: a) conter a disseminação da epidemia e b) permitir-se sentir. Em primeiro lugar, o dever de cessar e impedir qualquer possibilidade de transmissão da doença. Os sentimentos e as emoções parecem ficar em segundo plano, porém, não deixam de ser intensos, expressando-se por meio do choro na situação. Ainda seguindo essa linha, destacamos que Goldim (2009), referindo-se ao cenário da pandemia causada pela Influenza H1N1, elenca as virtudes que são esperadas dos diferentes sujeitos envolvidos. Em relação aos profissionais da saúde, a expectativa é de que apresentem coragem, compaixão e prudência. Já da sociedade, espera-se a virtude de gratidão a todos os que se dedicaram na execução de tarefas para atender às demandas desta situação excepcional. Questionamo-nos até que ponto é possível que os profissionais sejam corajosos, prudentes e mantenham a compaixão, uma vez que precisam conter suas expressões de sentimentos e emoções mais espontâneos, como refere o enfermeiro, a fim de cumprir o dever de proteção à saúde da sociedade.

Tratando-se do contexto da COVID-19, utilizaremos uma reportagem de Pacheco (2020) no portal de notícias G1 do Amapá, em março, para pensarmos sobre a manifestação de gratidão por parte da população em geral, conforme apontado por Goldim (2009). Na matéria, os profissionais da saúde pedem para a população manter o isolamento social: "Nós estamos aqui por você, por favor, fique em casa por nós!". E como forma de demonstração de retorno da sociedade, a reportagem traz o "aplauso do bem", convocado pelas redes sociais, com objetivo de a população aplaudir das janelas de casa como forma de homenagear os funcionários que tratam dos suspeitos e infectados pelo coronavírus. Nessa mesma direção, reportagem do G1 apresenta uma iniciativa dos profissionais da saúde da Santa Casa de Bragança Paulista, que criaram o Dia do Abraço Virtual, com o propósito de compartilhar fé, esperança e bons sentimentos para o enfrentamento das consequências sociais e afetivas da pandemia (Santa Casa Bragança Paulista, 2020). Com o passar do tempo, outras homenagens e demonstrações de carinho para os profissionais de saúde foram surgindo, a exemplo da ação de uma escola de Marília (SP), que contou com a participação de estudantes de várias séries que escreveram 750 cartas para homenagear profissionais da saúde da Santa Casa, incluindo todos os setores do hospital, e serviu de motivação aos funcionários que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. "As cartinhas que nos foram destinadas serviu como motivação para continuarmos e proporcionar nosso melhor", relatou uma enfermeira do hospital sobre a ação (Nunes, 2020).

Contudo, apesar da motivação e do reconhecimento que as homenagens proporcionam, os profissionais da saúde também precisam que da população uma maior adesão ao isolamento social. Em entrevista para o jornal O Globo, um médico de 40 anos, do Rio de Janeiro, referindo-se ao afastamento necessário de sua família, relata: "Não sabemos quando isso vai terminar, e morro de saudades dos meus filhos. Quando vejo pessoas nas ruas, e muitos idosos aqui em Copacabana, não entendo como não pensam na gente" (Souza et al., 2020). Assim, ainda que existam homenagens como o "aplauso do bem", o Dia do Abraço Virtual e outras iniciativas de reconhecimento e motivação, fica evidente que os profissionais se sentem desrespeitados pela parcela da população que não segue as recomendações de isolamento social, além de enfrentarem o sofrimento de estarem longe dos seus. Como demonstrar virtudes nesse cenário?

