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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.4 no.1 Juiz de fora jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Uso de drogas e estilos parentais percebidos na adolescência

 

Drug use and perceived parental styles in adolescence

 

 

Aline Eymael Domingues; Jean Carlos Natividade; Cláudio Simon Hutz1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar as relações entre estilos parentais percebidos e uso de drogas por adolescentes, além de testar o poder preditivo dos estilos parentais para o consumo dessas substâncias psicoativas. Para tanto, aplicou-se um inventário sobre o uso de drogas e uma escala de estilos parentais em 649 estudantes de escolas públicas e particulares, com média de idade de 14,9 anos (DP=1,6), 55% do sexo feminino. Constatou-se maior frequência de usuários de drogas entre os participantes do Ensino Fundamental, os de escolas públicas e os com percepção de estilo parental negligente. As variáveis idade, tipo de escola, exigência e responsividade parental compuseram um modelo preditivo para o consumo de drogas. Os resultados indicaram a importância do estilo autoritativo para a prevenção e do negligente para o risco do uso de drogas.

Palavras-chave: Droga (Uso), Estilo Parental, Adolescentes


ABSTRACT

The aim of this study was to verify the relations between perceived parental styles and drug use by adolescents, as well as to test the predictive power of the parental styles for the consumption of these psychoactive substances. For that, an inventory about the use of drugs and a scale of parental styles were applied in 649 students of public and private schools, with a mean age of 14.9 years (SD=1.6), 55% female. The results showed a higher frequency of drug users among students of elementary schools and of public schools and among those who presented a perception of negligent parental style. The variables age, type of school, parental demandingness and responsiveness composed a predictive model for drug use. The results pointed out the importance of the authoritative style for the prevention and of the negligent style for the risk of drug use.

Keywords: Drug (Use), Parenting Style, Adolescents


 

 

O uso de substâncias psicoativas pelos homens remonta eras primitivas e pode ser diferentemente descrito em função de fatores como o padrão de consumo, espécies de substâncias, frequência e objetivos do uso (MacRae, 2001). Esses fatores também podem ser utilizados para classificar os tipos de usuários e as próprias substâncias psicoativas, além de determinar suas licitudes de uso em determinada sociedade (Medina, Santos, & Almeida Filho, 2001). Medicamentos, álcool, drogas lícitas e drogas ilícitas são referências comuns a essas substâncias; porém, embora se reconheçam as implicações vinculadas a cada nomenclatura, neste estudo, será utilizado o termo droga para se referir a qualquer uma delas utilizada sem recomendação especializada.

Um levantamento sobre uso do álcool com amostra representativa da população brasileira (Laranjeira, Pinsky, Zaleski, & Caetano, 2007), em que 3.007 pessoas foram acessadas, entre adolescentes e adultos, revelou que 53% dos brasileiros já fizeram uso de álcool; dentre os usuários, 24% faziam uso frequente dessa substância. Entre os adolescentes, 24% consumiram álcool pelo menos uma vez por mês. Em outra pesquisa, que incluiu o consumo de outras drogas além do álcool, Carlini, Galduróz, Noto e Nappo (2006) constataram que 74,6% dos brasileiros já haviam usado álcool e 22,8% já utilizaram outro tipo de droga. No que diz respeito aos participantes com idade entre 12 e 17, 54,3% já tinham ingerido álcool e 7% poderiam ser enquadrados como dependentes dessa droga. Em um estudo realizado especificamente com a população adolescente, Galduróz, Noto, Fonseca e Carlini (2005) abordaram 48.155 estudantes nas capitais brasileiras, 50,8% eram mulheres, 83,7% tinham idade entre 10 e 18 anos e 71,6% estudavam no Ensino Fundamental e os demais cursavam o Ensino Médio. Dentre todos, 65,2% declararam já ter usado álcool e 22,6%, algum outro tipo de droga.

