SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número1Condições e práticas de trabalho das equipes do CRAS: políticas, direitos e alcance dos serviçosAnálise das teorias da personalidade e da psicoterapia de Carl Rogers índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.15 no.1 Belo Horizonte ene./jun. 2022

https://doi.org/10.36298/gerais202215e17367 

ARTIGOS

 

Fontes de informações parentais tradicionais e o uso da internet no primeiro ano de vida do bebê

 

Traditional parental information sources and the use of the internet in the baby's first year of life

 

 

Gabriela Marcolino Alves MachadoI; Nádia Maria Ribeiro SalomãoII

IUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. E-mail: gabriela_marcolino@hotmail.com. (orcid.org/0000-0001-6557-2905)
IIUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. E-mail: nmrs@uol.com.br. (orcid.org/0000-0003-1305-7762)

 

 


RESUMO

Este artigo investiga as fontes de informações que contribuem para a formação das concepções parentais sobre o desenvolvimento infantil de 40 casais primíparos com filhos de 3, 6, 9 ou 12 meses. Os participantes responderam a um questionário sociodemográfico e a uma entrevista semiestruturada, sendo que as informações foram analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo. Da análise das entrevistas emergiram quatro categorias: fontes de informações utilizadas; tipos de informações buscadas; utilidade das informações; aspectos positivos e negativos das fontes de informações. Os principais resultados indicaram que as fontes de informações mais utilizadas foram: profissionais de saúde (96,2%), sites (83,7%) e familiares (82,5%). Pôde-se compreender como as fontes de informações tradicionais se intercalam com as fontes contemporâneas ligadas às mudanças culturais relacionadas ao aumento do acesso à internet e às novas tecnologias. Considera-se que este trabalho contribui para a compreensão das fontes de informações que auxiliam o início da parentalidade na contemporaneidade.

Palavras-chave: fontes de informação; pais e mães primíparos; parentalidade; desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

This article investigates the sources of information that contribute to the formation of parental conceptions about the child development of 40 primiparous couples with children aged from 3, 6, 9, and 12 months old. The participants answered a sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview, the information was analyzed using the content analysis technique. Four categories emerged from the analysis of the interviews: sources of information used; types of information sought; usefulness of information, and positive and negative aspects of the information sources. The main results indicated that the most used sources of information were: health professionals (96.2%); websites (83.7%); and family members (82.5%). We could understand how traditional sources of information are intertwined with contemporary sources linked to cultural changes related to increased access to the internet and to new technologies. We consider that this work contributes to the understanding of the sources of information that help the beginning of parenting in contemporary times.

Key words: sources of information; primiparous fathers and mothers; parenting; child development


 

 

O núcleo familiar tem um papel primordial de mediador da relação entre o bebê e o ambiente que o circunda. Esse nicho de desenvolvimento cumpre uma função basilar na socialização infantil inicial, em que a aquisição de novas habilidades infantis está intrinsicamente relacionada às primeiras interações sociais com a criança, singularmente com os seus pais (Nunes & Salomão, 2016). Diante disso, é importante ressaltar que a forma como os pais compreendem o desenvolvimento infantil influencia as suas concepções parentais e, consequentemente, as interações entre pais e filhos.

A pesquisa sobre as concepções parentais, segundo Miguel, Valentim e Carugati (2009), tem sido orientada por várias questões que se dividem em três conjuntos, os quais, embora cuidadosamente separados, estão inter-relacionados. O primeiro diz respeito à natureza das concepções dos pais, cujos estudos tentam esclarecer o que esses pais pensam sobre os seus filhos, como explicam o comportamento das crianças e como justificam seu próprio comportamento. Um segundo foco desses trabalhos são as fontes de informações ou condições que influenciam as concepções dos pais sobre o desenvolvimento infantil. Por fim, o terceiro conjunto diz respeito às consequências das ideias parentais para os pais e para as crianças. Apesar da interligação dos três conjuntos, o presente estudo tem como foco principal o segundo deles, ao investigar as fontes de informações buscadas ou recebidas por pais e mães primíparos no primeiro ano de vida do bebê, destacando-se o papel cada vez mais presente da internet como fonte de informação.

Ao considerar as fontes de informações que influenciam as concepções parentais, reconhece-se que a passagem para a parentalidade, ou seja, o processo de tornar-se pai e mãe (Martins, Abreu, & Figueiredo, 2017) implica transformações únicas e marcantes na vida de um indivíduo, especialmente em casos de pais e mães primíparos, que são o foco deste estudo.

Nessa circunstância, os pais e as mães precisam aprender como lidar com o bebê, enfrentando desafios diários, como a adaptação a uma nova rotina e a necessidade de diversas fontes de informações, assim como de suporte material e emocional, para lidarem com situações para as quais não foram preparados. Esse processo de transição desenvolvimental implica a integração de novos conhecimentos e habilidades que constituem o processo de formação da identidade dos pais (Fernandes, 2013; Martins et al., 2017).

De fato, ao tornar-se mãe e pai é fundamental incorporar uma diversidade de alterações na própria vida e saber se comunicar e interpretar as necessidades do bebê, a fim de ajudar no seu processo de desenvolvimento. Alguns fatores são determinantes na adaptação à parentalidade: as características dos pais, da criança e do contexto social. Os diferentes tipos de suporte serão mais influentes conforme considerados pelo indivíduo como uma fonte de suporte válida (Abreu, 2009).

Nesse contexto, uma das principais redes de apoio na transição para a parentalidade é a família. A relação dos casais com as suas figuras de apoio fornece um modelo de identificação e representa fontes de instrução e de trocas de informações (Lopes, Prochnow & Piccinini, 2010). As famílias, principalmente os próprios pais, são as fontes de informações consideradas úteis, embora não necessariamente detentoras de um conhecimento atualizado (Deave, Johnson & Ingram, 2008). Estes autores evidenciam também fontes advindas de amigos, dos profissionais de saúde, de aulas de pré-natal, de folhetos, de livros, da televisão, de vídeos e também da internet, sendo esta última tanto de sites quanto de e-mails semanais sobre a gestação. No entanto, quer sob a forma de literatura, programas de televisão ou de apoio pré-natal, parecia haver poucos recursos destinados para os homens.

Diante do exposto, é importante ressaltar que a parentalidade exige dos cuidadores flexibilidade e segurança para lidar com seus filhos, destacando-se que o apoio social e as informações que os pais buscam ou recebem acerca de seus filhos podem influenciar de modo positivo a relação pais-mães-bebês (Vieira, Vieira & Prado, 2011). Desse modo, as relações que permeiam as pessoas e os ambientes promovem possibilidades de apoio nos momentos de crise ou mudança e dessa forma podem produzir oportunidades de desenvolvimento (Juliano & Yunes, 2014).

