SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número2Terapias conductuales y cognitivas: ¿olas del mismo mar o playas diferentes?Percepción parental sobre el niño con autismo: las repercusiones en la adaptación familiar índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Psicologia em Pesquisa

versión On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.16 no.2 Juiz de Fora mayo/ago. 2022

https://doi.org/10.34019/1982-1247.2022.v16.30417 

ARTIGOS

 

Depressão e intensidade de dor crônica em idosos

 

Depression and chronic pain intensity in the elderly

 

Depresión e intensidad del dolor crónico en ancianos

 

 

Bruna da Silva Ferreira TatagibaI; Layz Alves Ferreira SouzaII; Adriani Cordeiro CárceresIII; Gilberto de Araújo PereiraIV; Joyce Rutyelle SerraV; Lilian Varanda PereiraVI

IUniversidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: brunatatagiba1@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0773-6964
IIUniversidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: layzenf@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5563-7928
IIIUniversidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: adrianicaceres19@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3518-5127
IVUniversidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). E-mail: gilberto.pereira@uftm.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9149-6368
VUniversidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: joyceserraenf@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9149-6368
VIUniversidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: lilian_varanda_pereira@ufg.br ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4604-0238

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo estimar a prevalência de depressão e investigar a relação entre depressão e diferentes intensidades de dor crônica em idosos. Os participantes (n=303) foram entrevistados em salas de espera de ambulatórios de especialidades em Goiânia/GO. O CES-D e o BPI foram utilizados para avaliar depressão e intensidade de dor, respectivamente. ANOVA e Dunnet auxiliaram na análise estatística. A prevalência de depressão foi de (66,0%) (CI95%:60,7-71,3); a diferença entre os escores médios de depressão e a intensidade elevada de dor foi significativa (p<0,001). A prevalência de depressão é elevada e parece influenciada pela intensidade da experiência dolorosa.

Palavras-chave: Depressão; Dor Crônica; Medição da Dor; Idoso.


ABSTRACT

The study aimed to estimate the prevalence of depression and to investigate the relationship between depression and different chronic pain intensities in the elderly. Participants (n=303) were interviewed in the waiting rooms of specialty clinics in the city of Goiânia/GO. CES-D and BPI were used to assess depression and pain intensity, respectively. ANOVA and Dunnet were used in the statistical analysis. The prevalence of depression was 66.0% (95% CI: 60.7-71.3); there was a significant difference between the average depression scores and the high pain intensity (p< 0.001). The high prevalence of depression found seems to be related to the intensity of the painful experience.

Keywords: Depression; Chronic Pain; Pain Measurement; Elderly.


RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo estimar la prevalencia de depresión e investigar la relación entre la depresión y los niveles de intensidad del dolor crónico en los ancianos. Los participantes (n=303) fueron entrevistados en las salas de espera de las clínicas especializadas en Goiânia/GO. El CES-D y el BPI fueron utilizados para evaluar la depresión y la intensidad del dolor, respectivamente. ANOVA y Dunnet fueron aplicados en los análisis estadísticos. La prevalencia de depresión fue 66.0% (IC 95%: 60.7-71.3). La diferencia entre los puntajes promedios de depresión y la intensidad elevada del dolor fue significativa (p<0,001). La prevalencia de depresión es alta y parece influenciada por la intensidad de la experiencia dolorosa.

Palabras clave: Depresión; Dolor Crónico; Medición del Dolor; Ancianos.


 

 

A prevalência de depressão em idosos com dor crônica é elevada (Barbosa, Biermanna, Peixoto, & Almeida, 2013; Bergdahl, Allard, Lundman, & Gustafson, 2007; Blazer, 2003; Khalaila, 2016; Luppa et al., 2012; Oladeji, Makanjuola, Esan, & Gureje, 2011; Romano & Turner, 1985). Causa comum de sofrimento emocional (Bergdahl et al., 2007; Garrido, Tamiya, Lloyd-Sherlock, & Noguchi, 2016), depois da insônia, a depressão é a morbidade mais frequente nesse grupo populacional (Teixeira, 2006). Estimativas mostram que 13% das pessoas idosas vão apresentar, simultaneamente, depressão e dor crônica (Zis, Daskalaki, Bountouni, Sykioti, Varrassi, & Paladini, 2017).

