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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.1 Florianópolis jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Construção e validação de uma escala de medida de clima organizacional

 

Construction and validation of an organizational climate scale

 

 

Maria do Carmo Fernandes MartinsI; Beatriz de OliveiraII; Carliene Freitas da SilvaII; Keila Cristina PereiraII; Marília Rabelo de SousaII

IDoutora pelo Instituto de Psicologia, Universidade de Brasilia, professora da Universidade Federal de Uberlândia (mcfmartins@triang.com.br)
IIPsicólogas graduadas pelo curso de Psicologia da Faculdade de Psicologiada Universidade Federal de Uberlândia

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi construir um instrumento de medida para identificar as dimensões componentes do clima organizacional. Foram construídos 127 itens que cobriram aspectos do construto identificados na literatura, conforme padrões psicométricos, que foram submetidos a uma amostra de 1244 trabalhadores de empresas públicas e privadas de Minas Gerais. Os dados foram submetidos à análise dos componentes principais com rotação Varimax. Os resultados mostraram que a escala era composta por 63 itens com cargas fatoriais maiores ou iguais a 0,40 media cinco componentes com valores próprios maiores do que 1,5 e consistência interna entre 0,78 e 0,92, que explicaram 34,8% da variância total: apoio da chefia e da organização, recompensa, conforto fisico, controle/pressão do trabalho e coesão. Os resultados confirmaram parcialmente a estrutura apontada por estudos anteriores, com os quais foram comparados. Implicações das conclusões foram discutidas à luz dos achados da literatura da área.

Palavras-chave: clima organizacional; escala de medida de clima organizacional; validação fatorial.


ABSTRACT

The objective ofthis study was constructing an instrument of measurement and to identify the components of organizational climate. A set of 127 items was constructed in order to cover ali aspects of construct that was identified at the literature and in accordance psychometric standards. A total of 1244 workers of public companies and private had answered to the questionnaire. The data was submitted to component analysis with Varimax rotation. The results revealed five factors or components composed by 63 items with loads bigger or equal 0,40. The eigenvalues were bigger or equal 1,5 and reliability among 0,78 and 0,92. The five components explicated 34,8% ofthe total variance. The components called "support ofleader and organization", "reward", "physical comfort", "control/pressure of work" and "cohesion among peers". The results partly confirmed structure pointed on previous studies. The implications of conclusions were discussed by confrontation of the findings of the literature of the area.

Keywords: organizational climate; organizational climate scale; factorial validation.


 

 

1. Introdução

O termo "clima organizacional" sempre foi utilizado para referir as influências do ambiente interno de trabalho sobre o comportamento humano. Entretanto, apesar dos vários anos de estudo sobre o assunto, a definição do construto permanece pouco delimitada (Martins, 2000). Na busca de um melhor conhecimento da dinâmica da vida organizacional, é importante determinar como indivíduos expostos a uma ampla série de estimulos tem percepções similares e atribuem significados semelhantes a aspectos importantes da vida organizacional que comporiam, segundo Schneider e Reichers (1983), a base do clima organizacional. A idéia de que grupos e organizações possuem um clima ou uma cultura remonta à formulação de Lewin Lippitt e White (1939) do comportamento humano como produto das características da pessoa e de seu ambiente psicológico (Glick 1985). Com o passar dos anos, os estudos, além de demonstrarem a preocupação com o ambiente psicológico, têm demonstrado preocupação também com as influências sociais, situacionais e organizacionais no comportamento do ser humano (Payne e Pugh, 1976; Glick, 1985).

Em estudo de 1985, Schneider relata que, àquela data, poucos eram os pesquisadores que estudavam esse construto. Clima organizacional era um termo citado somente por autores interessados na qualidade de vida no trabalho (Toro, 2001; Martins, 2000). Todavia, na década de noventa, 'clima' foi muito. pesquisado em instituições escolares (Toro, 2001), em hospitais, em organizações financeiras e em organizações em geral (Tamayo, 1999). Esses estudos utilizavam métodos de coleta de dados qualitativo e quantitativo (Alvarez, 1992).