Nessa linha, em entrevista ao Portal de Notícias G1 de Campinas, via EPTV, em março de 2020, que divulgou uma reportagem sobre a saúde e a rotina dos que estão atuando frente ao COVID-19, um enfermeiro fala sobre seus sentimentos: "Agora a rotina é: casa, trabalho, trabalho, casa. Aliás, não é casa. É um cantinho temporário para se distanciar de todo mundo até que essa fase passe" (EPTV, 2020). Mais uma vez, destacamos que esse afastamento das redes sociais significativas pode funcionar como agravante do sofrimento psíquico dos profissionais, tendo em vista que as mesmas contribuem ativamente para o enfrentamento de situações de crise, dificuldade e estresse, representando importantes fontes de promoção da saúde (Azevedo et al. 2019). As redes são um recurso relevante para que os profissionais possam suportar os sentimentos que os atravessam no cotidiano do combate do coronavírus. Como fica essa relação de apoio quando o afastamento se coloca como imperativo inevitável e necessário? Que formas de suporte emocional são possíveis frente a esse cenário?

Nesse sentido, as relações de cuidado e acolhimento estabelecidas entre os profissionais e os pacientes destacam-se como importante fonte de motivação para suportar o afastamento dos familiares, como assinala o depoimento de uma fisioterapeuta em reportagem do Jornal O Globo de Rede D'or São Luiz :

O envolvimento da equipe é total desde o início, não acaba nem quando o paciente volta recuperado para casa. Depois da alta, é comum eles mandarem fotos ou fazerem vídeos para mostrar como estão melhores. É algo nos faz ganhar o dia, motiva. Me faz acordar e ir trabalhar, mesmo deixando o meu filho em casa. Quando volto à noite, nem consigo pegá-lo acordado, muitas vezes (2020).

Estratégias de cuidado.

Frente às numerosas consequências psicológicas possíveis neste cenário, destacamos a importância dos cuidados em saúde mental e as estratégias de enfrentamento durante a pandemia (Li et al., 2020). Entendemos que a construção de significados e de atitudes concernentes a "ser um profissional de saúde" no contexto da COVID-19 se dá em um processo de interação com o contexto em que o sujeito está inserido, em que se constitui e é constituído por sua realidade, numa inter-relação entre o individual, o familiar, o comunitário e o social (Vasconcellos, 2002). Nessa perspectiva, compreende-se que o cuidado faz parte não só da própria existência subjetiva e da constituição de cada sujeito em sua relação com o mundo, mas também da prática profissional que resulta da pluralidade de experiências na conexão com outros, na multiplicidade dos entes e das próprias dimensões do existir (Braga, Farinha, & Mosqueira, 2019).

Desde o início da pandemia no Brasil, diversas plataformas de atendimento on-line foram criadas com o intuito de oferecer suporte a profissionais de saúde que sofrem com os efeitos da COVID-19. Segundo a reportagem de Teixeira (2020), publicada pelo G1 do Rio de Janeiro, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) criou o programa "Enfermagem Solidária", que oferece atendimento psicológico de forma gratuita, 24 horas por dia, aos profissionais. Ainda, a prefeitura do Rio de Janeiro criou o projeto "Saúde na escuta" para oferecer assistência psicológica aos profissionais da rede municipal de Saúde que estão na linha de frente. A coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental do Cofen revela que, na maioria dos atendimentos, há muito choro e desespero de pessoas que buscam orientações para conseguir seguir na batalha diária. Muitos contatos são feitos de dentro dos hospitais: "Choram muito, quase todos ligam de dentro dos hospitais, nos seus horários de intervalo, ficam em média 30 minutos com nossos especialistas, mas já teve um caso que durou mais de três horas" (Teixeira, 2020).

Considerando-se a utilização de diferentes ferramentas na assistência psicológica, Liu et al. (2020), que discorrem sobre a saúde mental no contexto da pandemia do coronavírus na China, afirmam que os serviços on-line que estão sendo utilizados (por exemplo, psicoterapia virtual) têm facilitado o desenvolvimento de intervenções em situações de emergência pública no país, apresentando o potencial de melhorar a qualidade desse tipo de intervenção de forma geral. Além disso, a educação em saúde mental também tem sido possibilitada por meio de programas de comunicação e de redes sociais, recursos que têm sido amplamente utilizados pelos profissionais de saúde durante a pandemia, de acordo com os autores.