Além de danos fisiológicos advindos do uso de drogas, uma série de prejuízos psicológicos e sociais está associada a essas substâncias, como: dependência, violência, roubos, tráfico, acidentes de trânsito etc. Um levantamento em 12 países, entre eles o Brasil, apontou o uso de álcool como responsável por 20,4% de acidentes com danos físicos. Além disso, no mundo inteiro, anualmente, somente o álcool provoca 3,2% de mortes e é o responsável por 4% de todas as doenças (WHO, 2007). Tendo em vista as consequências negativas do uso e a idade com que as pessoas iniciam o consumo de drogas, que coincide com o período da adolescência (Laranjeira et al., 2007), pode-se considerar o consumo dessas substâncias um fator de risco ao desenvolvimento (Yunes & Szymanski, 2001).

Entre as variáveis relacionadas ao consumo de drogas por adolescentes, apontam-se como predisponentes do uso: ser do sexo masculino (Carlini et al., 2006; Galduróz et al., 2005; Laranjeira et al., 2007), incrementos na idade (Baus, Kupek, & Pires, 2002; Laranjeira et al., 2007; Strauch, Pinheiro, Silva, & Horta, 2009), defasagem escolar (Horta, Horta, Pinheiro, Morales & Strey, 2007; Tavares, Béria, & Lima, 2001; Strauch et al., 2009), estudar em escola pública (Soldera, Delgalarrondo, Correa Filho, & Silva, 2004), grupo de iguais consumidores de drogas (Wood, Read, Mitchell, & Brand, 2004), uso de drogas pelos pais (Bahr, Hofmann, & Yang, 2005), não viver com os pais (Noto et al., 2004), não-monitoramento parental (Bahr et al., 2005; Borawski, Ievers-Landis, Lovegreen, & Trapl, 2003; Springer, Sharma, Guardado, Nava, & Kelder, 2006) e estilo parental diferente do autoritativo (Weiss & Schwarz, 1996). Essas últimas variáveis, relacionadas à família, podem sobrepor o poder preditivo das demais (Wood et al., 2004), o que pode conferir aos cuidadores dos adolescentes uma especial importância preventiva ao uso de drogas (Sanchez, Oliveira, & Nappo, 2005; Wu, Lu, Sterling, & Weisner, 2004).

O contexto proporcionado pelos pais no ambiente familiar, de acordo com suas crenças e valores, que atuam na socialização dos filhos, pode ser entendido como estilo parental (Darling & Steinberg, 1993). Maccoby and Martin (1983) sugeriram que os estilos parentais fossem analisados por meio de duas dimensões: exigência e responsividade. A exigência refere-se às atitudes dos pais que visam ao controle, à supervisão e ao monitoramento dos filhos, por meio do estabelecimento de limites, regras e padrões de conduta, portanto, incitam supervisão e disciplina e podem provocar confronto diante de desobediência. Tal dimensão relaciona-se com o desenvolvimento de indivíduos competentes, com escores elevados em medidas de desempenho e obediência e baixos em problemas de comportamento, por outro lado pode associar-se a indivíduos inseguros quanto ao próprio desempenho, com índices mais baixos de autoestima e com mais sintomas de desajustamentos psicológicos (Lamborn, Mounts, Steinberg, & Dornbusch, 1991).

Já a dimensão responsividade diz respeito à compreensão, ao apoio emocional, ao apego, à reciprocidade e à comunicação clara dos pais para com os filhos, pretendendo promover autonomia e utoafirmação (Maccoby & Martin, 1983). A responsividade refere-se às atitudes parentais que objetivam a individualidade e a autoafirmação dos filhos por meio do apoio e da aprovação. A responsividade relaciona-se a índices mais altos de bem-estar psicológico, autoestima e autoconfiança (Lamborn et al., 1991).

Quatro estilos parentais podem ser discriminados a partir da combinação das dimensões exigência e responsividade, que, geralmente, são avaliadas por meio de uma escala (Maccoby & Martin, 1983): escores altos nas duas dimensões caracterizam pais autoritativos; baixos escores em ambas as dimensões classificam pais negligentes; escores altos em exigência e baixos em responsividade descrevem pais autoritários; e, por fim, elevados escores em responsividade e baixos em exigência especificam pais indulgentes (Costa, Teixeira, & Gomes, 2000; Maccoby & Martin, 1983).