Uma das confusões conceituals do construto de clima organizacional refere-se ao foco de pesquisa. Alguns teóricos preocupados com as percepções individuais voltam seus estudos para clima psicológico, enquanto aqueles preocupados com a organização focahzam clima organizacional. A diferença entre esses dois construtos tem sido um grande problema para a área. Evidentemente, a organização é a unidade básica de teoria nas pesquisas sobre clima organizacional. A distinção entre clima psicológico e clima organizacional faz com que os estudiosos reconheçam que existem diferentes unidades teóricas para ambos os construtos. Enquanto clima organizacional parece ser constituído por elementos cognitivos, clima psicológico parece constituir-se de elementos afetivos. Autores como James e Jones (1974) e Schneider e Reichers (1983) distinguem os termos, conceituando clima psicológico como o significado da ligação individual no contexto de trabalho e clima organizacional como significados partilhados por pessoas, ligados a um aspecto particular do trabalho. O enfoque em cada uma ou em algumas dessas unidades depende do ponto de vista do pesquisador. Todavia, como a percepção de clima organizacional depende também das interações entre os indivíduos, parece não ser possível reduzir o construto a uma só unidade de análise (Martins, 2000). Tamanha confusão acerca do construto fez com que Glick (1985) questionasse a utilidade e as contribuições do construto de clima organizacional para o estudo do comportamento organizacional. O próprio Glick (1985: 606) concluiu que ambos os conceitos são "categorias úteis de variáveis para avaliações multidimensionais das relações entre os indivíduos e as organizações". O problema da confusão conceitual entre ambos os termos pode ser contornado com a elaboração cuidadosa dos itens do instrumento de medida de clima organizacional, que devem ser voltados para a descrição de características da organização.

Outra confusão refere-se à superposição do conceito de clima com outros construtos, tais como satisfação e cultura. O construto de satisfação é eminentemente de natureza afetiva, por tratar-se de uma atitude do homem para com o seu trabalho (Martins, 1984; Tamayo, 1999; Briep e Weiss, 2002). Para Brief e Weiss (2002), satisfação é definida como 'Julgamento avaliativo, positivo ou negativo, que o trabalhador faz sobre seu trabalho ou situação de trabalho" (p. 6). Neste contexto, o afeto é estudado como um componente (Organ, 1988) ou como causa da satisfação (Weiss e Cropanzano, 1996). A distinção entre satisfação e clima deve-se principalmente à forma dos instrumentos de mensuração. Enquanto na avaliação de satisfação se verifica o quanto o funcionário "gosta ou não" de determinados aspectos do ambiente organizacional, em clima organizacional verifica-se a percepção, a descrição da ausência ou presença destes aspectos e sua adequação. Portanto, enquanto clima organizacional é uma variável de natureza cognitiva, satisfação no trabalho é de natureza afetiva (Tamayo, 1999; Martins, 2000).

Os conceitos de clima e cultura organizacional também foram tratados como similares (por ex., em Katz e Khan, 1966). A evolução dos estudos mostra uma distinção nítida entre os construtos. Eles utilizam métodos de pesquisa diferentes. Enquanto os estudos sobre cultura apelam para métodos mais qualitativos e para o estudo de casos, pesquisadores de clima utilizam com mais freqüência os "surveys". Estudiosos de cultura organizacional atentam mais para a compilação de dados e para as "nuances de sua etnometodologia" (Schneider, 1985: 596), enquanto os estudiosos de clima possuem uma tradição mais psicométrica. Para Schneider (1985), cultura é um construto muito mais profundo do que clima. Clima está relacionado às percepções e interpretações comuns das dimensões das atividades, do ambiente e das políticas que caracterizam a organização (Brown e Leigh, 1996; Tamayo, 1999; Martins, 2000). Cultura está mais voltada para a compreensão e para o compartilhamento do sistema de normas e de valores que dão origem às políticas e às atividades da organização e para os modos através dos quais eles são comunicados e transmitidos (Schneider, 1975; Schneider, 1985; Martins, 2000). Desta forma, cultura seria formada por padrões de referência criados por um dado grupo que influenciarão o modo de perceber, pensar e sentir dos membros deste grupo.