Pessoas idosas são mais propensas a desenvolver dor crônica e às mudanças involutivas do organismo que, somadas à presença de comorbidades, favorecem a ocorrência desse tipo de dor (Dziechciaż, Balicka-Adamik, & Filip, 2013). Como agente estressor, a dor crônica pode alterar o humor e propiciar o surgimento de depressão concomitantemente ou após o seu diagnóstico (Romano & Turner, 1985). Pode, ainda, pelas limitações impostas na vida do idoso, dificultar o diagnóstico de quadros depressivos (Dziechciaż et al., 2013).

Além disso, o diagnóstico de dor pode ser prejudicado por desordens de humor, que geralmente exacerbam a intensidade de dor percebida (Lapane, Quilliam, Chow, & Kim, 2012; Torvik, Kaasa, Kirkevold, & Rustøen, 2010) e, portanto, tornam ainda mais complexa a ampla teia que envolve a dor e a depressão (Tsatali, Papaliagkas, Damigos, Mavreas, Gouva, & Tsolaki, 2014).

Idosos com depressão apresentam maior sofrimento e relatam maior intensidade de dor crônica em relação àqueles não deprimidos (Hanssen, Naarding, Collard, Comijs, & Voshaar, 2014). Estudo constatou que, após controle de variáveis de confusão, a severidade da dor, quando comparada à múltipla localização e frequência com que ocorre, foi o único fator que manteve associação com a depressão (Denkinger, Lukas, Nikolaus, Peter, & Franke, 2014).

No entanto, apesar de comprovada a relação entre depressão e dor crônica, esta continua sendo um problema de saúde pública ainda pouco estudado em relação à intensidade da experiência dolorosa em idosos. Assim, consideramos necessária a avaliação dos pacientes numa abordagem biopsicossocial que considere a intensidade da dor crônica. Diante do exposto, este estudo apresenta os seguintes objetivos: 1) estimar a prevalência de depressão e; 2) investigar a relação entre depressão e diferentes intensidades de dor crônica em idosos.

 

Método

Estudo transversal, recorte de um projeto maior, conduzido nas salas de espera de quatro ambulatórios (Neurologia, Ortopedia, Fisiatria e Reumatologia) de um hospital federal da região Centro-Oeste do Brasil.

Uma subamostra (n=303) foi selecionada do projeto matriz. Constituíram critérios de inclusão: ser idoso, referir qualquer tipo de dor há seis meses ou mais, estar em tratamento ambulatorial, ser capaz de se comunicar verbalmente e apresentar funções cognitivas que permitissem a realização das tarefas de medida (MEEM13) (Bertolucci, Brucki, Campacci, & Julian, 1994). Foram excluídos idosos com incapacidade física ou motora e/ou dor de intensidade que impossibilitasse a coleta de dados.

Consideramos idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (idade estabelecida para o idoso no Brasil, de acordo com a Lei n. 8.842, 1994). Dor crônica foi definida como aquela existente há seis meses ou mais, com episódios a cada 15 dias (Merskey & Bogduk, 1994). A depressão é apresentada como variável dependente e a intensidade da dor como variável independente.Caracterizaram a amostra as seguintes variáveis socioeconômicas e demográficas: faixa etária 60-69 anos (jovens idosos), 70-79 anos (idosos), 80 anos ou mais (muito idosos); estado civil (casado/união estável, solteiro/divorciado, viúvo); sexo (masculino e feminino); escolaridade (analfabetos, ensino fundamental, ensino médio e ensino superior); número de filhos (nenhum, mais de 1); renda familiar por salário mínimo (até 1 salário, >13, >3); religião (católica/outras religiões, religião evangélica). Foram analisadas também variáveis de saúde, a saber: número de doenças autorreferidas (até 1 doença, 2-4 doenças, mais de 4 doenças); tipo de doença (artrite, artrose, reumatismo, osteoporose, gota, fibromialgia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, doenças da coluna, câncer e doenças coronarianas).

