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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versión On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.1 Belo Horizonte jun. 2017
Artigo
Livros de histórias como recurso avaliativo e promotor da compreensão dos estados mentais: uma revisão
Storybooks as evaluative resource and promoter of understanding of mental states: a review
Maíze Carla Costa Pelisson1; Marisa Cosenza Rodrigues2
1 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), maizecpelisson@yahoo.com.br
2 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), rodriguesma@terra.com.br
RESUMO
A habilidade sociocognitiva infantil de compreender os estados mentais próprios e alheios é denominada teoria da mente. Pesquisas apontam uma estreita relação entre essa habilidade e a linguagem, enfatizando atividades de leitura mediadas com livros de histórias. O presente artigo constitui uma revisão sistemática de estudos que utilizaram os livros de histórias como recurso avaliativo e/ou promotor da teoria da mente. A busca foi realizada nas bases de dados SciELO, PePSIC, PsycINFO e PUBmed. Utilizou-se a combinação entre os descritores: livro de história; teoria da mente; estados mentais e seus correlatos em inglês e espanhol. Encontrou-se um total de 387 artigos, sendo que apenas nove satisfizeram os critérios de inclusão. Os resultados apontam para a viabilidade sociocognitiva dos livros, como medida tanto de avaliação quanto de promoção de competências relacionadas à teoria da mente.
Palavras-chave: Livro de história, teoria da mente, estados mentais.
ABSTRACT
The socio-cognitive children’s ability to understand their own and others mental states is denominated theory of mind. Research shows a close relationship between this ability and language, emphasizing mediated reading activities with storybooks. This article is a systematic review of studies that used storybooks as evaluative resource and/or promoter of the theory of mind. The search was conducted in the databases SciELO, PePSIC, PsycINFO and Pubmed. It was used the combination between the descriptors: storybook; theory of mind; mental states and its correlates in Portuguese and Spanish. A total of 387 articles was found, but only nine of those satisfied the inclusion criteria. The results point to the socio-cognitive viability of books, both as assessment measure and promotion of skills related to the theory of mind.
Keywords: Storybook, theory of mind, mental states.
A expressão teoria da mente é utilizada na literatura para definir a habilidade de inferir sobre estados mentais, como crenças, desejos e intenções, e predizer o comportamento próprio e alheio. Nesse sentido, envolve a compreensão de que as pessoas são seres psicológicos, cujas ações ou comportamentos são determinados por estados mentais (Abreu, Cardoso-Martins, & Barbosa, 2014). Essa habilidade sociocognitiva desenvolve-se gradualmente na infância e possibilita o bom desempenho nas interações sociais.
Autores como Rakhlin et al. (2011); Rocha (2012) e Rodrigues e Pires (2010) têm ressaltado a relevância de alguns fatores, como a linguagem e as experiências sociais, os quais tendem a influenciar positivamente o curso do desenvolvimento da teoria da mente. Milligan, Astington e Dack (2007) consideram que a linguagem possui papel relevante na construção sociocognitiva, uma vez que o uso do vocabulário mentalista incita a compreensão infantil a respeito do outro, seus pensamentos, crenças, desejos e intenções, o que tende a favorecer o estabelecimento de interações entre pares mais adequadas. Esta linguagem mentalista ou linguagem da mente é definida por Astington e Pelletier (2000) como o uso explícito de vocábulos referentes a estados mentais (e.g. alegre, entender, medo, solidão, entre outros), sendo essencial para o acesso, discriminação e compreensão da mente humana.