Em relação ao que temos encontrado na prática, em reportagem ao Pública, em março de 2020, uma médica de São Paulo conta as estratégias desenvolvidas pela equipe de saúde a qual pertence para lidar com as dificuldades enfrentadas no cotidiano:

Enquanto trabalhadores, estamos com medo e temos que trabalhar para lidar com o stress e a fadiga dos trabalhadores. Então começamos, há dois dias, a fazer um momento de alongamento e relaxamento aqui na unidade, entre os profissionais, para nos dar mais condições de nos manter nesses dias (Amaral et al., 2020).

Ainda, uma matéria publicada pelo UOL (2020a), em abril de 2020, dá um exemplo de ações possíveis frente ao sofrimento que a pandemia e o isolamento provocam nos profissionais de saúde. A reportagem retrata uma medida adotada por equipes médicas e de enfermagem de um hospital de Campinas (SP), a qual teve como objetivo proporcionar um tratamento mais humanizado aos pacientes. Uma vez que os profissionais precisam utilizar equipamentos de proteção individual que cobrem completamente seus rostos, resolveram pregar uma foto de si mesmos no uniforme de trabalho: "Esse foi o jeito que encontramos de nos reaproximar e continuar criando laços, apesar da distância necessária para manter a segurança de todos" (UOL, 2020a).

Por meio destes relatos, podemos refletir acerca do papel dos próprios colegas de trabalho enquanto representantes das redes sociais significativas dos profissionais, a partir da elaboração conjunta de estratégias de enfrentamento e de formas positivas de lidar com o isolamento. Nesse sentido, explorar a possibilidade de fornecimento de apoio por meio das relações profissionais também pode se revelar como importante fonte de suporte, considerando a importância de criar e manter "laços", conforme o depoimento.

Seguindo a reflexão, Greenberg et al. (2020) apontam diferentes estratégias possíveis de promoção, prevenção e intervenção em saúde mental para os profissionais de saúde, antes e após sua atuação no combate à COVID-19. Como medidas de suporte antecipado, os autores ressaltam que uma boa preparação para o trabalho tem o potencial de reduzir problemas de saúde mental. Assim, o ideal seria a realização de uma avaliação completa e franca do que será enfrentado, além do estabelecimento de diálogo e abertura para discutir com a equipe sobre os desafios emocionais e sociais advindos do cuidado dos pacientes, de forma constante. Segundo os autores, mesmo os membros mais resilientes da equipe de saúde podem se sentir sobrecarregados, e inclusive profissionais habituados à comunicação de más notícias podem se sentir esgotados por repetirem tal ação durante semanas a fio, ressaltando a importância de os supervisores se manterem atentos à possíveis demandas em saúde mental.

Já em relação ao cuidado após a crise, Greenberg et al. (2020) enfatizam a importância de que se garanta um tempo para reflexão e aprendizado, analisando-se as experiências vivenciadas e proporcionando-se um espaço para a criação de narrativas significativas e não traumáticas. Nesse sentido, os gerentes em saúde em posição de supervisão devem reconhecer o desafio enfrentado pela equipe cotidianamente e procurar minimizar o risco psicológico inerente à situação, oferecendo e indicando assistência, acolhimento e tratamento especializado quando necessário.

Assim, para finalizar, destacamos a importância do desenvolvimento de estratégias de atenção em saúde mental que se caracterizem pelo equilíbrio entre as sugestões e as orientações existentes na literatura e as singularidades e particularidades de cada realidade. A partir das reportagens abordadas nesta categoria, destacamos o potencial e a capacidade das equipes nelas referidas em se reinventarem frente à situação que estão vivendo, cada uma a seu modo e a partir das suas possibilidades, considerando o que faz sentido em cada experiência para os sujeitos que nela se encontram envolvidos. Tais formas de lidar com a crise apresentam uma potência intrínseca, servindo de exemplo e inspiração para intervenções futuras.