A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2016 a junho de 2017 e foi realizada por observadores treinados, mediante entrevistas estruturadas. Os participantes foram convidados a participar do estudo enquanto aguardavam atendimento médico na sala de espera dos referidos ambulatórios. Durante as entrevistas, os observadores evitaram locais com muito ruído e/ou circulação de pessoas, a fim de proporcionar mais conforto aos idosos participantes.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados incluíram as versões brasileiras da Center for Epidemiologic Studies Depression Scale - CES-D (Radloff, 1977) e do Brief Pain Inventory- BPI (Cleeland, 2009).

Utilizamos a CES-D para avaliar a depressão. A escala contém 20 itens, pontuados em escala tipo Likert, de quatro pontos (0=nunca ou raramente; 1=às vezes; 2=frequentemente; e 3=sempre). Os escores totais podem variar de 0-60 pontos. Contempla ainda quatro domínios ou fatores: Afeto Depressivo, Afeto Positivo, Sintomas Somáticos e Dificuldades Interpessoais (Radloff, 1977). A CES-D foi traduzida e validada na língua portuguesa em 2007 (Batistoni, Neri, & Cupertino, 2007), com validade interna (Alpha=0,860), sensibilidade (74,6%) e especificidade (73,6%) para um ponto de corte maior que 11 para a população idosa, também utilizado na presente pesquisa. Segundo os autores, escores maiores que 11 discriminaram mais efetivamente casos de não-caso nessa população. Na presente pesquisa, o Alpha de Cronbach (α) foi igual a 0,84.

O Brief Pain Inventory (BPI) é um instrumento multidimensional, utilizado para mensurar a intensidade da dor e a interferência dessa experiência na habilidade da pessoa para caminhar, realizar atividades diárias, laborais e sociais, bem como no humor e no sono, por meio de uma escala de 0-10 pontos (Cleeland, 2009). Mensura-se a intensidade da dor em quatro momentos: durante a entrevista (BPI6) e nas 24 horas subsequentes; considerando a dor mais forte (BPI3); a dor mais fraca (BPI4) e; a dor média (BPI5). O inventário contém 15 itens dispostos em duas seções. A validação brasileira para população com dor foi feita em 2011 (Ferreira, Teixeira, Mendonça, & Cleeland, 2011) e evidenciou coeficientes de Cronbach de 0,91 e 0,87 nas dimensões severidade da dor e interferência da dor, respectivamente. Neste estudo, será utilizada a intensidade da dor referida no momento da entrevista (dor agora - BPI-6).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, via Plataforma Brasil (Parecer: 1.436.817). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE - em duas vias, conforme disposto na Resolução CNS 466/2012 Ministério da Saúde (MS, 2012).

A análise estatística inicial dos dados foi descritiva, sendo as variáveis categóricas apresentadas por meio de frequência absoluta e percentual, e as numéricas, por medidas de centralidade e dispersão. Analisamos a intensidade da dor por categorias (leve=1,2,3,4; moderada=5,6; forte=7,8,9; e 10=piordorpossível) (Andrade, Pereira, & Souza, 2006). A prevalência de depressão foi apresentada com respectivo intervalo de confiança (IC:95%). A normalidade dos dados foi observada pelo teste de Kolmogorov Smirnov e a homogeneidade das variâncias pelo teste de Bartlet. Em algumas situações, essas suposições foram reestabelecidas mediante transformações nos dados (log(x) e/ou 1/log(x)). A análise dos escores de depressão segundo a classificação da intensidade da dor crônica foi feita utilizando a ANOVA F, seguida pelo teste de Dunnet. Adotamos nível de significância de 5% para realização dos testes estatísticos.