Dentre os recursos possíveis que podem potencializar o desenvolvimento da teoria da mente na infância, destaca-se a leitura de livros de histórias infantis (Mateus et al., 2013; Rodrigues & Ribeiro, 2014). Autores como Jou (2013) e Rodrigues e Pires (2010) vêm considerando os livros como instrumentos valiosos, devido ao vasto vocabulário referente a estados mentais, identificados nas falas, nos comportamentos e nas situações que comumente enredam as narrativas infantis. Nessa direção, Jou afirma que, se durante a leitura das narrativas a criança for sensibilizada por determinado sentimento do personagem da história, a leitura estaria estimulando sua empatia, habilidade considerada pela referida autora como um domínio afetivo da teoria da mente. Se a história remeter para resolver problemas ou desvendar mistérios, por exemplo, despertando na criança a inferência do comportamento do personagem, a leitura estaria estimulando o domínio cognitivo e a habilidade de solucionar conflitos. Sendo assim, alguns autores (Mar, Tackett, & Moore, 2010; Rodrigues, Pelisson, Silveira, Ribeiro, & Silva, 2015; Romero, Velandia, & Pacheco, 2011) assumem que a exposição à literatura infantil contribui para a melhoria da competência linguística, além de beneficiar o desenvolvimento sociocognitivo infantil.
No final do século XX foram realizados alguns estudos que impulsionaram as primeiras investigações acerca do potencial dos livros de histórias infantis como fonte de conhecimento e compreensão dos estados mentais. (Cassidy et al., 1998; Dyer, Shatz, & Wellman, 2000; Rodrigues, Oliveira, Rubac, & Tavares, 2007; Rodrigues & Rubac, 2008; Rodrigues & Tavares, 2009). No contexto internacional, Cassidy et al. (1998) analisaram uma amostra de 371 livros infantis estadunidenses quanto à ocorrência de termos mentais e identificaram que 78% dos livros analisados apresentaram linguagem referente a estados internos, 34% continham a crença falsa3 e 43% apresentaram descritores de personalidade. Dyer et al. (2000) também analisaram a ocorrência de termos mentais em 90 livros de histórias com base nas expressões voltadas para os estados mentais, na convergência entre figura e estados mentais, na ironia e na crença falsa. Os resultados indicaram que 69% dos livros infantis apresentavam mais de 15 referências a estados mentais, declarados, sobretudo, por meio de expressões linguísticas e da ironia, sugerindo que as crianças, mesmo as mais novas, tenderiam a ter benefícios sociocognitivos com a leitura de livros infantis na medida em que as histórias são centradas nas ações e interações de pessoas ou animais personificados.
A escassez de estudos brasileiros impulsionou, posteriormente, os estudos já citados de Rodrigues et al., 2007, Rodrigues e Rubac (2008) e Rodrigues e Tavares (2009), os quais, partindo de uma metodologia similar de investigação quanto ao potencial dos livros nacionais, corroboram os achados das pesquisas internacionais. Rodrigues et al. (2007) investigaram a ocorrência de expressões mentais em uma amostra de 100 livros de histórias infantis visando analisar expressões e imagens presentes no texto, presença de ironia e crença falsa e também aspectos do processamento da informação social. O estudo revelou que 92% dos livros analisados continham termos denotando estados mentais, afinando-se com os resultados obtidos por Cassidy et al. (1998) e Dyer et al. (2000). Em relação às expressões e às imagens, verificou-se que todos os livros apresentaram um alto índice de convergência figura e estado mental. A presença de crença falsa foi encontrada em 11% dos livros e, quanto à presença de ironia, encontrou-se baixa frequência (12%) se comparada com o que foi obtido por Dyer et al. Identificou-se também expressiva porcentagem de livros infantis nacionais (75%) com elevado repertório de pistas sociais.
Posteriormente, visando ampliar a investigação sobre os livros nacionais, Rodrigues e Tavares (2009) analisaram outros 119 livros infantis brasileiros quanto à presença de palavras e expressões denotando estados mentais, à convergência entre figura e estado mental e à presença de ironia situacional e crença falsa, além de analisarem também situações oferecedoras de pistas sociais. Os resultados reforçaram tanto os estudos nacionais quanto os internacionais, pois 99% dos livros dessa nova amostra apresentaram alto índice de referência aos estados mentais, e 74 % das narrativas apresentaram alta convergência entre a imagem e o estado mental. Também foram identificadas, nessa amostra de livros brasileiros, situações envolvendo ironia (21%) e crença falsa (13,5%).
Do ponto de vista aplicado, a exploração desses livros com mediação das histórias por parte de um adulto tem sido considerada relevante por vários estudiosos (Mar et al., 2010; Rodrigues & Ribeiro, 2014; Sant’Ana, Morais, Azevedo, & Pena, 2015; Verzolla, Isotani, & Perissinoto, 2012). A leitura mediada pode ser entendida, segundo Ferraz (2008), como uma atividade de construção educativa conjunta, realizada pelo professor, em voz alta, de forma sistemática e dirigida aos alunos, em que o professor oferece oportunidades para que os alunos construam representações mentais a partir do compartilhamento e da reflexão das histórias narradas, construindo assim reproduções da realidade. Symons, Peterson, Slaughter, Roche e Doyle (2005) afirmam que esse tipo de leitura permite ao adulto assumir o papel de mediador, elaborando perguntas, descrevendo e rotulando imagens presentes no texto, possibilitando às crianças aprimorarem a compreensão acerca do mundo social e apropriarem-se de regras que permeiam as interações entre pares. Jordan e Mella (2009) também salientam que a atividade de leitura, realizada de forma interativa, bem como a presença da ficção nas narrativas, oferece a possibilidade de o educador criar intencionalmente situações de dramatização que proporcionem à criança a possibilidade de lidar com o mundo imaginário de forma criativa e adaptativa.
O livro de história tem sido considerado, portanto, como recurso valioso na implementação de práticas promotoras de competências sociocognitivas por diversos autores, entre eles Mateus et al. (2014) e Romero et al. (2011). Além disso, conforme apontam Rodrigues e Rubac (2008), os livros constituem um recurso barato e de fácil acesso, destacando a viabilidade de utilização pelos educadores. Diante da diversidade dos estudos e da relevância sociocognitiva dos livros de histórias infantis, o presente artigo objetiva realizar uma revisão da literatura nacional e internacional de estudos que utilizaram os livros de histórias como recurso avaliativo e promotor da compreensão dos estados mentais.
Método
A pesquisa bibliográfica foi realizada no mês de outubro de 2015 nas bases de dados SciELO, PePSIC, PsycINFO e PubMed, buscando identificar artigos que utilizaram o livro de história infantil como ferramenta para avaliar e/ou promover o desenvolvimento infantil da teoria da mente.
Critérios de inclusão do material na revisão
Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: a) estudos publicados entre 2000 e 2015; b) estudos envolvendo crianças como participantes ou alvos do programa; c) avaliação e/ou promoção de competências sociocognitivas como objetivo, mais especificamente atribuição e/ou compreensão dos estados mentais; d) o delineamento do estudo ser experimental, quase-experimental ou pré-experimental; e) textos publicados em português, inglês ou espanhol.
Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: a) artigos de metanálise; b) intervenções não direcionadas a crianças; c) estudos que não focalizaram a atribuição e/ou compreensão dos estados mentais. Para tanto, utilizou-se a combinação entre os seguintes descritores: (livro de história) AND [(teoria da mente) OR (estados mentais)]; (storybook) AND [(theory of mind) OR (mental states)]; (libro de cuento) AND [(teoría de la mente) OR (estados mentales)]. Os termos poderiam aparecer em qualquer campo de indexação, ou seja, no título, no resumo ou nas palavras-chave. A pesquisa objetivou encontrar apenas artigos indexados nas bases de dados pesquisadas, sendo excluídas teses e dissertações.
Análise dos dados
Os artigos analisados foram selecionados a partir de leitura prévia dos resumos encontrados, sendo posteriormente recuperados os textos originais na íntegra para constituírem o material de análise que iria viabilizar o tratamento adequado dos dados. Após a leitura integral de cada artigo selecionado, realizou-se a delimitação dos estudos que apresentaram como enfoque a avaliação e/ou a promoção sociocognitiva do conhecimento/compreensão dos estados mentais.
Resultados e discussão
Encontrou-se um total de 387 artigos. Cada artigo teve seu título e resumo lidos para seleção daqueles que se enquadravam nos critérios de inclusão. Essa leitura totalizou 15 artigos pré-selecionados que, após serem lidos na íntegra, levaram à exclusão de seis deles: três eram estudos exploratórios e os demais relatavam nos resumos terem realizado intervenções com livros de histórias infantis, porém não se tratavam de avaliação e/ou promoção de habilidades relacionadas à teoria da mente. Obteve-se assim um total de nove artigos com produção pertinente aos critérios de inclusão previstos. A Tabela 1 apresenta os estudos que foram selecionados.
Como consta na Tabela 1, encontrou-se um número reduzido de artigos que se enquadraram nos critérios de inclusão previstos. Os artigos I, II, III, IV e V focalizaram estudos cujo objetivo foi utilizar os livros de histórias para avaliar a compreensão infantil dos estados mentais; o estudo VI contemplou tanto a avaliação quanto a promoção; e os artigos VII, VIII e IX consistiam de intervenções focadas somente na promoção de habilidades relacionadas à teoria da mente. Esses dados revelam que há uma escassez na literatura em relação às pesquisas que têm contemplado a utilização dos livros de histórias infantis, sobretudo de estudos de intervenção com enfoque promotor da compreensão infantil dos estados mentais, uma vez que, dos nove artigos analisados, apenas quatro implementaram algum tipo de programa de intervenção. Tal realidade também foi destacada por Rodrigues e Rubac (2008) ao afirmarem que, nos dias atuais, apesar de os psicólogos estarem se voltando para uma atuação mais proativa, verificam-se ainda poucos estudos envolvendo a implementação de programas sociocognitivos. Em relação ao delineamento, verificou-se que todos os estudos analisados eram do tipo quase-experimental.
A Tabela 2 apresenta os dados referentes à metodologia empregada, mais especificamente a caracterização dos participantes e os instrumentos utilizados.
Como mostra a Tabela 2, verifica-se que, dos artigos que focalizaram o aspecto da avaliação, dois estudos (I e V) utilizaram o mesmo livro infantil com narrativa escrita (First Day Jitters). Os demais estudos utilizaram livros com narrativas por imagens, com o livro Truks sendo utilizado em dois estudos (III e IV). Já dentre os estudos que delimitaram como foco a promoção da compreensão dos estados mentais, destaca-se que dois deles (VI e VIII) utilizaram uma quantidade mais expressiva de livros de histórias (38 e 15 livros, respectivamente), não apresentando, contudo, os títulos dos livros que foram utilizados.
A Tabela 3 apresenta a metodologia de avaliação dos estudos que utilizaram o livro de história para avaliar a compreensão infantil dos estados mentais.
Conforme evidencia a Tabela 3, em quatro estudos (II, III, IV e VI), a avaliação envolveu análise do discurso das crianças e, em dois estudos (I e V), a análise incidiu sobre o discurso realizado pelas crianças e por mediadores (pais) durante a leitura dos livros. Verifica-se a ocorrência de algumas variações na forma de avaliação do discurso: nos estudos II, III, IV e VI, o método avaliativo foi similar, consistindo da codificação dos termos mentais evocados pelas crianças ao solicitar às mesmas que realizassem a leitura de uma narrativa por imagem; no estudo I, como pode ser observado na tabela em questão, foram atribuídas pontuações para os tipos de interações estabelecidas entre pais e filhos durante e no final da leitura; e, no estudo V, foi realizada uma codificação da linguagem referente aos estados mentais, contudo, não foi considerada a categorização de termos, mas se considerou a pessoa/algo a que os termos remetiam, como, por exemplo, a si mesmo, aos pais, aos personagens ou outros. Nessa direção, o livro com narrativa por imagem pode ser uma ferramenta valiosa para os psicólogos, tanto para estimular quanto para avaliar a linguagem referente aos estados mentais. Para tanto, torna-se necessário, por exemplo, lançar mão de categorizações prévias dos termos, como as descritas por Bretherton e Beeghly (1982) envolvendo termos cognitivos, que englobam palavras/termos que remetem a conhecimento, memória, incerteza e sonho, utilizados para se referir aos próprios estados mentais e aos dos outros; termos emocionais que fazem referência a comportamentos emocionais (e.g. abraço, beijo, sorriso, choro etc.) e aqueles referentes às emoções ou aos sentimentos em si (e.g. amor, gostar, feliz etc.); termos de desejo/intenção, delimitados pelo uso de vocábulos como desejar, precisar e gostaria, indicando volição e motivação.