 

Considerações Finais

O presente estudo buscou compreender e refletir acerca da saúde mental e das redes sociais significativas dos profissionais de saúde no processo de enfrentamento da COVID-19. A partir dos pressupostos epistemológicos do Pensamento Sistêmico, considerou a interlocução entre diferentes fatores que se somaram para a compreensão do fenômeno.

O trabalho realizado pelos profissionais da saúde atuantes nas linhas de frente no combate ao COVID-19 se coloca como imprescindível e indispensável. Todavia, esses sujeitos não se encontram apenas expostos ao perigo de contrair o vírus, mas à dor e ao sofrimento de estarem afastados de seus familiares, de presenciarem mortes cotidianamente, de precisarem comunicar más notícias a todo o momento, dentre outras situações difíceis de serem experienciadas. Em função disso, é exigido dos profissionais que se encontrem emocionalmente estáveis e mentalmente saudáveis, a fim de que possam exercer satisfatoriamente sua função social de cuidado.

Desse modo, o conceito de redes sociais significativas pode ser caracterizado como um dispositivo de intervenção que contribui para o avanço de ações em promoção de saúde na medida em que considera a relevância da rede de relações sociais para o desenvolvimento social e psicológico. As redes são fatores potenciais de proteção no contexto de pessoas em situações de estresse, podendo ser consideradas estratégia fundamental para o enfrentamento desse fenômeno, conhecido mundialmente como um problema de saúde pública. Entretanto, devido às exigências relativas ao isolamento social, os profissionais da linha de frente são impedidos de terem contato com seus amigos e familiares, ficando afastados da sua rede social significativa justamente em um momento em que se mostram tão necessitados de apoio.

As reportagens analisadas neste estudo exemplificam a presença de intenso sofrimento psíquico por parte dos profissionais da saúde, em relatos que evidenciam medo, ansiedade, insônia, estresse e até mesmo ataques de pânico. Ainda, destaca-se uma oposição entre os deveres profissionais e os deveres familiares desses sujeitos, bem como entre permitir-se sentir versus permanecer firme no combate ao vírus. O afastamento da família é fonte de aflição e pesar, e os profissionais se indignam ao perceberem que, embora eles próprios estejam afastados dos seus entes queridos a fim de protegê-los, muitas pessoas não cumprem as medidas de isolamento social, o que é sentido como desrespeito e desconsideração.

Dessa forma, é demasiado importante que nos atentemos ao sofrimento desses sujeitos, os quais se encontram em situação de risco físico e psicológico, em função da implicação com o trabalho que desempenham. Ações de cuidado em saúde mental foram estruturadas em hospitais e agrupamentos profissionais, porém, evidencia-se a importância de também fomentar espaços que favoreçam a saúde mental no contexto das relações pessoais informais dos profissionais. A família, amigos e colegas de trabalho são naturalmente relações que promovem o compartilhamento e elaboração de experiências. Valorizar diferentes formas de manter esse contato, garantindo a sensação de segurança e amparo, torna-se fundamental, propondo ações de aproximação afetiva apesar do distanciamento físico.

Com essas reflexões, sugerimos que as instituições busquem estratégias para promoção de saúde mental de suas equipes, baseando-se no fortalecimento de redes pessoais significativas, na criação de espaços de escuta e na manutenção de vínculos positivos entre os trabalhadores e destes com suas redes de relacionamentos interpessoais. Na posição de profissionais de saúde, ressaltamos também a importância de buscarmos o equilíbrio entre o cuidar e o ser cuidado, atentando para a necessidade de estarmos em contato com as pessoas que fazem parte de nossas vidas, permitindo-nos compartilhar as dificuldades vivenciadas.

 

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Endereço para correspondência:
Gabriela Sarturi Rigão
gabrielasarturi4@gmail.com

Recebido em: 25/07/2020
Aceito em: 17/09/2020

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