Clima organizacional envolve alguns elementos da cultura, mas é mais superficial e opera somente no nível de atitudes e valores. Pode-se afirmar que clima é parte da cultura, e diz respeito ao nível que pode ser experimentado de modo mais imediato (Tamayo, 1999). Toro (2001) constatou que a cultura é uma condição antecedente mais geral, e que melhor engloba e determina as demais realidades da Empresa. Ela inspira as filosofias gerenciais e as práticas administrativas. Estas, por sua vez, moldam o clima organizacional interno. Uma mesma organização pode possuir vários climas em setores diferentes. O clima da organização seria, assim, uma média dos climas setoriais. Clima organizacional afeta de maneira muito significativa a motivação e a satisfação dos trabalhadores para com o trabalho, e os efeitos dessa relação funcionam como importantes reguladores da produtividade dos funcionários e da Empresa como um todo (Toro, 2001). Tamayo (1999), citando Schein (1985), afirma que cultura é formada por elementos organizados hierarquicamente em três níveis: o primeiro, o dos pressupostos básicos; um segundo, mais superficial, dos valores; e um terceiro, ainda mais visível, em que se encontraria o clima, que é a percepção da cultura.

Clima organizacional consiste, segundo Toro (2001), "em percepções compartilhadas que os membros desenvolvem através das suas relações com as políticas, práticas e procedimentos organizacionais tanto formais quanto informais", (p.33).Essas percepções compartilhadas possuem valor estratégico, pois alimentam a formação de juízos/opiniões acerca da realidade de trabalho. Os juízos, por sua vez, determinam as ações, reações e decisões das pessoas. Os indivíduos respondem e atuam em sua realidade de trabalho percebida, influenciada por suas crenças a respeito da realidade e não pela realidade objetiva. Como o indivíduo se comporta com base naquilo que percebe, diagnosticar clima organizacional é um importante meio para avaliar o comportamento humano no trabalho.

Clima organizacional é um construto de fundamental importância para a compreensão do modo como o contexto do trabalho afeta o comportamento e as atitudes das pessoas no trabalho, sua qualidade de vida e o desempenho da organização. Por isso, e dada a inconclusão dos estudos, precisa ser mais investigado. Um melhor conhecimento desse construto poderia colaborar para a melhoria da qualidade de vida do homem no trabalho, para a otimização do desempenho das organizações e para o esclarecimento das relações entre este e outras variáveis do comportamento organizacional. O construto tem-se mostrado multidimensional em estudos que objetivavam investigar sua estrutura fatorial, assunto que será tratado mais adiante, no tópico sobre medidas.

1.1 Clima organizacional: variável antecedente ou conseqüente?

Clima Organizacional, por ser um construto complexo e por ser uma variável sobre a qual os resultados são inconclusivos, tem sido estudado como causa (variável antecedente) (Souza, 1992; Silver; Poulin e Manning, 1997), como efeito (variável conseqüente) (Toulson e Smith, 1994), ou como condição intermediária (variável interveniente ou moderadora). Todavia, a maior parte dos estudos sobre clima preocupa-se com a sua composição.

Segundo Alvarez (1992), as investigações sobre o assunto podem ser classificadas em três categorias, tomando como referência os tipos de variáveis utilizadas. Alguns autores estudam clima como variável independente Nesses estudos, enfoca-se a maneira pela qual os membros da organização percebem que clima pode influenciar sua satisfação e seu rendimento. Para outros, clima organizacional é uma variável interveniente ou interposta, funcionando como um conector de dimensões como a estrutura organizacional, a satisfação ou o rendimento. Clima aparece ainda como variável dependente em alguns estudos que relacionam o quanto a estrutura organizacional (Souza, 1983), os programas de treinamento e as características pessoais dos trabalhadores têm efeitos sobre a maneira como os membros da organização percebem o clima organizacional.