Pais de estilo autoritativo estabelecem regras e as fazem cumprir por meio do monitoramento da conduta e da utilização de métodos não-punitivos. Eles esperam e reforçam responsabilidade social e comportamento maduro em seus filhos. Além disso, são calorosos, encorajam o diálogo, incentivam o ponto de vista dos filhos e reconhecem tanto os seus direitos quanto os dos filhos (Pacheco, Gomes, & Teixeira, 1999; Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts, & Dornbusch, 1994). Os pais de estilo negligente apresentam uma tendência a não monitorar o comportamento de seus filhos e a não se importar com os interesses deles (Pacheco et al., 1999; Steinberg et al., 1994). Os indulgentes também são tolerantes, costumam exercer pouca autoridade e fazem poucas exigências por comportamento maduro. Entretanto, eles envolvem-se com seus filhos, ao contrário dos pais negligentes (Pacheco et al., 1999; Steinberg et al., 1994). Os pais autoritários tendem a controlar o comportamento de seus filhos de acordo com um determinado padrão, dão ênfase à obediência, ao respeito pela autoridade e à ordem. Contudo, eles não encorajam o diálogo com seus filhos e esperam que eles sigam as regras mesmo que estas não tenham sido adequadamente explicadas, o que contrasta com o estilo autoritativo (Pacheco et al., 1999; Steinberg et al., 1994).

Tendo em vista a importância atribuída à socialização proporcionada pela família no âmbito do consumo de drogas, sobretudo à maneira como os cuidadores relacionam-se com seus filhos, elaborou-se este estudo com o objetivo de verificar as relações entre os estilos parentais e o uso de drogas por adolescentes. Além disso, foi alvo desta pesquisa testar o poder preditivo da exigência e responsividade parental para o consumo de drogas pelos participantes.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 649 adolescentes, amostra de conveniência, com idades entre 12 e 19 anos (M=14,9 anos; DP=1,6 anos), sendo que 55% eram do sexo feminino (n=360). Dentre todos, 60% residiam com mãe e pai, 25% apenas com a mãe, 11% moravam com outros familiares e 4% viviam exclusivamente com o pai. Quanto à escolaridade, 51% cursavam o Ensino Médio e 49% o Ensino Fundamental, e 63% eram provenientes de escola pública, enquanto 47% eram de escola particular.

Instrumentos

Utilizou-se um questionário autoaplicável, de respostas fechadas, com três blocos de perguntas apresentados na seguinte sequência:

• Sociodemográficas: cinco perguntas referentes ao sexo, idade, escolaridade, tipo de escola (pública ou particular) e com quem moravam (ambos os pais, apenas com a mãe, apenas com o pai ou com outros familiares).

• Escalas de exigência e responsividade parental percebida (Costa et al., 2000): seis itens sobre percepção de exigência e dez itens sobre percepção da responsividade parental, dispostos em formato Likert de três pontos, de maneira que quanto mais próximo de três, maior a exigência e responsividade percebida. Nesta pesquisa, as escalas apresentaram índices de consistência interna (alfa de Cronbach) adequados: 0,72 para exigência e 0,78 para responsividade, semelhantes aos encontrados no estudo original.

• Inventário de Uso de Drogas: um conjunto de 15 perguntas sobre o uso de drogas e efeitos no organismo, em que os participantes deveriam responder sim ou não, correspondente à área 1 do Inventário de Uso de Drogas adaptado para o Brasil por De Michelli e Formigoni (1998).

Procedimentos

Os participantes foram localizados em escolas públicas e particulares da cidade de Porto Alegre/RS. Inicialmente, contataram-se os responsáveis pelas escolas e propô-se a realização da pesquisa com seus estudantes. Com os responsáveis que aceitaram disponibilizar a escola para a participação, agendaram-se as aplicações coletivas dos instrumentos nos locais e horários das aulas dos participantes. Então, apresentavamse os objetivos da pesquisa aos adolescentes e em que consistiriam suas participações. Àqueles que não tinham idade igual ou superior a 18 anos e desejavam participar da pesquisa foi também solicitada autorização de seus pais ou responsáveis.