Já em relação à caracterização dos estudos que focalizaram a promoção da compreensão dos estados mentais (estudos VI, VII, VIII e IX), verificou-se que o conteúdo das intervenções incidiu especificamente nas conversações sobre estados mentais dos personagens e episódios contidos nas histórias, envolvendo a mediação de um adulto durante a leitura dos livros. Corroborando esse achado, verifica-se que a realização de atividades de leitura mediada tem sido defendida por vários pesquisadores, como Rodrigues e Ribeiro (2014) e Verzolla et al. (2012). No estudo de Verzolla et al., por exemplo, foi realizada uma intervenção focada na mediação de histórias por um adulto com 58 pré-escolares, objetivando beneficiar a capacidade infantil de produzir narrativas, demonstrando que a prática de leitura mediada de livros de histórias contribuiu significativamente para o aprimoramento das habilidades narrativas dos pré-escolares.
No estudo VI (Rodrigues et al., 2012), a intervenção não foi realizada inicialmente com o público infantil, mas com as professoras que participaram de um programa de capacitação docente para o aprimoramento de atividades de leitura mediada de livros de histórias infantis. Após a capacitação, as docentes desenvolveram um programa de leitura mediada em sala de aula ao longo do ano com o acompanhamento e a orientação das pesquisadoras. Verifica-se na literatura da área que a necessidade de capacitação por parte dos profissionais que desenvolvem atividades leitoras também é sustentada por Mateus et al. (2013), os quais defendem ainda que tais atividades devem ser integradas aos currículos escolares como metodologia que enriqueça as ações pedagógicas do sistema educacional. Nessa direção, o estudo VI também pode ser amparado por Pelletier (2006), que considera a necessidade de que os educadores estejam conscientes quanto ao processo de desenvolvimento da compreensão infantil acerca dos estados mentais e quanto à relação entre teoria da mente, linguagem e compreensão leitora.
O artigo VII envolveu dois estudos similares, cujo formato dos programas abarcou intervenções com grupos constituídos por três a quatro crianças (primeiro estudo) e individuais (segundo estudo), em que foram realizadas de 12 a 15 sessões, com duração entre 10 a 25 minutos. Já no estudo VIII, todas as sessões foram feitas de forma individual, sendo realizado um total de 15 sessões, utilizando-se três livros por semana com cada criança. O artigo IX também envolveu dois estudos, priorizando, além da utilização de histórias, outras atividades, como brincadeiras, jogos e fantoches, sendo que as intervenções foram realizadas individualmente, abarcando um total de quatro sessões com duração de 15 minutos. Pode-se constatar que as características desses programas, de uma forma geral, assemelham-se aos formatos de outras intervenções cujo objetivo também foi promover a compreensão infantil dos estados mentais. Verifica-se que o formato da intervenção realizada por Domingues e Maluf (2013) é bastante semelhante ao que foi encontrado nos estudos desta revisão, pois as autoras, embora não tenham utilizado livros, estruturaram um programa envolvendo dramatização de histórias em quatro sessões individuais, com duração de 10 a 15 minutos.
Quanto à realização da avaliação de processo e de follow-up, constatou-se ainda que três dos estudos analisados com enfoque promotor (VII, VIII e IX) empregaram ambos os tipos de avaliação. No estudo VI, não foi realizada avaliação de seguimento, sendo feita somente a primeira pós-avaliação, imediatamente ao final das intervenções, com a releitura dos mesmos livros que foram utilizados na pré-avaliação. Em dois estudos (VII e VIII), todos os pós-testes (avaliação de processo e follow-up) envolveram a reaplicação dos mesmos instrumentos utilizados no pré-teste, sendo que, no estudo VII, os autores relataram terem mudado os objetos das tarefas de teoria da mente e, no estudo VIII, houve uma alteração nos personagens e adereços utilizados. Já no estudo IX, foram aplicadas tarefas (crença falsa) diferentes em todos os processos de avaliações (pré-teste, pós-teste e seguimento).
A Tabela 4 apresenta os principais resultados de todos os estudos analisados.
Conforme consta na Tabela 4, os resultados dos estudos que objetivaram avaliar a compreensão infantil dos estados mentais, por meio da leitura de livros de histórias, revelam que a linguagem referente aos estados mentais durante a realização da leitura é um indicador de relevância do desenvolvimento da teoria da mente, inclusive para crianças atípicas (crianças surdas/com deficiência visual). No estudo I, os resultados mostraram uma correlação positiva entre as elaborações realizadas pelas díades pai/filho durante a leitura do livro de história e o desempenho nas tarefas de teoria da mente. Os filhos dos pais que mais iniciaram o discurso sobre a vida mental dos personagens e que discutiram/entenderam o principal tema da história apresentaram maiores escores nas tarefas de teoria da mente. Esses resultados reforçam a importância do papel dos pais como leitores ativos em casa, afinando-se com os resultados obtidos por Adrian, Clemente e Villanueva (2007), os quais, a partir de um estudo longitudinal com 41 díades mãe/filho, evidenciaram uma correlação entre o uso materno precoce de verbos cognitivos na leitura de livros e a compreensão infantil dos estados mentais, avaliada por meio de tarefas de teoria da mente.
No estudo V, os autores verificaram que a linguagem mentalista das mães de crianças com deficiência visual se distinguiu qualitativamente da linguagem mentalista do grupo de mães de crianças com visão normativa, pois o conteúdo das elaborações realizadas pelo primeiro grupo consistia de informações significativamente mais descritivas, além de essas mães terem mostrado maior tendência para se referirem aos estados mentais dos personagens do que as mães de crianças sem deficiência. Dessa forma, os autores do estudo V ressaltam a possibilidade de a linguagem dos pais, ao desenvolverem leitura conjunta com os filhos, ser capitalizada como uma força, de forma a atingir potenciais dificuldades sociocognitivas em crianças com deficiência visual.
Conforme mostra ainda a Tabela 4, os resultados observados nos estudos que implementaram programas de leitura de livros visando a promoção de competências sociocognitivas são positivos e ratificam a viabilização de práticas de mediação de histórias voltadas para o público infantil. Esses resultados podem ser sustentados por vários estudos (Cassidy et al., 1998; Dyer et al., 2000; Rodrigues et al., 2007; Rodrigues & Rubac, 2008; Rodrigues & Tavares, 2009), os quais constataram a potencialidade dos livros como instrumentos para a promoção de competências sociocognitivas infantis, destacando sua possível utilização não apenas por profissionais que atuam no âmbito escolar como também pela família. Tais resultados também convergem com os resultados do estudo de Mar et al. (2010), os quais investigaram se a exposição a variáveis, dentre as quais se encontrava a literatura infantil, exerceria influência no desenvolvimento da teoria da mente em crianças pré-escolares, demonstrando correlação entre a exposição à literatura infantil (informação predita por meio da familiaridade dos pais com títulos de livros infantis) e o desempenho em tarefas de teoria da mente.
A gama de resultados aqui descrita também se afina com aqueles obtidos por Adrian, Clemente, Villanueva e Rieffe (2005), os quais reforçam a eficácia da exposição à literatura infantil na promoção da teoria da mente em crianças pré-escolares. No estudo dos autores em questão, a frequência de leitura de livros no âmbito familiar, bem como o uso frequente de termos mentais pelos pais ao realizarem atividades de leitura com os filhos, mostraram-se, uma vez mais, correlacionados com a capacidade de responder a tarefas de teoria da mente. Santana et al. (2015), ao realizarem uma investigação no âmbito escolar acerca das práticas de leitura, também ratificam a relevância dos programas de intervenção sociocognitiva com livros de histórias infantis, na medida em que estimulam várias habilidades nas crianças, como o desenvolvimento do pensamento crítico. Como defendem outros autores (Dias, 2012; Fontes & Cardoso-Martins, 2004; Mateus et al., 2014; Rodrigues & Ribeiro, 2014), tem-se benefícios também para a socialização, a criatividade verbal e o desenvolvimento socioemocional, dentre outros aspectos, os quais contribuem para que elas se tornem mais aptas a entender o mundo social. Além disso, para Blanco, Silva e Sobieszczanski (2015), a leitura dos livros de histórias promove a assimilação de parâmetros culturais e sociais, detendo expressivo potencial terapêutico. Nessa direção, segundo os referidos autores, ela pode ser utilizada como recurso para promover habilidades especificas envolvendo solução/superação de conflitos, desenvolvimento de comportamentos mais adequados e diminuição de comportamentos antissociais/agressivos, pois os dilemas e situações recorrentes nos contos despertam na criança a inferência do comportamento do personagem, conduzindo-a a estabelecer a diferenciação entre fantasia e realidade e preparando-a, por exemplo, para lidar ou encontrar soluções quando experiências semelhantes são vivenciadas no mundo real.
Considerações finais
Diante das evidencias empíricas reportadas e discutidas por esta revisão, conclui-se que os livros de histórias infantis constituem recursos viáveis não apenas para a avaliação da teoria da mente como também para o desenvolvimento de ações pautadas na ótica promotora de competências sociocognitivas infantis. Vale ressaltar que, corroborando essa conclusão, observa-se, nas discussões dos artigos revisados, uma tendência crescente dos autores de afirmar a eficácia e a efetividade sociocognitiva desse recurso.
As atividades leitoras são fundamentais e podem ser desenvolvidas tanto por pais quanto por professores, com destaque, sobretudo, para as características do espaço escolar, demarcado por ricas experiências linguísticas e de socialização. Nesse sentido, faz-se necessário que as práticas de leitura sejam previamente planejadas, seguindo-se um roteiro de organização, que envolve desde a seleção adequada dos livros até a sistematização dos conteúdos das narrativas que serão trabalhados, ressaltando-se ainda a necessidade de capacitação de docentes para contribuição e aperfeiçoamento da metodologia empregada pelos mesmos ao desenvolverem práticas leitoras nas salas de aulas.
Apesar da relevância sociocognitiva dos livros de histórias infantis, verifica-se a escassez de pesquisas explorando de forma aplicada essa temática. Além de ter sido encontrado um número reduzido de estudos, constatou-se ainda que, em alguns deles, a autoria se referia ao mesmo grupo de pesquisadores. Espera-se que este estudo possa oferecer contribuições para esse campo de pesquisa e suscitar a ampliação de análises que apresentem subsídios práticos para profissionais da área, como professores, pedagogos e psicólogos, além dos pais e cuidadores, quanto à utilização sociocognitiva dos livros de histórias para crianças.
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Recebido em 30/01/2016
Aceito em: 31/05/2017
3 A crença falsa remete à capacidade infantil de inferir que uma pessoa ou um personagem de uma história tem uma representação da realidade que pode ser falsa (Domingues & Maluf, 2013).