Sobre as necessidades dos pais e mães primíparos em relação à assistência, ao apoio e à educação no que diz respeito à preparação para a transição da parentalidade e suas competências parentais, Deave et al. (2008) chegaram à conclusão de que as informações passadas no pré-natal se concentram no nascimento e não conseguem responder às necessidades dos pais quanto aos desafios enfrentados, ou seja, os casais têm pouca oportunidade de compreensão acerca do que esperar nas primeiras semanas após o nascimento.

Nesse aspecto, os profissionais de saúde têm um papel importante no sentido de atuar na orientação antecipatória e durante os primeiros anos do bebê, dando maior espaço para as questões e dúvidas que os pais e as mães levam para a consulta. Em 2000, Schuster, Duan, Regalado e Klein realizaram uma pesquisa com o objetivo de determinar se pais estão recebendo aconselhamento preventivo sobre os seus filhos e se essas orientações são satisfatórias. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que, embora a orientação antecipatória seja considerada um componente importante da puericultura, a maioria dos pais relatou que não tinha discutido temas de perfil padrão com um médico. Por isso, é necessário um esforço por parte dos profissionais de saúde para fornecer aos pais as informações de que necessitam para tomar decisões acerca do cuidado de seus filhos.

Nesse processo, os profissionais da área devem ter uma visão ampla dos referidos cuidados e do seu papel como promotores de saúde. Os médicos devem ser incentivados a ir além do modelo biomédico para atender às necessidades emocionais, sociais e de desenvolvimento de seus pacientes. Reconhece-se que os pais têm necessidades não satisfeitas de orientação antecipatória sobre muitos aspectos do cuidar de crianças, e os médicos estão entre os únicos profissionais com os quais quase todos os pais têm contato. Dessa forma, esses profissionais são basilares para fundamentar estratégias que satisfaçam as necessidades dos pais para obter informações e aconselhamento (Schuster et al., 2000).

Outra importante fonte de informação na atualidade é a internet, utilizada como um recurso para pesquisa nos diversos campos de conhecimento e que oferece, em seu acesso, uma variedade de recursos de comunicação e recuperação de informações (Plantin & Daneback, 2009). As pesquisas sobre o uso e acesso à internet e às mídias sociais ratificam que os indivíduos aumentarão o uso desses recursos nos próximos anos (Gasque, 2016).

Dados revelados pela empresa de marketing We Are Social e pela gerenciadora de redes sociais Hootsuite, as quais promovem todos os anos um relatório digital mundial que avalia o comportamento dos usuários na web, nas redes sociais e na internet móvel1, apontam que no Brasil há mais de 149 milhões de usuários da internet, dos quais 85% entram na rede todos os dias. Do número total de usuários on-line, 140 milhões fazem uso das plataformas de mídias sociais e dos aplicativos de mensagens instantâneas, sendo o YouTube o mais utilizado (95%), seguido do Facebook (90%), do WhatsApp (89%) e do Instagram (71%).

Embora esses dados revelem um aumento significativo no acesso à internet pela população brasileira, não foram encontrados nas bases de dados pesquisadas (Index Psi, PEPsic e Scielo Brasil) estudos que explorassem o impacto dessa ascensão na vida cotidiana de pais e mães que buscam informações on-line sobre os seus filhos. Diante dessa realidade, ressalta-se que a internet é usada para uma diversidade de propósitos, mas deve-se destacar o papel dela para a promoção e o compartilhamento de informações referentes à saúde, seja para si ou para outras pessoas significativas, como cônjuges, pais ou filhos. Tais informações podem ser compartilhadas de várias formas e por meio de vários espaços, por exemplo, grupos de apoio on-line, aconselhamento on-line e por meio de sites / comunidades web / salas de chat da web (Moreno, 2017; Plantin & Daneback, 2009).

Sobre o uso do Facebook e de suas comunidades, Mogul, Nagy e Bridges (2017) defendem que esses espaços podem fornecer informações médicas precisas às famílias, mas refletem que embora exista um valor no suporte emocional fornecido pelos membros das comunidades on-line, há uma limitação no conteúdo médico, que é criado ou selecionado quase inteiramente por pacientes e seus cuidadores. Para César, Oliveira e Fontaine (2018), as redes sociais on-line, enquanto redes de apoio informal, revelam-se como um apoio importante para as mães, seja pela facilidade de acessibilidade ou pela quantidade de informação de que dispõem acerca do desempenho da maternidade.

Bouche e Migeot (2008) destacam que as pessoas que fazem uso da internet, para fins relacionados à saúde, têm algumas vantagens, pois a rede está amplamente disponível, conveniente e anônima. E entre os principais motivos para buscar essas informações on-line estão: coletar informações adicionais após uma consulta e acessar informações mais complexas sobre um sintoma, uma doença ou seu tratamento.

Uma variedade de informações on-line sobre saúde é projetada e dirigida às famílias, sendo que algumas delas são oferecidas por meio de sites específicos para certas condições de saúde, mas muitas das informações podem ser encontradas ou ligadas a sites com conteúdos específicos para pais e mães. O número desses sites tem crescido significativamente nos últimos anos, oferecendo, não só informações de saúde pediátrica, mas também acesso à compra de produtos comerciais, socialização em salas de chat e formas de explorar uma ampla gama de temas sobre crianças, saúde e paternidade (Plantin & Daneback, 2009).

Segundo Moreno (2017), os pais e as mães que procuram conteúdo no mundo digital descrevem desafios em encontrar informações de saúde exatas e confiáveis. Diante dessa realidade, ele sugere algumas estratégias que podem auxiliar as famílias a procurar informações e a avaliar se são precisas e confiáveis: realizar pesquisas em sites que foram criados e mantidos por uma organização de saúde; determinar quem é o autor e se este tem credenciais de saúde; verificar se os conteúdos estão atualizados, e se a página da web ou blog tiver mais de 3 anos, é importante procurar informações adicionais; confirmar em outras fontes, de preferência um profissional de saúde, por exemplo, o pediatra, que se apresenta como o melhor recurso para ajudar os pais e as mães a decidirem, se as informações encontradas são aplicáveis ao seu filho.

Nesse contexto, destaca-se o conceito de "letramento informacional" (Gasque, 2016), o qual corresponde ao processo no qual os indivíduos desenvolvem competências para "localizar, selecionar, acessar, organizar, usar informação e gerar conhecimento, visando à tomada de decisão e a resolução de problemas" (p.17), sendo que tal processo viabiliza o desenvolvimento de habilidades para lidar eficientemente com a informação.

O estudo realizado por Kowalski, Leef, Mackley, Spear e Paul (2006) objetivou determinar quais fontes de informação são mais úteis para os pais de uma unidade de terapia intensiva neonatal nos Estados Unidos. Os autores chegaram à conclusão que embora a maioria dos pais tenha acesso à internet, eles preferiram e confiaram na comunicação pessoal com a equipe médica para receber informações sobre saúde. Bouche e Migeot (2008) corroboram afirmando que a internet parece ser usada como um suplemento aos serviços de saúde para alguns, e não como uma substituição.

