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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.9 no.1 Juiz de fora jun. 2016

 

ARTIGOS

 

Maturidade de carreira e nível socioeconômico em estudantes do ensino médio

 

Career maturity and socioeconomic status of high school students

 

 

Beatriz Cancela Cattani1; Marco Antonio Pereira Teixeira; Luciana Rubensan Ourique

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo verificar a relação existente entre maturidade de carreira e nível socioeconômico em estudantes de Ensino Médio. Participaram do estudo 265 estudantes, com idades entre 14 e 20 anos, oriundos de duas escolas (uma particular e outra pública). Foram aplicados dois instrumentos: uma versão adaptada do Inventário de Maturidade de Carreira -forma C (Adaptabilidade) [Career Maturity Inventory - Form C (Adaptability Form)] e um questionário sociodemográfico. Para avaliar o nível socioeconômico foram consideradas a renda familiar e a escolaridade dos pais. Os dados foram analisados por meio de correlações de Pearson, testes t e análise de variância. Observou-se ausência de correlação significativa entre as variáveis maturidade de carreira e nível socioeconômico. Conclui-se que a maturidade de carreira do adolescente em momento de escolha profissional possivelmente está associada a outros fatores que não somente a questão socioeconômica familiar.

Palavras-chave: maturidade de carreira; nível socioeconômico; orientação vocacional; adolescentes; Inventário de Maturidade de Carreira.


ABSTRACT

This study aimed at identifying the relationship between career maturity and socioeconomic status of high school students. The study included 265 students, aged between 14 and 20 years old, from two schools (one public and one private). Two instruments were applied: the adapted version of the Career Maturity Inventory - Form C (Adaptability Form) and a sociodemographic questionnaire. Socioeconomic level was assessed considering the family income and the parents' education. Data were analyzed using Pearson correlations, t-tests and analysis of variance. Results indicated no significant correlation between career maturity and socioeconomic status. It was concluded that career maturity of adolescents facing a career choice is possibly associated with other factors, and not only the socioeconomic situation of the family.

Keywords: career maturity; socioeconomic level; vocational guidance; adolescents; Career Maturity Inventory.


 

 

INTRODUÇÃO

Para se falar sobre o universo do trabalho em tempos atuais é necessário considerar que os indivíduos estão cada vez mais inseridos em um contexto de economias globalizadas e rápidos avanços da tecnologia da informação. O século XX pode ser definido pela ampliação de possibilidades profissionais e diversidade de empregos, aspectos esses influenciados pela industrialização, que trouxe modificações nas relações sociais e profissionais (Savickas et al., 2009).

Até então, a forma como o indivíduo adentrava no mundo do trabalho era razoavelmente previsível e entendia-se a escolha profissional como um acontecimento único e imutável em sua vida. A escolha era vista por meio de uma ótica de ajustamento das características pessoais com as características necessárias para o trabalho (Balbinotti, 2003). A teoria dos traços e fatores de Parsons (1909, citado por Balbinotti, 2003), que predominava no começo do século XX, tinha seu foco sobre a ideia de assegurar o homem certo no lugar certo, ao analisar as características tanto da pessoa quanto da profissão escolhida (Balbinotti, 2003). Para Duarte (2009), Parsons procurava, na verdade, responder às inúmeras necessidades sociais oriundas do desenrolar da Revolução Industrial, ao afirmar que o desenvolvimento social tinha como base a forma como os sujeitos faziam as suas escolhas vocacionais.

O conceito de maturidade vocacional designa, na teoria desenvolvimentista, a "prontidão" do indivíduo para tomar decisões de carreira (Super, Savickas, & Super, 1996). A expressão foi cunhada em uma época na qual o cenário do mundo do trabalho era mais estável e, uma vez iniciada a trajetória profissional, poucas transições ocorriam que exigissem novas decisões vocacionais de impacto por parte do indivíduo. Assim, o termo maturidade ficou associado ao período da adolescência e início da adultez, quando os jovens tomavam sua primeira (e muitas vezes única) decisão importante relacionada à carreira em suas vidas (Super et al., 1996). A maturidade vocacional, tal como Super definiu, é desenvolvida em cinco dimensões e o seu nível está relacionado ao ponto em que o indivíduo se situa nesse crescente. As dimensões são: orientação para a escolha profissional; informação e planejamento; coerência da escolha; cristalização dos traços e pertinência da escolha (Neiva, Silva, Miranda, & Esteves, 2005).