 

Resultados

A média de idade dos idosos foi de 68,5 anos (DP=6,3). Houve predomínio do sexo feminino (71%), da faixa etária de 70-79 anos (36,7%) e de casados/em união estável (47,9%). As demais características, como as socioeconômicas, podem ser observadas na tabela 1.

A maioria dos idosos (56,4%) referiu 2-4 comorbidades: as doenças reumáticas (fibromialgia, osteoporose, gota, artrite, artrose, doenças da coluna) foram mencionadas com maior frequência (74,6%), hipertensão arterial sistêmica (63%) e diabetes mellitos (23,8%). Sobre a intensidade da dor crônica, 42,4% relataram dor moderada, forte e pior dor possível.

A prevalência de depressão foi de 66,0% (IC:95%: 60,7-71,3). As mulheres apresentaram maior representatividade (68,8%).

Quanto aos escores de depressão segundo a classificação da intensidade da dor, foi possível observar maiores médias dos escores de depressão entre idosos com dores de maior intensidade. Diferenças estatisticamente significativas foram evidenciadas (comparação 2 a 2) entre dor leve e moderada, dor leve e forte e dor leve e pior dor possível, ou seja, a medida que o nível de dor aumenta o escore médio de depressão também aumenta, sendo estatisticamente semelhante entre os níveis moderado a pior possível e significativamente diferente daqueles com dor leve (p<0,001). (Tabela 2).

 

Discussão

A prevalência de depressão entre idosos com dor crônica foi elevada: a cada três participantes, dois apresentaram esse transtorno do humor. As mulheres foram mais afetadas que os homens. Houve diferença significativa entre escores médios de depressão quando a intensidade de dor foi mais elevada no momento da entrevista.

Além de elevada, a prevalência de depressão entre os idosos do presente estudo foi maior do que a apresentada por idosos da comunidade (Terassi, Rossetti, Luchesi, Say-Gramani, Hortense, & Pavarini, 2020; Oladeji et al., 2011; MacCarthy, Bigal, Katz, Derby, & Lipton, 2009; Felix, Almeida, Cremaschi, Coelho, & Santo, 2016; Mossey & Gallagher, 2004). No entanto, o valor encontrado se aproximou das taxas descritas em estudos que investigaram a prevalência de depressão em pessoas que aguardavam atendimento em clínicas de dor (60,8 e 86,0%) (Pinheiro, Uchida, Mathias, Perez, & Cordeiro, 2014; Poole, White, DClinPsych, DClinPsych, Murphy, & Bramwell, 2009). Tais achados reiteram a necessidade de maior atenção ao idoso com dor crônica atendido em ambulatórios de especialidades, a fim de oferecer atendimento especializado em dor.

A elevada prevalência de depressão nesta amostra é preocupante, uma vez que a queixa dolorosa pode não ter sido o motivo principal para busca por atendimento médico nos ambulatórios investigados, ou seja, a dor dos idosos poderia estar sendo negligenciada e inadequadamente aliviada. Em nossa realidade, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), não foram encontrados programas vigentes para tratamento da dor, tampouco profissionais especializados em seu manejo. Em algumas universidades públicas, o tratamento da dor crônica foi mais efetivo após a instituição de programas de atendimento que contemplaram também as dimensões física e psicológica dos pacientes com dor (Moura, Chaves, Chianca, Ruginsk, Nogueira, & Lunes, 2019; Oliveira, Berardinelli, Cavaliere, Rosa, Costa, & Barbosa, 2019).