Por vezes, os antecedentes de clima são confundidos com os seus componentes. Segundo Tamayo (1999), fatores como comunicação e liderança são exemplos dessa confusão. Para este autor, os antecedentes de clima mais comumente apontados no nível individual são os valores pessoais (desejo de clareza, harmonia e justiça; desejo de desafios, independência e responsabilidade, desejo de facilitação do trabalho, suporte e reconhecimento e desejo de relacionamento social amistoso e caloroso) e as características de personalidade. No nível da organização, a estrutura organizacional aparece como um dos principais antecedentes (Bastien, Mcphee e Bolton, 1995; Tamayo, 1999; Toro, 2001), sendo composta, segundo Tamayo, por sete dimensões: "1) hierarquias e linhas de staff; 2) número de níveis organizacionais; 3) tamanho da organização; 4) tamanho da subunidade; 5) abrangência do controle; 6) grau de centralização; e 7) grau de hierarquização" (1999: 253). Outros dois antecedentes principais são o tamanho da organização e a integração com a equipe de trabalho (Drexler, 1977).

Os estudos têm demonstrado que clima pode se comportar como variável de qualquer das categorias acima citadas. Há que se ressaltar, todavia, que estudos sobre o assunto ainda são inconclusivos.

1.2 A medida de clima organizacional

Duas vertentes metodológicas têm sido utilizadas para o estudo e avaliação do clima organizacional (Toro, 200 I): uma quantitativa, e a outra, qualitativa. Em ambas as abordagens, a maioria dos estudos na área do comportamento organizacional têm medido clima a partir da percepção do trabalhador. As escalas, instrumentos de medida mais estruturados, permitem o acesso a um número maior de aspectos de natureza muito importante. Por outro lado, existem diferentes tipos de entrevistas que podem ser empregadas no estudo de clima, como entrevistas dirigidas, não dirigidas, individuais, grupais e centradas em algumas dimensões, que proporcionam informações de tipo qualitativo. Os instrumentos qualitativos permitem alcançar níveis importantes de detalhe e profundidade que não são conseguidos com os instrumentos psicométricos, enquanto esses últimos são validados e têm seus índices de fidedignidade estabelecidos, o que possibilita a identificação do que realmente medem e os torna mais confiáveis. Assim sendo, os métodos qualitativos poderiam ser úteis para aprofundar características do clima organizacional identificadas pelos instrumentos psicométricos.

A medida do clima organizacional é uma questão ainda insuficientemente abordada na literatura, talvez não por falta de estudos, mas em razão de conclusões pouco convergentes. Em função da longa indefinição do conceito de clima organizacional, das dimensões que o compõe e da influência da dinâmica singular de cada organização na percepção do clima, há dificuldades em se criar instrumentos adequados para medi-lo e em identificar o conjunto de aspectos que o compõem. Tamayo (1999) defende que, em função das características únicas de cada cultura organizacional, a medida do clima tem de ser desenvolvida para cada organização em particular, porque seria inviável a identificação de uma estrutura única deste construto.

Em outros estudos identificados na literatura da área (Friedlander e Magulies, 1969; Payne e Pheysey, 1971; House e Rizzo, 1972; Hellriegel e Slocum, 1974; Laffollet, 1975; Toro, 2001) são encontrados vários instrumentos fatoriais. Porém, dada a falta de consenso sobre as dimensões que compõem o clima, esses instrumentos não podem ser generalizados e aplicados a diferentes organizações. Pritchard e Karasick (1973) propuseram que escalas de medida de clima organizacional deveriam sempre envolver as seguintes dimensões para que pudessem ser aplicáveis a qualquer organização: estrutura das tarefas, relação entre recompensa-punição, centralização das decisões, ênfase nos resultados, ênfase no treinamento e desenvolvimento, segurança e riscos, abertura e defesa, status, motivação, reconhecimento e feedback, competência e flexibilidade da organização em geral. Friedlander e Magulies (1969), num estudo do clima de hospitais utilizando a escala de Halpin e Croft (1962), identificaram oito dimensões fidedignas de clima: falta de envolvimento, rotina, moral, amizade, distância entre superior e empregado, controle, suporte (apoio) do chefe e consideração Payne e Pheysey (1971) construíram uma escala para medir clima organizacional de empresas e testaram a sua validade discriminante. Identificaram seis dimensões amplas: autoridade, restrição, interesse pelo trabalho, relações interpessoais, rotma e onentação para a comunidade - subdivididas em vinte e quatro aspectos (ver Quadro 1). Não há relato de validação fatonal para as escalas acima descritas. Schneider e Bartlett (1970) construíram e validaram fatorialmente uma outra escala para medir clima e identificaram seis fatores: suporte administrativo, estrutura administrativa, consideração para com os empregados, independência do trabalho, conflitos internos e contato com supervisores. Litwin e Stringer (1968) construíram uma escala que posteriormente, foi validada fatorialmente por Lafollette e Silms (1975), que identificaram seis fatores: relacionamento afetivo com colegas, liderança, clareza das políticas e promoções, pressões no trabalho e padrões de desempenho, comunicação e risco na tomada de decisão. Em 1978, Kolb, Rubm e McIntyre identificaram sete fatores na escala de Litwin e Stringer, alguns bastante semelhantes aos identificados por Lafollette e Sims: conformidade com normas, responsabilidade, padrões de desempenho, recompensas, clareza organizacional, apoio supporte calor humano e liderança.

