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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.13 no.1 Belo Horizonte ene./abr. 2020

https://doi.org/10.36298/gerais2020130104 

ARTIGOS

 

Panorama da Produção Brasileira sobre Inserção de Pessoas com Deficiência no Trabalho: Desafios à Efetiva Inclusão

 

Panorama of the Brazilian Production on the Insertion of People with Disabilities at Work: Challenges to Effective Inclusion

 

 

Juliana Werneck-SouzaI; Mário César FerreiraII; Kelma Jaqueline SoaresIII

IUniversidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: julianawsouza@gmail.com
IIUniversidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: ferreiramariocesar@gmail.com
IIIUniversidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: kelmajaque@gmail.com

 

 


RESUMO

Passados 25 da "lei de cotas" para Pessoas com Deficiência (PcD) nas empresas brasileiras com mais de 100 funcionários, o que se sabe sobre a inserção desse grupo no mercado de trabalho? Realizou-se estudo de caráter bibliométrico a fim de formar um panorama da publicação empírica brasileira entre 2005 e 2016, por meio da busca em bases de dados com os marcadores "deficiência" e "trabalho". Avaliando amostra de 115 artigos empíricos, verifica-se que, apesar de crescente, a produção sobre o tema ainda é incipiente e concentrada em alguns centros urbanos; que coexistem concepções diferenciadas sobre deficiência, que impactam nas relações sociais e nas práticas organizacionais, ainda imaturas e distanciadas de um patamar efetivamente inclusivo. Observa-se um quadro profissional e socioeconômico desvantajoso das PcD, em relação às pessoas sem deficiência (PsD). Por fim propõem-se sugestões para uma agenda de pesquisa na área.

Palavras-chave: Deficiência. Mercado de trabalho. Inclusão. Pessoas com deficiência. Revisão bibliométrica.


ABSTRACT

After 25 years of the "quota law" for people with disabilities in Brazilian companies with more than 100 employees, what is known about the insertion of this group in the labor market? A bibliometric study was carried out in order to form a panorama of Brazilian empirical publications between 2005 and 2016, from the search in databases with the markers of "disability" and "work". After evaluating a sample of 115 empirical papers, we verified that the production on the subject is still incipient and concentrated in some urban centers, even though it has been increasing. In addition, different conceptions of disability coexist, which impacts social relations and organizational practices that are still immature and far away from a real inclusive level. It is possible to observe a disadvantaged socioeconomic and occupational status of people with disabilities when compared to people without disabilities. Finally, suggestions are proposed for a research agenda in the area.

Keywords: Disability. Labor market. Inclusion. People with disabilities. Bibliometric review.


 

 

Introdução

O Brasil tem pouco mais de 107 milhões de pessoas com idade entre 20 e 59 anos, de acordo com dados do censo demográfico brasileiro de 2010 (IBGE, 2010). Essa parcela populacional é considerada em "idade produtiva", ou seja, estão em um período da vida em que comumente se ocupa ou se busca uma ocupação no mercado de trabalho (Garcia, 2014). Seguindo os critérios sugeridos por esse autor, considerando-se as Pessoas com Deficiência (PcD) as que relataram ao Censo ter "total" ou "grande" incapacidade para enxergar, ouvir ou andar/subir escadas, e/ou "deficiência intelectual/mental", encontramos um contingente de cerca de 6,5 milhões de pessoas (6,1% do total dessa faixa), o que justifica o interesse em como e em que medida se dará a inserção desse grupo no mercado de trabalho.

 

Deficiência

O conceito de deficiência não tem um consenso e varia de acordo com a perspectiva teórica e o foco de análise adotados (Carvalho-Freitas, Leal & Souto, 2011). Carvalho-Freitas (2007) considerou-a produto da articulação entre condição biológica e contingências históricas, sociais e espaciais, que poderia resultar em maior ou menor possibilidade de discriminação ou inserção social.