Ademais, falhas na atenção à saúde dos idosos, dificuldades na identificação de soluções para a cura das doenças em virtude da escassez de recursos para manter o tratamento, a desesperança e o sofrimento vividos no cotidiano são uma realidade e tornam ainda mais complexo este tratamento (Oliveira et al., 2019). O usuário do SUS parece envolvido numa espécie de teia de não resolubilidade de suas demandas de saúde e, apesar de avanços nos conhecimentos e fármacos disponíveis para tratamento da experiência dolorosa e da depressão (Teh, Zaslavsky, Reynolds, & Cleary, 2010), essas comorbidades ainda são inadequadamente tratadas (Bair, Robinson, Eckert, Stang, Croghan, & Kroenke, 2004).

Evidências apontam maior influência da experiência dolorosa no desenvolvimento de depressão do que o contrário (Arola, Nicholls, Mallen, & Tomas, 2010; Campbell, Clauw, & Keefe, 2003; Turk, Okifuji, & Scharff, 1995). Esses resultados reiteram a importância da avaliação da dor para melhores desfechos no tratamento da depressão (Bair et al., 2004), uma vez que ele pode adicionar anos de vida com mais qualidade (Jacobs, Hammerman-Rozenberg, Cohen, & Stessman, 2006), aspecto especialmente importante no processo de envelhecimento.

Estudos concluíram que maiores intensidades de dor estão significativamente associadas à depressão (Terassi et al., 2020; Denkinger et al., 2014; Pinheiro et al., 2014; Bair et al., 2004). Pesquisa (Denkinger et al., 2014) mostrou que a intensidade da dor foi o único fator investigado que manteve associação com a depressão após controle de variáveis de confusão. Tal resultado pode ser explicado pelo fato de depressão e dor crônica estarem relacionadas à deficiência de neurotransmissores comuns, bem como a alterações em receptores específicos, transtorno dos ritmos biológicos, anormalidades neuroendócrinas, imunológicas e fatores genéticos (Teixeira, 2006).

Neste estudo, ao compararmos os escores médios de depressão com os diferentes níveis de intensidade de dor (leve, moderada, forte e pior possível), no momento da entrevista, observamos significância estatística entre dor leve-moderada, leve-forte e leve-pior possível. Estudos que compararam a intensidade da dor crônica, considerando tais categorias não foram encontrados. Entretanto, julgamos importante considerar a percepção do próprio idoso a respeito da intensidade da sua dor para melhor entendimento da depressão.

Embora não fosse objetivo do presente estudo investigar a influência da intensidade da dor por domínio do CES-D, lacuna de conhecimento que sinaliza a necessidade de novas pesquisas, pareceu haver relação entre intensidade de dor com o domínio Sintomas Somáticos, o que pode ter ligação com o elevado número de comorbidades apresentadas pelos idosos. Terassi et al. (2020), em estudo realizado com idosos que apresentavam dor crônica, observaram que um maior número de comorbidades aumentou as chances de desenvolvimento de depressão em 1,2 vezes, alertando para o fato de idosos com múltiplas comorbidades estarem mais predispostos à depressão.

Ademais, estudos que analisaram os quatro domínios do CES-D determinaram os fatores capazes de contribuir para diferenciar pessoas com e sem depressão e concluíram não haver diferença entre os grupos nos domínios Afeto Positivo e Relações Interpessoais. Contudo, encontraram diferença significativa nos escores atribuídos nos domínios Afeto Depressivo e Queixas Somáticas (Turk et al., 1994), o que parece guardar semelhança com os resultados da pesquisa matriz que deu origem a este recorte (dados não amostrados).

Neste cenário, o entendimento equivocado sobre a dor e depressão como comorbidades inerentes ao processo de envelhecimento pode fazer com que os idosos deixem de relatar suas queixas dolorosas e depressivas ou que estas, quando verbalizadas, sejam negligenciadas. Assim, prejuízos evitáveis estão sendo impostos a esse grupo populacional, e tal responsabilidade cabe a todos os envolvidos no cuidado com essa população.