 

 

Moos, Insel e Humphrey (1974) construíram e validaram um instrumento composto por dez aspectos, reunidos em três dimensões amplas com um total de 90 (noventa) itens: relacionamento (envolvimento, coesão e apoio dos supervisores); desenvolvimento pessoal (autonomia, orientação das tarefas e pressão do trabalho); manutenção e mudanças (clareza, controle, inovação e conforto fisico). O instrumento de Balboa (1992) foi avaliado semanticamente por especialistas; teve seus itens selecionados com base na correlação bisserial de pontos, e os cálculos do alfa de Cronbach apontaram boa consistência interna, embora não tenha sido submetido à análise fatorial. O autor afirma que os itens estão reunidos em quatro aspectos: comunicação e interação, autoridade e liderança, controle e supervisão e motivação para o trabalho.

Toro (2001) construiu e validou a ECO - Escala de Clima Organizacional - utilizando amostra de 18.363 empregados de 41 empresas colombianas. Através de análise fatorial e análise fatorial confirmatória, encontrou 8 fatores, que reuniam 49 itens, com índices de fidedignidade entre 0,88 e 0,91: relações interpessoais, estilo de direção, sentimento de inclusão, retribuição, disponibilidade de recursos, estabilidade, clareza e coerência de direção e valores coletivos.

No Brasil, Leitão (1994), ao estudar os índices de fidedignidade da escala de Moos e colaboradores (1974), encontrou índices de consistência interna insatisfatórios, variando entre 0,53 e 0,76, para as dez sub-escalas. Em outro estudo, Tamayo (1999) construiu e validou fatorialmente outra Escala de Clima Organizacional, composta por sete fatores: liderança organizacional, comprometimento, segurança no trabalho, ambiente de trabalho, mudanças sem rumo certo, valorização do empregado e treinamento. Para a construção dos 141 itens iniciais, partiu da literatura internacional sobre o assunto e de um levantamento feito junto aos empregados de uma empresa brasileira, objetivando identificar os componentes do clima naquela organização. Tamayo defende que os fatores identificados em cada organização são específicos, e que por isso os fatores componentes do construto não podem ser universais. Todavia, nos vários estudos identificados neste trabalho, pode-se constatar o que se poderia chamar de base comum do clima organizacional, formada por um conjunto de fatores que aparecem em diversos estudos realizados em diferentes organizações e em países diversos. Aspectos relacionados ao estilo de liderança, ao apoio (support)do chefe e/ou da organização, assim como relacionamento entre colegas, clareza da tarefa, pressão e controle, parecem ser alguns desses fatores comuns aos estudos aqui relacionados.

Devido à importância do conceito para o conhecimento do funcionamento organizacional, à inconclusão dos resultados e à carência de instrumentos para o seu diagnóstico, o objetivo deste trabalho foi construir e validar uma escala de clima organizacional, identificando a estrutura empírica do construto em várias empresas, através da análise dos componentes principais. O seu objetivo secundário foi comparar a estrutura identificada com aquelas detectadas em outros estudos aqui citados.