A lei nº 13.146/2015 considera a PcD "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (Brasil, 2015)

Diniz (2012) destaca a complexidade do conceito de deficiência, que reconhece o corpo com lesão, mas que também revela uma estrutura social de opressão à PcD, semelhante aos processos de sexismo e racismo, que se constituem em formas de opressão pelo corpo, baseada numa ideologia de superioridade do corpo não deficiente.

 

Inserção e inclusão das PcD no mercado de trabalho

Neste artigo, o termo "trabalho", tipicamente diverso, ambíguo e multifacetado (Borges & Yamamoto, 2014), será usado no sentido de atividade profissional remunerada, autônoma ou mediada por vínculo empregatício, desenvolvida em contexto de produção de bens e/ou serviços - CBPS. Genericamente designado ambiente de trabalho, CBPS pode ser definido como o locus fornecedor de recursos materiais, instrumentais, tecnológicos e organizacionais para os trabalhadores realizarem suas atividades (Ferreira, 2017).

Inserção será entendida como o ato de introduzir PcD em ambientes de trabalho, com as demais pessoas, para a realização de atividades profissionais (Carvalho-Freitas, 2007); e inclusão como processo de modificação da sociedade (e das organizações) como requisito para qualquer pessoa se desenvolver e exercer sua cidadania (Sassaki, 2010).

Segundo Tanaka e Manzini (2005), a preocupação com a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho iniciou-se a partir das discussões e pesquisas no campo da educação especial e, a seguir, se estendeu ao mundo do trabalho, sobretudo a partir das leis que visaram assegurar esse direito. Desde então, tem-se notado que o mero direito à vaga no mercado de trabalho não tem sido suficiente para garantir a acessibilidade, a convivência saudável, a oferta de tecnologia assistiva ou as condições para desenvolvimento e ascensão na carreira (Guimarães, 2013; Neri, 2003; Toldrá, 2013).

 

Revisões da literatura brasileira no tema

Suzano, Nepomuceno, Ávila, Lara e Carvalho-Freitas (2008) publicaram uma análise da produção acadêmica nacional disponível na Internet, no recorte temporal de 1987 a 2007, sobre "a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho". Classificaram, segundo oito critérios, 90 artigos, ensaios teóricos e artigos de opinião. Constataram que, após a lei de cotas, houve incremento da produção científica, sobretudo na área da administração e relacionada à gestão da diversidade. Verificaram também que os estigmas relacionados à deficiência, as práticas gerenciais e as barreiras arquitetônicas consistiam grandes dificuldades enfrentadas pelas PcD, e que com frequência as organizações faziam contratações apenas por força da lei, mas sem a preocupação de adequar o ambiente para receber esses trabalhadores.

Faria e Carvalho (2013) analisaram os artigos publicados nos eventos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad) no período de 2000 a 2010 e encontraram 41 trabalhos com foco em PcD, sendo 40 empíricos e um teórico. Entre os critérios de análise estavam a produtividade de autores e instituições, o tamanho da amostra, as estratégias de pesquisa e de coleta de dados. A partir da discussão, desenvolveram 20 diretrizes para estruturar uma agenda de pesquisa na temática.

Furtado e Pereira-Silva (2014) analisaram 80 produções científicas nacionais e estrangeiras, no período de 2000 a 2010, sobre a inclusão de Pessoas com Deficiência Intelectual (PcDI) no trabalho, incluindo material impresso, artigos teóricos, teses e dissertações. As publicações nacionais constituíam 40% da amostra, sendo que 72% dela era composta de teses e dissertações (n=23). Na amostra brasileira, havia apenas seis artigos empíricos em periódicos. Verificaram uma tendência de aumento da produção na área, sobretudo de teses e dissertações, uma frequência maior de publicações sobre "aspectos gerais da inclusão" e "habilidades para o trabalho/cargo".