Uma limitação do estudo é a variação no número de itens apresentados em cada domínio do CES-D, aspecto que pode ter influenciado os resultados, uma vez que os idosos podem ter escolhido mais itens nos domínios que justamente os disponibilizavam em maior quantidade. Além disso, os idosos podem ter se mostrado temerosos em perder a consulta médica e, por essa razão, terem ficado mais ansiosos durante a entrevista, sendo possível que isso tenha interferido na intensidade da dor autorrelatada. Todavia, para evitar esse risco, asseguramos a todos que seriam avisados assim que chamados para o atendimento.

 

Considerações finais

A prevalência de depressão em idosos com dor crônica é elevada e parece ser influenciada pela intensidade da experiência dolorosa. Portanto, sensibilizar e instrumentalizar os profissionais de saúde para a adequada avaliação biopsicológica de idosos com dor crônica de elevada intensidade é fundamental para estabelecer o diagnóstico e o tratamento adequado da depressão.

 

Referências

Andrade, F. A., Pereira, L. V., Sousa, F. A. E. F. (2006). Mensuração da dor no idoso: uma revisão. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 14 (2), 271-276. doi:10.1590/S0104-11692006000200018        [ Links ]

Arola, H., Nicholls, E., Mallen, C., & Tomas, E. (2010). Self-reported pain interference and symptoms of anxiety and depression in community-dwelling older adults: Can a temporal relationship be determined? European Journal of Pain, 14 (9), 966-971. doi:10.1016/j.ejpain.2010.02.012        [ Links ]

Bair, M. J., Robinson, R. L., Eckert, G. J., Stang, P. E., Croghan, T. W., & Kroenke, K. (2004). Impact of pain on depression treatment response in primary care. Psychosomatic Medicine, 66 (1), 17-22. doi:10.1097/01.psy.0000106883.94059        [ Links ]

Barbosa, F. B. M., Biermann, L. S., Peixoto, A. A. Jr., & Almeida, G. H. (2013). Transtorno depressivo no idoso: rastreamento, diagnóstico e aspectos epidemiológicos. Revista Geriatria & Gerontologia, 7 (3), 228-233.Recuperado de https://cdn.publisher.gn1.link/ggaging.com/pdf/v7n3a12.pdf        [ Links ]

Batistoni, S. S. T., Neri, A. L., & Cupertino, A. P. F. B. (2007). Validade da escala de depressão do Center of Epidemiological Studies entre idosos brasileiros. Revista de Saúde Pública, 41 (4), 598-605. doi:10.1590/S0034-89102007000400014        [ Links ]

Bergdahl, E., Allard, P., Lundman, B., & Gustafson, Y. (2007). Depression in the oldest old in urban and rural municipalities. Aging Mental Health, 11 (5), 570-578. doi:10.1080/13607860601086595        [ Links ]

Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D, Campacci, S. R., & Julian, Y. (1994). O Mini-Exame do Estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 52 (1), 1-7. doi:10.1590/S0004-282X1994000100001        [ Links ]

Blazer, D.G. (2003). Depression in late life: review and commentary. Journal of Gerontology a Biological Sciences Medical Science, 58 (3), 249-265. doi:10.1093/gerona/58.3.m249        [ Links ]

Campbell, L. C., Clauw, D. J., & Keefe, J. K. (2003). Persistent pain and depression: a biopsychosocial perspective. Biological Psychiatry, 54 (3), 399-409. doi:10.1016/s0006-3223(03)00545-6        [ Links ]

Cleeland, C. S. (2009). The Brief Pain Inventory: User Guide. (pp. 1-35). Houston: TX. Recuperado de https://www.mdanderson.org/documents/Departments-and-Divisions/Symptom-Research/BPI_UserGuide.pdf

Denkinger, M. D., Lukas, A., Nikolaus, T., Peter, R., & Franke, S. (2014). Multisite pain, pain frequency and pain severity are associated with depression in older adult: results from the ActiFE Ulm study. Age Ageing., 43(4), 510-514. doi:10.1093/ageing/afu013        [ Links ]