 

2. Método

2.1 A construção do instrumento de medida

A partir da literatura internacional, foram identificados doze aspectos mais comumente citados como componentes de clima organizacional: comunicação, envolvimento, coesão, suporte ou apoio do supervisor, recompensa, autonomia, orientação das tarefas, pressão no trabalho, clareza das tarefas, controle, inovação e conforto físico. Cada aspecto foi definido operacionalmente, e essas definições foram submetidas à apreciação de quarenta alunos - os quais haviam estudado vários textos sobre clima organizacional numa disciplina de um curso de graduação em psicologia -, para que eles indicassem comportamentos representativos de cada aspecto. Respeitando-se os critérios fundamentais para a elaboração de itens (Pasquali, 1999), foram elaborados um total de 8 a 12 itens por aspecto, totalizando 127. Esses itens foram respondidos numa escala de 5 pontos, sendo que o valor 1 correspondia a "discordo totalmente" e o 5 a "concordo totalmente".

2.2 Análise teórica dos itens

Segundo Fukuda e Pasquali (2002), a análise teórica dos itens "consiste em obter a opinião de especialistas" (p. 4) sobre o assunto para verificar se eles representam de maneira adequada os construtos; consiste ainda na análise semântica, em que membros da população para a qual o instrumento será utilizado opinam sobre a sua compreensão. Por isso, o conjunto dos itens foi apresentado a dois professores pesquisadores da área de comportamento organizacional, para que fossem por eles alocados nos 12 aspectos operacionalmente definidos. As suas sugestões foram acatadas, e algumas modificações no enunciado dos itens foram feitas. A clareza dos itens foi testada com um grupo de quinze trabalhadores voluntários, com escolaridade variando entre 4a série do ensino fundamental (primeiro grau) e nível superior. Cada item era lido, e foi solicitado aos colaboradores que relatassem o que haviam entendido em cada um deles. Devido a problemas de compreensão, alguns itens foram modificados para que se tornassem mais claros. Todavia, por se verificar que as dificuldades de compreensão estavam, majoritariamente, entre sujeitos que possuíam escolaridade abaixo da sétima série do primeiro grau (ensino básico), optou-se por aplicar o instrumento em sujeitos que possuíssem, no mínimo, essa escolaridade.

2.3 Validação do instrumento: a escala de medida de clima organizacional

2.3.1 Amostra

A amostra foi constituída por 1244 trabalhadores ocupantes de cargos de diversos níveis na estrutura organizacional (do nível de apoio ao de diretoria), oriundos de diversas organizações públicas (31%) e privadas (69%) de três cidades das regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e noroeste do estado de Minas Gerais. A média de idade dos sujeitos foi de 29 anos (DP= 9 anos), sendo 50 % do sexo masculino e 50% do sexo feminino. A escolaridade variou entre sétima série do primeiro grau até nível superior completo. Todavia, houve maior concentração dos sujeitos com escolaridade até ao 2o. grau completo (74%), e 2,8% não informaram a escolaridade.

2.3.2 Procedimento

A Escala completa, formada por 127 itens, foi aplicada a 1244 trabalhadores formalmente empregados, com registro em Carteira Profissional.

O contato com os sujeitos foi feito pelas pesquisadoras nas empresas onde trabalhavam, em cursos noturnos de escolas das cidades da região cujos alunos trabalhavam no turno diurno e em ambientes informais. A eles eram explicados os objetivos do estudo; perguntava-se-lhes sobre a natureza de seu vínculo trabalhista, garantindo o anonimato e o total sigilo acerca de suas respostas individuais. Era assegurado que nenhum prejuízo lhes adviria em função de suas respostas.

Quando se estabeleceu o contato através da empresa, este procedimento foi feito primeiramente com os responsáveis por ela, e depois com os sujeitos. Só então se pedia aos sujeitos que lessem as instruções contidas na primeira página do instrumento. Algumas empresas cederam uma sala apropriada, para onde os funcionários, num determinado período de trabalho, se dirigiam para responder ao questionário na presença dos aplicadores. O participante respondia sozinho aos itens, marcando as suas respostas numa escala de cinco pontos, que variava de "1-discordo totalmente" a "5-concordo totalmente", e o devolvia à aplicadora.

