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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.1 Belo Horizonte jun. 2017

 

Artigo

 

Vulnerabilidade cognitiva para depressão em crianças e adolescentes: uma revisão de literatura

Cognitive vulnerability to depression in children and adolescents: a literature review

 

Vanessa Maria Almeida1; Maycoln Leôni Martins Teodoro2

 

1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vmariadealmeida@gmail.com

2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mlmteodoro@hotmail.com

 

 


RESUMO

Vulnerabilidade cognitiva para a depressão diz respeito à presença de cognições que predispõem os sujeitos ao desenvolvimento do transtorno. Ainda não se tem claramente como se dá esse processo em crianças e adolescentes. Este estudo buscou evidências na literatura acerca da vulnerabilidade cognitiva para a depressão nessas faixas etárias. Utilizou-se o modelo cognitivo e o modelo de estilo atribucional como fundamentos teóricos. Foram consultadas sete bases de dados e, como resultado, 13 artigos compuseram a revisão. Poucas evidências de vulnerabilidade cognitiva para a depressão em crianças e adolescentes foram encontradas. Possíveis razões são dadas para este resultado, ressaltando-se o fato de que as cognições podem não predispor para a depressão quando ainda estão em processo de constituição. Propostas para trabalhos futuros foram apontadas.

Palavras-chave: Vulnerabilidade cognitiva, Depressão, Criança, Adolescente, Diátese-estresse.

 


ABSTRACT

Cognitive vulnerability to depression concerns the presence of cognitions that predispose individuals to the development of the disorder. It is not yet clear how this process takes place amongst children and adolescents. Therefore, this study sought evidence in the literature concerning the cognitive vulnerability to depression in this age group. The cognitive model and model of attributional style were used as theoretical bases. Seven databases were consulted and, as a result, 13 articles were included in this review. Little evidence of cognitive vulnerability was found for depression in children and adolescents. Possible reasons for this result are provided, emphasizing the fact that cognitions may not predispose to depression since these cognitions are still in the process of being formed. Proposals for future work were identified.

Keywords: Cognitive vulnerability, Depression, Child, Adolescent, Diathesis-stress.

 

Nas últimas décadas, foram propostos diversos modelos de vulnerabilidade cognitiva para a depressão. Dentre eles, o modelo de estilo atribucional de Abramson, Seligman e Teasdale (1978) e o modelo cognitivo de Beck (1967) receberam atenção em vários estudos.

O modelo cognitivo de Beck (1967) engloba conceitos centrais para a compreensão da depressão. Segundo este modelo, determinadas crenças, denominadas de centrais ou nucleares, desenvolvidas durante a primeira infância, tornam-se uma experiência permanente na organização cognitiva do indivíduo. Após se constituírem, essas crenças se tornarão permanentes, mesmo que se mantenham inativas (Beck & Alford, 2011).

O processamento falho de informações é um padrão de viés negativo caracterizado por erros no pensamento e que mantém a crença do paciente acerca da validade de conceitos negativos, mesmo na presença de evidências contrárias (Beck, 2008; Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997). Desvios no processamento de informação também são verificados nas cognições que se encontram em um nível mais superficial, os denominados pensamentos automáticos, que se referem à corrente de pensamentos positivos e negativos que atravessa a mente de um indivíduo no dia a dia (Beck & Dozois, 2011).

Erros no processamento de informação aumentam a probabilidade de um indivíduo desenvolver a tríade cognitiva negativa. Beck et al. (1997) definem esta estrutura como contendo três padrões cognitivos distintos depressogênicos: visões negativas de si, do mundo e do futuro. As atitudes disfuncionais, ou seja, as crenças intermediárias que se encontram entre as crenças centrais e os pensamentos automáticos, trazem à tona a tríade cognitiva negativa durante um episódio depressivo (Beck, 2008). A vulnerabilidade cognitiva para a depressao encontra-se justamente nesse conjunto de cogniçoes que, quando acionadas, permitem o desenvolvimento da sintomatologia depressiva típica (Beck & Alford, 2011).

Por sua vez, o modelo de estilo atribucional de Abramson et al. (1978) postula que pessoas que atribuem as causas de eventos negativos a fatores mais estáveis, internos e globais são mais propícias a desenvolver depressão quando um evento negativo ocorre. Desta forma, o estilo atribucional se refere a como um indivíduo responde aos eventos difíceis em sua vida. Atribuir eventos negativos a fatores internos leva à baixa autoestima, já as atribuições a fatores globais desencadeiam uma generalização dos déficits para diversas situações e, finalmente, as atribuições a fatores estáveis acarretam uma persistência dos déficits ao longo do tempo.

No entanto, o relacionamento entre cognições depressogênicas e sintomatologia depressiva é afetado pela presença de variáveis ambientais consideradas estressoras. O modelo de diátese-estresse postula que a depressão é resultado de uma predisposição cognitiva aliada a esses eventos de vida negativos (Beck, 1967; Ingram, Miranda, & Segal, 1998). Um indivíduo pode apresentar vulnerabilidade cognitiva para a depressão, mas só irá desenvolver o transtorno se as condições necessárias estiverem presentes em um dado momento para ativar as cognições que se encontravam latentes até então.

As cognições negativas, além de serem vistas como fator de vulnerabilidade, podem também ser enxergadas como consequências da depressão. Segundo Zeiss e Lewinsohn (1988), mesmo ocorrendo a remissão dos sintomas depressivos, poderiam permanecer padrões cognitivos negativos, que não estavam presentes antes do início da patologia e que contribuiriam para a recorrência desta (Just, Abramson, & Alloy, 2001).