Dziechciaż, M., Balicka-Adamik, L., & Filip, R. (2013). The problem of pain in old age. [Special issue]. Annal of Agricultural Environmental Medicine, 20(1), 35-38. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/263740519_The_problem_of_pain_in_old_age        [ Links ]

Felix, R. H., Almeida, C. B. L., Cremaschi, R. C., Coelho, F. M., & Santo, F. C. (2016). Pain-induced depression is related to overestimation of sleep quality in a very elderly population with pain. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 75 (1), 25-29. doi:10.1590/0004-282x20160186        [ Links ]

Ferreira, K. A., Teixeira, M. J., Mendonça, T. R., & Cleeland, C. S. (2011). Validation of the brief pain inventory to brasilian patients with pain. Supportive Care in Cancer, 19 (4), 505-511. doi:10.1007/s00520-010-0844-7        [ Links ]

Garrido, F. A. S., Tamiya, N., Lloyd-Sherlock, P., & Noguchi, H. (2016). Relation of depression with health behaviors and social conditions of dependent community-dwelling older person in Republic of Chile. International Psychogeriatrics, 28 (12), 2029-2043. doi:10.1017/S1041610216001228        [ Links ]

Hanssen, D. J. C., Naarding, P., Collard, R. M., Comijs, H. C., & Voshaar, R. C. O. (2014). Physical, lifestyle, psychological, and social determinants of pain intensity, pain disability, and the number of pain locations in depressed older adults. Pain, 155 (10), 2088-2096. doi:10.1016/j.pain.2014.07.019        [ Links ]

Jacobs, J. M., Hammerman-Rozenberg, R., Cohen, A., & Stessman, J. (2006). Chronic back pain among the elderly: prevalence, associations and predictors. Spine. 31(7), E203-207. doi:10.1097/01.brs.0000206367.57918.3c        [ Links ]

Khalaila, R. (2016). Depression statuses and related predictors in later life: A 10-year follow-up study in Israel. European Journal of Ageing, 13 (4), 311-321. doi:10.1007/s10433-016-0384-1        [ Links ]

Lapane, K. L., Quilliam, B. J., Chow, W., & Kim, M. (2012). The Association between Pain and Measures of Well-Being Among Nursing Home Residents. Journal of the American Medical Directors Association, 13 (4), 344-349. doi:10.1016/j.jamda.2011.01.007.Epub2011Mar23        [ Links ]

Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. (1994). Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Casa civíl. Brasília, DF: Subchefia para assuntos jurídicos. Recuperado de https://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2014/10/politica-nacional-do-idoso.pdf

Luppa, M., Sikorski, C., Luck, T., Weyerer, S., Villringer, A., Konig, H., & Riedel-Heller, S. G. (2012). Prevalence and risk factors of depressive symptoms in latest life-results of the Leipzig Longitudinal Study of the Aged (LEILA 75+). International Journal of Geriatric Psychiatry, 27 (3), 286-295. doi:10.1002/gps.2718        [ Links ]

MacCarthy, L. H., Bigal, M. E., Katz, M., Derby, C., & Lipton, R. B. (2009). Chronic pain and obesity in elderly people: Results from the Einstein aging study. Journal of the American Geriatrics Society, 57(1), 115-119. doi:10.1111/j.1532-5415.2008.02089.x        [ Links ]

Merskey, H., & Bogduk, N. (1994). Introduction. In. H. Merskey, & N. Bogduk. Classification of chronic pain: description of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. (2ª ed., p. ix -xiv). Seattle: IASP Press.         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2012). Resolução Conselho Nacional de Saúde 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília, Brasil: MS. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html

Mossey, J. M, & Gallagher, R. M. (2004). The longitudinal occurrence and impact of comorbid chronic pain and chronic depression over two years in continuing care retirement community residents. Pain Medicine. 5(4), 335-348. doi:10.1111/j.1526-4637.2004.04041.x        [ Links ]