Em empresas onde não foi possível obter as respostas imediatamente, marcava-se data e horário parao recolhimento dos questionários respondidos, ou era acordado com os participantes que depositassem seu questionário numa 'urna' (caixa de papelão com abertura central construída pelas aplicadoras) que era deixada na empresa em locais de grande circulação de pessoas, como as proximidades do registro de ponto, por exemplo. Foram distribuídos 2200 questionários e retornaram, respondidos, 1244.

 

3. Resultados

As respostas dos 1244 questionários foram codificadas numa planilha do SPSS (Statistical Package of Social Sciences), programa através do qual os dados foram analisados. Para investigação da validade do construto, os dados foram submetidos à análise dos componentes principais para estimativa da covariância que possibilitasse a busca de fatores (investigação da fatorabilidade da matriz correlacional). O coeficiente KMO (índice de Kaiser, Meyer, Olkin) revelou excelente índice de fatorabilidade (0,96), segundo critérios de Tabachinick e Fidell (1996). A fatorabilidade da matriz de correlação foi ainda confirmada pelo teste de Esferecidade de Bartlett (x1= 54137,72; p< 0,001). As comunalidades dos itens variaram entre 0,30 e 0,54. A análise da correlação entre os componentes confirmou a independência entre eles. Por isso, optou-se pela rotação VARIMAX, adequada para estruturas cujos componentes não estejam inter-relacionados (Tabachnick e Fidell, 1996).

Estabeleceu-se o critério de extração de valor próprio de 1,5 para a retenção dos fatores. Os itens retidos foram aqueles com cargas maiores ou iguais a 0,40. Com estes critérios, a análise reteve 11 fatores, que explicaram 41,43% da variância total (ver Tabela 1). A análise do scree plotapontava para um fator isolado e para mais quatro fatores que se destacavam do conjunto dos outros. Apenas esses cinco componentes acrescentavam no mínimo 2% ao total de variância explicada. Destaque-se aqui que o fator 1 explicou 20% do total da variância explicada. Todavia, é comum nesta análise que o primeiro fator carregue maior quantidade de variância.

 

 

O cálculo do "Alpha Cronbach" também fortaleceu a solução de cinco fatores, pois revelou consistência-interna, variando entre 0,78 e 0,92 (ver Tabela 1). Foram, então, retidos os cinco fatores, compostos por um total de 63 itens, responsáveis pela explicação de 34,8% da variância total (ver Tabela 1). Os cinco componentes retidos eram semanticamente interpretáveis.

A análise do conteúdo semântico dos itens do primeiro fator revelou que este podia ser denominado "Apoio da chefia e da organização", por reunir 21 itens cujos conteúdos tratavam da existência de comportamentos de suporte afetivo, estrutural e operacional da chefia e da organização para com os empregados no desempenho diário de suas atividades no trabalho. O fator 2 foi denominado "Recompensa", por possuir 13 itens com conteúdos relativos às diversas formas de recompensa usadas pela empresa para premiar a qualidade, a produtividade, o esforço e o desempenho do trabalhador. "Conforto fisico", o fator 3, reuniu 13 itens relacionados com o ambiente fisico, a segurança e o conforto proporcionados pela empresa aos funcionários. O fator 4, "Controle/Pressão", estava composto por 9 itens relacionados com o controle e a pressão exercidos pela empresa e pelos supervisores sobre o comportamento e o desempenho dos funcionários. Finalmente, o fator 5 foi denominado "Coesão entre colegas", por reunir sete itens relacionados com o trabalho em equipe e com o vínculo entre os colegas de trabalho.

 

4. Discussão

As análises realizadas revelaram uma estrutura empírica que se caracterizou por cinco componentes. Uma solução unifatorial foi pensada em função da grande variância explicada pelo fator 1, mas as análises do scree ploc,dos conteúdos distintos dos cinco componentes e dos índices de consistência interna revelaram que uma solução de cinco componentes era a mais adequada. Além disso, os outros seis componentes inicialmente retidos acrescentavam apenas mais 6,6% ao total de variância explicada. De resto, tal solução também fornecia ao construto uma definição mais parcimoniosa e mais consistente com a literatura da área.