Em um estudo realizado no Canadá, com 40 mães de uma comunidade on-line, Hall e Irvine (2008) concluíram que as mães usam a comunicação eletrônica para solicitar e fornecer apoio emocional, compartilhar informações, facilitar a aprendizagem e fornecer validação para normalizar as experiências da maternidade de outras mulheres. Além de histórias, essas mulheres compartilhavam sentimentos, expressavam simpatias, elogios, e apreciavam as experiências compartilhadas, bem como demonstravam gratidão pelo apoio, crenças e expectativas partilhadas no grupo. As mães pesquisadas antecipavam dificuldades de criação dos filhos, davam conselhos, informações, e confirmavam as estratégias dos outros.

O estudo de Jang & Dworkin (2012) objetivou compreender de que forma pais e mães primíparos estadunidenses usam as comunidades virtuais em seu papel parental. Os autores conduzem uma análise de conteúdo em um site sobre criação de filhos (babycenter.com), no qual os pais participam de atividades individuais, como escrever em diários, ou ainda, atividades em grupo, como postar em um fórum de discussão. Entre os possíveis usos da internet, os autores destacaram que pais e mães compartilham informações, estratégias e conselhos com outros pais, procurando orientação e apoio para o seu papel parental.

Uma série de estudos (Dworkin, Walker, Connell & Doty 2012; Jang & Dworkin, 2014; Jang, Dworkin, & Hessel, 2015; He & Dworkin, 2015) foram realizados nos Estados Unidos e compõem o projeto nomeado de Parenting 2.0. Dworkin, et al. (2012) investigaram o uso de tecnologias e internet por pais e mães. Os resultados indicaram que a maioria dos 2.240 (75%) participantes relatou que a internet melhorou a forma como eles obtêm informações parentais, cerca de 19,7% informaram que os sites de parentalidade são difíceis de usar e 13,1% afirmaram que não encontram o tipo de sites ou informações parentais que eles estão buscando. No que se refere à utilidade dos recursos parentais, a maioria dos pais relatou que amigos (86,8%), internet (85,8%) e seu médico ou pediatra (82,3%) eram fontes "de alguma forma úteis" ou "muito úteis" de informações.

Para explorar o impacto das atitudes em relação à tecnologia e ao conforto com a tecnologia, na frequência de uso de sites de rede social e do número de atividades nos sites, Jang e Dworkin (2014) realizaram um estudo com 665 participantes. Os resultados indicam que à medida que o uso dos sites de redes sociais torna-se mais popular pelos pais, as atividades ali realizadas proporcionam oportunidades de construir ou compartilhar informações que envolvem preocupações, pensamentos e conhecimentos parentais. O estudo de Jang et al. (2015), por sua vez, explorou as atividades on-line de mães em blogs, fóruns de discussão/salas de chat, boletins informativos por e-mail e cursos on-line. As autoras refletem que as tecnologias da informação e da comunicação (TCIs) desempenham um papel crucial na maneira como os pais lidam com suas questões parentais no dia a dia e como enfrentam situações de crise.

He e Dworkin (2015) questionaram o que os pais (homens) estão fazendo on-line e identificaram que os pais parecem relutantes em usar os recursos parentais on-line, porque a maior parte desses sites está dominada por mães, pois poucos recursos parentais foram projetados especificamente para pais. Os resultados indicaram que apesar de os pais terem mais facilidade em acessar a internet e no contato com a tecnologia, eles se envolvem em outras atividades on-line e não necessariamente para fins parentais. Os dados sugerem que as informações parentais on-line não são tão úteis para os pais, quanto para as mães, por não suportarem de forma adequada e específica suas necessidades parentais, o que corrobora com os estudos de Jang e Dworkin (2012), Madge e O'Connor (2006) e Plantin e Daneback (2009).

É importante enfatizar que não foram encontrados estudos com a população brasileira, nas bases de dados Index Psi, PEPsic e Scielo Brasil, que investigassem as novas configurações das fontes de informações que auxiliam o início da parentalidade, considerando o status atual da evolução tecnológica, fontes estas que estejam ligadas às práticas cotidianas dos pais, quanto às buscas e ao acesso às informações parentais. Desse modo, os estudos encontrados refletem uma visão de países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, os quais têm índices de desenvolvimento humano e índices de qualidade de vida diferentes do nosso, o que influencia expressivamente nas moradias, rendas, acesso a empregos, educação e saúde, entre outros aspectos. Diante desta realidade, convém levar em consideração os contextos culturais dos resultados encontrados.

Nesse entendimento, o presente estudo fundamenta-se nas perspectivas contextuais, que consideram o desenvolvimento humano um processo cultural, que deve ser compreendido com um olhar nas práticas e nas circunstâncias culturais de suas comunidades, as quais se modificam continuamente (Rogoff, 2005). A autora defende que é imprescindível analisar a natureza cultural da vida cotidiana, examinando como as pessoas fazem uso das ferramentas e tecnologias culturais, bem como de que maneira as transformam e, ainda, qual o envolvimento de tais ferramentas e tecnologias nas tradições culturais dentro das instituições familiares e nas práticas das comunidades.

Diante do que foi exposto, considerando as mudanças tecnológicas e o significativo aumento do acesso à internet nos últimos anos, esta pesquisa tem como objetivo investigar as fontes de informações que contribuem para a formação das concepções parentais sobre o desenvolvimento infantil. Para tanto, buscamos compreender de que forma as redes de apoio tradicionais (familiares, amigos, profissionais de saúde, livros etc.) e as redes de apoio da atualidade (sites, blogs, fóruns, grupos on-line, redes sociais na internet, entre outros) estão se configurando ao longo do primeiro ano de vida do bebê, destacando a relevância dessas transformações para as concepções parentais e consequentemente para o desenvolvimento infantil.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 40 casais primíparos com bebês no primeiro ano de vida. Os participantes foram divididos em 10 casais por faixa etária (3, 6, 9 e 12 meses), de modo que todo o primeiro ano de vida fosse representado. Os critérios de inclusão foram: casais primíparos, maiores de 18 anos, mães que estejam cursando ou concluíram o ensino superior, com classes socioeconômicas diferenciadas, moradores da cidade de João Pessoa (PB) e região metropolitana. Além disso, todos os bebês apresentaram o desenvolvimento típico, conforme referido pelos pais.

A idade materna variou entre 21 e 39 anos com média de 29,8 anos (DP=4,42), já a paterna variou entre 23 e 41 anos com média de 30,6 anos (DP=4,31). Em relação à renda familiar, 32,5% dos casais recebiam entre 1 e 3 salários mínimos, 22,5% recebiam de 4 a 6 salários, 20% deles recebiam entre 7 e 9 salários, por fim, 25% recebiam 10 ou mais salários mínimos. Quanto ao nível de escolaridade materno, 29 possuíam nível superior completo ou pós-graduação e 11 tinham nível superior incompleto. A maioria dos pais (23) tinha ensino superior completo, ou pós-graduação, e 13 tinham ensino superior incompleto e 4 deles possuíam ensino médio completo.

