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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.7 no.2 Juiz de fora dic. 2014

 

REVISÕES CRÍTICAS DE LITERATURA

 

Gestão gerencialista, estilos de vida e (im)possibilidades de ruptura na carreira executiva

 

Managerialism, lifestyles and (im)possibilities of breaks in the executive career

 

 

Leonardo TononI,1; Carmem Ligia Iochins GrisciII

IUniversidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

Mudanças socioeconômicas evidenciadas nas últimas décadas contribuíram para a intensificação das vivências relativas ao trabalho, à gestão e à carreira. Nesse contexto, novas demandas vêm sendo impostas ao sujeito do trabalho. O presente estudo parte da indagação: como a gestão gerencialista contribui para a produção de estilos de vida e (im)possibilidades de ruptura na carreira executiva? E suporta-se em três pilares de discussão: carreira, notadamente compreendida como proteana e sem fronteiras, (Hall, 1996; Sullivan & Arthur, 2006), modos de subjetivação ou modos de produção de estilos de vida (Guattari & Rolnik, 2005; Deleuze, 2005), gestão gerencialista (Gaulejac, 2007). O objetivo deste estudo consiste em promover reflexões acerca da (re)produção dos estilos de vida a partir das influências da gestão gerencialista, bem como das (im)possíveis rupturas em relação à carreira executiva. Neste sentido, enaltece a relevância e a necessidade de ampliar as agendas de estudos sobre o tema.

Palavras-chave: Trabalho, Gestão Gerencialista, Subjetividade, Estilos de vida, Carreira executiva


ABSTRACT

The socioeconomic changes evidenced in recent decades have contributed to the intensification of experiences relating to work, management and career. In this context, new demands are being imposed on the person or subject who works. The present study uses this question as its starting point: how managerialism contributes to the production of lifestyles and (im)possibilities of breaks in an executive career? It is based on three pillars of discussion: career, especially understood as protean and without limits (Hall, 1996; Sullivan and Arthur, 2006), modes of subjectivity or modes of lifestyle production (Rolnik & Guattari, 2005; Deleuze, 2005 ), and managerialism (Gaulejac, 2007). The purpose of this study is to promote reflections on the (re)production of lifestyles based on the influence of managerialism, as well as the (im)possible disruptions in relation to the executive career. In this sense, this discussion highlights the relevance and the necessity of expanding the study agendas on the subject.

Keywords: Work, Managerialism, Subjectivity, Lifestyle, Executive career


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, a sociedade tem acompanhado a intensificação ou mesmo a alteração de diversos elementos de sua constituição, como a exacerbação do consumo, a fragilização dos vínculos sociais, o aumento do individualismo e a aceleração nas experimentações relativas ao tempo, dada a fluidez das fronteiras dos espaços e dos tempos oficiais de trabalho (Bauman, 2007; Sennett, 2006; Lipovetsky, 2004). Em um contexto de constantes mudanças e incertezas, as ideias de liquidez proposta por Bauman (2001, 2007), e de "hipersolicitação" desenvolvida por Lipovetsky (2004), contribuem para a compreensão da sociedade contemporânea. Nesse sentido, segundo Bauman (2001, 2007), nas últimas décadas, em especial a partir da intensificação da globalização da economia, as experiências quanto aos fluxos de vida, ou mesmo as experimentações espaçotemporais passaram a ser diretamente influenciados por características ligadas a instabilidade, imprevisibilidade e flexibilidade, de modo que a solidez relativa às produções dos modos de existência, vêm, cada vez mais, dando lugar para formas mais líquidas, mutáveis e adaptáveis às mais diversas exigências. Além disso, a exacerbação em relação a tais exigências, por sua vez, contribui significativamente com a produção de uma sociedade que se fundamenta nas ideias superlativas em que sustentação da "hipermodernidade" (Lipovetsky, 2004) se estabelece por meio das "hipersolicitações" impostas contemporaneamente.

Essa perspectiva que resulta da intensificação das demandas impostas ao sujeito do trabalho evidencia a lógica da gestão gerencialista que se reflete em todas as esferas da vida. A gestão gerencialista caracteriza-se por meio de objetividade, racionalização e pragmatismo, e dissemina na sociedade "uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenho, e esses desempenhos em custos ou benefícios" (Gaulejac, 2007, p. 37). Desse modo, competitividade e foco nos resultados, antes recursos enfatizados na gestão empresarial, passam a ser propulsores de uma sociedade que Gaulejac (2007) denomina doentia, onde tudo se gere. A gestão gerencialista promove, ainda, o constante incentivo a adesão voluntária, responsabilização e mobilização total em relação ao trabalho, de modo que o trabalhador sinta-se responsável pelos resultados da empresa, exasperando-se as características da gestão de si.

Na sociedade que tudo gere (Gaulejac, 2007), mecanismos educacionais, comunicacionais, profissionais, entre outros, se configuram como máquinas produtivas e de controle social (Guattari & Rolnik, 2005) e passam a contribuir para a produção de um sujeito constituído com bases na lógica da gestão. A compreensão de tal fenômeno mostra-se ampliada frente a discussão dos modos de subjetivação ou de produção de estilos de vida na perspectiva Deleuzeana que toma o sujeito como produtor/produto do social (Deleuze, 1992; 2005). E alcança a especificidade dos sujeitos, objeto do olhar do presente estudo, na perspectiva adotada por Boltanski e Chiapello (2009), ao indicarem que aqueles profissionais que ocupam cargos executivos (termo comumente utilizado para identificar aquele trabalhador de alta hierarquia e supostamente dotado de maiores poderes de decisão em relação à gestão) merecem atenção por caracterizarem-se como ícones da (re)produção de elementos ideológicos que reforçam e mascaram os mecanismos de poder oriundos do capitalismo.