A partir da década de 1950, com o estabelecimento da industrialização plena, passou a haver uma lenta, mas consistente, mudança de paradigmas no contexto da orientação profissional e a forma como se percebia o trabalho foi modificada (Savickas et al., 2009). Houve um crescimento considerável nas possibilidades profissionais, com o aumento do número de profissões e carreiras. A relação empregado/empregador foi influenciada diretamente pelo surgimento de corporações internacionais que, associado à crescente propagação do uso de tecnologias, tornou as relações de trabalho mais dinâmicas e maleáveis (Savickas et al., 2009). Com as mudanças sociais e econômicas das últimas décadas do século XX e a primeira do século XXI, o mundo do trabalho se tornou mais dinâmico e instável, exigindo decisões e adaptações ao longo da vida por parte dos indivíduos.

A adaptabilidade de carreira é um construto que vem recebendo cada vez mais atenção na área das teorias de carreira e do aconselhamento de carreira. É um termo já utilizado desde meados da década de 1970 nos Estados Unidos, quando Super e Knasel (1981) propuseram o termo adaptabilidade de carreira para designar a capacidade que um indivíduo possui de buscar o equilíbrio entre o mundo do trabalho e a sua vida pessoal. Posteriormente, Savickas (1997) propôs que a adaptabilidade de carreira ocupasse um lugar central da teoria desenvolvimentista, substituindo a noção de maturidade. Para ele, adaptabilidade significa a qualidade de conseguir modificar-se ou adaptar-se a situações de transição, e assim definiu o termo como a prontidão para lidar tanto com tarefas de preparação e participação no mundo do trabalho quanto com ajustes imprevisíveis advindos de mudanças no trabalho e nas condições de trabalho. Os elementos definidores da adaptabilidade já estavam presentes no conceito de maturidade: a atitude de planejamento, a exploração e a tomada de decisão (Savickas, 1997). O conceito de adaptabilidade de carreira tem sido definido por meio de quatro dimensões, que representam recursos e estratégias adaptativas do desenvolvimento profissional: preocupação (orientação ao futuro), controle (responsabilidade no que se refere à carreira), confiança (senso de capacidade) e curiosidade (exploração) (Savickas & Porfeli, 2011). Atualmente, o termo maturidade de carreira ainda é utilizado no campo do desenvolvimento vocacional, embora a maturidade não seja entendida como uma característica estática e inerente ao indivíduo, e sim uma capacidade de adaptação que se desenvolve na relação da pessoa com o meio, o que corresponde à concepção mais moderna de adaptabilidade de carreira (Savickas, 2005).

A escolha profissional é influenciada por diversas variáveis (Neiva et al., 2005). Fatores políticos, sociais, econômicos, educacionais, psicológicos e familiares são considerados quando o jovem inicia seu processo de escolha e influenciarão na maior ou menor qualidade da escolha e na relação que o estudante estabelecerá com o seu objeto de trabalho. Para Super (1955), existem diversas variáveis que influenciam a carreira dos indivíduos: as despesas com estudo, a tecnologia, a lei da oferta e da procura, as tradições, os sindicatos e organizações profissionais, os ciclos econômicos e a automatização. Esses são considerados fatores econômicos que de alguma forma influenciam o desenvolvimento profissional. Os aspectos socioeconômicos e ambientais influenciam esse processo tanto pelas "oportunidades de desenvolvimento que eles facilitam ou dificultam" (Balbinotti, 2003, p. 465) quanto pela "procura de modelos ocupacionais e de autoconceitos" (p. 465). Estudos apontam para a importância do nível socioeconômico (NSE) para diversos aspectos do desenvolvimento profissional (Ali, McWhirter, & Chronister, 2005). Entre esses destacam-se a percepção sobre oportunidades e o acesso a recursos educacionais e vocacionais (os quais consistem no acesso a informações sobre as profissões e sobre o mercado de trabalho, o apoio parental com relação às escolhas profissionais e a reflexão sobre os próprios interesses, habilidades e valores; Ali et al., 2005). Nesse sentido, NSEs mais altos estiveram correlacionados com melhor autoconceito, maior acesso a recursos e maior nível de adaptabilidade de carreira em adultos na transição da faculdade para o trabalho (Blustein et al., 2002). O NSE também se mostrou como um importante preditor dos interesses vocacionais, de acordo com o modelo de Holland (Trusty, Robinson, Plata, & Ng, 2000). Sendo assim, observouse uma correlação negativa entre o NSE de adolescentes ea escolha por cursos relacionados ao perfil Realista. Maior NSE também esteve associado à escolha por cursos voltados aos perfis Artístico e Investigativo (Trusty et al., 2000). Esses resultados indicam que o NSE pode ter influência no desenvolvimento dos interesses de adolescentes, gerando um impacto em suas escolhas e nos caminhos profissionais a seguir. Em estudo com alunos de cursinho popular, observou-se que apenas 20% dos participantes tentariam o ingresso na universidade logo após a conclusão do ensino médio. Em geral, observa-se um padrão diferente em alunos pertencentes a níveis econômicos mais favorecidos, para os quais a continuidade dos estudos na universidade é um caminho natural (Valore & Cavallet, 2012). A condição financeira não foi o principal dificultador da escolha profissional de estudantes de baixa renda. Contudo, algumas restrições relacionadas a esse aspecto foram mencionadas pelos adolescentes, como a necessidade de trabalhar no decorrer da formação, o que prejudicaria a dedicação que gostariam de manter nos estudos. Foi colocada também a incerteza quanto à possibilidade de subsistência futura na área profissional de interesse (o ramo artístico, por exemplo) e quanto ao ingresso e à permanência no mercado de trabalho (Valore & Cavallet, 2012). Dessa forma, reforça-se a ideia de que indivíduos de NSEs mais baixos tendem a experimentar de forma diferenciada, e provavelmente com maiores dificuldades, o processo de desenvolvimento profissional (Ali et al., 2005).

Whiston e Keller (2004) realizaram um levantamento das publicações relacionadas à influência da família de origem no desenvolvimento vocacional e ocupacional desde 1980. Verificou-se que as famílias são frequentemente citadas como o aspecto de maior influência nos constructos relacionados ao desenvolvimento de carreira e que os sujeitos apresentam uma tendência a buscar orientação sobre carreiras com seus familiares (Whiston & Keller, 2004). O ambiente familiar tem fundamental importância na construção da imagem profissional, influenciando o processo de escolha (Bardagi, Lassance, & Teixeira, 2012). Nesse contexto é que o indivíduo desenvolve as primeiras noções sobre si e sobre o mundo (Bardagi et al., 2012). A participação parental no desenvolvimento profissional dos filhos ocorre desde a infância até a vida adulta, de acordo com a percepção dos pais de estudantes universitários (Oliveira & Dias, 2013). Observou-se que o papel dos pais está em oferecer apoio emocional e material aos filhos, por meio de encorajamento à exploração dos interesses, endossamento de escolhas, diálogo e amparo diante da insegurança (Oliveira & Dias, 2013). Tendo em vista esse aspecto, "estudos com pais de diferentes níveis socioeconômicos (e de diferentes níveis de escolaridade) também podem ser úteis para identificar possíveis diferenças quanto ao papel que acreditam desempenhar nesse processo do desenvolvimento dos jovens" (Oliveira & Dias, 2013, p. 70). A influência da família, bem como do nível socioeconômico e cultural em que está inserida, foi explicitada no estudo de Dias e Sá (2014). A escolha do adolescente pelo ingresso no Ensino Superior (ES) demonstrou estar atrelada à possibilidade de mobilidade social, para estudantes de NSE menos favorecido. Em famílias pertencentes a um NSE e cultural mais alto, a escolha pelo ingresso no ES é um caminho natural feito quase sem questionamento, e que visa à manutenção de um status social (Dias & Sá, 2014). Além da família, os pares também têm sido reconhecidos como importantes no processo de desenvolvimento profissional. Evidências indicam que para jovens de baixo NSE os pares foram preditores dos níveis de expectativa de autoeficácia educacional/vocacional (Ali et al., 2005). Assim, podese compreender que o contexto no qual o indivíduo está inserido tem influência sobre os diversos aspectos que compõem as escolhas profissionais e o desenvolvimento da carreira de uma forma geral.

Pode-se pensar, a partir do que foi exposto, que tais variáveis contextuais podem influenciar os níveis de prontidão de adolescentes para as escolhas profissionais, tendo em vista o acesso a informações e a recursos que se diferenciam conforme o ambiente em que se está inserido. Optou-se neste estudo por investigar especificamente o aspecto socioeconômico como possível fator de influência sobre a maturidade de carreira de adolescentes. Esta pesquisa teve como objetivo, portanto, investigar a relação entre a maturidade de carreira de adolescentes e o NSE da família. Tem-se como hipótese que há correlação significativa e positiva entre essas duas variáveis, tendo em vista achados na literatura que indicam a existência de relação entre maior maturidade de carreira e NSE mais elevado (Neiva et al., 2005).

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 265 estudantes, sendo 50,8% do sexo masculino, matriculados no primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Médio de duas escolas da cidade de Porto Alegre, sendo uma da rede pública e uma da rede particular. Quanto às características da amostra, 55,8% dos participantes eram provenientes de escola pública e 96,6% tinham idades entre 14 e 18 anos. A maior parte dos estudantes estava cursando a 2ª série do Ensino Médio (46,8%), seguindo por estudantes do 3ª série (29,1%). A maioria dos adolescentes morava com ambos os pais (53,2%), enquanto 24,7% apenas com a mãe, 8,0% com a mãe e o padrasto, 4,9% apenas com o pai, 2,7% com o pai e a madrasta, 2,7% com outros parentes e 3,8% em outras configurações. Utilizou-se o critério de conveniência para selecionar as escolas. O critério para a participação na pesquisa foi de que o estudante fosse aluno do Ensino Médio e estivesse frequentando regularmente a escola, independentemente do turno e de sua faixa etária.

Instrumentos

Para a coleta dos dados foram utilizados dois instrumentos, que tiveram aplicação conjunta. Um deles é o Inventário de Maturidade de Carreira (IMC), de Savickas e Porfeli (2011), forma C reduzida. Composto por 24 itens e voltado para jovens cursando o Ensino Médio, o Inventário de Maturidade de Carreira - Forma C [Career Maturity Inventory - Form C (Adaptability Form)] (Savickas & Porfeli, 2011) aborda variáveis relacionadas à escolha ocupacional. Ele é uma versão recente e atualizada de um instrumento clássico da área de desenvolvimento vocacional, que tem por objetivo avaliar a adaptabilidade de carreira em estudantes de nível secundário. Os 24 itens abordam cada uma das quatro dimensões do conceito de adaptabilidade de carreira já citadas: preocupação, controle, confiança e curiosidade (com seis questões referentes a cada uma). O referido instrumento foi traduzido do inglês para português pela equipe de pesquisa (Teixeira & Cattani, 2012), sendo a adequação da tradução avaliada por dois juízes independentes fluentes na língua inglesa, que sugeriram breves correções.

O outro instrumento aplicado foi um questionário sociodemográfico, o qual continha questões referentes à realidade social e econômica do adolescente e sua família. Para avaliar o NSE, foram consideradas a renda familiar (que consistiu em uma estimativa relatada pelo adolescente) e a escolaridade dos pais, também relatada pelos adolescentes em uma pergunta fechada do questionário.

Os jovens foram orientados a responderem levando em consideração as pessoas que, para eles, assumiam os papéis de pai e mãe em suas vidas, independentemente de morarem ou não com elas.

Procedimentos

Os instrumentos foram aplicados coletivamente, em contexto de sala de aula. Inicialmente, foram contatadas as duas escolas participantes a fim de se apresentar a proposta da pesquisa e de se obter autorização para a realização desta. A participação dos alunos foi voluntária e se efetivou após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para aqueles que eram menores de idade, foi solicitada concordância dos pais, mediante a assinatura destes no referido Termo. A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética da universidade à qual estavam vinculados os pesquisadores (CAAE: 15095613.0.0000.5334).

Foram realizadas análises estatísticas descritivas e de associação, por meio do coeficiente de correlação de Pearson (r de Pearson), o qual indica o grau de associação entre as variáveis consideradas. Além da correlação entre as variáveis maturidade de carreira e renda familiar, foram realizadas algumas correlações bivariadas de caráter exploratório entre as variáveis sexo, série e tipo de escola. Para avaliar a diferença significativa de médias entre grupos, foram utilizados teste t de Student e análise de variância de um fator (Anova).

 

RESULTADOS

Tendo em vista que o NSE foi considerado a partir da renda familiar e da escolaridade dos pais, esses dois indicadores foram usados nas análises que buscaram identificar relações entre NSE e maturidade de carreira. Preliminarmente, investigou-se se, como esperado, existia relação entre renda e escolaridade. Verificaram-se correlações significativas entre renda e escolaridade, tanto do pai (r = 0,60; p < 0,001) quanto da mãe (r = 0,55; p < 0,001). A correlação entre renda e o escore total do IMC não foi significativa (r = -0,22; p = 0,738), assim como cada uma das suas dimensões: preocupação (r = -0,05; p = 0,452), controle/consultation (r = 0,00; p = 0,974), confiança (r = -0,02; p = 0,778) e curiosidade (r = 0,01; p = 0,836). Da mesma forma, as correlações entre a escolaridade dos pais e o IMC mostraram-se muito baixas e não significativas, sendo r = -0,10 (p = 0,878) no caso dos pais e r = 0,05 (p = 0,458) no caso das mães. Nenhuma das dimensões do IMC apresentou correlação significativa com a escolaridade, seja do pai ou da mãe.

A seguir, em caráter exploratório, foram realizados testes de comparações de médias (testes t e análise de variância), com o objetivo de examinar se existiam diferenças significativas nos índices do IMC em diferentes condições, como sexo, séries e tipo de escola frequentada pelo adolescente. A Tabela 1 apresenta os resultados dessas análises, na qual se observa que não há diferenças significativas entre os grupos.

Uma última análise exploratória foi realizada comparando o escore total do IMC conforme o tipo de projeto preferencial após o Ensino Médio (as opções eram "Prestar vestibular", "Fazer cursinho e depois prestar vestibular", "Fazer um curso técnico", "Conseguir um emprego", "Continuar estudando, mas não sei o que", e "Não decidiu ainda"). A partir das respostas, foram criados dois grupos: com projeto mais definido (agrupando participantes que assinalaram alguma das quatro primeiras categorias) e com projeto menos definido (agrupando participantes que assinalaram alguma das duas últimas categorias). O grupo de jovens com projeto mais definido apresentou média de maturidade (M=1,62; DP=0,15) superior ao do grupo com projeto menos definido (M=1,50; DP=0,16), t (256) = 3,72, p < 0,001.

 

DISCUSSÃO

Diferentemente do que foi observado por outros autores (Balbinotti, 2003; Neiva et al., 2005), nesta pesquisa não se observou correlação significativa entre o NSE dos pais e o grau de maturidade de carreira dos estudantes, medido pelo Inventário de Maturidade de Carreira. Ou seja, não foi possível confirmar a hipótese inicial de que existe uma relação direta entre a renda familiar apontada pelos estudantes na pesquisa e a prontidão destes no que se refere à escolha profissional. A renda familiar apresentou correlação significativa apenas com a escolaridade dos pais, o que aponta para uma tendência de que quanto maior o grau de escolaridade dos pais, maior a chance da renda ser mais alta. As duas análises de correlação (renda e escolaridade dos pais) com o escore do IMC foram feitas separadamente, visto que tanto renda quanto a escolaridade podem ser consideradas indicadores de NSE. Assim, conclui-se que nem a escolaridade dos pais nem a renda possuem relação direta com o grau de maturidade de carreira, conforme medido neste estudo. Tais achados vão ao encontro de outros estudos com estudantes do Ensino Médio, em que não foram observadas diferenças estatisticamente significativas na maturidade para escolha profissional total dos adolescentes, seja qual fosse o nível de escolaridade dos pais (Junqueira, 2010). Pode-se pensar, a partir de tais achados, que a maturidade de carreira de um jovem em período de escolha profissional, nos dias atuais, possivelmente está associada a outros fatores que não somente a questão socioeconômica familiar. Aspectos referentes à subjetividade e à experiência de vida do jovem podem ser significativos no processo do desenvolvimento da maturidade relacionada à escolha profissional. Quanto às questões de gênero, contrariando o que foi encontrado por Lobato e Koller (2003), não foi possível identificar diferenças entre homens e mulheres.

Adicionalmente, não foram encontradas diferenças entre os índices de maturidade das três séries investigadas, tendo os resultados se concentrado na média de escore 14. No presente caso, percebe-se que estar mais próximo da conclusão do Ensino Médio não significou estar mais "pronto" para fazer escolhas profissionais. Este resultado também contraria a literatura, tendo em vista os achados de Balbinotti e Tétreau (2006), que encontraram uma diferença significativa nos índices de maturidade vocacional, entre estudantes de 2º e 3º ano (p=0,008). Salienta-se que os autores não utilizaram o IMC, mas sim outro instrumento de medida (a versão brasileira do Questionário de Educação à Carreira, o QEC-96, de Dupont e Gingras, datado de 1990), instrumento com 96 itens divididos em duas escalas que integram sete dimensões (sentido e importância do trabalho, com 22 itens, e preparação para a carreira, com 74 itens, divididos em seis dimensões: tarefas de planificação, fatores considerados, profissão preferida, competências, tarefas de exploração e atividades realizadas). A utilização de diferentes instrumentos de medida pode explicar a diferença nos resultados.

Os resultados mostraram também que os estudantes que não tinham um projeto mais definido apresentaram escores mais baixos no IMC. Tal achado indica que os adolescentes que apresentam uma menor preocupação com o futuro e menor prontidão para realizar a escolha profissional têm mais dificuldades para identificar seus interesses e estabelecer projetos pessoais. A dificuldade no estabelecimento de metas e o medo do futuro podem ser resultados das ambiguidades dos pais com relação ao desejo de que os filhos tornem-se independentes (Oliveira & Dias, 2013). Quando não se transmite segurança nesse sentido, é provável que o adolescente tenha pouca confiança em suas próprias capacidades (Oliveira & Dias, 2013). No presente estudo, tais aspectos não demonstraram estar associados ao nível socioeconômico, mas sugere-se a continuidade de pesquisas que possam complementar esses resultados.

O presente estudo visou debruçar-se sobre a relação entre o construto investigado no Inventário de Maturidade de Carreira (maturidade de carreira) e o NSE familiar, considerando-se tanto a renda familiar quanto a escolaridade dos pais. Com esse propósito, algumas correlações em nível exploratório foram realizadas. Inicialmente, foi previsto que seria possível encontrar correlações positivas significativas entre as variáveis principais, o que não foi confirmado.

A opção de se abordar o conceito de maturidade de carreira está relacionada com a importância de tal variável no desenvolvimento profissional dos estudantes. Segundo Oliveira e Coleta (2008), estudantes universitários com médias mais elevadas em escalas que avaliam maturidade de carreira são aqueles que apresentam mais satisfação com a escolha profissional e que identificam seu rendimento acadêmico como bom-ótimo, evidenciando estarem mais maduros vocacionalmente. Para as autoras, na grande maioria dos casos, a maturidade de carreira é diretamente proporcional à satisfação com a escolha profissional.

Utilizar a variável renda possibilitou ampliar a compreensão do processo de escolha profissional, principalmente pela verificação de que esse aspecto, sozinho, não prediz a maturidade de carreira de adolescentes. A presente pesquisa foi realizada a partir da análise do material coletado de alunos de duas escolas de uma única cidade. Muitas das correlações encontradas não foram significativas, o que poderia ter sido diferente caso a amostra tivesse sido ampliada, o que pode ser considerada como uma limitação deste estudo. De toda forma, entende-se que os resultados contribuíram para a construção de conhecimento na área de orientação profissional. Considera-se este estudo relevante também pelo fato de haver poucos estudos na literatura nacional nessa área que tratem especificamente da variável socioeconômica e seu impacto no desenvolvimento vocacional.

Reforça-se a importância de que futuras pesquisas sejam desenvolvidas, correlacionando a maturidade, ou a adaptabilidade de carreira, de adolescentes com outras variáveis. A qualidade das relações familiares e a influência parental, o tipo de profissão escolhida, a quantidade de anos de estudo e a autoeficácia são algumas sugestões de variáveis que podem ser incluídas nos próximos estudos. Sugere-se, também, a realização de estudos qualitativos, os quais permitiriam o aprofundamento de alguns aspectos, tais como a compreensão do contexto de vida dos adolescentes e a qualidade das relações familiares. Assim, seria possível dar continuidade e ampliar o conhecimento sobre aspectos teóricos que podem contribuir com a prática e a pesquisa na área de Orientação Profissional.

 

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Recebido em: 01/10/2015
Aceito em: 22/03/2016

 

 

1 Contato: beatriz.cattani@gmail.com

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