Instrumentos

Os pais e as mães responderam individualmente a um questionário sociodemográfico que tem como objetivo apreender características tais como: idade, nível instrucional, profissão e características dos bebês. Também foi utilizada uma entrevista semiestruturada sobre fontes de informação de pais primíparos. Optou-se pela entrevista semiestruturada por obedecer a um roteiro previamente desenvolvido pelo pesquisador e permitir que o entrevistado discorra sobre uma temática em questão, sem se prender à indagação formulada. Entre as questões investigadas, estão: quais fontes de informações o(a) sr. (a) utiliza para adquirir informações sobre o processo de desenvolvimento do seu filho(a)? Qual a frequência de uso dessas fontes e qual o seu nível de confiança nelas? E ainda: quando você utiliza algumas dessas fontes, geralmente que tipo de informação você procura? De que maneira essas informações interferem na sua prática com o seu bebê? O que você vê de positivo e negativo em relação a cada uma dessas fontes que utiliza? As entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente.

Procedimentos de Coleta de Dados

O presente estudo refere-se a uma parte dos resultados de uma pesquisa mais ampla, cujo objetivo geral foi investigar as concepções de casais de pais primíparos sobre o desenvolvimento no primeiro ano de vida do bebê, enfatizando as fontes de informações parentais e como estas são avaliadas pelos pais de diferentes níveis instrucionais.

No início da coleta de dados, foram realizadas visitas às unidades de saúde da família, centros de referência em educação infantil, berçários, igrejas, bem como foram feitas divulgações em grupos on-line de pais e mães, com o intuito de obter indicações de participantes que possuíam os critérios para participar da pesquisa. Foram considerados também participantes indicados por pessoas que conheciam casais que se adequavam aos critérios. Após a aprovação do comitê de ética e pesquisa e em concordância com a Resolução 466/12 da CONEP/MS, os participantes expressaram seu consentimento livre e esclarecido por meio da assinatura do termo (TCLE) e responderam aos instrumentos.

Procedimentos de Análise de Dados

As entrevistas foram transcritas de forma literal, em seguida, foram realizados a leitura flutuante e o levantamento das respostas dos participantes, sendo utilizada a técnica de análise de conteúdo, conforme proposto por Bardin (1977/2011).

A partir dos instrumentos utilizados e da análise das informações apresentadas pelos relatos das mães e dos pais, foram criadas categorias temáticas, as quais não são excludentes, por considerar que os aspectos aqui abordados são elementos indissociáveis no processo de desenvolvimento infantil.

A análise dos dados sobre as fontes de informações que auxiliam na formação das concepções de mães e pais primíparos no primeiro ano de vida permitiu a organização de quatro categorias: 1) Fontes de informações utilizadas; 2) Tipos de informações buscadas; 3) Utilidade das informações; 4) Aspectos positivos e negativos das fontes de informações. As categorias serão expostas e discutidas na sequência. Os relatos dos participantes serão acompanhados da nomenclatura M (mãe) e P (pai), seguidos do número da entrevista e da idade do filho(a), conforme exemplo: (M1, 3 meses).

 

Resultados e Discussões

A partir das respostas dos participantes, foram levantados os meios que eles utilizam para adquirir informações sobre o processo de desenvolvimento de seus filhos. Os resultados indicaram que 96,2% (n=77) dos pais e mães entrevistados buscam ou recebem informações de profissionais de saúde; na segunda posição estão os sites na internet com 83,7% (n=67); em terceiro lugar estão os familiares com 82,5% (n=66); em seguida, os amigos com 60% (n=48); e grupos on-line (WhatsApp e Facebook) com 45% (n=37). Entre as fontes menos utilizadas estão os aplicativos com 36,2% (n=29), os blogs com 30% (n=24) e os livros e revistas com 18,7% (n=15), cada. É importante considerar que essas fontes de informações se inter-relacionam, ou seja, os pais e as mães entrevistados buscam se informar em várias dessas fontes, inclusive para confirmar, ou não, uma informação obtida.

De forma mais específica, entre os 'profissionais de saúde' citados estão: médicos, sendo a maioria deles pediatras das crianças; enfermeiros e técnicos de enfermagem, tanto os responsáveis pela aplicação das vacinas nos postos de saúde, quanto profissionais especializados em amamentação aos quais os participantes recorreram. A frequência das buscas ou dos recebimentos das informações é realizada mensalmente nas consultas periódicas de rotina ou por meio de ligações e do uso do aplicativo gratuito para a troca de mensagens (WhatsApp), nos quais os pais e as mães buscam informações ou tiram dúvidas, conforme podemos ver nas falas a seguir: "Ela [a pediatra] dá essa assistência no WhatsApp, mesmo a distância, quando a gente precisa, tira uma foto de alguma coisa que achou estranho e manda para ela, e ela dá esse retorno" (M3, 3 meses); "Eu tenho consulta mensal, mas sempre que eu necessito assim de alguma urgência ela [a pediatra] me responde no WhatsApp ou me atende no telefone" (M5, 3 meses).

A maioria dos casais afirmou ter um nível de confiança entre médio e alto nesses profissionais, como visto nos relatos a seguir: "A pediatra, eu confio mas às vezes eu nem dou o remédio que ela manda, porque eu não gosto de tomar remédio, então eu fico um pouco receosa de dar remédio a ele" (M17, 6 meses); "Confio no nosso pediatra, eu pesquisei sobre o currículo dele e ele tem um currículo muito bom. E as respostas que ele deu foram bastantes convincentes" (P10, 3 meses); "Eu confio nela 100% até agora, H. tem um ano de vida e ela nunca errou com ele" (M33, 12 meses). Um relato de uma mãe chama atenção por afirmar buscar informações extras às oferecidas pelo pediatra na consulta, tal como pode ser visto a seguir.

Eu confio nele, mas ao mesmo tempo eu não escuto tudo o que ele diz, primeiro porque eu tenho acesso a uma informação, então eu vou questionar. Tem coisa que eu acho que ele é muito antigo. Então eu vou tentando balancear a opinião dele com as minhas pesquisas, com a minha intuição" (M25, 9 meses).

Esses dados corroboram, embora num contexto diferente, com o estudo de Radey e Randolph (2009), que examinaram as fontes parentais que pais de um estado norte-americano usaram para obter informações sobre a criação de filhos. Os resultados do estudo indicaram que a maioria dos pais e mães recolhe informações de várias fontes (tanto profissionais, quanto não profissionais), a fim de triangular informações para tomar decisões que envolvem seus filhos.

Alguns casais expressam não confiar nos profissionais de saúde por diferentes motivos, tal como pode ser visto nos relatos a seguir: "A pediatra dele, que eu estou com ódio dela por sinal... Porque eu mando uma mensagem pra ela agora, ela visualiza daqui a 3 dias e ainda não responde" (M24, 9 meses);

Tem a pediatra, mas a gente tá passando por um momento agora que a gente procura, procura, e quando ela vê que é da Unimed ela fica tipo adiando, aí a gente tá até pra trocar de pediatra. Mas eu não confio 100% no que eles falam não" (P24, 9 meses).