Apesar de todos os problemas conceituals do construto de clima organizacional e das discussões sobre os seus componentes, este estudo detectou uma estrutura empírica do clima organizacional que perpassou as várias empresas de três cidades diferentes, de onde eram oriundos os sujeitos deste estudo. Análises de componentes principais realizadas separadamente para os dados de duas das empresas participantes do estudo (estas foram análises exploratórias, já que, embora os índices de fatorabilidade das amostras dessas empresas demonstrassem adequação - valores de KMO de 0,72 e 0,78 -, o tamanho das amostras era insuficiente para a realização das análises de componentes principais) revelaram que o construto era formado, no caso de uma das empresas, pelas mesmas cinco dimensões identificadas na amostra total, e na outra por uma estrutura de seis componentes, cinco idênticos à estrutura fatorial da amostra total e um componente denominado "Ambiente fisico", cujos itens foram agrupados no fator "Conforto fisico" da estrutura fatorial identificada na amostra total. Esses resultados não confirmam as afirmações de Tamayo (1999) de que o clima organizacional de cada empresa é composto por diferentes conjuntos de componentes. A estrutura identificada neste estudo corrobora a unicidade do clima organizacional de cada empresa. Todavia, parece haver um conjunto básico formado pelos cinco componentes retidos na análise de componentes principais. Outros instrumentos fatorialmente validados (Pritchard e Karasick, 1973; Friedlander e Magulies, 1969; Payne e Pheysey, 1971; Schneider e Bartlett , 1970; Lafollette e Sims, 1975; Kolb et all1978; Moos et all.,1974; Balboa, 1992) identificaram componentes semelhantes aos encontrados neste estudo. Aspectos como recompensa, segurança e riscos, inovação, reconhecimento e feedback, flexibilidade, coesão, relacionamento entre superior e empregado, controle, suporte do chefe, liderança, clareza e promoções, pressões no trabalho, apoio (suporte) e autonomia estão presentes em mais de 80% dos instrumentos validados fatorialmente identificados na revisão de literatura feita para este estudo. Isto fornece bases para se afirmar que clima organizacional é formado por um conjunto básico de componentes que parece conservar-se em organizações, culturas e países diferentes. É evidente que a percepção do clima organizacional é fortemente influenciada pela cultura da organização, mas parece que as diferenças entre os climas de organizações diversas ou de diferentes setores de uma mesma organização podem ser detectadas por meio das diferenças nos resultados médios desses componentes.

A análise dos componentes principais realizada neste estudo parece ter "depurado" os componentes de clima organizacional antes apontados um tanto desordenadamente por estudos da área. A análise dos itens da escala validada neste estudo revelou que o clima é percebido pelos membros da organização com base em comportamentos claramente manifestos por colegas e chefes, indicações fornecidas pelas políticas de pessoal e outros indicadores da cultura organizacional. Estes resultados confirmam a base cognitiva do construto clima organizacional.

A comparação dos resultados deste estudo - realizado com sujeitos advindos de organizações diferentes - com o estudo de Tamayo (1999) - realizado numa só organização - revela semelhanças apenas entre dois aspectos ou fatores: conforto físico e ambiente de trabalho e recompensa e valorização. Todavia, antes de uma conclusão, há que lembrar que a semelhança entre os componentes identificados em estudos fatoriais pode ser fruto da base teórica fornecida por um mesmo grupo de estudos encontrados na literatura internacional que, evidentemente, dirigiu a construção desses instrumentos.

Assim, estudos posteriores deveriam investigar a estrutura fatorial do construto de clima organizacional, construindo e validando instrumentos específicos para cada empresa, na tentativa de buscar confirmação para a estrutura aqui identificada em outras regiões do Brasil, com maior número de sujeitos e em maior número de organizações, o que permitiria comparar as estruturas empíricas, verificar sua consistência e obter conclusões mais seguras sobre o assunto. Além disso, a investigação da validade discriminante entre as medidas de clima organizacional, satisfação no trabalho e cultura organizacional é uma necessidade urgente devido à proximidade conceitual entre esses construtos.

 

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Recebido: 15/07/03
Revisado; 04/06/04
Aceito: 14/06/04

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