Examinaram-se as relações entre a idade e as outras variáveis sociodemográficas mediante teste t de Student e ANOVA one-way. As associações entre as demais variáveis sociodemográficas foram examinadas por meio de teste qui-quadrado. Testaram-se relações entre as variáveis sociodemográficas e as médias das escalas de exigência e responsividade por intermédio de MANOVA e, para a idade, realizou-se correlação de Pearson. A partir das medianas dessas escalas, definiram-se quatro grupos de estilos parentais: negligente (abaixo da mediana em ambas as escalas), autoritário (igual ou acima da mediana em exigência e abaixo em responsividade), indulgente (abaixo da mediana em exigência e igual ou acima em responsividade) e autoritativo (igual ou acima da mediana em ambas as escalas).

Foram considerados usuários de álcool ou outra droga os participantes que responderam afirmativamente a qualquer pergunta do inventário de uso de drogas, e não-usuários aqueles que responderam não a todos os itens do inventário. Verificaram-se associações entre o uso ou não de drogas e estilos parentais e as variáveis sociodemográficas através de teste qui-quadrado. Por fim, testou-se o poder preditivo das variáveis sociodemográficas sexo (masculino, feminino), idade, escolaridade (Ensino Fundamental, Ensino Médio), tipo de escola (pública, particular), com quem reside (ambos os pais, apenas mãe, apenas pai, outros familiares) e médias nas escalas de exigência e responsividade parental para o uso de drogas mediante regressão logística método forward stepwise (WALD).

 

Resultados

A idade dos participantes não apresentou diferença entre os sexos [t(642)=1,16; p=0,84], tampouco entre os grupos formados a partir de com quem residiam [F(3,622)<1]. Já entre aqueles provenientes de escola pública (M=14,7 anos; DP=1,7 anos) e particular (M=15,4 anos; DP=1,2 anos) [t(618,8)=6,26; p<0,001]. E entre os estudantes do Ensino Fundamental (M=14,0 anos; DP=1,2 anos) e Ensino Médio (M=15,8 anos; DP=1,4 anos) [t(625,0)=17,28; p<0,001], a idade mostrou-se significativamente diferente.

O sexo dos participantes associou-se à escolaridade [X2(1, N=636)=4,73; p<0,05; v=0,09] de maneira que 51% dos que frequentavam o Ensino Fundamental e 59% dos que cursavam o Ensino Médio eram mulheres. Além disso, a variável sexo se associou a com quem residiam os participantes [X2(3, N=630)=15,50; p=0,001; v=0,16], estando as relações entre aqueles que residiam com o pai (resíduo ajustado > 2), tal que 75% dos que moravam com o pai eram do sexo masculino. Já a variável tipo de escola (pública ou particular) não se associou ao sexo dos participantes [X2(1, N=642)=2,92; p=0,09] ou a com quem moravam [X2(3, N=625)=2,32; p=0,51]. Contudo, o tipo de escola associou-se à escolaridade [X2(1, N=633)=366,58; p<0,001; v=0,73] de modo que 22,9% dos participantes de escola pública estavam no Ensino Médio, enquanto 98,3% dos estudantes de escola particular tinham essa escolaridade. A variável escolaridade, por sua vez, não se relacionou a com quem os estudantes residiam [X2(3, N=619)=4,10; p=0,25].

As médias das escalas de responsividade e exigência parental percebida para todos os participantes mostraram-se acima do ponto médio da escala (2 pontos) e foram, respectivamente, 2,39 (DP=0,39) e 2,52 (DP=0,41). Entre as mulheres (M=2,57; DP=0,02), a escala de exigência apresentou médias superiores às dos homens M=2,46; DP=0,02) [Lambda de Wilks=0,98; F(1,609)=9,56; p<0,01]; já as médias da escala de (responsividade não se diferenciaram entre os sexos [F(1,609)=0,68; p=0,41]. Os grupos formados pelas demais variáveis sociodemográficas não mostraram diferenças de médias nas duas escalas; além disso, as médias não se correlacionaram com a idade dos participantes.