Investigações e análises empreendidas por Boltanski e Chiapello (2009), Davel e Melo (2005), e Tanure, Carvalho Neto e Andrade (2007) a respeito da realidade brasileira, evidenciam aspectos relativos aos modos de trabalhar e de viver desses executivos. Suas contribuições se relacionam aos estilos de vida produzidos pela gestão gerencialista, principalmente aqueles ligados aos elementos da racionalização, responsabilização e gestão de si. Para Boltanski e Chiapello (2009), a literatura da gestão destinada aos executivos, por exemplo, mostra-se fundamental a prescrição e normatização acerca dos modos de trabalhar e de viver correspondentes aos objetivos e metas empresariais. Acerca dos estilos de vida do executivo, a mídia especializada em negócios, em especial, prescreve formas hegemônicas de se comportar, agir, vestir, falar ou mesmo se expressar. Além disso, a imagem do executivo é associada a um profissional capaz de enfrentar pressões e instabilidades, sendo apresentado como vencedor, em geral dotado de uma vida luxuosa e bem-sucedida, conferindo-lhe uma imagem glamourizada (Eccel, Grisci & Tonon, 2010).

Há de se adiantar que os processos de subjetivação envolvem, conforme Guattari e Rolnik (2005), o processo de individuação, caracterizado pela massificação dos estilos de vida, bloqueio e resistência a criação, e o processo de singularização, compreendido pela expressão, pela criatividade ou ainda pelas formas de resistência frente as determinações sociais. A partir do polo de singularização é possível refletir: que ações alternativas em relação aos estilos de vida produzidos pela gestão gerencialista poderiam se fazer notar? Possíveis alternativas aos estilos de vida produzidos pela gestão gerencialista, estariam contidas na decisão de ruptura promovida por executivos em relação a suas carreiras? Seria possível pensar este sujeito como ex-executivo, uma vez que os modos de subjetivação relativos a todo um conjunto maquínico carregam consigo toda sorte de vivências anteriores, conforme afirmam Guattari e Rolnik (2005)? Seria a ação de ruptura condizente com a carreira de executivo, mas não necessariamente com um "modo executivo" de ser e de viver expressa em seu estilo de vida?

Diante de tais indagações, o objetivo deste estudo consiste em promover reflexões acerca da (re)produção dos estilos de vida a partir das influências da gestão gerencialista, bem como das (im)possíveis rupturas em relação à carreira executiva, notadamente compreendida como proteana e sem fronteiras. Para tanto, esta discussão contemplará, além desta introdução, a seguinte estrutura: a segunda seção apresentará algumas das características relativas à contemporaneidade sob as lentes da hipermodernidade e da liquidez; posteriormente, serão apresentadas algumas breves considerações sobre as carreiras; a quarta seção versará sobre a produção de subjetividade, envolvendo ainda fatores relacionados ao trabalho; na sequência, serão expostas as principais características da gestão gerencialista; e, por fim, serão apresentadas algumas considerações para reflexão e agenda de pesquisa a partir das possíveis conexões relativas a gestão gerencialista, estilos de vida e (im)possibilidades de ruptura com a carreira executiva.

 

1. A contemporaneidade sob as lentes da hipermodernidade e da liquidez

As reestruturações econômicas e sociais ocorridas a partir da década de 1970 exigiram novas formas de se compreender o contexto social. Muitas teorias e linhas de pensamento até então hegemônicas mostravam-se limitadas em suas possibilidades de compreensão. Diante disso, estudiosos propuseram a possibilidade de ampliação do olhar analítico, na medida em que passaram a destacar a complexidade das mudanças relativas ao social e ao cultural (Lipovetsky, 2004).

Não há aqui a pretensão de se promover uma discussão teórica e histórica acerca da pós-modernidade, bem como suas diversas denominações, mas compreender que atualmente as discussões, principalmente no que concernem as organizações e a sociedade, necessitam de um olhar para além daquele difundido nas épocas do Taylorismo/Fordismo. Para tanto, serão tomadas como referências para essa discussão algumas ideias apresentadas por Lipovestky (2004) e Bauman (2001, 2007), em especial.

Para Lipovetsky (2004), questionar a racionalidade e as ideologias da história passa pela compreensão de uma sociedade que atualmente apresenta-se como mais diversa, facultativa e com expectativas reduzidas em relação ao futuro. O referido autor acrescenta que dentre os diversos fatores que caracterizam o período contemporâneo, merecem destaque a expansão do consumo e da comunicação em massa, o enfraquecimento das normas disciplinares, a consagração do hedonismo, dentre outros. Além disso, observa que a sociedade atual vive sob a égide de uma modernidade do superlativo, caracterizada pela proliferação e intensificação dos mecanismos mercantis, de desregulação econômica e do desenvolvimento cada vez mais exacerbado do técnico-científico, vivendo-se, portanto, a lógica do "hiper": "hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto" (Lipovetsky, 2004, p. 53), enfim, da "hipermodernidade".

Já Bauman (1999; 2001; 2007) em suas análises acerca dos tempos atuais, principalmente a partir de fenômenos intensificados com a globalização da economia vivenciada na segunda metade do século XX, destaca as mudanças ocorridas no mundo, bem como suas consequências para a compreensão social. É nesse sentido que o autor lança mão da metáfora da "liquidez" como forma de entendimento do estágio presente (Bauman, 2001, 2007).

A sociedade globalizada, deste modo, passa a ser aquela caracterizada pelo fluxo, pelo constante movimento de pessoas, ideias, informações e dinheiro. As experimentações relativas ao tempo/espaço, vínculos e valores passam a ser compreendidas a partir da "modernidade líquida", caracterizada pela "destruição das muralhas que impedem o fluxo dos novos fluidos e poderes globais" (Bauman, 2001, p. 19). Instabilidade, descentralização, imprevisibilidade e provisoriedade passam a ser palavras de ordem na sociedade líquido-moderna. Regras, instituições, estilos de vida e quadros de referência têm perdido cada vez mais sua solidez em função da experimentação de um estado de liquefação, que implica a incapacidade de manutenção das formas por longos períodos de tempo (Bauman, 2001). A fluidez e o movimento passam, dessa maneira, a impor novas formas de organização da vida, a ponto de considerá-la como uma "vida líquida" (Bauman, 2007).