Diante desse cenário, indaga-se qual o panorama atual da produção científica no Brasil que analisa a inserção das PcD no trabalho, cuja denominação, a partir daqui, será PcD&T. Objetiva-se realizar um mapeamento da literatura científica nacional, considerando a publicação de artigos empíricos em um período de 12 anos, as principais formas de investigação, temas de interesse e resultados e, assim, contribuir para os estudos na área.

 

Método

Esta pesquisa define-se como exploratória, de natureza quanti-qualitativa descritiva. Trata-se de estudo de caráter bibliométrico da produção científica brasileira sobre PcD&T, de natureza empírica, disponível na Internet no período de 2005 a 2016, em periódicos nacionais e em eventos científicos que disponibilizam artigos completos. Um levantamento bibliométrico visa quantificar a comunicação escrita, usando processos variados de levantamento, tratamento e apresentação de dados (Moretti & Campanario, 2009).

Entre as razões para o foco deste estudo serem os artigos, em detrimento dos livros/capítulos, está a facilidade e universalidade de acesso, pelas características da Internet, e o fato de grande parte da publicação da área de Psicologia e Administração concentrar-se nesse tipo de material, além de ser uma modalidade valorizada pelo sistema de avaliação dos programas de pós-graduação da Capes/MEC (Borges-Andrade & Pagotto, 2010).

 

Procedimentos

Foi realizada busca nas bases de dados Capes, SciELO, Pepsic-Salud e Google Acadêmico com os marcadores "deficiência e trabalho" nos títulos, palavras-chaves ou resumos, no período de 2005 a 2016 e obtidos 1.300 registros. Após análise dos títulos, foram excluídos aqueles cujos assuntos não eram pertinentes à temática, os itens repetidos e os voltados à formação/profissionalização das PcD para o trabalho.

Desta primeira análise, resultaram 284 itens submetidos à leitura de resumos. Nessa etapa, excluíram-se os artigos teóricos, resenhas, monografias, dissertações e teses e os que não atendiam aos critérios. Além disso, foram incluídos quatro artigos encontrados em referências bibliográficas, resultando na amostra final de 115 artigos empíricos (n=115). Não houve exclusão baseada em rigor metodológico.

Os 115 artigos foram inseridos em uma planilha, classificados e analisados quantitativa e qualitativamente segundo 10 quesitos: ano de publicação, objetivo, filiação do primeiro autor, natureza da pesquisa, unidade da federação em que foi realizada a coleta de dados, instrumento de coleta, tamanho da amostra, perfil amostral, tema e resultados.

 

Resultados

O total de publicações variou anualmente. Observa-se um incremento na segunda metade do período (n=72, µ = 12), em relação ao primeiro (n=43, µ=7), vide Figura 1.

Quanto ao objetivo, a maioria dos artigos visa "conhecer", tratando-se de estudos exploratórios e descritivos (n = 83, 72%). Em seguida, os que visam "relacionar" construtos ou variáveis (n = 13, 11%) e os que se destinam a "comparar" realidades entre organizações, países ou amostras de PcD com a de pessoas sem deficiência (n = 11, 9%). Em menor proporção, os que têm propósito metodológico (n=4) e de aplicação prática (n=4).

Quanto à filiação do/a primeiro/a autor/a, foram encontradas 58 instituições de ensino/pesquisa, ou organizações. Uma instituição de ensino superior (UFSJ) concentra 21% das publicações encontradas (n=24), as oito primeiras (UFSJ, USP, UFSCar, PUC Minas, Mackenzie, Facamp, Unesp e UFBA) respondem por 47% dos estudos, enquanto 39 instituições (53%) aparecem uma única vez relacionadas à primeira autoria.

Quanto à natureza, as pesquisas qualitativas foram a maioria (n=63,55%), seguidas das quantitativas (n= 29, 25%) e dos estudos quanti-quali (n=23, 20%). Quanto ao tipo de instrumento, verifica-se uma predominância de entrevistas (n=39), métodos híbridos - mais do que um instrumento (n=32) e questionários/escalas (n=30). Em seguida, encontramos análise documental (n=9), outros (n=3) e dois casos em que não se identificou o instrumento utilizado.

A Tabela 1 classifica os estudos por tamanho da amostra. Destaca-se que os com mais de 100 participantes correspondem a cerca de 15% do total, enquanto os com 10 ou menos, cerca de 23%. Note-se que 12 estudos não permitem identificar o tamanho da amostra.

A Figura 2 mostra a unidade da federação (sigla) em que os dados foram coletados. Verifica-se que Minas Gerais e São Paulo concentram as pesquisas (n=57, 49,5%). Em 10 casos não foi possível a identificação do local de coleta (NI) e outros 10 representam pesquisas que abrangeram mais de uma unidade da federação (mista).

Quanto ao perfil amostral, verifica-se na Figura 3 que a população de PcD participa com exclusividade (PcD) ou com outros grupos (Mista c/ PcD) em 57% dos estudos (n=66). Em 34% são participantes da pesquisa outros atores do mundo do trabalho (gestores, supervisores imediatos, responsáveis pelos processos de recrutamento/seleção ou inclusão, profissionais de instituições de apoio às PcD), além de familiares ou estudantes universitários.

A Figura 4 apresenta os principais temas abordados nas pesquisas encontradas, verificando-se um predomínio da investigação acerca dos aspectos gerais de PcD&T (n = 49; 43%), ou seja, relacionam-se prioritariamente à análise de barreiras, perspectivas e desafios relacionados à PcD&T, bem como análise das práticas gerenciais relacionadas à promoção da inclusão de trabalhadores com deficiência (TcD) e da acessibilidade, incluídos os que se situam na perspectiva da gestão da diversidade e da responsabilidade social empresarial. A categoria "outros" inclui estudos que não se adequaram a nenhuma das categorias temáticas e nem se assemelharam entre si.

A análise temática dos principais resultados dessas pesquisas indica que a contratação de PcD é motivada predominantemente pela obrigatoriedade legal (Bahia & Santos, 2007; Carvalho-Freitas & Marques, 2007; Fernandes & Silva, 2008; Miranda & Carvalho, 2016; Tanaka & Manzini, 2005; Toldrá, De Marque & Brunello, 2010), mas também por responsabilidade social empresarial (Bahia & Schommer, 2010; Leite & Lorentz, 2011). Também tem-se evidenciado um quadro de não cumprimento das cotas (Araújo & Schmidt, 2006; Bahia & Schommer, 2011; Miranda & Carvalho, 2016; Nascimento, Damasceno & Assis, 2011; Violante & Leite, 2011); de preferência pela contratação de pessoas com deficiências físicas leves, que não requeiram alterações físicas nos ambientes (Fernandes & Silva, 2008; Lara & Althaus, 2010; Maia, Camino & Camino, 2011; Violante & Leite, 2011); e a lotação em cargos operacionais, para realização de tarefas rotineiras, com pouca possibilidade de aprendizado (Assis & Carvalho-Freitas, 2014; Miranda & Carvalho, 2016; Tanaka & Manzini, 2005), sendo que a situação de empregabilidade e condições de trabalho é mais crítica para trabalhadores com deficiência intelectual (Bezerra & Vieira, 2012; Veltrone & Almeida, 2010). Verificam-se práticas para "burlar" a lei de cotas, como a contratação temporária de PcD apenas no período de fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Guerra e Silva, 2015), ou a manutenção dos quadros de pessoal nos limites inferiores ao estabelecido pela lei de cotas, para fugir da obrigatoriedade da contratação de PcD (Duarte e Cunha, 2015). Também tem-se verificado que a mera contratação não garante a inclusão, pois as práticas organizacionais acabam por ser excludentes (Araújo & Schmidt, 2006; Cardoso, Castro & Carvalho, 2016; Santos, Vieira & Faria, 2013). Os padrões de avaliação de desempenho são comparativos e estabelecidos no padrão do "não deficiente", (Serrano & Brunstein, 2007), os processos de treinamento e de desenvolvimento na carreira são inadequados ou insuficientes (Araújo & Schmidt, 2006; Serrano & Brunstein, 2007), havendo um antagonismo entre a lógica da diversidade - inclusiva - e a empresarial - quantitativa, comparativa, com alta pressão por metas (Alves, Ribas & Santos, 2010; Brunstein & Serrano, 2008). Verificam-se esforços organizacionais em várias empresas, que desenvolvem programas de acessibilidade, muitas vezes também motivadas a aliar a contratação de PcD a um ganho de imagem (Bahia & Schommer, 2010, 2011). Brunstein e Serrano (2008) destacam que as experiências organizacionais se concentram mais no paradigma de suporte e serviços, do que no de empoderamento das PcD.