É importante discutir questões como a segurança e a eficácia das informações recebidas por meio dos recursos não presenciais, tais como ligações ou conversas no aplicativo WhatsApp, ao se contatar um profissional de saúde, principalmente no que diz respeito a diagnósticos e ao uso de medicações para os bebês. Um outro ponto a ser observado seria a necessidade ou não de um posicionamento por parte dos profissionais de saúde quanto a uma resposta rápida para os questionamentos dos pais e mães, assim como dar diagnósticos e prognósticos por meio de fotos, por exemplo, sem ao menos ver a criança pessoalmente. Reconhece-se que esses recursos são valiosos e oportunos, principalmente em momentos de insegurança, desespero e angústia, em que os pais, especialmente os primíparos, precisam tomar uma decisão rápida, que pode ser decisiva para a saúde do bebê, porém ressalta-se que os mesmos devem ser usados com cautela.

No que se refere ao uso de 'sites' como fontes de informações, 83,7% de todos os participantes declaram fazer uso, sendo que, desse total, 48,7% (n=39) eram as mães e 35% (n=28) eram os pais. O site mais utilizado para a busca dessas informações é o babycenter.com (27 mães e 6 pais o utilizam); em segundo lugar está a ferramenta de pesquisas do Google; e em terceiro, a rede social Facebook, sendo que também foram citados o site da revista Crescer e a plataforma de vídeos YouTube.

A maioria dos pais e mães indicou ter um nível de confiança médio em relação às informações encontradas nos sites. O que apoia os resultados de Jang e Dworkin (2012), ao afirmarem que muitos dos pais que utilizam esses recursos expressam sua preocupação quanto à confiabilidade das informações fornecidas e buscam confirmá-las com especialistas. Isso indica que as comunidades virtuais podem aumentar a quantidade de conhecimento, mas não necessariamente a qualidade. Quanto à frequência de uso, as mães utilizam entre diariamente e semanalmente, e os pais, entre toda semana e todo mês, o que corrobora com outros estudos (Hall & Irvine, 2008; Jang & Dworkin, 2012; Jang & Dworkin, 2014; Madge & O'Connor, 2006; Plantin & Daneback, 2009), os quais afirmam que os homens estão envolvidos em atividades on-line em geral, aproximadamente toda semana, mas significativamente menos frequente para a parentalidade. A fala de um pai descreve a sua impressão do uso desses espaços on-line: "Eu procuro entrar em sites específicos da área. Eu não entro em blog, blog de mamãe, essas coisas. Apesar de ser para as mães, mas eu procuro pelo lado médico da coisa" (P8, 3 meses).

Segundo Radey e Randolph (2009), os pais e as mães diferem na forma como procuram os recursos parentais. Entre os fatores que influenciam essa busca estão o gênero, a idade, a raça, o estado civil e o nível educacional, que estariam diretamente relacionados com a variedade e a quantidade de recursos que os pais utilizam. O nível instrucional, por exemplo, está positivamente relacionado ao uso de recursos profissionais e de mídia.

Plantin e Daneback (2009) destacam que muitos dos sites sobre parentalidade ainda são tradicionalmente tendenciosos e orientados especificamente para as necessidades maternas. Para transpor essa barreira são necessários fóruns de discussões específicos que atendam às demandas do público masculino. O que corrobora com Madge e O'Connor (2006), que defendem que os homens devem também se sentir acolhidos nesses espaços, de modo que se sintam à vontade para compartilhar informações, experiências e tirar suas dúvidas.

Sobre esse tema, Bouche e Migeot (2008) e Dworkin, et al. (2012) já expunham que as mães são pesquisadoras mais propensas a fazer uso dos sites, especialmente durante a gravidez e os primeiros anos após o parto, procurando encontrar conselhos parentais e informações de saúde. Destaca-se a fala materna ao relatar a forma com que usa o site:

Tem uma dúvida? Pergunta isso aí no BabyCenter, bota do jeito que tu pensou que com certeza tem alguém que já perguntou isso, além de ter a reportagem, sempre vou muito nos comentários de outras mães sobre aquilo. ...o que é que você faz quando tá com gases, pesquisa rapidamente e a gente vai tentar as alternativas que foram dadas lá pra gente, as orientações (M3, 3 meses).

Quanto às falas paternas, destacam-se: "Eu boto no Google assim, "9 meses", aí tento ver o que naquela fase ele faz, entendeu? Quando ele tá doente eu boto "gripado 9 meses", eu boto o clima "gripado com clima chuvoso", eu procuro muito no Google" (P24, 9 meses). Alguns pais (17,5%, n=7) indicam que não pesquisam diretamente, mas recebem a informação da esposa, tal como pode ser observado nos trechos a seguir: "Eu não pesquiso, quem pesquisa mais é C. (esposa)" (P1, 3 meses);

Já vi sites mais por intermédio, isso que eu quero frisar. Tudo o que eu leio sobre a minha filha é a minha esposa que manda o link, que manda mensagem no WhatsApp, tudo o que eu vejo é através dela (P31, 12 meses).

É importante ter em mente que não necessariamente há um desinteresse por parte dos homens. Aspectos relacionados às questões culturais, principalmente sobre o papel da mãe nos cuidados com as crianças, ou por ser ela que geralmente é a cuidadora principal dos filhos, bem como a carga horária de trabalho do pai, podem indicar a falta de tempo para buscar informações sobre os filhos.

Quanto aos 'familiares', grande parte dos pais e mães entrevistados (82,5%) afirma buscar ou receber informações dos parentes, entre os quais estão as mais citadas pelas mães, as suas próprias mães, vindo em seguida as cunhadas, as irmãs e as tias, e as menos citadas, as sogras e as avós. Já entre os pais estão, além de suas esposas, as suas mães, logo após suas sogras, cunhados e irmãos. No que se refere ao nível de confiança nessas fontes, a maioria dos pais e mães tem um nível de confiança entre médio e alto. E no tocante à frequência, a maioria das mães busca ou recebe informações de familiares diariamente ou semanalmente e os pais, mais esporadicamente. Entre as falas que denotam essa categoria destacam-se:

Todos os familiares para dar um pitaco, ... aí a minha mãe que também fica "faça isso, não faça aquilo" ... Pra ela ..., cresceu, conseguiu sobreviver àquilo (risos) então qualquer pessoa vai sobreviver. ... muita coisa que ela fala assim, não bate com aquilo que eu tenho como perspectiva para o desenvolvimento dele, mas mesmo assim eu escuto muita coisa porque é a voz da experiência de quem me cuidou" (M3, 3 meses).

Há falas maternas e paternas, em que os participantes descrevem que não confiam nos familiares para receber informações acerca do desenvolvimento dos filhos, tais como podem ser vistas a seguir:

Todos os familiares, as avós, desde quando tem soluço botar linha vermelha na testa, se for azul não funciona. [...] Todo mundo dá essas informações, mas a gente tem muita cautela em aceitar elas. Meu nível de confiança é muito baixo (P3, 3 meses);

Eu tenho 35 anos, meu pai não pode dizer o que fez comigo vai querer que eu faça com meu filho também. ... Eu sei que tem coisa com certeza que ele fazia comigo que com certeza hoje não dá certo não" (P22, 9 meses);

"Não confio na minha sogra. Eu fico internamente dizendo que M. (filho) só vai ficar com ela sozinho quando ele fizer 18 anos (risos)" (M25, 9 meses).

Os resultados descritos acima corroboram, embora num contexto cultural diferente, com o estudo de Deave, et al., (2008) o qual identificou que o apoio recebido e disponível para as mulheres são: seus próprios pais e familiares, principalmente sua mãe (mas também foram citadas tias, avós e irmãs); amigos e colegas; profissionais de saúde e grupos de pré-natal e/ou pós-natal. Já os homens, no entanto, só mencionaram a sua própria parceira, seus colegas e profissionais de saúde como vias de apoio que estavam abertos para eles, apesar de neste estudo os pais citarem também suas sogras, cunhados e irmãos.

No que se refere à busca ou ao recebimento de informações por meio dos 'amigos', 37,5% das mães e 22,5% dos pais relataram que recorreram a essas fontes. Entre os amigos citados, destacam-se aqueles que tiveram filhos anteriormente, sendo que suas experiências servem de informações, o que corrobora com a pesquisa de Deave et al., (2008) que defendem que os amigos e colegas mais valorizados foram aqueles que passaram por experiências de parto recentemente ou que tinham experiência de acolhimento de crianças. Como pode ser visto nesta fala: "Tenho um casal de amigos que foi pai 6 meses antes da gente, eles foram dando [informações] desde a gravidez, o parto, até o primeiro mês. Eles nos ajudaram muito dizendo que aconteceu, o que precisava ter, já tá pronto" (P3, 3 meses).

Quanto aos 'grupos on-line', 45% dos participantes fazem uso para obter informações sobre o processo de desenvolvimento dos seus filhos, sendo a maior parte das mães (31 delas) do que dos pais (5 deles). Entre as plataformas utilizadas para inserção nesses grupos estão o WhatsApp e o Facebook. Os grupos de WhatsApp, exaustivamente citados pelas mães, compõem-se: de mães amigas que engravidaram na mesma época e têm bebês na mesma faixa etária; grupos de mães da academia; de mães da igreja; grupos de mães que foram atendidas pelas mesmas profissionais de enfermagem especializadas em aleitamento materno e cuidados com os bebês; de aspectos específicos da saúde, como alergias; mães de filhos alérgicos à proteína do leite de vaca; bazares de roupas e artigos infantis, entre outros. Os pais, por sua vez, indicaram, por exemplo, fazer parte de grupos no Facebook, tais como o Cantinho Pais e Filhos - JP.

César et al. (2018) destacam que nas páginas e grupos sobre maternidade do Facebook, as mães procuram também partilhar experiências e dúvidas, obter apoio e conselhos sobre parentalidade, saúde, amamentação, alimentação e educação, para além de entretenimento e interação com outras mães, o que contribui para o seu empoderamento neste papel, reduz os seus níveis de estresse e promove a sua qualidade de vida e bem-estar geral.

Para Mogul et al., (2017) as comunidades do Facebook são ferramentas importantes para as famílias, especialmente em casos de doença, porque essas condições são muitas vezes raras e, portanto, as famílias podem se sentir isoladas e interessadas em identificar outras pessoas com experiências e perguntas semelhantes. Para os autores, essas plataformas não estão obtendo todo o seu potencial para ajudar os pacientes a se comunicarem uns com os outros ou com um médico. Eles acreditam que existe uma oportunidade nesses espaços para que profissionais de saúde fortaleçam essas comunidades on-line, dando aos usuários maior acesso a conteúdos médicos precisos. Participar dessas comunidades cria novos desafios, especialmente no que diz respeito aos profissionais que prestam aconselhamento médico para indivíduos que não foram formalmente avaliados. Os autores propõem ainda que instituições acadêmicas e associações podem beneficiar os usuários dessa rede social, construindo ferramentas e permitindo que médicos e outros profissionais participem desses espaços.

Os resultados encontrados sobre os homens corroboram com outras pesquisas realizadas em países como Canadá e Estados Unidos (Hall & Irvine, 2008; He & Dworkin, 2015; Madge & O'Connor, 2006), ao constatar que eles estão sutilmente distanciados dos ambientes parentais on-line, havendo uma falta de envolvimento por parte dos pais como membros de grupos on-line, talvez por considerarem esses espaços dominados por mães, na verdade, poucos recursos parentais foram projetados para pais. Sobre os grupos em comunidades on-line, Hall e Irvine (2008) argumentam que os grupos parentais on-line fornecem informações que antecipam dificuldades de criação de filhos, compartilham estratégias, trocam conselhos, confirmam as abordagens que outras mães estavam usando, compartilham informações de livros e sites para obter informações.

Quanto ao uso de aplicativos (36,2%), blogs (30%), 'revistas' e 'livros' (18,7% cada), foram todos mais citados por mães do que por pais. A maioria dos blogs é composta de experiências de mães que compartilham seu dia a dia, suas dúvidas, suas dicas e estratégias para a criação dos filhos. Em relação aos aplicativos, a maioria dos pais e mães relatou ter usado com mais frequência durante o período da gravidez, mas alguns continuaram usando o do BabyCenter, que faz o acompanhamento do desenvolvimento do bebê, semana a semana. Os participantes apontaram o uso de algum aplicativo que ajuda na amamentação ou no sono, e ainda, o uso do aplicativo Instagram, uma rede social de fotos, em que os usuários podem compartilhar fotos e textos sobre temas variados. Nesta rede há vários perfis de mães, pais, pediatras, profissionais de saúde em geral, compartilhando seus conhecimentos e suas experiências. Em relação às revistas, os participantes indicaram utilizar tanto por meio de sua forma impressa, nos consultórios médicos, quanto de forma on-line, pelos seus sites, sendo que as mais citadas foram a Crescer e a Pais e Filhos. Os livros citados se referem àqueles que fazem o acompanhamento mensal do desenvolvimento infantil, sobre técnicas de sono ou sobre a criação dos filhos. Pais e mães também citaram utilizar artigos científicos, o YouTube, a caderneta de vacinação, a televisão e o próprio bebê como fontes de informação. Destaca-se a importância de os pais estarem atentos aos sinais apresentados pelo bebê, sendo que essas leituras são permeadas pelas concepções parentais.

Em relação à segunda categoria, os tipos de informações mais procurados por pais e mães são sobre a 'saúde do bebê': "Geralmente alguma coisa relacionada à saúde. Tipo se ela tá rouca, "bebê rouco", se ela tá com narizinho amarelo, ah, "nariz amarelo por que", essas coisas assim, tipo "cocô amarelo" (M3, 3 meses); "Geralmente, de amigos assim, quando é, diz respeito da saúde dele, a gente procura amigos que têm um filho que tem o mesmo problema" (P23, 9 meses). Em seguida, pais e mães buscam informações sobre a alimentação, encontradas nas falas maternas e paternas, tal como: "Eu procuro informações sobre alimentação, questão de higienização dos alimentos, como o leite materno, como guardar ele, como esterilizar, como descongelar" (P3, 3 meses). Outros tipos de informações buscadas são sobre as 'aquisições de habilidades': "A minha preocupação dele não engatinhar, então já pesquisei "crianças com 9 meses, alguns já engatinham ou não" tem uns que já andam até, outras não, isso me tranquiliza mais um pouco porque eu vejo outras experiências" (M24, 9 meses). Os pais e mães também recorrem às fontes de informações para tirar dúvidas ou adquirir conhecimentos acerca dos 'cuidados e rotinas com o bebê': "Uso de chupetas, dedo, chupar dedo, mamadeira não porque ele ainda não tá usando" (M6, 3 meses); "Cuidados em casa, como deixar o bebê sozinho pra não botar dedo na tomada, pra evitar possíveis acidentes" (P31, 12 meses).

Os resultados acima corroboram com a pesquisa de Hall e Irvine (2008), ao afirmarem que as áreas de informações mais comuns foram: o sono infantil, a nutrição e alimentação, a segurança, o apego, o temperamento, a dentição, entre outras. Para as autoras, a comunicação entre as mulheres de sua pesquisa era uma mistura de suas estratégias e informações que tinham se embasado na leitura, visitas de sites ou de seus profissionais.

Na terceira categoria, foi investigada qual a utilidade das informações e de que maneira elas interferem nas suas práticas cotidianas. Os participantes revelaram que as informações buscadas ou recebidas ajudam na 'comparação de informações, através da possibilidade de utilizar multiplataformas' (23,75%): "São úteis assim, eu vejo de vários locais, em várias fontes, vários comentários. Aí pesquiso nos sites, mas mesmo assim eu pergunto em um dos grupos, eu pergunto no WhatsApp e pergunto a médica" (M3, 3 meses). São úteis também pois as informações 'auxiliam na autonomia, nas tomadas ou mudanças de decisões das práticas diárias' (21,2%): "O que confio eu faço, ... nem sempre você tem que tá ligando pra médico, nem sempre o médico vai responder, então ajuda demais. Tipo eu quero fazer alguma coisa, aí vou lá e vejo, comida saudável, faço e dou" (M21, 9 meses). Ajudam também na 'preparação para as próximas do desenvolvimento da criança' (10%).

Kowalski et al. (2006) ressaltam a importância de que as famílias obtenham informações para ajudá-los a assumirem seu papel parental, dando-lhes uma sensação de envolvimento e controle, assim como diminuindo os sentimentos de estresse, auxiliando-os a lidarem com o medo e a incerteza das situações diárias.

Desse modo, reconhece-se que os pais e as mães buscam informações e as confirmam com fontes profissionais e não profissionais, bem como por meio de recursos presenciais ou on-line, complementando o seu repertório de conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil e influenciando diretamente as suas concepções parentais. Nesse processo de inter-relação entre as fontes, eles desenvolvem a habilidade de letramento informacional, ao localizar, selecionar, organizar e tomar decisões referentes aos seus filhos.

Por fim, a última categoria apontou os pontos positivos e negativos das fontes de informações utilizadas. Os pais e as mães responderam que os 'aspectos positivos' são: a aquisição de conhecimento (43,7%); o auxílio para tirar dúvidas quando necessário (27,5%); a facilidade, praticidade de adquirir informações rapidamente (16,2%). Em relação aos 'aspectos negativos' referentes ao uso dessas fontes estão: falta de confiança nas informações (36,2%); excesso de padronização das informações (32,5%); e 12,5% dos participantes não veem pontos negativos em relação às fontes de informações que utilizam. Quanto aos aspectos positivos, destaca-se o trecho:

...Muitas vezes você se depara com profissionais excelentes mas é uma pessoa ... com pensamento arcaico, hoje em dia tem tanta coisa nova, ... mais evoluída, então de repente você deixa de oferecer a seu filho um monte de coisa porque você tá seguindo um profissional, porque você não tem informação. ... Acho importante a disseminação, é empoderamento no final das contas dos pais como um todo (M25, 9 meses).

Alguns estudos (Hall & Irvine, 2008; Madge & O'Connor, 2006) defendem que as mães podem usar a internet para questionar as narrativas dos especialistas sobre a maternidade, podendo rever os tratamentos médicos das crianças ou desenvolver confiança com outras fontes, utilizando informações da internet. Autores como Bouche e Migeot (2008) chamam atenção para o fato de que os indivíduos estão cada vez mais envolvidos na gestão de sua saúde e de seus parentes próximos, o que gera esse empoderamento. Assim, usar a internet para buscar informações sobre a saúde é uma forma de se envolver ativamente, embora reconheça-se a necessidade de confirmar as informações encontradas on-line com profissionais de saúde especializados.

 

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo investigar as fontes de informações que contribuem para a formação das concepções parentais sobre o desenvolvimento infantil. Por meio dos resultados encontrados, pode-se compreender o modo como as fontes de informações tradicionais se intercalam com as fontes contemporâneas ligadas às mudanças culturais ocorridas com o aumento ao acesso à internet e às novas tecnologias. Entre as contribuições da pesquisa, está a apreensão de como se configuram as fontes de informações que auxiliam o início da parentalidade. Embora deva ser considerado que uma parte relevante dos pais tenha feito uso das TCIs para buscar informações, a maior parte dos casais busca profissionais e familiares para preencher as lacunas de suas informações, indicando que as fontes de informações on-line são utilizadas como complementares aos serviços de saúde e às informações vindas de seus familiares e não como uma substituição, quer seja para confirmar a informação de um especialista, quer seja para conhecer outro ponto de vista.

Uma potencialidade do estudo foi ter entrevistado pais e mães, e não somente mães, como a maioria dos estudos sobre desenvolvimento infantil. O que contribui para reflexões e propostas de ação que envolvam uma melhor forma de fornecer informações aos pais, de modo que eles se sintam acolhidos e possam se envolver mais no processo de busca de informações parentais. Embora saibamos que as questões culturais de gênero perpassam os comportamentos de busca desses pais e mães, foi possível perceber neste estudo que os pais se fazem presentes nestes espaços, que tipo de informação estão buscando e onde eles buscam.

As informações mais buscadas ou recebidas pelos pais giraram em torno da saúde dos bebês, dos cuidados e da rotina com eles, da alimentação e das aquisições de habilidades. Pais e mães admitiram que os recursos utilizados para adquirir informações auxiliam na sua autonomia e nas tomadas de decisões; na solução de problemas; na comparação de informações, por meio do uso de multiplataformas; assim como na preparação para as próximas fases do desenvolvimento.