Com o advento da globalização e consequente ampliação dos mercados, a modernidade "sólida", preocupada com os fatores produtivos, foi cedendo lugar à modernidade "líquida" que passou a alterar sua ênfase e direcionar suas prioridades para a constituição de uma "sociedade de consumo". Nesse sentido, é possível observar que nas últimas décadas, a sociedade desde cedo procura moldar seus membros a partir do dever de serem consumidores (Bauman, 1999).

Na medida em que passa a lidar diretamente com sensações e experimentações, o consumo se constitui como uma atividade individual (Bauman, 1999). Para Lipovetsky (2004) a exacerbação do consumo nos tempos atuais passa a ser fruto da intensificação e proliferação de uma grande diversidade de marcas, produtos e serviços. A vida de consumo gera, portanto, a necessidade da experimentação contínua, em que o consumismo se sustenta pela incitação e contínua renovação do desejo por outros desejos. A vida de consumo passa a sustentar a sociedade do excesso e da fartura, obscurecendo suas consequências - a redundância e o lixo farto (Bauman, 2009).

Em consonância com Clegg (1998) é possível ponderar em relação aos argumentos até aqui apresentados: a mudança de foco da modernidade para a pós-modernidade (ou aqui tratada por modernidade líquida, ou ainda por hipermodernidade, guardadas as distinções entre os autores) não pode se resumir apenas na transferência de foco da produção para o consumo, visto que a primeira continua ocorrendo e demandando formas de gestão que atendam as exigências constantes de mudança e diferenciação. Tal alerta aponta para a complexidade relativa à forma de se encarar os acontecimentos hodiernos, em que pesem os fatores responsáveis pela produção do sujeito contemporâneo, foco de discussão da próxima sessão.

Outro elemento que merece destaque na compreensão da sociedade contemporânea diz respeito às alterações quanto as novas formas de experimentar o espaço e o tempo. Nesse sentido, Bauman (2001, p. 21) afirma que é "na velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento, do entulho e da substituição que traz o lucro hoje" que se fundamentam os ideais da vida e da modernidade líquida. A experimentação dos espaços passa a se alterar constantemente, de modo que o movimento se torna a palavra de ordem num contexto em que a imobilidade não se mostra como opção (Bauman, 1999). Atrelada a isso, a temporalidade voltada ao precário e ao efêmero, é vivida com maior preocupação, aumentando cada vez mais a pressão no cotidiano social e submetendo cada vez mais o sujeito à lógica do aqui-agora, ou ainda a uma "conflitualização objetiva da relação com o tempo" (Lipovetsky, 2004, p.76).

Fluidez, fragilidade dos vínculos, instabilidade e sucessão de reinícios integram as mais diversas esferas da vida contemporânea, todavia, o medo de tornar-se desnecessário ou supérfluo contribui para que o sujeito seja responsabilizado pela constante busca de novas oportunidades. Para tanto, as amarras que o prendem devem ser flexibilizadas ou mesmo rompidas, com vistas à conquista do constante movimento. Além disso, novas tecnologias disponíveis para o consumo passam a dar suporte para outras experiências espaçotemporais também em relação ao trabalho, em uma lógica em que a "flexibilidade é o slogan do dia" (Bauman, 1999, p. 169).

Em suma, lidar com as instabilidades intensificadas na contemporaneidade demanda adaptação ou mesmo elaboração de novas estratégias que permitam ao sujeito a sobrevivência em meio a fluidez, incertezas e constantes mudanças, como ilustram as carreiras proteana e sem fronteiras (Hall, 1996; Sullivan & Arthur, 2006).

 

2. Breves considerações sobre as carreiras

De maneira geral, "carreira" pode ser definida como "as sequências de posições ocupadas e de trabalhos realizados durante a vida de uma pessoa" (London & Stumph, 1982, citado por Dutra, 2006, p. 17). Até a década de 1990, as carreiras apresentavam características mais rígidas, baseadas na progressão hierárquica, fundamentada na ideia de estabilidade dos empregos e na maior atuação da empresa (2006, 1996; Hall, 1996). Já em 1996, Hall (1996, p. 4) iniciava seu artigo com a seguinte frase: "The career is dead - long live the career!", enfatizando as mudanças que estavam ocorrendo e chamando a atenção para aquelas que possivelmente viriam a ocorrer nas décadas seguintes.

Oltramari, Grisci e Weber (2011) identificam que atualmente a academia tem estudado as carreiras a partir da ênfase na autogestão, no comprometimento e no desempenho individual. O desenvolvimento na carreira, antes focado na hierarquia da empresa passa a centrar-se, portanto, no trabalhador. Desse modo, em relação às mudanças ocorridas nos últimos tempos, alguns conceitos e modelos se destacam para a compreensão atual acerca das carreiras, dentre eles a carreira proteana (Hall, 1996), e a carreira sem fronteiras (Sullivan & Arthur, 2006).

Segundo Hall (1996) a carreira proteana consiste naquela em que o trabalhador, e não mais a empresa, torna-se responsável pelas escolhas e caminhos a serem seguidos. O contrato não é mais o estabelecido com a empresa, mas pelo acordo consigo mesmo e com o trabalho. O termo "proteana" refere-se diretamente a Proteu, divindade grega tida como capaz de mudar sua forma conforme sua própria vontade. No contexto proteano, o sucesso financeiro atrelado ao alcance de posições superiores na pirâmide corporativa, vai dando lugar a elementos ligados ao sucesso psicológico, relacionado diretamente aos sentimentos de orgulho, realização pessoal, entre outros. Atreladas às ideias de velocidade e efemeridade típicas da vida líquida (Bauman, 2001), nesse modelo de compreensão, não é mais o tempo cronológico, mas o processo contínuo de aprendizagem e mudança que deve servir como base de análise desse tipo de carreira.

Sullivan e Arthur (2006), fundamentados nas ideias de Arthur e Rousseau, apresentam a carreira sem fronteiras a partir das possibilidades de mobilidades. Neste contexto, a mobilidade é compreendida a partir de duas perspectivas: física (correspondente à mobilidade em relação a postos de trabalho, ocupações, empresas ou mesmo países) e psicológica (correspondendo a capacidade de mobilidade desenvolvida na mente do trabalhador). O fato dos estudos buscarem muitas vezes a mensuração faz com que a mobilidade psicológica não seja tão contemplada quanto a física nos estudos sobre a temática.

De certo modo, a forma de encarar as carreiras a partir dos modelos apresentados, relaciona-se diretamente com as ideias apresentadas anteriormente em Bauman (2001; 2007) e Lipovetsky (2004). A responsabilização pela carreira passa a centralizar-se no sujeito do trabalho, que cada vez mais é (hiper)solicitado a se adaptar às constantes mudanças e exigências do atual contexto de trabalho. Além do mais, tais formas de compreensão das carreiras reforçam muitos elementos relacionados à gestão gerencialista (a ser desenvolvida posteriormente), na medida em que contribuem para que o sujeito seja gestor de si.

O estudo empírico de Oltramari et al. (2011) desenvolvido junto a executivos bancários bem como suas famílias, identificou que contemporaneamente, há uma espécie de modelo meteórico em que as fronteiras de uma organização devem dar lugar ao trânsito do trabalhador entre as empresas e em um curto espaço de tempo. As referidas autoras destacam ainda as influências negativas deste processo que ao mesmo tempo em que aponta os méritos do sujeito pela condução da carreira, tornam-no responsável e culpado pelo seu próprio fracasso. Nesse sentido, as formas encontradas para garantir a sobrevivência nesse contexto estão diretamente ligadas à subjetividade ou à produção de estilos de vida, conforme se apresentará na sequência.

 

3. Produção de subjetividade

De início, é importante mencionar que se toma a subjetividade compreendida como a maneira pela qual "o sujeito faz a experiência de si em um jogo de verdade" (Foucault, 2006, p. 236). Este jogo, por sua vez, insere-se em um conjunto de verdades, ou seja, um arcabouço de informações consideradas como verdade em um determinado conjunto societário, que contribuem para "a compreensão do que é considerado correto e incorreto, bom e mal" (Nardi, 2006, p. 24). A subjetividade, portanto, não consiste em algo abstrato, na medida em que trata "das formas de vida, das maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de sonhar, de fazer, mas também de habitar, de vestir-se, de se embelezar, de fruir, etc." (Pelbart, 2000, p. 37).

Nesse sentido, para Deleuze (1992), os modos de subjetivação ou a produção de estilos de vida se apresentam enquanto processos que não cessam de se recriar na multiplicidade do social. Nessa mesma perspectiva, cabe ressaltar, que Guattari e Rolnik (2005, p. 40) apontam para a produção da subjetividade " essencialmente fabricada no registro do social", sendo que o modo como os indivíduos a vivenciam oscila entre dois processos: o de individuação e o de singularização.

O processo de individuação consiste na alienação, opressão, no bloqueio às resistências e mesmo na incorporação de estilos de vida massificadores, fazendo com que a subjetividade seja consumida da mesma maneira como foi recebida, produzindo "indivíduos iguais e processos empobrecidos (Guattari & Rolnik, 2005, p. 39). Rolnik (1997a; 1997b) afirma que a globalização tem contribuído para a produção de kits formatados e padronizados segundo o mercado. Tais kits, quando consumidos, passam a contribuir para a manutenção do processo de individuação. O processo de singularização distancia-se do processo de individuação, caracterizando-se pela expressão e pela criatividade. O processo de singularização se faz, portanto, pelo empréstimo, associação, afirmação ou junção de diferentes maneiras de ser ou mesmo sentir.

Guattari e Rolnik (2005) alertam que os dois processos não se dão numa disjunção absoluta. Não há, portanto, a possibilidade de se produzir uma singularidade pura, na medida em que os indivíduos são atingidos por diversas frentes, sejam elas biológicas ou sociais. Para os autores, o que importa é, portanto, a forma de articulação entre os dois processos.

Para Guattari e Rolnik (2005, p. 26), a subjetividade é fabricada, modelada, recebida e consumida, sendo a produção de subjetividade "a matéria-prima da evolução das forças produtivas em suas formas mais desenvolvidas". O capital, nesse sentido, passa a produzir sistemas de conexões entre as "grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira como perceber o mundo" (Guattari & Rolnik, 2005, p. 27) apropriando-se da subjetividade, de modo que ela também se torne um capital.

Pelbart (2000, p. 37), por sua vez, constata que "se é um fato que a subjetividade está no cerne do trabalho contemporâneo, é a vida que aí está em jogo. O trabalho precisa da vida como nunca, e seu produto afeta a vida numa escala sem precedentes". Nesse sentido, as discussões que seguem terão por foco a relação trabalho e subjetividade.

Trabalho e Subjetividade

Refletir sobre trabalho e subjetividade "implica pensar os modos como as experiências de trabalho conformam modos de agir, pensar, sentir e trabalhar associados aos momentos definidos - mais ou menos duráveis - que evocam a conexão entre diferentes elementos, valores, necessidades e projetos" (Tittoni & Nardi, 2006, p. 278). Nesse sentido, Nardi (2006) destaca a necessidade de se romper com as dicotomias indivíduo-coletivo, objetivo-subjetivo e interior-exterior para melhor compreender ou mesmo ampliar as análises em relação aos modos de subjetivação no trabalho.

Tittoni e Nardi (2006) acrescentam que as discussões entre trabalho e subjetividade devem considerar as relações de poder, sejam elas referentes a um âmbito mais amplo (como as estratégias de disputas entre empresas) ou a micropolíticas manifestadas por disputas individuais. Essas últimas, na maioria das vezes, são influenciadas pela gestão do trabalho, por meio da definição de jogos de verdade. Nesse sentido, a produção de subjetividade, atrelada aos modos de trabalhar, deve ser compreendida a partir das vinculações históricas em diferentes contextos de espaço e tempo.

Isto posto, é possível pensar, portanto, nas distintas influências capazes de interferir nos modos de agir, pensar, sentir e trabalhar do sujeito. Dentre tais, cabe destacar os argumentos de Pelbart (2003) ao tomar a vida como um elemento paradoxal diretamente ligado ao capital, pois, ao mesmo tempo em que ela converte-se em seu alvo supremo, a vida também passa a ser um capital. Nesse movimento, a relação com a subjetividade se altera, na medida em que o capital passa a ocupar as mais diversas esferas da existência. "De repente os aspectos mais humanos do homem, seu potencial, sua criatividade, sua interioridade, seus afetos, tudo isso que ficava fora do ciclo econômico produtivo, (...) torna-se a matéria-prima do próprio capital, ou torna-se o próprio capital" (Pelbart, 2003, p. 99).

Nesse contexto, um dos elementos a serem considerados em relação a este movimento de mercantilização consiste na tentativa de controle daquilo que, até pouco tempo, acreditava-se ser incontrolável: a criatividade, a autonomia, as iniciativas do sujeito. Fundamentado na ideia de autonomia que, por sua vez, transforma o controle em autocontrole, o trabalho passa a ser mais atraente, fortalecendo o capitalismo e criando " uma nova forma liberada e 'libertária', de fazer lucro, que inclui a realização pessoal, a livre associação etc." (Pelbart, 2003, p. 102).

Nessa mesma perspectiva, Boltanski e Chiapello (2009, p. 444) dizem que contemporaneamente é possível se observar uma intensificação na "mercantilização de bens que até então haviam ficado de fora da esfera do mercado", incluindo-se essencialmente certas qualidades dos seres humanos. Tais fatos, por sua vez, passam a influenciar diretamente na configuração do trabalho, revelando essencialmente suas facetas imateriais. Cabe destacar, nesse sentido, que no trabalho imaterial " 'é a alma do operário que deve descer na oficina'" (Lazzarato & Negri, 2001, p. 25). Segundo Gorz (2005, p. 24-25), o trabalho passa a levar o trabalhador a produzir-se como sujeito em um fluxo contínuo de informações em que " a vida se torna 'o capital mais precioso'". Além disso, argumenta que "a fronteira entre o que se passa fora do trabalho, e o que ocorre na esfera do trabalho, apaga-se" (Gorz, 2005, p. 25), permitindo afirmar que as novas formas de experimentações espaço-temporais têm influenciado diretamente a produção dos estilos de vida característicos de um mundo líquido-moderno. Telles (2006) verifica tais experimentações em relação às mutações do trabalho e à experiência urbana, argumentando que o trabalho imaterial, de modo geral, tem redesenhado as dinâmicas sociais e reorganizado os espaços e os tempos de vida.

Sant'Anna (2001) argumenta que, contemporaneamente, as vivências pertinentes ao tempo e ao espaço passam a ser redefinidas constantemente em favor da velocidade. Nos últimos anos, as novas tecnologias têm colaborado com essa reconfiguração espaço-temporal relativa ao trabalho. Telefones celulares, computadores portáteis, conexões constantes a internet, dentre outros recursos, contribuem para que o sujeito mantenha-se em permanente disponibilidade e num " engajamento total para o sucesso da empresa" (Gaulejac, 2007, p. 111). Tais recursos, muitas vezes contribuem ainda com a ocultação de mecanismos de controle e poder por trás daquilo que Sennett (2006) denomina "flexitempo", ou seja, a programação flexível do tempo de trabalho. A flexibilidade na organização dos horários, na medida em que é encarada como recompensa, ao permitir que o trabalhador crie seu próprio tempo de trabalho, também o coloca sob o domínio da instituição, fazendo com que as atividades passem, por exemplo, a ser executadas e controladas a partir do ambiente doméstico (Sennett, 2006). O tempo, portanto, contemporaneamente torna-se elemento central na produção de uma lógica capitalista, que passa a moldar os estilos de vida (Pinheiro, Rhoden & Martins, 2010).

A imagem ideal de um trabalhador capaz de atingir sempre melhores níveis de desempenho contribui com a propagação do culto aos padrões de excelência que permeiam as organizações contemporâneas (Silva & Francisco, 2010). Nesse mesmo contexto Sant'Anna (2001) observa que o sujeito contemporâneo deve apresentar-se como soberano, em que o "dar conta de si mesmo" passa a ser responsabilidade de cada um individualmente. Pensada a partir do trabalho, por sua vez, essa individualidade contribui para reforçar a ideia do "gestor de si", desenvolvida por Gaulejac (2007), segundo a qual "cada indivíduo deve tornar-se gestionário de sua vida, fixar-se objetivos, avaliar seus desempenhos, tornar seu tempo rentável" (Gaulejac, 2007, p. 177). A pessoa torna-se uma empresa em que "no lugar da exploração entram a auto-exploração e a auto-comercialização do seu 'Eu S/A'", de modo que a venda da força de trabalho atrela-se diretamente a seus aspectos voluntários, gratuitos e imateriais (Gorz, 2005, p. 10).

O trabalho, nesse sentido, estando diretamente ligado aos interesses voltados para o lucro, passa a submeter os trabalhadores a determinados paradoxos como autonomia e subordinação, levando o sujeito a vivenciar situações em que "gostaríamos de escapar disso, mas não podemos deixar de a ela aderir" (Gaulejac, 2007, p. 37). Nesse sentido, para Grisci, Scalco e Kruter (2011), os modos de gestão próprios dos tempos atuais são capazes de desencadear a vivência de dilemas ao enaltecerem o mérito e a culpa dos indivíduos frente as mais diversas solicitações. Em consonância com os paradoxos, os dilemas são, portanto, situações que derivam de relações ambíguas de trabalho e que são vividas pelos trabalhadores no aqui e agora, impondo a necessidade destes fazerem escolhas.

De modo geral, é possível perceber que as experiências enfrentadas pelo sujeito em relação ao trabalho constituem-se a partir das vinculações históricas e sociais a que estes estejam envolvidos. A realidade imposta na contemporaneidade, com suas especificidades relativas às novas formas de experimentação em relação ao trabalho, seja no que tange os elementos espaço-temporais, seja a partir das influências da mercantilização das esferas de existência, tem contribuído com a configuração de estilos de vida característicos de uma sociedade voltada para o capital. Nesse contexto, a gestão surge como importante recurso ao capital, na medida em que lhe permite atingir seus objetivos de lucro. A gestão, principalmente por meio de suas facetas ideológicas, passa, desse modo, a ser uma das grandes influenciadoras na produção dos estilos de vida de uma sociedade que tudo gere, calcada, portanto, na lógica da gestão gerencialista.

 

4. Gestão gerencialista

Para Aktouf (1996), a gestão, por meio de suas teorias prescritivas e normativas, apresenta-se como uma área do conhecimento em que predomina a ideologia e não a ciência. O autor afirma que, apesar das modificações ocorridas nos últimos tempos, tais normas e prescrições continuam fundamentadas na eficácia da empresa e do sujeito. Desse modo, a gestão, apresentada sob a lógica da gestão gerencialista, atrela-se ao contexto do superlativo e do instável no contemporâneo, em que a vida torna-se um capital, transformando em mercadorias esferas antes pouco exploradas ou mesmo não mercantilizadas. Para Gaulejac

Sob uma aparência objetivista, operatória e pragmática, a gestão gerencialista é uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenhos, e esses desempenhos em custos ou benefícios. Indo buscar do lado das ciências exatas uma cientificidade que elas não puderam conquistar por si mesma, as ciências da gestão servem, definitivamente, de suporte para o poder gerencialista. Elas legitimam um pensamento objetivista, utilitarista, funcionalista e positivista. Constroem uma representação do humano como um recurso a serviço da empresa, contribuindo, assim, para sua instrumentalização (Gaulejac, 2007, p. 37).

Na tentativa de melhor compreender as contradições existentes nas prescrições gerencialistas, Pagès et al. (2006) atentam para os elementos de poder que se estabelecem pela mediação, ou seja, pela tentativa de reduzir, por parte das organizações, os possíveis conflitos com relação aos indivíduos. A mediação, portanto, tem por objetivo proteger os interesses organizacionais que devem sobrepor os interesses do trabalhador. Para os autores, as mediações podem ocorrer em diversos níveis, sejam estes políticos, ideológicos ou psicológicos, com a semelhança de ocultarem os conflitos de interesses e as contradições sociais.

O desenvolvimento cada vez mais intenso dessas formas de mediação, somado a fatores como a ampliação das interconexões e ao crescimento em extensão, passa a ser característica elementar das chamadas organizações "hipermodernas" (Pagès, et al. 2006). Nesse sentido, os elementos que distinguem a organização moderna da hipermoderna, estão atrelados às transformações no aparelho produtivo, como, por exemplo aquelas oriundas do desenvolvimento científico, da intelectualização, da maior interdependência das tarefas, entre outras (Pagès et al., 2006).

Tais exigências relativas aos novos modos de viver e trabalhar podem ser reforçadas pela discussão proposta por Lipovetsky (2004) acerca da hipermodernidade. No contexto da organização hipermoderna, portanto, "tudo se gere: a carreira, o tempo, a saúde, a família, o estresse, etc. Assistimos a uma inflação do termo [gestão] em todos os registros da vida social, sintoma da crescente influência da empresa sobre outras esferas da sociedade" (Gaulejac, 2006, p. 413). Juntamente com a exacerbação das ideias gerencialistas estão presentes diversos não-ditos que, por vezes, passam a disfarçar e a mascarar aquilo que Gaulejac (2006, 2007) apresenta como "ideologia da gestão", sustentada essencialmente pela lógica gerencialista.

Deve-se ponderar que a ideologia aqui compreendida sustenta-se na ideia de Boltanski e Chiapello (2009, p. 33), apoiados em Louis Dumont, ao defini-la como o " conjunto de crenças compartilhadas, inscritas em instituições, implicadas em ações e, portanto, ancoradas na realidade". Nesse sentido, a ideologia não tem caráter de ilusão, na medida em que, por meio das ações, é capaz de gerar os mais diversos efeitos em relação aos acontecimentos, em que pese aqueles relativos ao mundo organizacional e do trabalho.

Para Pagès et al. (2006), uma ideologia, na sua forma predominante, se constitui como uma bricolage de elementos e influências diversas. Nesse sentido, os autores complementam que os dispositivos de gestão (técnicas, políticas, diretrizes, normas, entre outras) passam a fundamentar muitas das práticas ideológicas. Por meio do que Pagès et al. (2006) denominam "cerco ideológico", o sujeito passa a colaborar com a doutrina oficial, através da internalização das lógicas e prescrições ditadas pela organização, tomando para si a responsabilidade de cumpri-las. O sujeito, portanto, não necessariamente é regido pelas ordens fundamentadas na obediência a um chefe, mas por meio do compromisso com a lógica gerencial vigente.

Tal lógica gerencial, por sua vez, imbrica-se às prescrições que, muitas vezes, encontram seu suporte e legitimação em modelos objetivistas, funcionalistas, utilitaristas, pragmáticos e economicistas adotados pela ciência. Desse modo, fatores como a lógica da racionalidade influenciada por modelos matemáticos, a necessidade de adequação às condições consideradas normais e ideais, a busca constante pela utilidade, a otimização e a busca pela eficácia contribuem para que cada vez mais o humano seja visto como mais um recurso a ser explorado segundo a lógica produtivista (Gaulejac, 2007).

De certo modo, tais colocações despertam para a necessidade de se atentar não apenas para o humano visto como recurso, mas para a área de Recursos Humanos (RH) que, por meio de suas políticas, passa a desempenhar um papel fundamental na aplicação dos modelos acima mencionados utilizando-os a serviço da gestão gerencialista. Nesse sentido, as políticas de RH não se referem somente a procedimentos relativos ao funcionamento das organizações, mas também fundamentam a reprodução ideológica. As políticas correspondem ainda a processos de mediação, na medida em que procuram antecipar e evitar determinados conflitos que poderiam prejudicar os interesses da organização. Em conjunto, portanto, os dispositivos operacionais (rotinas de RH) e as ideologias " têm como função fazer interiorizar certas condutas e ao mesmo tempo, os princípios que os legitimam" (Pagès et al., 2006, p. 98).

Em complemento a esta analogia, é possível acrescentar os apontamentos de Siqueira (2009) ao discutir a gestão de pessoas em relação ao discurso organizacional na sociedade atual. Em suas análises, o autor define algumas categorias que possibilitam a reflexão acerca dos mecanismos utilizados pelas empresas para os trabalhadores os incorporem em suas condutas e objetivos. Dentre tais categorias, o autor destaca: o superexecutivo de sucesso nas organizações; o discurso do comprometimento organizacional; a busca de modismos gerenciais; o "ganhe" com a participação; a saúde nas empresas; e as melhores empresas para se trabalhar. É possível acrescentar que as categorias não são estanques e se complementam de modo a contribuírem com a legitimação e propagação de uma lógica gerencialista.

Em síntese, ressalta-se a afirmação de Gaulejac (2007, p. 29),"a gestão não é um mal em si", o problema encontra-se no fato dela se tornar uma ideologia dominante por meio das práticas gerencialistas, tomadas como verdades pouco questionadas. Isto posto, é possível buscar uma ampliação acerca dessa compreensão por meio de possíveis aproximações entre a produção de estilos de vida e a ideologia gerencialista em relação a algumas das especificidades da contemporaneidade.

 

5. Gestão gerencialista, estilos de vida e (im)possibilidades de ruptura com a carreira executiva: algumas considerações e reflexões às agendas de pesquisa

A gestão gerencialista, fundamentada na racionalização, extrapola os limites das organizações e atinge a vida em sua totalidade. Os modos de trabalhar, fundamentados pela gestão gerencialista, passam a pregar a adesão voluntária à sanção disciplinar, a mobilização à obrigatoriedade, a incitação à imposição, a gratificação à punição, a responsabilidade à vigilância, e sua força se enraíza em um sistema de valores que incentiva o engajamento individual, transformando a busca do lucro em um ideal e fazendo com que a empresa se torne o lugar da realização de si mesmo. Associados às imposições das carreiras proteanas e sem fronteiras, o sujeito é responsabilizado a tornar-se empreendedor da própria vida que, convertida em capital, deve ser produtiva e rentável. Assim, cada vez mais o trabalhador é solicitado a ser capaz de tomar decisões e, principalmente, sentir-se responsável pela organização onde trabalha (Gaulejac, 2007).

Tais imposições passam a constituir fronteiras para além dos muros da empresa, ganhando dimensões que passam a envolver a (re)produção dos estilos de vida deste trabalhador. A gestão de si, portanto, intensifica tal responsabilização, na medida em que, perpassada pela imaterialialização do trabalho, leva o sujeito a dedicar-se de corpo e alma ao cumprimento de suas obrigações.

Há de se acrescentar que o medo da obsolescência e da inutilidade vivenciados em um contexto líquido-moderno (Bauman, 2007), contribui ainda mais para a (re)produção de estilos de vida fundamentados no gerencialismo. Em uma sociedade de hiper-consumo como a atual, ávida por vivenciar novas experiências e experimentar novas sensações, a ideia da gestão de si passa a ser formatada e apresentada de modo a ser constantemente consumida pelo sujeito amedrontado pelo risco de não acompanhar as mudanças e, consequentemente, tornar-se refugo. Tais formas de consumo, na medida em que estão atreladas a padrões, indicadores ou mesmo prescrições impostas às formas de viver e trabalhar contribuem para que sejam intensificados os elementos da individuação, que no contexto contemporâneo acabam por encontrar férteis terrenos para a (re)produção das exigências oriundas da gestão gerencialista.

Ainda nesse contexto, é possível mencionar que o desenvolvimento na carreira, na medida em que passa a ser responsabilidade do trabalhador, tornase mais um elemento a ser formatado segundo os ditames das hipersolicitações e das exigências por mudanças. É possível afirmar, portanto, que na contemporaneidade, a gestão gerencialista é capaz de influenciar diretamente a produção dos modos de trabalhar e dos estilos de vida. Desse modo, Chiapello e Boltanski (2009) argumentam que um sujeito que merece destaque nesse processo se faz notar na figura do executivo, " cuja adesão ao capitalismo é especialmente indispensável para o funcionamento das empresas e para a formação do lucro" (p. 46), sendo caracterizados, portanto, como figuras primordiais na difusão e fortalecimentos dos preceitos capitalistas. Na medida em que ocupam altos cargos hierárquicos, os executivos tornam-se peças-chave na produção dos estilos de vida baseados na gestão gerencialista, sendo que não apenas sua imagem, mas essencialmente todos os elementos relacionados a seus modos de viver e trabalhar devem estar constantemente vinculados à ideia de sucesso, não apenas da empresa, mas também no plano pessoal.

Diante disso, a busca incessante pelo sucesso profissional passa a (re)produzir estilos de vida que naturalizam a competitividade e a necessidade de gestão das mais diversas esferas da vida, como carreira, família, saúde, relacionamentos entre outros elementos que passam a ser controlados e geridos sob a égide de critérios de racionalização, desempenho, eficiência e eficácia. Dessa forma com o suporte da mídia em geral, o sujeito se vê impelido a consumir as mais constantes e contraditórias dicas e prescrições "ideais" relativas a posturas, atitudes e comportamentos a serem adotadas em relação à gestão de si. Nesse sentido, Wood Jr e Paula (2002) identificaram que as publicações populares de negócios, por hora denominadas de pop management, são responsáveis pela divulgação daquilo que os autores chamam de culto ao empreendedorismo, à excelência e ao management, caracterizando-se ainda pela posição positiva e elogiadora em relação ao mundo corporativo, caracteristicamente representados pela imagem de executivos de sucesso e, destacando-se, como importantes elementos na (re)produção de estilos de vida padronizados e tidos como ideais.

Eccel et al. (2010), a partir de uma investigação elaborada em uma revista popular de negócios (Você S/A), identificam uma homogeneização dos estilos de vida no meio executivo. Os autores identificam elementos relativos a prescrições, normalização e adaptação dos corpos segundo um dado modelo de sucesso profissional que, por sua vez, ultrapassa as maneiras de trabalhar, constituindo o modo de vida do sujeito: formas de se portar e comportar, agir, reagir às pressões, consumir, viver ou mesmo produzir-se em relação ao trabalho, passam pelo consumo constante de marcas e padrões que passam a caracterizar e distinguir o executivo de sucesso. Recorrendo-se às ideias de Rolnik (2007a; 2007b), é possível analisar tais publicações a partir das ideias de "kits glamourizados" de identidade, capazes de contribuir com a reprodução das mais diversas prescrições e formas colocados à disposição para o consumo.

A propagação da imagem do executivo como profissional bem sucedido, portanto, passa a contribuir significativamente com a produção de estilos de vida que sustentam os mecanismos ideológicos da gestão gerencialista, reforçando as características daquilo que Gaulejac (2009) define como "prescritofrenia". Desse modo, analisar as prescrições a partir das lentes da modernidade líquida implica, ainda, compreendê-las em sua constante renovação que, por vezes, intensifica a produção das contradições e dilemas, na medida em que ao sujeito são apresentadas as "possibilidades", cabendo a ele a responsabilidade pela tomada de decisão. Tais possibilidades, muitas vezes baseadas em padrões de excelência a serem alcançados reforçam-se, muitas vezes, em elementos contraditórios capazes de colocar os executivos em posições de dilemas (Oltramari et al., 2011) em relação às mais diversas escolhas que passam a (re)produzir seus estilos de vida.

Investigações e análises empreendidas por Boltanski e Chiapello (2009), Davel e Melo (2005), Oltramari et al. (2011), dentre outros, evidenciaram aspectos relacionados aos modos de viver e trabalhar dos executivos. Suas contribuições, de modo geral, se relacionam diretamente aos estilos de vida produzidos pela gestão gerencialista, principalmente aqueles ligados aos elementos da racionalização, responsabilização e gestão de si, além de contemplarem ainda os dilemas, situações de sofrimento e pressões vivenciadas por tais trabalhadores. Tanure et al. (2007) destacam que a sensação de falta de tempo, os impactos das mudanças, questões ligadas ao orgulho, ou mesmo as sensações de constantes dívidas em relação à empresa mostram-se como fontes de tensão em relação à percepção de (in)felicidade por parte dos executivos.

Em consequência de tais fatores, as pressões e situações de mal-estar enfrentadas pelos executivos podem levá-los a romper, em certo momento, com a carreira ou mesmo com o mundo corporativo. Contudo, em acordo com os elementos até aqui apresentados, é necessário ponderar que o rompimento com a carreira não necessariamente implica a ruptura com os estilos de vida ou mesmo com os modos de trabalhar executivo.

Mesmo a criação de novos estilos de vida, diferentes daqueles vivenciados anteriormente, por serem produzidos em um contexto fundamentado no "hiper" e na "liquidez", podem carregar firmes características da gestão gerencialista. Vista como uma máquina de controle social, a gestão gerencialista instila não apenas na esfera corporativa, mas na sociedade como um todo, a busca incessante pelo sucesso baseado em critérios racionalizados e padrões de eficiência e eficácia.

Mais diretamente relacionando-se às carreiras, é possível refletir que as rupturas, de certo modo, contribuem com a intensificação dos ditames apregoados pelas carreiras sem fronteiras e proteanas, na medida em que corroboram a prescrição das constantes mudanças. Até mesmo um rompimento com as carreiras corporativas poderiam, de certa forma, contribuir com o reforço à metáfora do mito Proteu ao alterar sua face a partir de sua própria vontade. Tomar a decisão de romper com a carreira a partir da própria vontade poderia ser caracterizado como o uso da criatividade em formas singulares de produzir estilos de vida?

Ao se pensar a (re)produção dos estilos de vida a partir dos polos de individuação e singularização, é possível refletir sobre o fato de que as novas possibilidades criadas singularmente podem ser rapidamente capturadas e transformadas em mecanismos que reforcem os moldes gerencialistas, individualizando-as, e tornando-as prontas para o consumo de novos estilos e (im)possibilidades. No entanto, baseado em Guattari e Rolnik (2005), como se daria a articulação entre esses processos no caso dos executivos que fizeram a opção em romper com suas respectivas carreiras?

Pensar tal situação desperta para inquietações passíveis de contribuírem como possiblidades de pesquisas empíricas: o executivo que julgue ter promovido a ação de ruptura continuaria capturado pelas imposições de uma ideologia gerencialista? Mesmo desempenhando outras atividades, os modos de trabalhar característicos da gestão gerencialista o acompanhariam? Estariam tais modos apresentando características típicas das carreiras sem fronteiras e proteana? Outros estilos de vida adotados pelo sujeito seriam novos? Preservariam esse estilos elementos ideológicos da gestão gerencialista?

É necessário salientar que as reflexões atinentes a este assunto devem superar a ideia dicotômica de "possibilidade" e "impossibilidade" em se estabelecer rupturas com os estilos de vida. A visão de polos opostos e dissociados deve dar lugar a um continuum fundamentado em um processo de produção de subjetividade, em que as tensões entre ambas sejam capazes de revelar importantes fatores relativos à produção de estilos de vida. Nesse contexto, novas inquietações com vistas a melhor compreender a complexidade acerca da (im)possibilidade de ruptura merecem atenção: que elementos permitem ao executivo promover as possíveis rupturas com a carreira em determinado momento de sua vida? Como se constituem os estilos de vida produzidos a partir das mudanças em relação à carreira? Que elementos eles contêm no sentido de fazer arrefecer ou cristalizar as influências ligadas à gestão gerencialista?

Ao propor discussões envolvendo a gestão gerencialista e a produção de estilos de vida na contemporaneidade, este estudo enaltece a relevância e necessidade da continuidade dos trabalhos e discussões sobre o tema. Nesse sentido, ao pensar os modos de subjetivação ou modos de produção de estilos de vida, toma-se como pertinente a realização de pesquisas cuja agenda contemple as indagações apresentadas.

 

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Recebido em: 08/10/12
Aceito em: 16/05/13

 

 

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