Os fatores que dificultam a inserção de PcD&T estão resumidos no Quadro 1.

Além das barreiras físicas, são relatadas as barreiras comunicacionais (Brunstein & Serrano, 2008; Santos et al., 2013) e atitudinais, com a manifestação de preconceito explícito ou mascarado (Serrano & Brunstein, 2007; Leite & Lorentz, 2008; Neves-Silva et al., 2015). Ao fazer um panorama da inserção das PcD no mercado de trabalho brasileiro, por meio de análise censitária, Garcia (2014) conclui por uma participação ínfima das PcD no mercado formal, "concentrada em atividades precárias, descontínuas e informais". Pesquisa demográfica de Ferreira, Júnior e Borges (2006), em Uberlândia, mostrou que menos de 10% das PcD recebiam mais que dois salários-mínimos e que muitas famílias dependiam desses recursos, o que aumentava o grau de vulnerabilidade social dessas famílias. Garcia e Maia (2014), analisando os dados globais do Censo 2010, concluem que as PcD apresentam desvantagens na dinâmica socioeconômica e na inserção ocupacional, em relação à população sem deficiência ou sem limitação funcional ou com limitações mais leves (PcLF). O alerta de Lara (2013) é para um processo de "coisificação da pessoa deficiente", pela desconsideração de seus potenciais pelas empresas, que priorizam as análises de custos de contratação e adaptações. Carvalho-Freitas, Suzano e Nepomuceno (2011) destacaram a importância de um processo sistematizado de socialização das PcD, com escuta adequada e busca de soluções construídas "com elas" e não "para elas".

Socialização, práticas formais e informais, aquisição de saberes, relações de trabalho, cuidado com a deficiência, preparação dos gestores, incentivo ao autodesenvolvimento e quebra de barreiras atitudinais e arquitetônicas foram identificados como importantes fatores para o desenvolvimento e construção da competência das PcD (Beltrão & Brunstein, 2012).

Nos estudos centrados na análise de vivências e percepção de satisfação, verifica-se que as PcD, no geral, avaliam positivamente os aspectos de qualidade de vida no trabalho (Abreu & Moraes, 2012; Carvalho-Freitas, 2009; Carvalho-Freitas, Almeida & Marques, 2006; Maia & Carvalho-Freitas, 2015). Falta de reconhecimento foi um fator de sofrimento nos achados de Coelho, Sampaio e Mancini (2014) e de Leão e Silva (2012). A importância das tecnologias assistivas (suporte instrumental e informacional) e das adaptações ambientais para o desempenho das PcD também tem sido evidenciada (Paiva, Bendassoli, & Torres, 2015; Maia & Carvalho-Freitas, 2015; Suzano, Carvalho-Freitas, Tette, & Brighenti, 2016; Tette, Carvalho-Freitas, & Oliveira, 2013, 2014;).

Quanto ao significado do trabalho, tem havido convergência nos resultados de PcD e pessoas sem deficiência (PsD), tendo o trabalho importância no desenvolvimento pessoal e profissional (Pereira, Del Prette & Del Prette, 2008); na autonomia e senso de competência (Leão & Silva, 2012); na independência financeira, autoestima, satisfação, reconhecimento profissional e sentimento de utilidade (Assis & Carvalho-Freitas, 2014; Abreu & Moraes, 2012; Lima, Tavares, Brito & Cappelle, 2013; Paiva et al., 2015), agindo como estruturador da identidade e gerador de prazer e sofrimento (Coelho et al., 2014), como instrumento de sentido à vida (Moreira, Cappelle & Carvalho-Freitas, 2015), inclusive para PcDI (Toledo & Blascovi-Assis, 2007; Mourão, Sampaio & Duarte, 2012), em que se destaca o desenvolvimento de habilidades adaptativas e sociais (Gomes-Machado & Chiari, 2009).

Em relação à carreira, Angonese, Boueri e Schmidt (2015) concluem que a inserção no trabalho favoreceu uma autoavaliação mais positiva, mas não eliminou a concepção depreciativa da deficiência e a falta de perspectivas de autonomia e melhoria de condições no trabalho de PcDI. Nesse sentido, Alves, Veber e Scheid (2008) problematizam em que medida a suposta inclusão laboral das PcDI não ocultaria um barateamento de custos de produção e representaria uma outra forma de exclusão, uma vez que as empresas não se modificam para recebê-los. Ribeiro e Ribeiro (2012) e Assunção, Carvalho-Freitas e Oliveira (2015) assinalaram a importância da existência de políticas claras e programas de desenvolvimento da carreira para a satisfação das PcD. Quanto ao comprometimento organizacional e satisfação com fatores de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), Carvalho-Freitas, Silva, Farias, Macedo e Tette (2013), em pesquisa comparativa, não encontraram diferença significativa entre PcD e PsD que realizam o mesmo trabalho e verificaram que as pessoas satisfeitas com a QVT tendem a manter níveis mais altos de comprometimento afetivo (indicativo de envolvimento com a organização) e normativo (obrigação moral de permanecer na organização); enquanto as insatisfeitas com a integração social e com a relevância do trabalho tendem a ter um maior comprometimento instrumental (permanecem na organização porque precisam). Esses resultados diferem parcialmente dos encontrados por Carvalho-Freitas, Marques e Almeida (2009), que correlacionaram comprometimento normativo apenas com a remuneração.

Em dois estudos, Simonelli e Camarotto (2005, 2011) sistematizaram método de análise de tarefas e modelo, fundamentados na análise ergonômica da atividade, para identificar postos de trabalho potenciais para PcD e orientar as ações de contratação de indústrias. Destacaram, porém, ser impossível definir exatamente que tipo de deficiente executará determinada tarefa, porque, a despeito do tipo de limitação, existem particularidades nas experiências e habilidades de cada um. Outros estudos para gerar modelo/instrumento incluem os de Carvalho-Freitas e Marques (2006), que validaram o Inventário de Concepções de Deficiência (ICD) e o Inventário das Condições e Procedimentos de Trabalho (ICPT) e o de Ávila e Carvalho-Freitas (2011), que analisaram a fidedignidade temporal do Inventario de Concepções de Deficiência em Situações de Trabalho (ICD-ST), considerado promissor para avaliação de programas de inserção de PcD&T; no diagnóstico de ações de sensibilização e, em pesquisas, facilitando proposição e teste empírico de modelos explicativos.

Nos estudos centrados na identificação e estabelecimento de relações com as concepções de deficiência, verificou-se que concepção pautada pelo padrão da "normalidade" enfatiza a deficiência como impedimento ao desempenho e ao crescimento profissional; a espiritual baseia-se numa explicação metafísica da deficiência, sendo determinada pela ideia de caridade; a interpretação técnica percebe a diversidade como recurso a ser administrado para a obtenção de melhores resultados para as organizações (imagem, desempenho, prestígio, clima); e a da inclusão traz implícita a ideia de necessidade de modificar o ambiente de trabalho para dar acesso a todos (Carvalho-Freitas & Marques, 2006; 2007; 2009). Tem-se verificado a coexistência de múltiplas concepções de deficiência e a ocorrência de relações positivas entre as crenças de gestores acerca da deficiência e as ações de adequação das condições e práticas de trabalho (Carvalho-Freitas & Marques, 2007; 2010), bem como das possibilidades de trabalho das PcD, aumentadas à medida que se amplia o contato com esse grupo e se modificam as percepções sobre suas capacidades e sobre seu desempenho (Carvalho-Freitas & Marques, 2007; 2009; Nepomuceno & Carvalho-Freitas, 2008).

 

Discussão

Os resultados mostram uma quantidade relativamente reduzida de publicações, considerando a amplitude do campo do trabalho no Brasil e o contingente de pessoas com deficiência, o que demonstra que se trata de um campo de pesquisa ainda incipiente, em expansão e não consolidado. Furtado e Pereira-Silva (2014) também concluíram por uma escassez de produção na área referente ao binômio trabalho e PcDI. Faria e Carvalho (2013), encontraram que apenas 0,37% dos artigos da Anpad entre 2000 e 2010 eram focados em PcD&T. Costa e Ferreira (2006) concluíram haver baixo interesse de pesquisadores da Administração pelo tema diversidade e minorias.

Em relação à filiação do primeiro autor, verifica-se uma dispersão entre as instituições e uma concentração da produção em algumas instituições, sobretudo a UFSJ, que concentra 1/5 de toda a produção encontrada. Esse dado deve se justificar pela existência de um núcleo de pesquisa destinado ao tema (Núcleo de Pesquisa em Acessibilidade, Diversidade e Trabalho - NACE) e coordenado pela pesquisadora com maior número de publicações na área. Esses achados corroboram os encontrados por Faria e Carvalho (2013).

Observa-se um predomínio dos estudos na região Sudeste e Sul, com destaque para Minas Gerais e São Paulo, que juntos concentram metade dos locais identificados de coleta. Doze estados não foram identificados como sede em nenhum estudo (Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Piauí, Rondônia, Sergipe e Tocantins). É possível que algum integre o rol dos não identificados ou que realmente não tenham sido contemplados com pesquisas na área. Verifica-se, portanto, um viés na investigação científica nacional, que acaba por privilegiar os estados mais desenvolvidos da federação (possivelmente por questões de logística e proximidade dos grandes centros de pesquisa) e não acompanhar as necessidades populacionais, uma vez que os estados com maiores percentuais de população com, pelo menos, uma das deficiências investigadas no Censo 2010 estão na região Nordeste (IBGE, 2010). Essa heterogeneidade encontra um paralelo em nível global quando se verifica uma prevalência de estudos nos países desenvolvidos e áreas urbanas, sobretudo os da Europa Ocidental e América do Norte, com regiões menos investigadas na África, Ásia e América do Sul. (Carvalho-Freitas, Leal & Souto, 2011; Aldersey, 2012).

A alta prevalência de pesquisas com objetivo de produzir conhecimento é compatível com a encontrada em outros estudos da área de Psicologia das organizações & trabalho - PO&T (Coelho-Junior & Borges-Andrade, 2004; Borges-Andrade & Pagotto, 2010). O predomínio de entrevistas, seguida do uso híbrido de métodos, e dos questionários/escalas acompanha os resultados encontrados nas revisões de Faria e Carvalho (2013) e Furtado e Pereira-Silva (2014), sobre PcD&T. Esses resultados se coadunam com a prevalência de pequenas amostras, também encontrada em revisões anteriores (Faria & Carvalho, 2013; Furtado e Pereira-Silva, 2014). A ampliação de estudos quantitativos e multimétodos, com amostras maiores e uso de análises estatísticas inferenciais, poderia possibilitar a realização de estudos mais robustos e generalizáveis (Coelho-Junior & Borges-Andrade, 2004).