Moura, C. C., Chaves, E. C. L., Chianca, T. C. M., Ruginsk, S. G., Nogueira, A. N., & Lunes, D. H. (2019). Efeitos da auriculoacupuntura na dor crônica em pessoas com distúrbios musculoesqueléticos nas costas: ensaio clínico randomizado. Revista da Esscola de Enfermagem da USP, 53, e03418. doi:10.1590/S1980-220X2018009003418        [ Links ]

Oladeji, B. D., Makanjuola, V. A., Esan, O. B., & Gureje, O. (2011). Chronic pain conditions and depression in the Ibadan Study of Ageing. International Psychogeriatrics, 23 (6), 923-929. doi:10.1017/S1041610210002322        [ Links ]

Oliveira, J. P. R., Berardinelli, L. M. M., Cavaliere, M. L. A., Rosa, R. C. A., Costa, L. P., & Barbosa, J. S. O. (2019). Revista Gaúcha de Enfermagem, 40, e20180411. doi:10.1590/1983-1447.2019.20180411

Pinheiro, R. C, Uchida, R. R., Mathias, L. A. S., Perez, M. V., & Cordeiro, Q. (2014). Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. Journal Brasileiro de Psiquiatria, 63 (3), 213-219. doi:10.1590/0047-2085000000028        [ Links ]

Poole, H., White, S., DClinPsych, S. W., DClinPsych, C. B., Murphy, P., & Bramwell. (2009). Depression in chronic pain patients: Prevalence and measurement. Pain Practice, 9 (3), 173-180. doi:10.1111/j.1533-2500.2009.00274.x        [ Links ]

Radloff, L. S. (1977). The CES-D Scale: A self-report depression scale for research in the general population. Applied Psychological Measurement, 1 (3), 385-401. doi:10.1177/014662167700100306        [ Links ]

Romano, J. M., & Turner, J. A. (1985). Chronic pain and depression: Does the evidence support a relationship? Psychological Bulletin, 97 (1), 18-34. doi:10.1037/0033-2909.97.1.18        [ Links ]

Teh, C. F., Zaslavsky, A., Reynolds, C. F., & Cleary, P. D. (2010). Effect of depression treatment on chronic pain outcomes. Psychosomatic Medicine, 72 (1), 61-67. doi:10.1097/PSY.0b013e3181c2a7a8        [ Links ]

Teixeira, M. J. (2006). Dor e depressão. Revista Neurociências, 14(2), 44-53. doi:10.34024/rnc.2006.v14.8762        [ Links ]

Terassi, M., Rossetti, E. F., Luchesi, B. M., Say-Gramani, K., Hortense, P., & Pavarini, S. C. L. (2020). Revista Brasileira de Enfermagem, 73(1), e20170782. doi:10.1590/0034-7167-2017-0782

Torvik, K., Kaasa, S., Kirkevold, O., & Rustøen, T. (2010). Pain and Quality of Life Among Residents of Norwegian Nursing Homes. Pain Management Nursing, 11(1), 35-44. doi:10.1016/j.pmn.2009.01.001.         [ Links ]

Tsatali, M., Papaliagkas, V., Damigos, D., Mavreas, V., Gouva, M., & Tsolaki, M. (2014). Depression and anxiety levels increase chronic musculoskeletal pain in patients with Alzheimer's disease. Current Alzheimer Research, 11, 574-579. doi:10.2174/1567205011666140618103406        [ Links ]

Turk., D. C., Okifuji, A., & Scharff, L. (1995). Chronic pain and depression: role of perceived impact and perceived control in different age cohorts. Pain, 61(1), 93-101. doi:10.1016/0304-3959(94)00167-d        [ Links ]

Zis, P., Daskalaki, A., Bountouni, I., Sykioti, P., Varrassi, G., & Paladini, A. (2017). Clinical interventions in aging, 12 ,709-720. doi:10.2147/CIA.S113576

 

 

Endereço para correspondência:
Bruna da Silva Ferreira Tatagiba
brunatatagiba1@gmail.com

Recebido em: 24/05/2020
Aceito em: 24/07/2020

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons