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Contextos Clínicos
versión impresa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.2 no.2 São Leopoldo dic. 2009
ARTIGOS
Bullying na escola: comportamento agressivo, vitimização e conduta pró-social entre pares
Bullying at school: aggressive behavior, victimization and prosocial behavior among peers
Adriano Severo CalboI; Fernanda de Bastani BusnelloII; Marcelo Montagner RigoliII; Luiziana Souto SchaeferII; Christian Haag KristensenII
IPsicólogo clínico da Psicobreve. Rua Cândido Machado 429/509, Canoas, RS, Brasil. adriano.calbo@gmail.com
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 933, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. febastani@yahoo.com.br, marcelo.m.rigoli@gmail.com, luiziana.schaefer@gmail.com, christian.kristensen@pucrs.br
RESUMO
O fenômeno conhecido como bullying compreende diferentes formas de agressão, proposital e repetida, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s) em uma relação díspar de poder. Este estudo analisou a ocorrência de bullying na escola, considerando os comportamentos agressivos e de vitimização, assim como características pró-sociais em estudantes de quinta e sexta séries de uma escola particular do município de Canoas (RS). Participaram da pesquisa 143 estudantes de ambos os sexos, na faixa etária compreendida entre nove e 15 anos. Por meio da utilização do Peer Assessment, verificou-se que 26,57% dos indivíduos já se envolveram em situações de bullying, mas os meninos obtiveram escores mais altos, tanto em comportamentos de agressividade como de vitimização. Os resultados indicam a necessidade de priorizar estratégias de prevenção nas instituições de ensino.
Palavras-chave: bullying, comportamento agressivo, vitimização, comportamento pró-social, escola.
ABSTRACT
Bullying comprises different forms of aggression, intentional and repeated, perpetrated by one or more individuals towards others, within an uneven relationship. This study investigates the occurrence of bullying at school, considering aggressive and victimization behaviors, as well as prosocial characteristics of students from 5th and 6th grades in a private school in Canoas (RS, Brazil). The participants of this study were 143 students, of both genders, from 9 to 15 years old. Through Peer Assessment, it was found that 26,57% of the individuals have already been involved in bullying, while boys obtained higher scores in aggressive behaviors and victimization. The outcomes indicate the need to prioritize prevention strategies in educational set ings.
Key words: bullying, aggressive behavior, victimization, prosocial behavior, school.
Introdução
Existe uma grande variedade de definições para a palavra bullying, mas pode-se dizer que o termo se refere à exposição repetida a ações propositais que ferem ou prejudicam o indivíduo, caracterizando-se, principalmente, pela disparidade de poder entre os pares, de modo que uma pessoa é dominada por outra. Portanto, o desequilíbrio de poder e as atitudes negativas e repetidas entre iguais constituem as principais características que viabilizam a intimidação do alvo (Lopes Neto, 2005). Esses atos podem ser cometidos por meio de agressão verbal ou física, ou por meio de exclusão de um grupo (Lopes Neto, 2005; Olweus, 1993). Determinadas características de um indivíduo podem torná-lo uma vítima potencial de bullying, tais como etnia, orientação sexual, diferença de idade e tamanho (Dawkins, 1995; Smith, 2002).
O fenômeno de bullying é, atualmente, uma das formas mais recorrentes de violência na escola (Batsche, 1997). É importante destacar que as situações de bullying ocorrem em diversos contextos, sem restrição quanto ao nível socioeconômico, gênero ou faixa etária, sendo observadas em escolas públicas e privadas (Crothers e Levinson, 2004; Olweus, 1977, 1993). Diante do progressivo aumento dos casos de agressão observados no ambiente escolar e das graves consequências sociais que acarretam ao sistema educacional brasileiro, diversos estudos têm investigado o bullying entre estudantes do ensino fundamental e médio, bem como na população universitária (Bond et al., 2007; Carlyle e Steinman, 2007; Chapell et al., 2006; Glew et al., 2008; Kim et al., 2006; Pit on, 2006).
Além das diferentes definições encontradas para o termo bullying, há também formas distintas de classificá-lo. Assim, esse fenômeno pode ser qualificado quanto ao tipo de ato violento que é empreendido, diferenciando-se entre direto e indireto. O bullying direto, tanto físico como verbal, inclui agressão física, abuso sexual, roubo ou deterioração de objetos de outra pessoa, extorsão, insultos, apelidos e comentários racistas. A forma de bullying indireto, por sua vez, compreende a exclusão de uma pessoa do grupo, fofocas e apelidos que marginalizam o outro e qualquer outro tipo de manipulação cometida por um indivíduo ou um grupo contra outro (Olweus, 1993; Smith e Sharp, 1995).
Outra forma de classificação do bullying é em relação à função assumida pelos participantes, que podem ser vítimas, agressores, vítimas/agressores ou testemunhas (Dawkins, 1995). As vítimas ou alvos são os indivíduos expostos a ações perpetradas por outro(s), de forma repetida e durante um determinado período. Essas pessoas, em geral, são inseguras, pouco sociáveis e não dispõem de recursos para reagir à violência ou interrompê-la (Carney e Merrell, 2001; Dawkins, 1995; Pearce e Thompson, 1998). Os agressores, por sua vez, tendem a ser pessoas populares e dominadoras em relação aos seus alvos, além de envolverem-se em comportamentos antissociais (Chesson, 1999; Pearce e Thompson, 1998). Alguns aspectos como condições familiares adversas, maus-tratos, excesso de permissividade dos pais e mesmo fatores individuais (impulsividade, hiperatividade, déficit de atenção, baixo desempenho escolar) podem explicar as atitudes praticadas pelos perpetradores da violência (Dawkins, 1995; Eslea e Rees, 2001). Cerca de 20% dos indivíduos envolvidos em situações de bullying podem representar tanto o papel de vítimas como de agressores, dependendo do contexto em que se encontram. Essa dupla função pode ser justificada pela combinação de atitudes agressivas e uma baixa autoestima (Kaltiala-Heino et al., 1999; Kumpulainen et al., 2001). As testemunhas, por fim, são pessoas que não se envolvem diretamente em situações de bullying, mas assistem passivamente à violência cometida e se calam por medo, acobertando os agressores e contribuindo para a continuidade desses atos (Dawkins, 1995; Lopes Neto, 2005).
O bullying é uma preocupação universal, visto o grande número de trabalhos realizados no mundo todo, em países como Austrália, Holanda, Estados Unidos, Portugal e Coreia (Bond et al., 2007; Camodeca e Goossens, 2005; Carlyle e Steinman, 2007; Martins, 2005; Yang et al. 2006). No Brasil, as pesquisas sobre vitimização e comportamentos violentos na escola são recentes (Silva e Löhr, 2001). A falta de trabalhos sobre esse tema cria uma discussão a respeito da incidência do bullying, pois é difícil identificar se a prevalência desse fenômeno realmente está aumentando ou se foi o interesse social acerca do sistema escolar que gerou mais pesquisas e visibilidade. Dessa forma, há desacordo nos achados de pesquisas anteriores quanto à prevalência do bullying na escola, variando de 21% (Chapell et al., 2006) a 40% (Lopes Neto e Saavedra, 2003). Esses resultados incluem tanto comportamentos de agressividade como de vitimização.
A literatura aponta para diferenças entre os sexos na manifestação de comportamentos que envolvem bullying. Os meninos tendem a envolver-se mais em situações de bullying, tanto como autores quanto como alvos (Farrington, 1993; Lopes Neto, 2005; Olweus, 1994). Entre as meninas, o bullying também ocorre, embora com menor frequência, principalmente sob a forma de agressão indireta, que envolve exclusão social e difamação dos pares (Lopes Neto, 2005; Olweus, 1997). Esses resultados correspondem aos encontrados na literatura acerca da agressão, sugerindo que os meninos utilizam mais agressividade direta, sendo ela verbal ou física (Björkqvist, 1994; Björkqvist e Niemelä, 1992), enquanto as meninas, por sua vez, apresentam costumeiramente formas de agressividade social ou relacional (Olweus, 1997).
Em relação à idade em que o bullying ocorre mais frequentemente, alguns estudos verificaram que esse fenômeno parece atingir seu pico na faixa etária entre nove e 15 anos (Carney e Merrell, 2001; Frisén et al., 2007). As vítimas, em geral, possuem determinadas características que as fragilizam ante o agressor. Desse modo, as crianças mais novas podem ser alvos de outras crianças mais velhas. Outros indivíduos tornam-se vítimas por serem fracos fisicamente ou possuírem alguma característica percebida como negativa ou algo que os diferencie do grupo de iguais (Eslea e Rees, 2001). Olweus (1993) também constatou que a porcentagem dos indivíduos que relatam a vitimização declina gradualmente com o passar da idade. É menos provável a ocorrência de agressões físicas para aqueles com a idade mais avançada e que continuam em processo de vitimização na escola. Smith et al. (1999) inferiram que o bullying tende a cessar na maioria dos casos com o passar dos anos, porque os sujeitos que outrora eram vítimas vão adquirindo, gradualmente, habilidades sociais e, assim, aumentando sua autoestima (Frisén et al., 2007).
O bullying é considerado um estressor social crônico, que pode ocasionar diversos problemas para a vida do indivíduo, como depressão, ansiedade, estresse e baixa autoestima (Hamilton et al., 2008; Lund et al., 2008; Van der Wal et al., 2003). Esses efeitos decorrentes da violência direta ou indireta entre pares na infância trazem, muitas vezes, consequências para a vida adulta da pessoa que foi uma vítima crônica de bullying.
Assim, considerando o aumento significativo dos casos de violência na escola e do impacto que causa às pessoas, inclusive repercutindo na vida adulta, este estudo teve como principal objetivo investigar a ocorrência de comportamentos agressivos, vitimização e características pró-sociais associados ao bullying em estudantes do ensino fundamental de uma escola particular. Adicionalmente, tendo em vista os resultados apontados por estudos anteriores, também foi analisada a variável sexo na manifestação desses comportamentos.
Método
Participantes
Participaram dessa pesquisa 143 alunos, cursando regularmente a quinta e a sexta séries do Ensino Fundamental em uma escola particular no município de Canoas (RS). Os participantes - 69 meninas (48,3%) e 74 meninos (51,7%) - apresentaram uma idade média de 10,87 anos (DP = 1,02). Um participante foi excluído da amostra por apresentar o diagnóstico de autismo, não conseguindo completar a tarefa em tempo hábil. Apesar do questionário respondido parcialmente por esse estudante ter sido desconsiderado, para fins de análise, as citações dos colegas em relação ao seu nome foram consideradas.
Instrumento
Para a coleta dos dados, foi usado o Peer Assessment (Rubin et al., 1998), que consiste em uma lista de trinta afirmativas que descrevem características comportamentais de amigos/ colegas da sala de aula. Ao lado de cada característica, o respondente deve escrever o nome do(s) seu(s) colega(s) de aula que, em sua opinião, mais se identifica(m) com as mesmas. Essas trinta afirmativas são agrupadas em três fatores: Fator 1 = características pró-sociais, Fator 2 = características de comportamento agressivo e Fator 3 = características comportamentais de vitimização. O instrumento original desenvolvido por Rubin et al. (1998) foi traduzido para o português e retraduzido para o inglês por pesquisadores bilíngues diferentes (back-translation), conforme estudo de Lisboa (2005). Além dessa tradução, Lisboa (2005) incluiu ao Peer Assessment outros itens elaborados com base em instrumentos existentes e na literatura atual na área. O questionário também considera a linguagem usual para determinada característica e a cultura em que as afirmativas enquadram-se, determinando os três comportamentos distintos. Lisboa (2005) determinou, ainda, o ponto de corte, comparando os seus resultados com os da pesquisa de Rubin et al. (1998).
Procedimentos
Para a realização deste estudo, procedimentos éticos e operacionais foram inicialmente adotados. Foi realizado contato com a direção da escola e, posteriormente, a divulgação deste trabalho junto aos professores. Cada professor recebeu uma carta contendo material explicativo sobre bullying e sobre a pesquisa a ser realizada. Também foi oferecida, aos professores e à equipe pedagógica, uma palestra sobre o tema. Antes da aplicação do instrumento, foi feita uma breve explicação sobre os objetivos do instrumento e o seu correto preenchimento, além de serem prestados esclarecimentos a todas as dúvidas dos participantes. Em relação à indicação dos nomes dos sujeitos, foi estabelecido um padrão, inclusive para a diferenciação de nomes iguais. Os sujeitos foram solicitados a escrever, ao lado de cada afirmativa, o nome do(s) colega(s) que julgassem possuir a característica descrita, conforme a explicação realizada previamente. Os participantes podiam citar/ escrever mais de um nome (de colegas) ao lado de cada item.
Com a autorização das professoras, todos os alunos receberam e responderam individualmente o Peer Assessment na sala de aula, contando sempre com a presença de um dos pesquisadores. Foi solicitado a cada professora que aguardasse fora da sala, a fim de transmitir confiança e conforto aos participantes.
O levantamento das respostas consistiu em calcular o número de citações que cada participante recebeu dos seus pares para cada item do instrumento, na sua turma. Os escores brutos foram transformados em escores z, o que auxiliou a compreensão e visualização de valores mínimos e máximos, próximos ou distantes de uma média. Após esse levantamento, foram classificados, segundo seu papel social (pró-sociais, agressores e/ou vítimas), aqueles participantes cujos escores encontravam-se ao menos um desvio padrão acima da média para determinado fator na turma que se inseria. Os dados foram analisados descritiva e inferencialmente no programa SPSS for Windows (Versão 11.5).
Resultados
Conforme descrito anteriormente, para a padronização dos escores obtidos por cada indivíduo, foi calculado um escore z que forneceu média e desvio-padrão para cada fator. Assim, se um indivíduo possuía o escore z igual ou superior a um desvio-padrão, ele era classificado como pró-social, agressor ou vítima, para o respectivo fator. Adicionalmente, verificou-se a consistência interna para cada fator do Peer Assessment. Os coeficientes Alfa de Cronbach obtidos foram os seguintes: Fator 1, α = 0,88; Fator 2, α = 0,89; Fator 3, α = 0,81.
Os resultados obtidos revelaram que 26,57% (n = 38) dos alunos da amostra já se envolveram em alguma situação de bullying. Em uma análise intraturmas, percebe-se que o padrão de número de vítimas e algozes varia, pois, em uma turma de quinta série, havia mais algozes que vítimas, sugerindo que uma vítima pode ser agredida por mais de um algoz. Em outras duas turmas (quinta e sexta séries), o número de agressores é menor que o de vítimas, sugerindo que cada algoz tem mais de uma vítima. Finalmente, em uma turma da sexta série, o número de agressores é igual ao de vítimas.
Dentre os indivíduos que participaram de episódios de bullying, ou seja, como vítimas ou como agressores, 73,69% eram do sexo masculino e 26,31% correspondiam ao sexo feminino. O Fator 1 (comportamento pró-social) foi encontrado em 15 indivíduos (10,48%): 53,33% correspondiam aos meninos e 46,67% referiam-se às meninas. No Fator 2 (comportamento agressivo), foram caracterizados como agressores 18 indivíduos (12,58%), dos quais 66,67% eram meninos e 33,33% eram meninas. No Fator 3 (vitimização), 20 indivíduos (13,99%) tiveram escore: 80% eram do sexo masculino e apenas 20% eram do sexo feminino.
Os fatores foram analisados quanto ao seu grau de associação. Para tanto, foi computado o coeficiente de correlação de postos de Spearman (teste de significância bi-caudal). Conforme pode ser visualizado na Tabela 1, dois coeficientes de correlação alcançaram significância estatística. Primeiro, ainda que modesta, observou-se uma correlação negativa entre comportamento pró-social e vitimização. Segundo, foi verificada uma correlação positiva entre comportamento agressivo e vitimização.
Discussão
O estudo confirmou o que outras pesquisas já haviam evidenciado, isto é, que o fenômeno de bullying está presente no âmbito escolar, consistindo em um dos principais fatores intervenientes para a violência nas escolas (Chapell et al., 2006). Esse tema tem sido discutido com frequência em diversos estudos (Bardick e Bernes, 2008; Castro, 1998; Culley et al., 2006), sobretudo a partir dos anos 90, quando alguns episódios de atentados violentos em escolas ganharam grande repercussão internacional, como o massacre na escola Columbine, no estado americano do Colorado1. A prevalência de bullying encontrada neste estudo é semelhante aos achados de outras pesquisas (Carlyle e Steinman, 2007; Glew et al., 2008).
Estudos apontam que a idade é um fator relevante para os comportamentos de bullying. Frisén et al. (2007) constataram que o pico de idade entre os sujeitos vitimizados é de sete a nove anos, enquanto, para os indivíduos perpetradores de bullying, a faixa correspondente é de dez a 12 anos. Uma vez que a média de idade da amostra estudada é de 10,81, uma hipótese explicativa para os resultados encontrados nessa pesquisa é a de que os episódios envolvendo bullying decrescem com o passar dos anos e que os indivíduos mais novos são vitimizados pelos mais velhos.
Quanto ao sexo, os resultados corroboram estudos anteriores (Frisén et al., 2007; Klomek et al., 2007) e sustentam a literatura revisada, uma vez que os meninos tendem a se envolver mais em situações de bullying do que as meninas. Uma hipótese possível para essa diferença entre os sexos é que os meninos da faixa etária observada encontram-se em uma fase na qual a competição por status e a busca por prestígio das meninas aumenta consideravelmente, e isso os faz assumirem comportamentos de risco (Baker e Maner, 2008).
Além disso, os indivíduos do sexo masculino apresentaram maior probabilidade de serem perpetradores de condutas agressivas (Björkqvist e Niemelä, 1992; Hunter et al., 2004; Olweus, 1997). De fato, a literatura aponta para uma maior tendência dos indivíduos do sexo masculino a apresentarem comportamentos hostis e atos de agressividade (Farrington, 1993; Lopes Neto, 2005; Olweus, 1994). Ademais, alguns transtornos mentais apontam uma incidência superior em indivíduos do sexo masculino, sobretudo os transtornos disruptivos, como o Transtorno Opositor-Desafiante e o Transtorno de Conduta (American Psychiatric Association, 1995).
Quanto à vitimização, isto é, entre aqueles indivíduos que sofreram algum tipo de situação agressiva, os resultados revelaram que o número de vítimas superou o número de agressores, corroborando com a pesquisa de Carlyle e Steinman (2007). Além disso, assim como os achados de outros estudos, a maioria das vítimas também era do sexo masculino (Farrington, 1993; Nansel et al., 2003; Olweus, 1994; Spriggs et al., 2007). Entretanto, a literatura também aponta que as consequências do bullying para suas vítimas, como sintomas depressivos e abuso de substâncias, eram mais presentes em indivíduos do sexo feminino do que do sexo masculino (Carlye e Steinman, 2007). Uma das possíveis explicações para esta diferença é que, embora as vítimas do sexo masculino sejam mais frequentes, as meninas tendem a utilizar formas psicológicas de agressão, como ocorre no bullying indireto, o que leva a produzir efeitos mais prejudiciais ao indivíduo do que as formas de violência direta, como em situações de agressões físicas (Carlye e Steinman, 2007). Ao mesmo tempo, o fato de as meninas utilizarem formas de violência mais sutis que os meninos pode dificultar a identificação do bullying entre elas (Lopes Neto, 2005). Assim, ressalta-se a importância de pesquisas que avaliem, além da presença de situações de bullying, o impacto das consequências deste para suas vítimas.
No entanto, quando foram analisados os comportamentos pró-sociais, os meninos apresentaram escores mais elevados do que as meninas, contestando os achados de pesquisas anteriores e a literatura revisada (Archer, 2001; Arnold et al., 1999; Besag, 2006; O'Connell et al., 1999). Em uma análise qualitativa dos dados, observou-se que o maior escore desse fator (comportamento pró-social) foi obtido por uma menina, revelando uma grande diferença em relação aos outros alunos. Esses resultados sustentam a ideia de que o gênero tem influência na manifestação de comportamentos agressivos, especialmente nos casos de agressividade direta, que inclui agressões verbais e físicas, condutas mais comumente observadas nos meninos (Björkqvist e Niemelä 1992; Hunter et al., 2004; Olweus, 1997).
Nas análises das associações entre os fatores mensurados pelo Peer Assessment, foi possível visualizar aspectos dinâmicos do fenômeno de bullying. A associação negativa entre comportamento pró-social e vitimização pode ser interpretada em, pelo menos, duas direções: a primeira, na qual a manifestação de comportamentos pró-sociais - como ir bem na escola, ser um bom líder, se importar com o bem-estar dos demais - funciona como um fator de proteção contra sofrer vitimização; e a segunda, na qual os efeitos da vitimização diminuem a capacidade do indivíduo de manifestar comportamentos pró-sociais. A associação entre comportamento agressivo e vitimização, por sua vez, pode indicar uma interação recíproca, na qual manifestações de agressividade são reforçadas em um esquema de modelação do comportamento, conforme a teoria da aprendizagem social2.
Conclusão
Os achados deste estudo revelaram que o bullying na escola é um problema bastante sério e atinge uma parcela importante dos estudantes. Isso indica que muitos jovens estão expostos ao risco de sofrerem abusos regulares de seus pares. A escola deve ser um espaço institucional, no qual alunos e professores possam se desenvolver, aprender uns com os outros e exercer a cidadania (Guzzo, 2001). Dessa forma, salienta-se que mais estudos sobre bullying são necessários para expor algumas questões relacionadas à violência observada constantemente nas escolas.
A relação entre comportamentos agressivos e gênero é notória, uma vez que os meninos mostraram mais características de agressividade direta do que as meninas, além de serem mais vitimizados. Esses achados evidenciam que o fenômeno de bullying está fortemente associado ao sexo masculino, sobretudo nos casos de agressão física e verbal. Admite-se que a utilização de apenas um instrumento para avaliar os comportamentos de vitimização, agressividade e características pró-sociais dos estudantes foi uma limitação deste estudo. Entrevistas com professores e pais poderiam enriquecer a pesquisa, possibilitando verificar diferentes níveis do fenômeno que, pela simples aplicação do instrumento, não foram possíveis.
Além da diminuição da autoestima e dos prejuízos no desempenho escolar e nas relações sociais, o bullying pode trazer outras consequências mais graves, como o desenvolvimento de psicopatologias, como a depressão, a Fobia Social e, até mesmo, a tentativa de suicídio para aqueles indivíduos que são vitimizados, assim como a manifestação de Transtorno de Conduta (na adolescência) e o Transtorno da Personalidade Anti-Social (na vida adulta), e intenções homicidas, para aqueles que se caracterizam como algozes (Constantini, 2004). Ademais, tanto as vítimas quanto aqueles que apresentam um comportamento mais agressivo não recebem o apoio necessário e adequado. Dessa maneira, ressalta-se a importância de que esses comportamentos agressivos, manifestados pelas crianças e adolescentes, sejam combatidos prioritariamente na escola, uma vez que intervenções corretivas ou terapêuticas, que focalizem a pessoa individualmente, sem trabalhar seu contexto de vida, são ineficientes (Guzzo, 2001). Assim, é necessária uma intervenção em que as diversas esferas do indivíduo sejam abordadas, a fim de que haja uma efetiva melhora na situação desses sujeitos. É papel da escola denunciar toda forma de vitimização e agressão, tanto física quanto psicológica, para que ela se constitua num espaço saudável de aprendizado. O fato de as escolas desconhecerem ou negarem a existência do bullying pode acarretar problemas que ultrapassam o âmbito escolar, podendo se estender à esfera familiar e à esfera social, gerando complicações às diversas áreas de funcionamento do indivíduo. Por isso, é necessária a priorização de ações de prevenção nas instituições de ensino, público e/ou privado, objetivando a garantia da saúde e da qualidade da educação. Além disso, Lopes Neto (2005) ressalta que é obrigação dos educadores, profissionais da saúde e familiares atentarem e identificarem possíveis situações de dificuldades entre a criança e/ou adolescente com os jovens de seu convívio social. O autor também destaca a importância da promoção de estratégias que considerem características sociais, econômicas e culturais da população.
Com o aperfeiçoamento de técnicas de manejo dos profissionais da educação, muitos alunos que hoje atuam como algozes podem ter à disposição um trabalho comportamental e cognitivo necessário para a modificação ou a não perpetuação desses comportamentos agressivos. Essa busca deve ser incessante, impedindo, assim, a solidificação de um comportamento que pode causar danos por toda a vida, tanto para o agressor quanto para a vítima e a todos que os cercam, amigos, familiares e sociedade.
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Submetido em: 22/04/2009
Aceito em: 08/06/2009
1 Em abril de 1999, dois jovens assassinaram colegas e professores na escola Columbine, nos Estados Unidos. O ataque inspirou alguns filmes como Elefante, de Gus Van Sant, e Tiros em Columbine, de Michael Moore, além de jogos virtuais que simulam o massacre ocorrido.
2 Para aprofundamento das teorias psicológicas sobre a agressão física, recomenda-se consultar Kristensen et al. (2003).