Em relação ao perfil amostral, o fato de a maioria dos estudos envolver PcD vai ao encontro das recomendações de inclusão de PcD como sujeitos nas investigações empíricas sempre que possível (Faria & Carvalho, 2013) e, sobretudo, do lema do movimento das PcD "Nada sobre nós, sem nós", traduzido como "Nenhum resultado a respeito das PcD deverá sem gerado sem sua plena participação"(Sassaki, 2007).

O alto percentual de estudos voltados à análise de aspectos de inserção no trabalho e barreiras ao emprego e à inclusão é similar ao encontrado em revisão de literatura internacional realizada por Carvalho-Freitas, Leal e Souto (2011), sugerindo que esse desafio não é exclusividade brasileira. Roulstone (2012) aponta que as barreiras ao trabalho remunerado das PcD fazem parte de um panorama global, ocorrendo em economias avançadas ou em contextos rurais; e a desvantagem das PcD ocorre tanto no acesso quanto na manutenção do emprego ou de outras formas de atividade econômica.

De modo geral, tem-se reconhecido, de um lado, os benefícios e, de outro, a insuficiência das legislações e políticas públicas, sendo necessário o esforço colaborativo de governo, empresas e sociedade no sentido de eliminar as barreiras e fazer acontecer a inclusão desejada (Lino & Cunha, 2008; Toldrá, 2009; Ribeiro & Carneiro, 2009; Scalabrin & Campos, 2016).

 

Considerações finais

A análise realizada indica a necessidade de mais pesquisas no campo e de ampliação da cobertura em estados além do eixo MG-SP-RJ-RS, incluindo pequenos municípios e abrangendo múltiplas unidades da federação simultaneamente. Isso demandaria novos desenhos de pesquisa e maior apoio das instituições de fomento à pesquisa, talvez com novas parcerias e busca de acordos de cooperação, uma vez que estudos quantitativos mais robustos requerem maior suporte financeiro e estrutural. O benefício seria uma compreensão mais fidedigna e aprofundada da situação de inserção das PcD no mercado de trabalho brasileiro.

Outra sugestão é a realização de recorte de dados de PcD e de outros grupos minoritários - abordando a questão da diversidade de gênero, raça, orientação sexual, etc. - nas pesquisas gerais da área de O&T, o que seria uma forma economicamente mais viável, pois aproveitaria pesquisas em curso, mas representaria um desafio adicional ao exigir maior interesse e aprofundamento teórico dos pesquisadores da área nesses temas específicos.

A análise dos principais resultados indica que a inserção no mercado de trabalho e a inclusão das PcD nas organizações ainda se constitui um desafio, após mais de 25 anos da "lei de cotas", e que é preciso um esforço coletivo de mudança na concepção da deficiência e das lógicas que regem as relações socioprofissionais e as práticas de gestão, para que realmente se verifique uma cultura de inclusão no contexto do trabalho no Brasil.

Entre as limitações metodológicas, cita-se o procedimento não exaustivo de busca em banco de dados, além da limitação das categorias de análise e do não cruzamento das categorias. Por óbvio, o espaço é um limitador e requer apresentação sintética dos dados, globalmente mais amplos.

Considerando o objetivo proposto, avalia-se que a pesquisa permitiu a identificação de um panorama da investigação científica recente, sob perspectivas analíticas importantes, que pode auxiliar o trabalho de estudantes, pesquisadores e profissionais que se interessam pela temática no país.

 

Referências

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Recebido em: 2/5/2017
Aprovado em: 21/5/2018

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