A vulnerabilidade cognitiva possui evidências empíricas para os adultos (Beck & Alford, 2011; Hankin, Abramson, Miller, & Haeffel, 2004; Kwon & Oei, 1992). No entanto, as evidencias da aplicaçao do modelo de vulnerabilidade cognitiva para a depressao na infância e adolescencia ainda nao sao tao conclusivas como se mostram para a fase adulta. Dessa forma, este estudo procurou realizar uma revisão dos trabalhos que investigaram a vulnerabilidade cognitiva para a depressão, dentro do modelo cognitivo e do modelo de estilo atribucional, em amostras de crianças e adolescentes.

 

Método

Em setembro do ano de 2013, foram consultadas as bases de dados Web of Science, MEDLINE, OneFile, American Psychological Association (APA), ScienceDirect, ERIC e PubMed Central. Não foi feita nenhuma restrição em relação ao ano e idioma de publicação dos artigos. Os descritores utilizados foram a conjugação de cognitive vulnerability com os termos automatic thoughts, core belief e cognitive triad.

Os trabalhos incluídos nesta revisão foram artigos completos que preencheram os seguintes critérios: uso de metodologia quantitativa; amostra constituída por crianças e/ou adolescentes; aplicação de, ao menos, um questionário para avaliação da vulnerabilidade cognitiva, como atitudes disfuncionais, pensamentos automáticos, tríade cognitiva e estilo atribucional; aplicação de, ao menos, um questionário para avaliação dos sintomas depressivos ou do diagnóstico de depressão; possuir como um dos objetivos relacionar os sintomas depressivos/diagnóstico de depressão com as cognições.

 

Resultados

Foram encontrados 190 artigos potencialmente relevantes, após exclusão dos artigos repetidos em diferentes bases. Depois da leitura dos resumos, foram descartados 176 artigos: 64 artigos eram qualitativos; 92 artigos possuíam somente adultos como constituintes da amostra; 16 artigos não apresentavam nenhuma escala de avaliação da estrutura cognitiva e/ou dos sintomas depressivos/diagnóstico de depressão; cinco não tratavam da relação entre diagnóstico de depressão/sintomas depressivos e cognições. Vale ressaltar que os 64 artigos qualitativos excluídos também não apresentavam escalas para avaliação da estrutura cognitiva da amostra. Destarte, as propostas desses trabalhos apontavam um claro distanciamento da abordagem conceitual de Beck (1967) e Abramson et al. (1978), o que dificultaria a comparação dos resultados e a discussão dos conceitos abordados neste trabalho.

Houve a seleção de 13 artigos para a etapa final, que foram lidos integralmente. Após a análise destes artigos, dois foram excluídos porque não avaliaram as cognições, sendo que este ponto não havia ficado claro apenas pela leitura dos resumos. Nesta etapa, ainda incluíram-se dois trabalhos, encontrados a partir das referências dos artigos previamente selecionados. Assim, 13 artigos compuseram o corpus desta revisão como é ilustrado na figura 1.

 

 

Dos treze artigos selecionados, onze apresentaram um delineamento longitudinal, com follow-up variando de quatro meses a quatro anos. Já a faixa etária das amostras estudadas variou de sete a 17 anos com inclusão de grupos mistos, de meninas e meninos. Sete estudos mediram o estresse vivenciado pelos sujeitos, permitindo que o modelo de diátese-estresse fosse verificado. Os resultados foram descritos em um único bloco. Primeiramente, analisou-se os trabalhos que utilizaram o modelo cognitivo (Abela & Skitch, 2007; Greening, Stoppelbei, Dhossche, & Martin, 2005; Roberts & Gamble, 2001; Timbremont & Braet, 2006; LaGrange et al., 2008; LaGrange et al., 2011). Em seguida, os estudos que trabalharam tanto com o modelo de Beck (1967) quanto com o de estilo atribucional foram descritos (Cole et al., 2011; Lewinsohn, Joiner Jr., & Rohde, 2001). Por fim, relatou-se aqueles que avaliaram apenas esse último modelo (Cole et al., 2008; Hilsrnan e Garber, 1995; Morris, Ciesla, & Garber, 2008; Robinson, Garber, & Hilsman, 1995; Rohde, Stice, & Gau, 2012). Esses estudos serão explanados a seguir, fornecendo mais detalhes sobre o tema em questão.

O estudo de Roberts e Gamble (2001) teve como um dos seus objetivos investigar o papel da depressão passada na predição de atitudes disfuncionais. Os autores avaliaram uma amostra constituída por 110 adolescentes, sendo onze previamente depressivos e 99 sujeitos que nunca vivenciaram um episódio de depressão. A idade média dos adolescentes era de 16,1 anos (dp=1,1) e a avaliação foi feita por meio do Inventory to Diagnose Depression (IDD; Zimmerman, Coryell, Corenthall, & Wilson, 1986), utilizado para verificar a severidade da sintomatologia depressiva e se os participantes preenchiam o critério de depressão maior, e do IDD-Lifetime Version (IDD-L; Zimmerman, & Coryell, 1987), para avaliar o pior período de depressão vivenciado pelos sujeitos. Já as atitudes disfuncionais foram avaliadas por meio do Dysfunctional Attitudes Scale (DAS; Weissman, & Beck, 1978). Os resultados apontaram que o IDD-L e o IDD não foram preditores significativos para as atitudes disfuncionais. Merece destaque o fato de os autores não trabalharem na relação inversa entre as variáveis, a vulnerabilidade cognitiva propriamente dita.

Indo na contramão do estudo anterior, Greening et al. (2005) realizaram um estudo longitudinal, com follow-up de quatro meses, avaliando o quanto a tríade cognitiva predisporia os sujeitos para a sintomatologia depressiva no futuro. Para tanto, aplicaram em uma amostra de 880 adolescentes afro-americanos e caucasianos com idade média de 15,94 anos (dp=1,22) o Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1985), para avaliação da sintomatologia depressiva, e o Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C; Kaslow, Stark, Printz, Livingston, & Tsai, 1992), para avaliação da tríade cognitiva. Quatro meses depois, 88% da amostra foi reavaliada com os mesmos instrumentos. O escore total do CTI-C emergiu como um preditor positivo para o escore do CDI no tempo dois. Esse estudo possuiu como vantagem o fato de não se limitar apenas à tríade cognitiva negativa como preditora da sintomatologia depressiva. Também foi constatado que o fator um do CTI-C (que englobou, sobretudo, fatores positivos do self e do futuro), resultante da análise fatorial por eles realizada no estudo, mostrou-se mais consistente em predizer negativamente sintomas depressivos futuros entre os adolescentes.

No estudo de Timbremont e Braet (2006), a amostra, composta por 162 crianças e adolescentes, foi avaliada com os mesmos instrumentos utilizados no estudo anterior. As vantagens desse trabalho em relação à publicação de Greening et al. (2005) foram um follow-up um pouco maior (um ano) e análises feitas para o grupo de crianças e adolescentes separadamente. O primeiro grupo possuía idade média de 10,8 anos (faixa etária entre 10 e 11,11 anos) e o segundo, média de idade de 13 anos (faixa etária compreendida entre 12 e 15,11 anos). Os resultados apontaram que no grupo de crianças o CTI-C não foi preditor dos sintomas depressivos um ano depois. Em relação aos adolescentes, apenas a subescala visão do futuro mostrou-se como preditora dos sintomas depressivos um ano depois. Os autores também avaliaram a relação inversa e verificaram que as três subescalas do CTI-C foram previstas positivamente um ano depois pelo escore do CDI, tanto no grupo de crianças quanto no grupo dos adolescentes. Esse estudo traz evidências de que os sintomas depressivos acarretam mudanças no estilo cognitivo, resultado divergente ao encontrado no estudo de Roberts e Gamble (2001), descrito anteriormente, que apontou ausência de relação entre essas variáveis. Cabe ainda notar que esses autores, diferentemente de Greening et al. (2005), trabalharam com as subescalas do CTI-C separadamente, de acordo com a formulação do modelo cognitivo, ou seja, visão negativa do self, mundo e futuro.

Abela e Skitch (2007) utilizaram um delineamento metodológico mais refinado do que os estudos descritos anteriormente, já que avaliaram a vulnerabilidade cognitiva concomitantemente com outro fator de vulnerabilidade, a autoestima. Além disso, o modelo de diátese-estresse foi investigado. Para tanto, desenvolveram sua pesquisa com uma amostra de 140 crianças, com idade média de dez anos (faixa etária compreendida entre seis e 14 anos). Os participantes preencheram questionários para avaliação dos sintomas depressivos e das cognições por meio do Children’s Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1985) e do Children’s Dysfunctional Attitudes Scale (CDAS; Abela & Sullivan, 2003), respectivamente. A autoestima foi analisada utilizando-se do Self-Esteem Scale (Rosenberg, 1965). Os sintomas depressivos, medidos por meio do CDI, e pequenos eventos estressores, vivenciados durante as seis semanas anteriores e verificados por intermédio do Children’s Hassles Scale (HASC; Kanner, Feldman, Weinberger, & Ford, 1987), foram mensurados em oito avaliações subsequentes à inicial, com um intervalo de seis semanas entre cada avaliação. Esperava-se que as crianças que exibissem altos níveis de atitudes disfuncionais e baixos níveis de autoestima, na avaliação inicial, relatassem maiores elevações nos sintomas depressivos seguidos de elevações de estresse do que as crianças que não apresentassem os fatores de vulnerabilidade ou do as que apresentassem apenas um dos fatores. Os resultados apontaram que as crianças que evidenciaram, na avaliação inicial, altos níveis de atitudes disfuncionais e baixo nível de autoestima ou o contrário, ou seja, baixos níveis de atitudes disfuncionais e alto nível de autoestima, relataram maior variabilidade nos sintomas depressivos ao vivenciar altos níveis de eventos estressores. Nestes indivíduos, portanto, ao se aumentar o nível de estresse, elevou-se também a sintomatologia depressiva. Em contrapartida, os níveis de sintomas depressivos não variaram em função do nível de estresse vivenciado pelas crianças com altos níveis tanto de atitudes disfuncionais quanto de autoestima ou baixos níveis de atitudes disfuncionais e de autoestima concomitantemente. Verificou-se, desta forma, suporte para a aplicabilidade do modelo de diátese-estresse, mas apenas quando os dois fatores de vulnerabilidade (autoestima e cognições disfuncionais) foram considerados conjuntamente. Este artigo retrata, portanto, a importância de se considerar outros fatores de vulnerabilidade, além das cognições disfuncionais, ao se trabalhar com o modelo de diátese-estresse.

LaGrange et al. (2008) também realizaram um estudo longitudinal. Entretanto, utilizaram um intervalo de três anos entre a primeira e a última avaliação, período superior ao dos estudos descritos anteriormente. Esse intervalo permitiu acompanhar as mudanças nas cognições de crianças e adolescentes. A amostra, constituída por 770 sujeitos avaliados em, ao menos, uma fase do estudo, foi submetida ao Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C; Kaslow et al., 1992), para avaliação da tríade cognitiva, e ao Center for Epidemiological Studies Depression Scale for Children (CES-DC; Weissman, Orvaschel, & Padian, 1980), para análise da sintomatologia depressiva. No início do estudo, a idade média das crianças mais novas era de 7,43 anos (dp=0,57) e das mais velhas, de 11,35 anos (dp=0,56). Os resultados mostraram que apenas o fator dois constituído, sobretudo, por cognições negativas, encontrado pelos autores como constituinte do CTI-C, foi um preditor positivo dos sintomas depressivos um ano depois para as crianças mais novas (séries três e quatro do sistema escolar norte-americano). Nas outras séries escolares, nenhum fator contribuiu para predizer os valores do CES-DC um ano depois. De modo geral, o estudo revelou escassa evidência de que as cognições predizem sintomas depressivos um ano depois, resultado contrário ao de Greening et al. (2005). Deve-se levar em consideração, no entanto, que o intervalo de reavaliação deste estudo foi de um ano, enquanto que no trabalho de Greening et al. (2005) o intervalo foi de apenas 4 meses. Além disso, a amostra deste último trabalho foi composta por indivíduos mais velhos.

LaGrange et al. (2011) também desenvolveram um estudo longitudinal, mas em um período ainda mais extenso que o dos trabalhos anteriores. Participou um total de 515 crianças e adolescentes, que foi avaliado anualmente em um intervalo de quatro anos. No início do estudo, as crianças mais novas possuíam sete anos e as mais velhas, 13 anos. Cada sujeito foi analisado ao longo do estudo ao menos duas vezes. A amostra foi submetida às seguintes medidas: Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C; Kaslow et al., 1992), Automatic Thoughts Questionnaire (ATQ; Hollon & Kendall, 1980), Children’s Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1985); e ao Center for Epidemiological Studies Depression Scale for Children (CES-DC; Weissman et al., 1980). Os resultados deste estudo não deram suporte para a hipótese de vulnerabilidade cognitiva, ou seja, as cognições desadaptativas prévias não predisseram os sintomas depressivos, confluindo com os achados de LaGrange et al. (2008). No entanto, a relação inversa foi encontrada, sobretudo em crianças mais velhas, ou seja, a força da relação de depressão predizendo cognições disfuncionais aumentou com a idade, indo na contramão dos achados de Roberts e Gamble (2001), mas dando suporte para os resultados encontrados por Timbremont e Braet (2006). Desta forma, verificou-se que um nível subclínico de sintomas depressivos durante a infância e adolescência pode contribuir para o desenvolvimento de um estilo cognitivo negativo. Esse resultado traz à tona que as pessoas não nascem com cognições desadaptativas totalmente constituídas, o que é condizente com o modelo cognitivo.

Os estudos até agora descritos trabalharam apenas com o modelo cognitivo de Beck (1967). Os trabalhos que serão citados a seguir foram um pouco mais longe e se propuseram a analisar como fator de vulnerabilidade não somente as cognições disfuncionais, mas também o estilo atribucional. Estes estudos, apesar de restritos em número, permitem uma melhor comparação entre os modelos, já que a mesma amostra é submetida a medidas de avaliação dos dois tipos de vulnerabilidade.

Cole et al. (2011) avaliaram uma amostra de 515 estudantes, com idade média de 8,5 anos no início do estudo (dp=1,2). Esses estudantes foram submetidos ao Automatic Thoughts Questionnaire (ATQ; Hollon & Kendall, 1980), ao Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C; Kaslow et al., 1992) e ao Children’s Attributional Style Interview (CASI; Conley, Haines, Hilt, & Metalsky, 2001), para avaliação do estilo atribucional. A partir dessa triagem inicial, foi obtida uma subamostra, constituída por 100 sujeitos classificados como baixo (n=48) ou alto risco (n=52) no fator de vulnerabilidade. Já os sintomas depressivos foram avaliados por meio do Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children-Present and Lifetime (K-SADS-PL; Kaufman et al., 1997) e do Children’s Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1985). Por fim, os eventos de vida negativos foram medidos com o Life Events and Circumstances (LEC; Work, Cowen, Parker, & Wyman, 1990). Esses participantes passaram por avaliações em três momentos subsequentes (seis, 18 e 30 meses após a avaliação inicial) por meio de todos os instrumentos citados anteriormente. Os resultados mostraram que as cognições negativas foram capazes de predizer os sintomas depressivos após seis e 18 meses, mas não 30 meses depois. Esse resultado vai ao encontro dos resultados de Greening et al. (2005), levando a supor que o poder preditivo das cognições disfuncionais estariam presentes em curto prazo, mas não em longo prazo. A explicação desse quadro, segundo os autores, foi pelo fato de a estabilidade das cognições negativas em um ano ter sido de 0,49, o que facilitou a capacidade preditiva dessas cognições em um curto intervalo de tempo, mas diminuiu a sua utilidade em um período maior. Ao se comparar os dois fatores de vulnerabilidade (tríade cognitiva negativa/pensamentos automáticos negativos e estilo atribucional), as cognições negativas serviram como melhor preditor dos sintomas depressivos em curto prazo. No que diz respeito ao modelo de diátese-estresse, os resultados apontaram que as interações entre as cognições disfuncionais e os eventos estressores não foram significantes, ou seja, o modelo de diátese-estresse clássico não se confirmou. Quando a medida de vulnerabilidade cognitiva foi o estilo atribucional, os resultados também apontaram que as interações entre o estilo atribucional negativo e os eventos estressores não foram significantes na predição dos sintomas depressivos. Os autores chegaram à conclusão que esse resultado foi devido à faixa etária da amostra do estudo e apontaram a necessidade de realização de estudos longitudinais mais longos que levem em consideração as especificidades do desenvolvimento dos participantes.

O segundo estudo que trabalhou com os dois modelos de vulnerabilidade foi o de Lewinsohn et al. (2001). Estes autores utilizaram uma amostra recrutada entre os anos 1987 e 1989. Um total de 1.709 adolescentes completou a avaliação inicial e 1.507 deles completaram a segunda avaliação 13,8 meses depois. A idade média dos adolescentes na avaliação inicial foi de 16,6 anos (dp=1,2). Os sintomas de depressão foram avaliados por meio do Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children (K-SADS) e do Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D; Radloff, 1977) e a vulnerabilidade cognitiva por intermédio do Dysfunctional Attitudes Scale (DAS; Weissman & Beck, 1978), para medição das atitudes disfuncionais, e do Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ; Kaslow, Tanenbaum, & Seligman, 1978), para avaliação do estilo atribucional. A fim de verificar o modelo de diátese-estresse, os eventos estressores foram analisados por meio de uma lista de onze eventos retirados de várias medidas, entre elas a Schedule of Recent Experiences (Holmes & Rahe, 1967) e a Life Events Schedule (Sandier & Block, 1979). Os resultados encontrados apontaram que as atitudes disfuncionais não foram consideradas um fator de risco para um episódio depressivo sob condições de estresse. Esse efeito foi verificado apenas quando, para a realização das análises, as atitudes disfuncionais e o nível de estresse foram agrupados em três faixas (baixa, média e alta), o que é uma vantagem em relação aos trabalhos citados anteriormente, tendo em vista que esta divisão permite que se faça uma avaliação mais precisa de cada grupo. Assim, apenas nas condições de alto estresse e altas atitudes disfuncionais, o modelo de diátese-estresse foi confirmado. De modo geral, pode-se afirmar um efeito marginal ante a relação atitudes disfuncionais X eventos estressores para a predição de depressão um ano depois em adolescentes. Já quando o estilo atribucional negativo foi considerado uma medida de vulnerabilidade cognitiva, os resultados mostraram uma interação significante entre este tipo de cognição e os eventos de vida estressores para predizer o início do episódio depressivo. No entanto, em níveis altos de estresse, o estilo atribucional teve pouco efeito no início da depressão, enquanto que o efeito foi maior quando os níveis de estresse eram baixos. Esse resultado foi contrário ao esperado, o que, segundo os autores, pode refletir uma necessidade de revisão da própria teoria, já que o modelo não seria adequado para adolescentes ou, simplesmente, explicitar problemas no próprio questionário utilizado cujo objetivo é a medição das atitudes disfuncionais. A grande vantagem deste estudo, em relação ao trabalho de Cole et al. (2001), citado anteriormente, foi a utilização de um grupo de comportamento de risco intermediário. Um grupo com um perfil intermediário torna mais fácil o processo de verificação da existência de um possível limiar do fator de vulnerabilidade para que se obtenha um determinado impacto.

Até o momento foram descritos os modelos que utilizaram como medida de vulnerabilidade cognitiva as cognições disfuncionais, de acordo com o modelo cognitivo de Beck (1967), bem como os trabalhos que avaliaram tanto as cognições disfuncionais quanto o estilo atribucional. A partir de agora serão relatados os estudos que focaram apenas na avaliação do estilo atribucional como medida de vulnerabilidade cognitiva.

Na pesquisa desenvolvida por Rohde et al. (2012), participaram 341 estudantes, com idade média de 15,60 anos (dp=1,2), que pontuaram acima de 20 pontos no Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D; Radloff, 1977) em uma triagem inicial. Esse ponto de corte foi utilizado porque os sujeitos que ficaram acima dessa pontuação teriam maior risco para o desenvolvimento de depressão. Os estudantes foram também submetidos ao Adolescent Cognitive Style Questionnaire (ACSQ; Hankin e Abramson, 2002) para avaliação do estilo atribucional. Já os eventos negativos foram analisados por meio do Major Life Events Scale (Lewinsohn et al., 1994). Por fim, uma lista de 16 itens que mediam a sintomatologia depressiva, com base no DSM-IV, foi aplicada na amostra. Os sujeitos foram avaliados posteriormente em três momentos distintos: seis meses, um e dois anos após a primeira avaliação. Os resultados mostraram que o estilo atribucional negativo emergiu como o preditor mais potente (em uma lista de 17 fatores de risco, como eventos estressores, autoestima, história passada de depressão, ajustamento social etc.) para início do episódio depressivo. Quanto mais disfuncional o estilo atribucional dos sujeitos, maior o risco de desenvolvimento de depressão. Os resultados apontaram ainda que os participantes que apresentaram um estilo atribucional negativo tiveram ampliada quatro vezes a possibilidade de desenvolvimento do diagnóstico de depressão quando comparados com os adolescentes que não retrataram esse perfil. Quase um quarto da amostra exibiu um diagnóstico de depressão durante os dois anos de follow-up. Uma desvantagem deste estudo foi a ausência de análise da interação entre estilo atribucional e estresse, o que constará nos estudos descritos a seguir.

Hilsrnan e Garber (1995) testaram o modelo de diátese-estresse em uma amostra de 439 estudantes com idade média de 11,39 anos. Como medida de depressão, foi utilizado o Center for Epidemiological Studies Depression Scale for Children (CES-DC; Weissman et al., 1980) e para avaliação do estilo atribucional, o Children's Attributional Style Questionnaire (CASQ; Seligman et al., 1984). Por sua vez, o estresse foi medido por meio de uma avaliação do grau de aceitação das notas escolares pelos estudantes em diversas disciplinas, que foi respondida uma semana antes de as crianças obterem seu boletim. Posteriormente, foi calculado um escore que refletia a extensão do quanto as notas recebidas foram menores que o aceitável. Uma segunda medida de estresse foi a avaliação feita pelas crianças em relação à forma como os pais reagiram em relação às notas no dia seguinte em que tiveram acesso ao boletim. Verificou-se que a interação entre o estilo atribucional e o estresse (avaliação dos próprios resultados), medido uma semana antes do recebimento das notas, predisse os sintomas depressivos cinco dias depois de os sujeitos terem acesso a esses resultados, mas não imediatamente após a vivência do estressor. Quanto mais intenso o estilo atribucional negativo, maior o grau de sintomas depressivos cinco dias após a vivência do evento estressor. Os autores explicam esse fato afirmando que, em um primeiro momento, imediatamente após a ocorrência do estresse, o sujeito vivencia apenas certo grau de desapontamento. Só depois de certo período é que serão feitas atribuições causais acerca do evento. Uma característica peculiar deste estudo é que os autores utilizam uma medida muito específica de estresse (estresse acadêmico), o que gera dificuldades para se realizar comparações com os estudos que empregaram medidas mais amplas de eventos estressores.

Robinson et al. (1995) trabalharam com uma amostra inicial de 381 estudantes, com média etária de 12 anos. Estes estudantes participaram de uma primeira avaliação que ocorreu na sexta série do sistema escolar norte-americano. Seis meses depois, já no sétimo ano, 287 adolescentes, provenientes da amostra inicial, fizeram parte de uma segunda avaliação. Finalmente, em um intervalo de seis meses, 239 participantes da amostra anterior foram novamente analisados. Verificaram-se as cognições dos adolescentes por meio do Children's Attributional Style Questionnaire (CASQ; Seligman et al., 1984) e os sintomas depressivos por via do Children's Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1981). Os participantes também foram submetidos a duas medidas de estresse relacionado ao ambiente escolar, como no estudo de Hilsrnan e Garber (1995), descrito anteriormente. A primeira consistiu em uma avaliação dos estressores diários associados especificamente com o ambiente escolar e foi baseada em diversos inventários desenvolvidos para adolescentes. Já a segunda medida procurou analisar os estressores associados à transição para a sétima série. Além disso, neste estudo, diferentemente do anterior, e assemelhando-se ao estudo de Abela e Skitch (2007), a variável autoestima foi também avaliada, o que nos dá uma visão mais ampla do fenômeno abordado. Os resultados mostraram que, ao se controlar o nível de sintomas depressivos no tempo dois (outono do sétimo ano), os estressores e o estilo atribucional negativo contribuíram significativa e positivamente para a predição dos sintomas depressivos depois da transição escolar. Observou-se ainda que, para adolescentes com baixa autoestima no tempo um, o estilo atribucional negativo resultou em altos níveis de sintomas depressivos, principalmente sob altos níveis de estresse. No entanto, para os estudantes com autoestima elevada, o estilo atribucional negativo não interagiu com níveis de estresse na predição da depressão, ou seja, estudantes com elevada autoestima, diante de níveis mais altos de estresse, relataram maior grau de sintomatologia depressiva, independentemente do estilo atribucional. Esse resultado sugere que aqueles adolescentes com autoestima alta teriam um fator de proteção contra os efeitos depressivos de um estilo atribucional negativo diante de um estressor normativo, como a transição escolar. No mais, este estudo ressalta a importância de se considerar outras variáveis ao se trabalhar com vulnerabilidade cognitiva para a depressao.

Já no estudo de Cole et al. (2008) três coortes (segunda, quarta e sexta séries do sistema escolar norte-americano) foram analisadas em quatro momentos distintos, com uma avaliação a cada ano. No início do estudo, as crianças mais novas apresentavam a idade média de 7,5 anos (dp=0,6) e as mais velhas, em média, 11,5 anos (dp=0,6). Na primeira avaliação, a amostra foi composta por 515 crianças; na segunda, por 518; 524 tomaram parte da terceira; e, finalmente, na quarta avaliação participaram 496 indivíduos. A medida dos sintomas depressivos foi realizada por meio do Child Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1985) e do Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D; Radloff, 1977) e os eventos estressores foram avaliados por intermédio do Negative Life Events Checklist (Work et al., 1990). Por fim, o estilo atribucional das crianças mais novas foi verificado por meio do Children’s Attributional Style Interview (CASI; Conley et al., 2001) e o das crianças mais velhas pelo Adolescent Cognitive Style Questionnaire (ACSQ; Hankin & Abramson, 2002). Os resultados não apontaram evidências de que o estilo atribucional é um fator de vulnerabilidade para os sintomas depressivos entre a segunda e oitava séries. Apenas entre as séries oitava e nona (14 e 15 anos), o estilo atribucional e os eventos estressores interagiram para predizer os sintomas depressivos. De modo específico, altos níveis de estilo atribucional negativo interagindo com altos níveis de estresse acarretaram maiores níveis de sintomatologia depressiva que o mesmo nível de estilo atribucional negativo interagindo com baixo estresse. Já um nível baixo de estilo atribucional negativo, ao interagir com altos níveis de estresse, não gerou aumento na sintomatologia depressiva. Esses achados, de certa forma, condizem com os resultados encontrados por Hilsrnan e Garber (1995) e Robinson et al. (1995) já que, nestes estudos, o modelo de diátese-estresse também não foi verificado para as crianças. Esse trabalho teve como vantagem o fato de utilizar três coortes e acompanhá-las durante vários anos, além de avaliar de modo mais amplo os eventos estressores, não focando apenas no estresse acadêmico.

Finalmente, Morris, Ciesla e Garber (2008) estudaram uma amostra constituída por 240 estudantes com idade média de 11,87 anos (dp=0,57) que foi avaliada na sexta e na sétima série do sistema escolar norte-americano. O estresse foi investigado por via do Life Events Interview for Adolescents (Garber & Robinson, 1997) e o estilo atribucional por meio do Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ-R; Thompson, Kaslow, Weiss, & Nolen-Hoeksema, 1998). Já os sintomas depressivos foram medidos por meio do Children’s Depression Rating Scale-Revised (CDRS-R; Poznanski, Mokros, Grossman, & Freeman, 1985) e do Children’s Depression Inventory (CDI; Kovacs, 1981). É importante ressaltar que as análises foram feitas por meio de uma medida composta de depressão, criada a partir da padronização dos escores do CDRS–R e do CDI e tirando, posteriormente, sua média, o que possibilitou a avaliação de mais aspectos da depressão, o que não teria sido possível caso estes questionários tivessem sido usados individualmente. Estes autores também criaram uma medida de depressão, focada nos sintomas de desesperança. Para tanto, utilizaram apenas os itens do CDI relacionados a este aspecto, denominando essa nova medida de CDI-H. Em contraposição aos achados de Hilsrnan e Garber (1995) e Robinson et al. (1995), os resultados deste estudo mostraram que o estilo atribucional não interagiu com o estresse para a predição dos sintomas depressivos um ano depois. Interessante notar que a faixa etária das amostras utilizadas nos três estudos foi muito semelhante. No entanto, um aumento nos sintomas depressivos (exclusivamente dos sintomas associados à desesperança) foi predito pela interação entre o estresse, o gênero e o estilo atribucional negativo. Para os meninos com altos níveis de estilo atribucional negativo, níveis elevados de estresse predisseram aumento nos sintomas de desesperança da depressão. Em contrapartida, níveis altos de estresse predisseram aumento nos sintomas de desesperança da depressão apenas para as meninas com baixos índices de estilo atribucional negativo (para as meninas com altas taxas de estilo atribucional negativo, os sintomas depressivos eram já altos). Esse estudo denota a importância de se utilizar várias medidas de depressão, já que o tipo de sintomatologia avaliada pode gerar resultados distintos, além de sinalizar a importância de se fazer análises para cada sexo separadamente.

 

Discussão

Três estudos tiveram o objetivo de verificar o modelo de diátese-estresse em amostras de crianças e adolescentes dentro do modelo de Beck (Abela & Skitch, 2007; Cole et al., 2011; Lewinsohn et al., 2001) e não apresentaram evidências claras desse modelo nas amostras estudadas. No estudo de Abela e Skitch (2007), o modelo só foi aplicável quando se considerou a autoestima. Já no trabalho de Cole et al. (2011) o modelo não foi confirmado. É interessante salientar que a faixa etária das amostras destes dois trabalhos foram semelhantes. Já no estudo de Lewinsohn et al. (2001), que utilizou uma amostra composta por sujeitos mais velhos, foi encontrado suporte do modelo para os grupos de alto risco cognitivo vivenciando níveis elevados de estresse.

De modo geral, é possível pensar que as cognições disfuncionais associadas com eventos estressores não sejam suficientes para desenvolver sintomatologia depressiva, mas que outros fatores de vulnerabilidade para a depressão também precisem estar presentes, como a autoestima baixa. Outra possível razão da ausência de evidência do modelo de diátese-estresse, nas amostras estudadas, pode dever-se à possibilidade de uma crença não se tornar consolidada até a adolescência ou início da idade adulta, depois que experiências de aprendizagem tenham reforçado tais crenças (Hammen & Zupan, 1984).

Apesar de esse não ser o foco do trabalho, alguns autores questionaram se depressão levaria a mudanças no estilo cognitivo. Este modelo foi confirmado nos estudos de LaGrange et al. (2011) e Timbremont e Braet (2006), tanto nas crianças quanto nos adolescentes. Já o trabalho de Roberts e Gamble (2001) não confirmou essa hipótese. Neste trabalho, a amostra foi composta por sujeitos um pouco mais velhos. Talvez, a relação depressão causando mudanças no estilo cognitivo deixe de ser verdadeira em idades mais avançadas, uma vez que, para estes indivíduos, as crenças já estejam consolidadas. No entanto, esta hipótese precisa ainda ser mais bem verificada em trabalhos futuros.

Em contrapartida, dos seis estudos que testaram a hipótese de vulnerabilidade cognitiva no modelo de Beck (1967), apenas o trabalho de Greening et al. (2005) encontrou evidências totais de que as cognições, sobretudo as positivas, predizem negativamente sintomas depressivos. Cabe afirmar que este estudo possuiu como característica o tempo curto de follow-up e o fato de ter utilizado uma amostra composta só por adolescentes. De modo geral, pode-se supor que as cognições como variáveis preditoras dos sintomas depressivos poderiam estar presentes na adolescência e não na infância e poderiam ser mais evidentes quando o intervalo de predição fosse relativamente curto.

No entanto, não se pode afirmar que não existam evidências acerca da vulnerabilidade cognitiva para a depressão em crianças e adolescentes. Para LaGrange (2011), deve-se levar em consideração que as pessoas não nascem com crenças e cognições desadaptativas totalmente desenvolvidas. Desta forma, é válido o questionamento se de fato as cognições podem predispor para a depressão mesmo quando elas estão em processo de constituição. Além disso, é possível considerar que o estilo cognitivo de crianças é menos estável porque ainda está em desenvolvimento (Cole et al., 2011).

Quanto aos estudos que utilizaram como medida de vulnerabilidade cognitiva o estilo atribucional, os resultados foram controversos em alguns aspectos. Primeiramente, o estudo de Rohde et al. (2012), como já suposto, apontou que a vulnerabilidade cognitiva, de fato, está presente quando o estilo atribucional é considerado fator de vulnerabilidade. Já os outros seis estudos que avaliaram o estilo atribucional fizeram a verificação do modelo de diátese-estresse e apresentaram resultados inconclusivos. Os trabalhos de Hilsrnan e Garber (1995) e Robinson et al. (1995) confirmaram a hipótese de diátese-estresse. Já o trabalho de Lewinsohn et al. (2001) apresentou evidências acerca de uma interação significativa entre eventos estressores e o estilo atribucional para a predição dos eventos estressores, mas em um sentido contrário ao proposto pela hipótese de diátese-estresse. É interessante apontar que os três trabalhos utilizaram como medida de estilo atribucional o CASQ, que aparentemente não se mostra como uma medida adequada para esta estrutura (Lewinsohn et al., 2001) e, portanto, não se pode dar tão ampla credibilidade aos resultados encontrados. Os demais estudos (Cole et al., 2008; Cole et al., 2011; Morris et al., 2008) identificaram evidências parciais para o modelo. No estudo de Cole et al. (2008), o modelo foi confirmado apenas para as crianças entre 14 e 15 anos, enquanto que no estudo de Morris et al. (2008), o modelo foi confirmado quando foram considerados apenas os sintomas de desesperança de depressão. Ao se colocar entre parênteses as possibilidades de erros de medida desta escala, pode-se considerar, de modo geral, que evidências do modelo de diátese-estresse não estariam claramente presentes na infância e que resultados confirmatórios do modelo começariam a aparecer na adolescência. Segundo Cole et al. (2008), os estudos que investigam a diátese-estresse em crianças não têm encontrado os resultados que confirmem a hipótese porque o estilo atribucional apenas emerge como fator de vulnerabilidade para a depressão quando os sujeitos desenvolvem raciocínio abstrato e pensamento operacional formal. Abela (2001) aponta que se faz necessário um alto grau de desenvolvimento cognitivo para que as crianças compreendam o que de fato seria atribuir causas internas, estáveis e globais aos eventos negativos. Seria preciso, portanto, a capacidade de integração de múltiplas informações, o que não aconteceria antes dos 12 anos. Antes dessa idade, o que as crianças expressam acerca das causas internas, estáveis e globais de eventos negativos provavelmente não corresponderia aos construtos avaliados no modelo de estilo atribucional para a depressão (Cole et al., 2008). As atribuições aos eventos negativos poderiam simplesmente ser uma consequência direta de eventos negativos e feedbacks do próprio ambiente, do que o resultado de um estilo atribucional já constituído (Turner & Cole, 1994).

De modo geral, evidências para o fato de a vulnerabilidade cognitiva para a depressão não estar tão claramente presente em crianças e adolescentes, na grande parte dos estudos, podem dever-se também à questão de que, para se avaliar a vulnerabilidade cognitiva, seria importante que fossem simulados em laboratório tipos de estresse que ativem os fatores de vulnerabilidade cognitiva. Essa forma de delineamento é chamada de priming e permite que indivíduos vulneráveis se submetam a situações de ativação de esquemas induzidas durante o estudo, como escutar uma música triste ou pensar em um momento melancólico de sua história (Beck & Alford, 2011). Além disso, seria significativo apresentar várias medidas de vulnerabilidade cognitiva em um mesmo estudo, já que, às vezes, a medida de um único fator de vulnerabilidade não confirma a teoria, que seria constatada caso outra variável tivesse sido avaliada (Abela & Sarin; 2002).

Acrescenta-se uma crítica ao fato de que a maioria dos estudos utilizou como medida dos sintomas depressivos o CDI. Este inventário traz dificuldades para se atingir conclusões sobre níveis clínicos significantes de sintomas depressivos, já que se trata de um questionário de autorrelato. Além disso, este inventário dá muita ênfase aos aspectos cognitivos da depressão, o que pode inflar correlações com medidas cognitivas (LaGrange et al., 2008).

Por fim, Just et al. (2001) sugerem que uma forma interessante de testar a hipótese de vulnerabilidade cognitiva seria trabalhar com grupos de alto e baixo risco, ou seja, aqueles que apresentam altos ou baixos índices de cognições disfuncionais, como foi feito por Cole et al. (2011) e Lewinsohn et al. (2001). Deveria ser utilizada também amostra de indivíduos que não se encontram depressivos no momento do estudo e que nunca apresentaram depressão, para não se correr o risco de não ser possível identificar se o estilo cognitivo é consequência da depressão ou se ele predispôs o indivíduo para o episódio. Sugere-se que estudos futuros utilizem-se deste desenho metodológico, o que permitirá resultados mais claros a respeito da temática em questão.

Como conclusão, aponta-se que os resultados do presente trabalho dão margem para supor que as cognições se consolidem mais tardiamente, na adolescência, e, por isso, a vulnerabilidade cognitiva esteja presente a partir dessa faixa etária. No entanto, a idade exata não é clara e, portanto, estudos futuros que abarquem o fator desenvolvimental são necessários. A literatura já fornece alguns indícios de que o grau de estabilidade existe em amostras de adolescentes, enquanto que para as crianças pouca estabilidade de conteúdos das cognições tem sido relatada (Cole et al., 2011). Nesse sentido, estudos de coortes, com follow- ups mais extensos, que os utilizados neste estudo, poderiam trazer à tona outros resultados.

 

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Recebido em 20/08/2014

Aceito em: 10/08/2015

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