A partir das medianas das escalas de responsividade (Med=2,44) e exigência (Med=2,67) parental percebida, definiram-se os quatro grupos de estilos parentais, tal que o grupo indulgente foi composto por 44,8%, o negligente por 21,3% dos participantes, o autoritário por 18,4% e o autoritativo por 15,5%. Os grupos de participantes que usaram ou não drogas foi determinado a partir das respostas ao Inventário de Uso de Drogas de maneira que 69,8% dos participantes responderam sim a, pelo menos, uma das perguntas do inventário (grupo usuários) e 30,2% deles responderam não a todas as perguntas (grupo não-usuários).

As relações entre aqueles que usaram ou não drogas e as variáveis sociodemográficas e grupos de estilos parentais podem ser vistas na Tabela 1. Destacam-se associações significativas entre o uso de drogas e (1) a escolaridade dos participantes, com um maior número de usuários no Ensino Fundamental; (2) o tipo de escola, com maior porcentagem de participantes usuários na escola pública; (3) os estilos parentais, de maneira que o estilo negligente apresentou a maior porcentagem e o estilo autoritativo, a menor porcentagem de usuários. Ainda, a idade dos participantes considerados usuários foi superior à daqueles que não usaram drogas.

Ao se testar o poder preditivo para o uso de drogas das variáveis sociodemográficas (idade, sexo, escolaridade, tipo de escola, com quem mora) e médias nas escalas de exigência e responsividade parental percebida, constatou-se que as variáveis: idade, escola pública, média na escala de exigência e média na escala de responsividade compuseram um modelo significativo (teste Omnibus, p<0,01) e ajustado (teste Hosmer e Lemeshow, p=0,08) com capacidade preditiva geral de 72,7%. Como mostra a Tabela 2, cada variação ascendente de um ano na idade sugere um aumento de 1,27 vezes nas chances de os participantes terem usado drogas; no mesmo sentido, ser de escola pública, comparado a ser de escola privada, indica 4,03 vezes mais chances de os participantes terem usado drogas. De outro modo, a cada aumento de um ponto na média da escala de exigência, reduzem-se em 61% as chances de eles terem usado drogas; e a cada acréscimo de um ponto na média da escala de responsividade, decrescem em 57% as chances de os participantes terem usado drogas.

 

Discussão

Cerca de 70% dos participantes deste estudo assinalaram ao menos uma resposta afirmativa às perguntas do Inventário de Uso de Drogas - Área 1 - e foram considerados usuários de drogas. Embora a amostra deste estudo tenha sido de conveniência, portanto, não-representativa da população das cidades pesquisadas e não-passíveis de generalizações, os achados sobre a frequência de usuários revelam uma tendência que se mostra superior aos dados brasileiros para população com idade semelhante (Carlini et al., 2006; Galduróz et al., 2005; Laranjeira et al., 2007). Ainda que não tenha sido alvo verificar a frequência com que os participantes utilizaram álcool ou qualquer outra droga, os dados já são preocupantes do ponto de vista dos riscos ao desenvolvimento saudável e às possibilidades de o uso, mesmo que ocasional, causar dependência.

Entre as variáveis relacionadas ao uso de drogas para a população deste estudo, destaca-se a idade mais elevada entre aqueles que já utilizaram droga; resultados semelhantes concernentes à idade foram encontrados também por Baus et al. (2002), Galduróz et al. (2005) e Strauch et al. (2009). Mesmo que o tamanho do efeito da diferença de idades (d=0,18) tenha sido baixo neste estudo, os achados de outros pesquisadores e a presença dessa variável no modelo preditivo para o uso de droga salientam a importância de se considerarem os elementos associados ao aumento da idade que incrementam o risco para o uso de drogas entre adolescentes. Ainda, a partir da idade mais elevada dos usuários e da maior frequência de usuários entre os estudantes do Ensino Fundamental, podese inferir: (1) iniciar tardiamente o Ensino Fundamental pode estar relacionado ao uso de drogas; e (2) pode haver uma relação entre repetência de ano na escola e uso de drogas. Horta et al. (2007), Tavares et al. (2001) e Strauch et al. (2009) encontraram resultados que apoiam essa segunda inferência.

Estudar em escola pública mostrou-se um fator associado ao uso de drogas e ainda entrou no modelo preditivo, resultado semelhante ao encontrado por Soldera et al. (2004). A alta concentração de estudantes de Ensino Fundamental na amostra de escola pública reforça a ideia de um menor rendimento escolar entre os usuários de drogas e aponta um fator de alerta para os responsáveis por esses adolescentes, seja na escola ou na família. Também se ressalta a importância de ações governamentais, tendo em vista que as escolas públicas são administradas por esferas do governo, focadas em intervenções preventivas ao uso de drogas nessas instituições de ensino. Noções sobre intervenções preventivas ao uso de drogas podem ser encontradas em Neiva-Silva e Carvalho (2007).

O sexo dos participantes e com quem eles viviam (ambos os pais, apenas mãe, apenas pai, outros familiares) não se mostraram associados ao uso de drogas, tampouco entraram no modelo de predição do uso. Esses resultados são contrários aos encontrados por Baus et al. (2002), com relação à idade, e por Noto et al. (2004), com relação a com quem conviviam os adolescentes. De outro modo, salientam a importância dos estilos de cuidado como principais fatores de risco ou proteção para o uso de drogas entre adolescentes.

A percepção de estilo negligente abarcou a maior porcentagem de usuários de drogas. Tal relação, ajuntados os indicadores de aumento das chances de uso de drogas mediante decréscimos nas médias das escalas de exigência e responsividade parental, corrobora as expectativas de risco ao desenvolvimento saudável desse estilo parental (Reppold, Pacheco, Bardagi, & Hutz, 2002; Steinberg et al., 1994). Embora o estilo parental negligente não seja o mesmo que uma negligência abusiva deliberada, observa-se nele uma tendência maior, comparado aos outros estilos, de tornar os adolescentes vulneráveis ao uso de drogas. Esse aspecto sugere que iniciativas no sentido de tornar os pais mais atentos às demandas dos filhos e capazes de monitorá-los, como destacam Pacheco, Reppold e Hutz (2005), contribuiriam também para a redução de adolescentes usuários de drogas.

De forma a contribuir com a argumentação anterior, o estilo de cuidado autoritativo, que obteve as menores frequências de usuários de drogas, e os incrementos na percepção de exigência e responsividade parental mostraram-se fatores protetivos às possibilidades de uso de drogas. Essas conclusões são semelhantes às encontradas por Bahr et al. (2005), Borawski et al. (2003), Sanchez et al. (2005), Springer et al. (2006) e Weiss and Schwarz (1996), que assinalaram a influência da família no uso (e não-uso) de drogas por adolescentes. Os resultados de exigência parental percebida maior entre as mulheres e a presença da exigência e da responsividade no modelo preditivo, além da não-associação entre os estilos indulgente e autoritário e uso de drogas, sugerem que altos níveis em apenas uma das variáveis (exigência ou responsividade) não são suficientes para diminuir a vulnerabilidade dos adolescentes frente às drogas.

 

Conclusões

Foram encontradas associações significativas entre os estilos parentais percebidos e o consumo de drogas, além de relações entre uso dessas substâncias psicoativas e variáveis sociodemográficas. Essas associações indicaram que entre aqueles que já consumiram drogas, houve uma frequência maior de participantes com estilo parental percebido como negligente, enquanto uma menor frequência de consumidores foi verificada entre aqueles com estilo parental percebido como autoritativo. Um maior número de consumidores também se associou a menores níveis de escolaridade e a frequentar escola pública.

Exigência e responsividade parental, juntamente com a idade e ser de escola pública, compuseram um modelo preditivo para o consumo de drogas, reforçando a importância dessas variáveis na ingestão de substâncias psicoativas. Ainda, estima-se que os estilos de cuidado parental sejam sobrepujantes às demais variáveis relacionadas à família no que diz respeito ao uso de drogas. Por fim, espera-se que a elaboração de políticas públicas preventivas ao uso de drogas possa utilizar-se dos achados empíricos que desvendam as variáveis intervenientes no uso de drogas para as populações a que se destinam.

 

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Recebido em: 24/03/11
Aceito em: 20/06/11

 

 

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