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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versión On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.2 Juiz de fora dic. 2012
Tecnologias de um dispositivo jurídico e seus efeitos na construção de uma biografia desviante1
Technologies of a legal device and their effects on the construction of a deviant biography
Alyne Alvarez SilvaI,2; Ricardo Pimentel MélloII
IUniversidade da Amazônia, Belém, Brasil. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil
RESUMO
Apresentamos neste artigo os caminhos teóricos e metodológicos utilizados em uma pesquisa que teve como objetivo vislumbrar os modos de subjetivação, presentes nas complexas relações de saber-poder de um dispositivo jurídico, capazes de fabricar uma categoria específica de indivíduo: o sujeito infrator. O trabalho utiliza fragmentos dos Relatórios Avaliativos que compunham o dossiê de um jovem que se encontrava em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação. A partir da análise deste documento, problematizamos um conjunto de técnicas disciplinares, regulamentares e práticas de si, e alguns dos saberes que as fundamentam por serem considerados legítimos. O governo da individualização arregimentado no dispositivo jurídico no qual o jovem é enredado procura disciplinarizá-lo e normalizá-lo na direção do que seria um sujeito cidadão. Para tanto, obrigatoriamente atrela ao jovem uma identidade infratora, responsabilizando-o quase que exclusivamente por seus atos, independentemente de uma perspectiva crítica e histórica do seu processo de não cidadania.
Palavras-chave: Dispositivo Jurídico; Subjetivação; Medida Socioeducativa; Sujeito Infrator.
ABSTRACT
In this paper we present the theoretical and methodological paths used in a study that aimed to discern the modes of subjectivity present in the complex relations of knowledge-power of a legal device, capable of producing a specific category of individual: the infractor. The research uses fragments of Evaluative Reports that made up the dossier of a young boy who was undergoing Socio-educational Internment Measures. From the analysis of this document, we discuss a set of disciplinary techniques, regulations and practices of same, and some of the knowledge that underlies these techniques because they are considered legitimate. The government of individualization enlisted in the legal instrument in which the young boy is caught, is looking to discipline him and normalize him in the direction of what would be a subject citizen. To do so, necessarily binds the youth with the identify of an offender, blaming him almost exclusively for his actions, regardless of a critical and historical perspective of his non-citizenship.
Keywords: Legal Device; Subjectivity; Socio-Educational Measure; Infringer Subject
Para discorrer sobre os modos de subjetivação presentes em um dispositivo jurídico, usamos como ponto de partida o conceito de "dispositivo" proposto por Foucault (1979). O autor entende dispositivo "como um tipo de formação que, em determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência" (Foucault, 1979, p. 244). Grosso modo, "dispositivo" pode ser definido como um conjunto híbrido de humanos e não humanos - leis, práticas profissionais, arquiteturas, discursos, regulamentos, medidas administrativas, proposições filosóficas, hábitos etc. - que inevitavelmente atravessam os seres humanos e estabelecem determinados modos de ser. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante na medida em que sua emergência, constituição e constante reconfiguração têm como condição de possibilidade a problematização de alguma experiência humana, uma experiência que se torna duvidosa em um determinado momento histórico e para a qual é preciso criar racionalidades estratégicas que objetivam transformar indivíduos em sujeitos de determinado tipo.
O dispositivo jurídico ao qual nos referimos diz respeito a todo um aparato da justiça penal criado e constantemente rearranjado para dar conta de questões referentes a adolescentes envolvidos com atos infracionais. Vislumbrando os modos de subjetivação presentes nas complexas tramas de saber-poder de um dispositivo jurídico, podemos pensar não em como o "sujeito infrator" emerge historicamente como questão problemática, mas, sim, como continua sendo constituído no interior deste dispositivo.
Entendendo, então, o dispositivo como um conjunto heterogêneo de práticas de saber, de poder e de subjetivação, partimos do "processo judicial" de um adolescente3 para problematizar, a partir de um estudo genealógico, a dinâmica das relações de forças que compõem o dispositivo jurídico e que, racionalizadas em práticas, funcionam como estratégias de governamentalidade que constituem o "adolescente infrator". Considerando as práticas a que os adolescentes são submetidos no decorrer do cumprimento da medida como o foco de interesse deste trabalho, as racionalidades das quais tratamos referem-se ao governo dos outros: técnicas de poder que visam o disciplinamento, a normalização e a sujeição dos adolescentes internados.
O processo judicial é, na realidade, um dossiê que, não sendo somente composto por documentos referentes ao trâmite jurídico, diz respeito a uma "coleção de documentos referente a certo processo, assunto ou indivíduo" (Ferreira, 2000, p. 245). Este conjunto de documentos foi tratado como um arquivo que, constituído no "cruzamento entre mecanismos de poder e efeitos de discurso" (Foucault, 2006a, p. 211), também constitui a "biografia" do jovem a que se refere; uma biografia escrita às avessas que diz respeito a um corpo que nunca entraria na história não fosse pela porta dos fundos, quer dizer, pelos desvios e transgressões (Foucault, 2006a). Arquivo que tem função de historicizar as infâmias visando fazer circular saberes com efeitos de captura sobre aqueles que desobedecem, que rompem com o instituído.
Entramos no arquivo constituído para o adolescente e voltamos a análise para a parte4 que discorre acerca do que seria a sua curta vida, dando-lhe contornos biográficos a partir de olhares atentos a sua suposta "peculiaridade" infratora. Parte esta composta por histórias acumuladas sob a perspectiva de quem passou a existir como desviante e somente assim se entremeou nas redes do poder.
O exame e outras tecnologias do poder disciplinar
Numa perspectiva foucaultiana, o indivíduo pode ser compreendido como o resultado de múltiplos desenvolvimentos estratégicos e complexos no campo do poder e das ciências humanas (Dreyfus & Rabinow, 1995). Não obstante, ao mesmo tempo em que mapeamos algumas das técnicas que constituem os adolescentes internados como sujeitos de determinado tipo, identificamos os elementos que lhes criam uma "identidade infratora" para a qual se dirigem estratégias específicas de governo da conduta pautadas no que Foucault (1995) chamou de "governo de individualização".
Analisamos parte do dossiê em questão, a princípio, a partir da combinação de instrumentos específicos do poder disciplinar que resultam no exame: técnica que compromete os indivíduos "em toda uma quantidade de documentos que os captam e os fixam" (Foucault, 1987, p. 168). Segundo Dreyfus e Rabinow (1995), o poder no regime disciplinar não somente individualiza a partir das observações constantes que dirige a cada um que busca gerir, como fixa a individualidade no campo da escrita. Para os autores:
um vasto e meticuloso aparelho documental torna-se componente essencial para o crescimento do poder. Os dossiês capacitam as autoridades a fixar uma rede objetiva de codificação. [...] O indivíduo moderno - objetivado, analisado e fixado - é uma realização histórica. O poder não aplica seu saber, suas investigações, suas técnicas ao universal, mas ao indivíduo como objeto e efeito de um entrecruzamento do poder e do saber (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. 176).
Para a composição dos documentos do dossiê, o jovem é tomado como objeto sobre o qual se deve dizer verdades. O dispositivo jurídico e seus experts devem funcionar como uma máquina de fazer ver e fazer falar, compondo um conhecimento acerca desse objeto a partir de suas linhas de visibilidade e de enunciação (Deleuze, 1996). Elege-se aquilo que se pode fazer ver - dos seus atos, gestos e comportamentos - e aquilo sobre o qual se deve falar - dentro do disperso conjunto de enunciados acerca de quem ele é ou quem foi ou, ainda, quem foi para o que se é - para que, combinados, delineiem discursivamente o "sujeito infrator" como objeto a ser conhecido, descrito e analisado. É deste modo que "a disciplina fabrica indivíduos, ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício" (Foucault, 1987, p. 153).
No interior de uma Unidade de Internação, o disciplinamento dos corpos desviantes se dá principalmente devido à vigilância constante a que são submetidos. Há nesses espaços um jogo de olhar que deve induzir efeitos de poder, na medida em que o menor dos detalhes da vida dos jovens se torna penalizável. Os jovens internos devem se sentir vigiados a todo instante e recear serem flagrados num ato de descumprimento das normas da instituição, tendo em vista a punição correspondente que lhes caberia. Como nos diz Foucault (1987, p. 167), "é o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantém sujeito o indivíduo disciplinar".
Assim, para a constituição de sujeitos normalizados, instauram-se "micropenalidades" em relação ao tempo, às atividades, ao modo de ser, ao corpo, em que pequenos desvios devem ser punidos. Esse sistema funciona como um pequeno mecanismo penal que sanciona ou gratifica as ações dos sujeitos com a finalidade de normalizar. Separam-se a partir dele os "bons" dos "maus", categorizando como "anormais" aqueles que não se assujeitam e são sancionados, já que resistem à norma, mesmo privados de liberdade. Sua função primordial é a correção a partir de um método punitivo ou, antes, a redução dos desvios, dos erros pela ameaça da punição. Este mecanismo implica
a qualificação dos comportamentos e dos desempenhos a partir de dois valores opostos do bem e do mal; em vez da simples separação do proibido, como é feito pela justiça penal, temos uma distribuição entre polo positivo e polo negativo. [...] Uma contabilidade penal, constantemente posta em dia, permite obter o balanço positivo de cada um (Foucault, 1987, p. 161).
A "sanção normalizadora" busca, dessa forma, assujeitar os indivíduos na medida em que estes se veem quase que obrigados a se enquadrar em regimes de pessoalidade5 ditados pelo aparelho disciplinar. Para o adolescente receber um Relatório Avaliativo6 favorável à progressão da medida socioeducativa, isto é, para que possa sair da internação para a semiliberdade ou prestação de serviço à comunidade, por exemplo, o adolescente necessariamente tem que seguir as normas, ser obediente, se comportar como o esperado, não contestar o instituído, enfim, se apresentar como um indivíduo normalizado. E, para permanecer internado, uma pequena falta serve de justificativa. Toda atitude de resistência do adolescente é avaliada como negativa e, portanto, justifica algum tipo de punição. As idas e vindas pelas várias Unidades de Internação do adolescente a que o dossiê se refere, e que passou dois anos e oito meses internado, se pautavam basicamente nesse mecanismo de punição e recompensa.
Como resultado da combinação das constantes observações e do sistema de micropenalidades constitui-se o "exame" que extrai e constrói um saber objetivo sobre os indivíduos aos quais se dirige e tem como consequência a construção do sujeito que "precisa" ser disciplinado: o "sujeito infrator". "Os procedimentos de exame são acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de uma acumulação documentária. Um poder de escrita é constituído como uma peça essencial nas engrenagens da disciplina" (Foucault, 1987, p. 168). Nesse sentido, justificam-se as mais de 400 páginas, referentes ao dossiê analisado, redigidas ao longo do período em que João esteve internado.
Somando o exame à confissão para a construção da biografia de João
Aproximando-nos das práticas descritas no dossiê do adolescente, vemos claramente como o processo de normalização disciplinar se dá estrategicamente em etapas, sempre como um processo concomitante ao de produção do "infrator". Em primeiro lugar, as disciplinas decompõem os indivíduos, os seus gestos, atos, hábitos para determinar aqueles que precisam ser modificados por serem considerados inadequados a um modo de ser "normal". No caso de João, alguns desses elementos apontados nos Relatórios Avaliativos são: "não tem limites", "não sente culpa com relação ao ato cometido" e "não se relaciona bem com sua família". Em seguida, a disciplina classifica os elementos identificados em função de determinados objetivos: João precisa aprender a ter limites, deve se arrepender e passar a se relacionar bem com sua família.
Identificados os problemas a serem corrigidos, colocam-se em prática as táticas de intervenção capazes de saná-los. Assim, articula-se um plano sobre o que pode ser feito com o jovem para que esses objetivos sejam alcançados. Para João a estratégia foi: a) usar esquemas binários da sanção normalizadora para que, punindo erros e gratificando acertos, ele passasse a obedecer a "determinados limites"; b) fazer com que ele "refletisse" sobre suas atitudes, com o intuito de classificá-las como inadequadas e como oriundas de "seu caráter", para que, então, aprendesse a "respeitar as pessoas"; c) "exame de consciência" para que se percebesse errado com relação aos atos cometidos e, finalmente, se arrependesse; e d) atendimento psicológico para ele e para a família para que pudessem "se entender" da melhor maneira e, de certa forma, corrigir a "raiz" do problema, uma vez que é comum culpabilizar toda a família. Nesse sentido,
a disciplina estabelece os procedimentos de adestramento progressivo e de controle permanente e, enfim, a partir daí, estabelece a demarcação entre os que serão considerados inaptos, incapazes e os outros. Ou seja, é a partir daí que se faz a demarcação entre o normal e o anormal (Foucault, 2008, p. 75).
Foucault (2008) esclarece que a disciplina estabelece um modelo que é construído em função de determinados resultados e quem consegue ser enquadrado ou se enquadrar nesse modelo é considerado "normal", "cidadão", "gente do bem" etc. Faz-se, assim, a separação daqueles que não conseguem tal feito e que, portanto, são considerados "anormais", "incompetentes", "antissociais", "não humanos", "do mal". A constituição do "sujeito infrator" se dá, portanto, concomitantemente à produção do "sujeito disciplinar". João é constituído nas Unidades como infrator não somente em virtude do ato infracional cometido, mas especialmente pela conduta resistente ao processo de assujeitamento imposto pelo rol de normas que deve seguir para ser considerado "normal".
Porém, a vida de João, descrita no decorrer do cumprimento da medida de internação, não se constitui apenas nos exames e instrumentos disciplinares: somadas às constantes observações e registros acerca do cotidiano do jovem interno, as suas confidências aos técnicos especializados "em ouvir" complementarão o arsenal de informações sobre seu passado e seu presente e servirão de fundamento às ações técnicas que irão intervir em sua vida para lhe delinear um futuro.
No embate com as relações de poder opera-se a produção de uma rede fina de visibilidades destes corpos desviantes e seus atos de contrapoder por meio dos registros de especialistas da norma, que se tornaram os ouvintes de sussurros ainda que rápidos e fugazes de vidas errantes que interrogavam com seus atos as práticas de controle social (Lemos, Nascimento & Scheinvar, 2008, p. 07).
Dessa maneira, sua biografia resulta também dos momentos em que o adolescente deve falar de si àqueles que ocupam um lugar privilegiado do saber através do poder a eles atribuído de interpretar e desvelar "verdades" acerca da vida do "infrator". À medida que se deseja ir além dos saberes oriundos dos exames, saberes que se acumulam a partir de um mecanismo ótico que deve registrar tudo o que se vê e se supõe, os exames passam a requerer a confissão do examinado. Uma vez que certas informações são inatingíveis aos olhos dos técnicos examinadores, os exames passam a requerer "uma troca de discursos, através de questões que são extorquidas das confissões e confidências que vão além das interrogações" (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. 191).
De forma geral, as técnicas que organizam vidas infames em formato de arquivos tomam-nas objetos a serem conhecidos em cada detalhe de suas existências, escrutinando, como o "pastor", suas particularidades, segredos, interesses, dificuldades, desejos, sonhos, virtudes, "defeitos" e classificando tudo aquilo que pode ser "traço" de uma pessoa "anormal".
Apesar de a confissão ser uma prática que remonta aos hebreus do início do primeiro milênio cristão (Foucault, 2006b), é no século XIX que o indivíduo é persuadido a pensar que deve se conhecer, por meio da confissão, com o objetivo de obter controle sobre si próprio (Foucault, 1995). Dessa maneira, aquele sobre o qual se extraía conhecimentos sem nem sequer dar uma palavra, deve falar e falar verdades sobre si mesmo, numa relação de obediência e responsabilidade, com os que ocupam o lugar de "pastor" e que deverão "salvá-lo". A confissão exige um "voltar-se para si", exige o estabelecimento de uma relação do jovem consigo mesmo que, ao mesmo tempo em que o faz criar verdades sobre si, o constitui nessas verdades, tornando-o sujeito nos dois sentidos atribuídos por Foucault (1995) a este termo: a) sujeito ao controle e ao poder daqueles que passam a reconhecer sua experiência de si, que também se constitui nas confidências; e b) preso a uma identidade em função de um autoconhecimento.
Essa relação a que Foucault (1995; 2006b) chama de pastoral, é estabelecida entre uma figura de autoridade e um indivíduo que "precisa" ser orientado e aconselhado. No caso de João a relação pastoral acontece na interação com os técnicos da Unidade de Internação: psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, principalmente. Tal relação instalaria no indivíduo vários procedimentos de "autoinspeção, autossuspeição, exposição do eu, autodeciframento e autoformação" (Rose, 2001, p. 38) a partir de técnicas como a própria confissão, que funcionam como "técnicas de si", isto é:
os procedimentos, que sem dúvida, existem em toda civilização, pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar sua identidade, mantê-la ou transformá-la em função de determinados fins, e isso graças a relações de domínio de si sobre si ou de conhecimento de si por si (Foucault, 1997, p. 109).
É preciso ressaltar que no decorrer do tempo em que o adolescente esteve internado, o ato infracional se diluiu, desaparecendo completamente dos autos do processo. Apenas nas duas primeiras audiências o adolescente teve o ato infracional julgado. No seu lugar, inúmeros outros objetos surgiram e passaram a ser alvo de julgamentos correspondentes às micropenalidades mencionadas anteriormente.
Os objetos que aparecem no seu lugar são todos os seus comportamentos, gestos, intenções, sentimentos, pensamentos, ou seja, tudo aquilo que deve ser domado, que deve ser minuciosamente observado, escutado e controlado para que deixe de ser uma ameaça à ordem social e possibilite a "transformação" do ser humano em um sujeito dócil e útil: consciente de si, responsável por seus atos, obediente às normas e regras, respeitador, menos questionador e mais subserviente.
Apesar de o ato infracional cometido pelo jovem desaparecer no decorrer do Processo, fazendo aparecer esses outros objetos a serem julgados nas avaliações de João, é exatamente a infração que serve como ponto de partida para o encadeamento dos discursos acerca da sua "história de vida passada". É a partir da edição enviesada de sua história que se concebe a forma como ele deve ser apresentado atualmente. Os discursos utilizados para descrever sua história, e quem ele se tornou em consequência dela, delineiam toda sua existência em função do cometimento do ato infracional, de modo a nos levar a presumir que não haveria outro destino a João senão a delinquência. Os trechos abaixo nos mostram parte da história de João editada nessa direção:
João [se encontrava] bastante envolvido com situações de risco pessoal e social (uso de drogas lícitas e ilícitas, práticas infracionais, referindo prática de uns nove assaltos, permanência em festas, ruas, acompanhado de pessoas inidôneas, descumprindo com as normas inerentes ao convívio familiar) (2° Relatório Avaliativo, escrito em 07/11/2005).
Se encontra [sic] em defasagem escolar [...]. Este intervalo de tempo em que ficou afastado do ambiente escolar coincide com o início do uso de substâncias entorpecentes e com seu envolvimento em atos infracionais (2° Relatório Avaliativo, escrito em 07/11/2005).
Não tinha, quando em liberdade, uma forma muita sadia de se divertir, haja vista que afirma que sempre saía à noite e ficava pelas esquinas com os amigos até às 2h da madrugada (4° Relatório Avaliativo, escrito em 11/06/2006).
Passetti (1995) afirma que é por meio do levantamento biográfico da vida do "infrator" que ele será caracterizado como delinquente. Nesse sentido, vemos nos Relatórios a busca incessante por razões para explicar os porquês dos seus "desvios", deixando recair principalmente sobre a família a responsabilidade pelo triste destino de João, já que esta é caracterizada como "desestruturada" e, em virtude de sua "desorganização", é tida como incapaz de educá-lo moralmente, inapta a evitar situações de risco para o "desenvolvimento" de João, responsável por sua evasão escolar, dentre outras coisas. Assim, os acontecimentos da vida do jovem João são encadeados estratégica e coerentemente, fazendo aparecer o amargo presente, privado de liberdade como efeito de uma infância e uma adolescência "descuidadas", como podemos ver nos trechos a seguir:
A dinâmica familiar é marcada pelo abandono materno em tenra idade e o pai, apesar de morar com o adolescente, foi ausente em sua orientação e usava de disciplina inadequada pelo emprego de punições físicas em detrimento do diálogo, [...] A avó paterna é sua referência afetiva, mas não tem qualquer ingerência de autoridade para controlá-lo. (Documento anexo ao 1° Relatório Avaliativo, escrito em 06/04/2005).
É notório que a disciplina familiar complacente, onde os responsáveis controlavam de forma inadequada com tolerância aos erros cometidos pelo adolescente, talvez pela avó paterna que tomou para si a responsabilidade de criá-lo, aliado à indiferença ou hostilidade por parte dos pais e ainda o histórico de desintegração por separação dos genitores [...] tenham contribuído para o quadro de delinquência juvenil ora apresentado pelo adolescente. (5° Relatório Avaliativo, escrito em 25/01/2007).
Advém de um núcleo familiar fragilizado, onde [sic] após a separação dos pais, os mesmos não forneceram condições necessárias para um crescimento e desenvolvimento saudável e seguro (6° Relatório Avaliativo, escrito em 20/08/2007).
Sabemos que as teorias desenvolvimentistas legitimadas como científicas, a exemplo da Teoria Psicogenética, de Jean Piaget e a Teoria Psicossocial do Desenvolvimento, de Erik Erikson, categorizaram cada etapa da vida, estabelecendo comportamentos e sentimentos considerados adequados a cada uma delas. Essas teorias criam campos de atuação profissional que, munidos de tecnologias disciplinares e aparatos de regulação, passam a se ocupar do "desenvolvimento humano", garantindo o curso esperado. Assim, as crianças e adolescentes submetidos aos discursos "verdadeiros", aos discursos científicos, são tomados como objetos sobre os quais se imprime saberes que os consideram como iguais, como se somente houvesse uma Infância e uma Adolescência, um modo de ser criança e adolescente. Para aqueles que se desviam dos padrões considerados normais, os "anormais", há toda uma rede institucional treinada para intervir sobre eles, recolocando-os "na linha", normalizando-os. Tais posicionamentos são diametralmente opostos, por exemplo, ao que paradigmas teóricos, como a sociologia interacionista e abordagens construcionistas, afinadas aos estudos da Sociologia da Infância e Sociologia da Juventude, entendem acerca destas noções, já que infância e juventude deixam de ser objetos que se constituem passivamente e naturalmente na sua relação com o mundo e passam a ser vistos como construções sociais e históricas, que dependem do contexto onde estão inseridos e que, portanto, jamais caberiam em categorias universais. Com o estabelecimento do que são a infância e a adolescência normais, criou-se aquilo que não pode ser considerado infância e adolescência, criou-se a diferença, que não admitida, determina constantemente a criação dos meios para tratá-la.
A educação seria um dos instrumentos de regulação das famílias, responsável por instruí-las para que formem "lares constituídos, estáveis e harmoniosos, onde as crianças cresçam num ambiente de amor e segurança" (Altenfelder conforme citado por Passetti, 1995, p. 153); deve também atuar sobre crianças abandonadas que, recolhidas às casas de correção, passam a ter seu "caráter" formado distante das ruas.
Daí práticas educacionais, psicológicas, profissionalizantes, religiosas, voltadas à saúde, ao lazer e à família serem colocadas como centrais na chamada "Medida Socioeducativa de Internação", justificando a manutenção do internamento de jovens. A família, considerada a única responsável pelo "desenvolvimento normal" dos seus filhos, é julgada como incapaz de promover ações sobre suas crianças para garantir-lhes tal condição e incompetente para evitar seus desvios em tenra idade. Acaba, assim, tendo por vezes que assistir a seus jovens filhos "com má formação moral" sendo tomados pelos aparatos estatais como a única possibilidade de "reversão" do quadro, embora praticamente não entre em discussão a condição de desassistência em que também se encontra.
Dessa maneira, têm-se as medidas socioeducativas consideradas como medidas de caráter preventivo (com relação a práticas de delitos futuros) e não retributivo (aplicado como resposta ao mal que provocou) a partir das quais os "socioeducandos" passariam principalmente por processos de "formação de caráter" e não por punições pelo ato cometido.
Todavia, na prática, temos juntamente com as técnicas de disciplinamento e táticas de correção, práticas punitivas e relações de poder bastante arbitrárias. Passetti (1995) coloca as instituições de internamento de adolescentes como constituidoras de sujeitos criminosos ou formadoras de "carreiras criminosas" na medida em que
os próprios dispositivos disciplinares são, neste caso, por excelência, meios para a criança ou adolescente cometerem infrações internas na instituição que serão acrescentadas nos seus prontuários, mostrando-nos aí o quanto de infratores se cria numa instituição e quantos delinquentes acaba liberando (Passetti, 1995, p. 171).
Assim, os argumentos enumerados como determinantes para a constituição dos modos de ser infrator delineiam a biografia de João que, desde o princípio de sua vida, é descrita para justificar seu inevitável caminho delinquente. Como não se pode evidenciar os dispositivos disciplinares como promotores de rebelamentos, indisciplina e constituidores do "anormal", a forma como se conta a história de vida de João torna coerente ao que se anota nos prontuários e permite descrevê-lo como vemos nos trechos abaixo:
Apresenta-se destemido e com valores completamente deturpados (1° Relatório Avaliativo, escrito em 06/04/2005).
O adolescente apresenta-se revoltado, intolerante, destemido e buscando na delinquência afrontar e humilhar o pai, ou seja, atingi-lo de alguma forma (1° Relatório Avaliativo, escrito em 06/04/2005).
Apresenta desde o início comportamento inadequado às normas da unidade, sendo intolerante, prepotente, agressivo, com dificuldade de acatar as normas preestabelecidas e algumas vezes desrespeitando funcionários. Envolveu-se em conflito com um educador por não aceitar determinações de horário. Influenciava os demais internos para o tumulto (3° Relatório Avaliativo, escrito em 11/01/2006).
Os atendimentos individuais e entrevistas, que também funcionam como um exame e são realizados pelos profissionais das Unidades de Internação, constituem a biografia de João com o cuidado de mostrar como o adolescente já se parecia com seu ato infracional antes de tê-lo cometido. Com o auxílio dessas técnicas, tem-se o cuidado de estabelecer "os antecedentes infraliminares da penalidade" (Foucault, 2001, p. 23). Desde tenra idade, ele vai sendo descrito como revoltado ou incontrolável e no seu entorno são elencados os elementos que, reunidos, reafirmam seu comportamento tido como inadequado. Assim, vão sendo reconstituídas uma série de "faltas" que existem mesmo sem infração.
As caracterizações de João descritas nos Relatórios Avaliativos que o posicionam como infrator é exatamente o que Foucault (2001) aponta acontecer como efeito do exame psiquiátrico. O delito desdobrado nessa série de outros focos de punição estabelece um sujeito que não é mais jurídico, mas sim um sujeito que deve ser objeto de certas tecnologias de reparação, de correção ou readaptação. A partir dessas descrições que apontam automaticamente causas para o ato cometido, dobra-se "o autor, responsável ou não, do crime, como um sujeito delinquente que será objeto de uma tecnologia específica" (Foucault, 2001, p. 27), o que expande a ação do aparato jurídico para além dos saberes do direito. Segundo Foucault (2001, p. 23):
Por meio de uma atribuição causal [...], passou-se do que poderíamos chamar dee alvo da punição - o ponto de aplicação de um mecanismo de poder, que é o castigo legal - a um domínio de objetos que pertence a um conhcimento, a uma técnica de transformação, a todo um conjunto racional e concertado de coerções. [...] O essencial é que ele permite situar a ação punitiva do poder judiciário num corpus geral de técnicas bem pensadas de transformação de indivíduos (Foucault, 2001, p. 22-23).
De qualquer maneira, os discursos que posicionam o adolescente como "infrator" servem como condição de possibilidade para os processos de construção e aplicação de conhecimentos, técnicas e modos de intervenção específicos no interior das Unidades de Internação. Encadear "fatos" da sua vida ou apresentá-los de uma forma que praticamente não nos permite interagir com João sem lhe atrelar uma "identidade infratora" possibilita estruturar um campo de ações possíveis para atuar sobre ele, legitimando práticas que não seriam tidas como plausíveis não fosse tal identificação. Nesse sentido, os discursos devem ser entendidos em seu caráter performático (Austin, 1998), isto é, seu caráter atributivo e constitutivo de coisas ou estados de coisas que têm o poder de romper ou legitimar determinadas práticas.
Vimos ao longo do texto que posicionar o adolescente como "destemido", "com valores deturpados", "agressivo", "com dificuldade de acatar normas", "dificuldade de se relacionar com a família", "em defasagem escolar" e como "ex-usuário de droga", coloca-o necessariamente como alvo de práticas específicas de correção correspondentes a cada uma das caracterizações feitas.
As práticas específicas de correção e/ou transformação têm como via de implementação os itens do Currículo Mínimo Obrigatório - Saúde; Documentação; Escolarização; Profissionalização; Esporte, Cultura e Lazer; Religiosidade e Acompanhamento à Família. Tal currículo é previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para a garantia de direitos dessa população, já que é considerado "instrumento para o exercício da cidadania". Por meio de sua implementação, o adolescente que é apreendido como "infrator" deve tornar-se um jovem "cidadão" na medida em que recebe atendimento médico, leia-se "engole" além de ordenações morais, substâncias químicas, que o controlem; obtém seus documentos, ou seja, cadastra-se formalmente nos bancos de informações do Estado, como cidadão e não mais como delinquente; volta precariamente a estudar, considerando todas as limitações das Unidades de Internação; recebe cursos de profissionalização, o que lhe permitiria sair da internação "preparado" para trabalhar e, ao mesmo tempo, mostrar que seu corpo está sendo docilizado a contento; reflete sobre sua vida e seus conflitos cotidianos com pessoas formadas para lhe orientar "espiritualmente", ou seja, exerce a confissão; e tem sua família supostamente "reestruturada" para lhe dar o suporte que preze pelo seu "desenvolvimento" para que, então, tenha uma vida "adequada" segundo os padrões de normalidade (Cf. Silva, 2009).
Vale ressaltar que, quase um semestre antes de João conseguir progressão de medida socioeducativa7, foi realizada uma perícia pelos técnicos do Juizado da Infância e Juventude, os quais constataram em suas investigações que, em dois anos e meio de internação, tais "direitos fundamentais" não haviam sido garantidos ao jovem, já que, ao contrário do que nos dizem os relatórios avaliativos, essas atividades não estavam sendo realizadas satisfatoriamente.
O que vemos é que, sendo realizadas ou não, as atividades do Currículo Mínimo Obrigatório funcionariam como uma estratégia biopolítica para a gerência dos corpos desviantes, uma vez que dirigidas a todos os adolescentes internos teriam a finalidade de que, submetidos a elas, sofressem modificações no seu modo de ser para exercer sua "cidadania", quando em liberdade.
À guisa de conclusão
O "governo da individualização", a que Foucault (1995) sugere que se volte contra é, no caso de adolescentes que infringem leis, este que os individualiza e os torna "sujeitos" que devem ser "transformados", nos espaços de internação, a partir de práticas ditas "socioeducativas", que legitimam sua privação de liberdade. Sendo a "Medida Socioeducativa de Internação" imbuída do dever de "tirá-los" da condição de "desviantes", parte-se do princípio de que são indivíduos dotados de uma "identidade infratora" e que, portanto, são os únicos responsáveis por seus atos, ainda que também se associe essa condição de infrator à "desorganização da estrutura familiar". Em outras palavras, este governo seria uma estratégia que toma a prática do encarceramento, apresentada em tom assistencial-corretivo, como a única maneira de governar a conduta dos "ingovernáveis".
Vimos que não é o "mal provocado pelo 'infrator'" que deverá mantê-lo privado de sua liberdade. A partir do momento em que o jovem foi enredado nas tramas do dispositivo jurídico, o "sujeito jurídico" do direito penal desapareceu. A justificativa para manter João internado após a sentença nunca mais se referiu à infração cometida por ele: no lugar do ato infracional, surgiram outros elementos para serem julgados. Somando os saberes e práticas que estão para além do saber judiciário, o "sujeito infrator" que surge é de outra ordem: é aquele que não pode ser classificado como legalmente criminoso nem patologicamente doente, pois é uma série de condutas consideradas como "defeitos sem ilegalidade" e "faltas sem infração" que deverão ser elencadas e encadeadas de forma coerente com o seu futuro "delinquente", para continuar condenando-o. O que permanece condenando-o à internação é ser caracterizado em suas avaliações feitas pelos técnicos como "impulsivo", "agressivo", "desrespeitador", "desobediente", "que não acata normas".
Este sujeito para quem se dirigem saberes e práticas médicas, psicológicas, pedagógicas, sociais, além de jurídicas, que compõem as medidas socioeducativas e que acabam por constituí-lo como "delinquente", é o sujeito "perigoso".
A partir do discurso da "recuperação" ou "ressocialização", a Medida de Internação, que tem como prerrogativa ser "Socioeducativa", teria a função de tornar "cidadão" aquele que nunca o foi, aquele que já nasceu sem direitos, a quem se nega processos que deveriam dar conta da sua vida para lhe aumentar a existência. As práticas desenvolvidas pelo dispositivo jurídico são, assim, práticas que o incluem nas malhas do poder e o fazem existir. Porém, o fazem existir como um não cidadão, engendrando-o como o seu outro: o "infrator".
As divisões binárias produzidas pela tecnologia disciplinar têm como corolário a fabricação dos sujeitos "anormais", aqueles que precisam entrar na norma, ser normalizados. Isto é, partindo do que seria o "normal", constitui-se aquele que precisa ser transformado e junto com ele todo um aparato de técnicas e saberes de "transformação". Então, ao mesmo tempo em que vemos surgir um dispositivo para dar conta de algo que começa a ser considerado problemático, temos esse mesmo dispositivo constituindo o problema no mesmo instante em que se utilizam de técnicas disciplinares e saberes que nomeiam, classificam, criam categorias, separam por tipos e compõem teorias acerca do que seria a "anormalidade".
Aparentemente, são dois processos de subjetivação e assujeitamento imanentes. Um que pretende subjetivar o indivíduo como "cidadão" a partir de técnicas empregadas com o objetivo de transformação e de instrumentos que levariam João a "exercer sua cidadania" quando em liberdade; e o outro, concomitante a este, que o identifica biograficamente como um personagem oposto ao cidadão: neste caso, com o estigma de infrator. Assim, teríamos como resultado do cruzamento de saberes e poderes que visam normalizá-lo, duas possibilidades de experiência de si do jovem internado, que ao final devem compor apenas um modo de ser, posto que se unem em uma racionalidade coerente em que a "subjetividade infratora" seria condição para a necessidade de instalação de uma "subjetividade cidadã".
Na posição de "infrator", como efeito das práticas de normalização, o jovem deve ser capaz de se identificar, se julgar, se narrar como um infrator: alguém que agiu errado e que precisa se redimir, se sentir culpado, e que é frequentemente avaliado e mal julgado em função de todos os outros "erros" que constitui seu modo de ser "infrator"; e, na posição de "cidadão", após a aplicação de tecnologias de transformação, readaptação ou recuperação, ele deve se mostrar arrependido, narrando-se como capaz de se conduzir de acordo com o que se espera de um "sujeito cidadão". Este é o regime de pessoalidade que foi apresentado a João como possibilidade para ser liberto. Ambas as posições ou maneiras de ser descritas preveem estratégias de manejo e controle dos corpos estabelecidas no interior de dispositivos bem arregimentados em função da existência dos chamados delinquentes.
Vemos, assim, como a política atua no campo da subjetivação mantendo e alimentando todo um sistema de justiça, para o qual muito recurso é destinado, que funciona compondo-se da construção de um modo de existência que lhes serve de base para atuar sob o emblema da justiça, embora também aí sejam constituídas realidades de violência e violação de direitos.
O que sabemos sobre a população juvenil que comete infrações penais não é novo, mas é bom lembrar. O perfil do jovem infrator brasileiro remonta, com frequência, uma trajetória vivida na pobreza, ou seja, falta de oportunidades e de acesso a recursos que garantam o desenvolvimento de seus potenciais. (Rizinni, 2005, p. 10)
Isto é, a fabricação do jovem infrator começa muito antes de sua captura pelas tramas de um dispositivo jurídico, mas podemos dizer que é enredado nelas que ele encontra um "ethos criminal" (Campos, 2005, p. 117) capaz de constituí-lo como tal a partir das técnicas disciplinares, de regulamentação e técnicas de si que se encontram ali arranjadas.
Referências
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Recebido em: 05/07/2011
Aceito em: 03/09/2012
1 Este artigo é fruto da pesquisa de mestrado da autora em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e foi escrito em coautoria com seu orientador. A dissertação intitula-se: "Modos de Subjetivação e Estratégias de Governamentalidade: a constituição de um 'sujeito infrator' nas tramas de um dispositivo jurídico".
2 Contato: alvarezalyne@hotmail.com
3 O adolescente estava, na época, cumprindo Medida Socioeducativa de Internação em uma Unidade localizada no município de Ananindeua, hoje já desativada. A unidade foi considerada o pior espaço de internação do país na última inspeção da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia e da Ordem dos Advogados do Brasil (2006).
4 Referimo-nos aqui aos "Relatórios Avaliativos de Medida Socioeducativa de Internação", documentos redigidos pela equipe técnica da Unidade de Internação (geralmente composta por profissionais da psicologia, da pedagogia e do serviço social) acerca dos efeitos das atividades realizadas em determinado período com os jovens internados. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Relatórios devem ser redigidos a cada seis meses para dar subsídio à decisão do juiz quanto à manutenção ou progressão da medida socioeducativa.
5 Os "regimes de pessoalidade", segundo Rose (2001), são esquemas mais ou menos racionalizados bem inventados para ocupar o ser humano da busca incessante de seu lugar no mundo, sendo este lugar enquadrado em conceitos pré-formatados acerca de si, como por exemplo, os conceitos de cidadão, masculinidade, feminilidade, mãe, pai, honra, generosidade etc.
6 Chamarei o adolescente ficticiamente de João, substituindo seu verdadeiro nome como forma de garantir que não seja identificado.
7 Três meses antes de expirar o prazo máximo de permanência em um centro de internação - três anos, como descrito no ECA -, João recebeu progressão de medida: da internação passou a cumprir prestação de serviço à comunidade em semiliberdade.