Os resultados são relevantes para profissionais que lidam diretamente com o processo de transição para a parentalidade, pois fornecem subsídios que contribuem para a elaboração de ações de orientação parental nesse período de aprendizado e adaptação. Destacam-se as novas concepções sobre o papel do pai, que buscam informações sobre o bebê durante todo o processo de transição para a parentalidade, fazendo uso dessas novas tecnologias. Apesar de assumir que tais mudanças no papel paterno são reconhecidamente positivas, ainda há uma predominância na responsabilização do papel materno, tanto na busca de informações quanto nas funções parentais cotidianas.

Deve-se considerar, por fim, que o nível educacional das mães participantes, a maioria com nível superior completo, influenciou os dados obtidos. Sugere-se que futuros estudos sobre esse tema sejam realizados com pais e mães de diferentes níveis de escolaridade, de crianças com o desenvolvimento atípico e em diferentes regiões do país, em cidades com maior ou menor densidade demográfica.

 

Referências

Abreu, L. M. R. (2009). Transição para a parentalidade: estudo comparativo entre mulheres e homens primíparos (Dissertação de Mestrado). Recuperada de: http://hdl.handle.net/10400.12/4110.         [ Links ]

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70. (Trabalho original publicado em 1977).         [ Links ]

Bouche, G., & Migeot, V. (2008). Parental use of the Internet to seek health information and primary care utilisation for their child: a cross-sectional study. BMC Public Health, 8(1). 1-9. https://doi.org/10.1186/1471-2458-8-300.         [ Links ]

César, F., Oliveira, A., & Fontaine, A.-M. (2018). Modelos sociais de maternidade difundidos em páginas e grupos do Facebook em Portugal. Análise Psicológica, 36(1), 47-59. https://doi.org/10.14417/ap.1333.         [ Links ]

Deave, T., Johnson, D., & Ingram, J. (2008). Transition to parenthood: the needs of parents in pregnancy and early parenthood. BMC Pregnancy and Childbirth, 8(1), 30. http://doi.org/10.1186/1471-2393-8-30.         [ Links ]

Dworkin, J., Walker, S., Connell, J., & Doty, J. (2012). Parenting 2.0 summary report: Parents' use of technology and the Internet. Recuperado de: http://www.cehd.umn.edu/fsos/projects/parent20/pdf/p20summaryreport-may2012.pdf.         [ Links ]

Fernandes, S. (2013). Transição para a Maternidade-Contributo dos Recursos de Informação para o Desenvolvimento das Competências Parentais (Dissertação de Mestrado). Recuperada de: https://core.ac.uk/download/pdf/143396383.pdf.         [ Links ]

Gasque, K. C. G. D. (2016). Internet, mídias sociais e as unidades de informação: foco no ensino-aprendizagem. Brazilian Journal of Information Studies: Research Trends. 10(2), 14-20.         [ Links ]

Hall, W., & Irvine V. (2008). E-communication among mothers of infants and toddlers in a community-based cohort: a content analysis. Journal of Advanced Nursing 65(1), 175-183. http://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2008.04856.x.         [ Links ]

He, Y., & Dworkin, J. (2015). Cyber Dads: What Are Fathers Doing Online? Fathering, 13(3), 219-230.         [ Links ]

Jang, J., & Dworkin, J. (2012). Babycenter.com: New parent behavior in an online community. The Forum for Family and Consumer Issues, 17(2). Recuperado de: https://projects.ncsu.edu/ffci/publications/2012/v17-n2-2012-summer-fall/jang-dworkin.php.         [ Links ]

Jang, J., & Dworkin, J. (2014). Does social network site use matter for mothers? Implications for bonding and bridging capital. Computers in Human Behavior, 35, 489-495. https://doi.org/10.1016/j.chb.2014.02.049.         [ Links ]

Jang, J., Dworkin, J., & Hessel, H. (2015). Mothers' Use of Information and Communication Technologies for Information Seeking. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 18(4), 221-227. https://doi.org/10.1089/cyber.2014.0533.         [ Links ]

Juliano, M. C. C., & Yunes, M. A. M. (2014). Reflexões sobre rede de apoio social como mecanismo de proteção e promoção de resiliência. Ambient Soc, 17(3), 135-54.         [ Links ]

Kowalski, W. J., Leef, K. H., Mackley, A., Spear, M. L., & Paul, D. A. (2006). Communicating with parents of premature infants: who is the informant? Journal of perinatology, 26(1), 44-48.         [ Links ]

Lopes, R. C. S., Prochnow, L. P., & Piccinini, C. A. (2010). A relação da mãe com suas figuras de apoio femininas e os sentimentos em relação à maternidade. Psicologia Em Estudo, 15(2), 295-304.         [ Links ]

Madge, C., & O'Connor, H. (2006). Parenting gone wired: Empowerment of new mothers on the internet? Social & Cultural Geography, 7(2), 199-220.         [ Links ]

Martins, C. A., Abreu, W. J. C. P. D., & Figueiredo, M. do C. A. B. D. (2017). Tornar-se Pai ou Mãe: O desenvolvimento do processo parental. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, 6(4), 146. https://doi.org/10.21664/2238-8869.2017v6i4.p146-161.         [ Links ]

Miguel, I., Valentim, J. P., & Carugati, F. (2009). Parental ideas and their role in childrearing: The idea-behavior connection. Italian Journal of Sociology of Education, 3, 225-253.         [ Links ]

Mogul D.B., Nagy P.G., & Bridges J.P. (2017). Building stronger on-line communities through the creation of Facebook-integrated health applications. JAMA Pediatrics, 171(10), 933-934. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2017.2300.         [ Links ]

Moreno M.A. (2017). Seeking health information on-line. JAMA Pediatrics, 171(5), 500. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2016.3109.         [ Links ]

Nunes, L. D. L., & Salomão, N. M. R. (2016). O bebê aos três meses: concepções de pais e mães. Psicologia em Estudo, 21(2), 245-255. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v21i2.29197.         [ Links ]

Plantin, L., & Daneback, K. (2009). Parenthood, information and support on the internet. A literature review of research on parents and professionals online. BMC Family Practice, 10(1). https://doi.org/10.1186/1471-2296-10-34.         [ Links ]

Radey, M., & Randolph, K. A. (2009). Parenting sources: How do parents differ in their efforts to learn about parenting? Family Relations, 58(5), 536-548.         [ Links ]

Rogoff, B. (2005) A natureza cultural do Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Schuster, M. A., Duan, N., Regalado, M., & Klein, D. J (2000). Anticipatory Guidance: What information do parents receive? What information do they want? Archives Pediatrics and Adolescent Medicine, 154, 1191-1198.         [ Links ]

Vieira, V., Vieira, M. L., & Prado, A. B. (2011). Apoio social: percepção materna em contextos com diferentes graus de urbanização. Estudos de Psicologia, 16(3), 209-217.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 18/12/2018.
Aprovado em: 30/1/2020.

 

 

1 (https://datareportal.com/reports/digital-2019-brazil, recuperado em 22 de janeiro de 2020).

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons