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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.1 Florianópolis jun. 2009
ARTIGOS
Análise comparativa entre pesquisadorese profissionais de suporte à pesquisa na Embrapa: o enfoque da Psicodinâmica e da Ergonomia da Atividade
Comparative analysis between the researchers and support research professionals in Embrapa: the focus of the Psychodynamics and Activity's Ergonomics
Rosana Hoffman CâmaraI; Maria de Fátima Bruno FariaII
IMestre em Gestão Social e do Trabalho, Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade de Brasília (PPGA/UnB) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) Endereço: SQN 108 Bloco H apt. 306 Asa Norte - Brasília - DF - CEP - 70.744-080 Tel: (61) 3347-1198 E-mail: rosana.camara@embrapa.br
IIDoutor em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade de Brasília (PPGA/UnB) Departamento de Administração da Universidade de Brasília Endereço: SMPW Quadra 17 - conj. 11 - lote 2 - casa E Park Way - Brasília - DF - CEP - 71.741-711 Tel: 3307-2342 E-mail: fatimabruno@unb.br
RESUMO
Objetivou-se comparar a percepção de dois grupos profissionais de uma organização de pesquisa quanto à influência do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento, com suporte teórico na Ergonomia da Atividade e na Psicodinâmica do Trabalho. Como indicadores de contexto, a organização do trabalho, condições e relações socioprofissionais dos trabalhadores foram observadas. Nas vivências de prazer, foram avaliados os fatores que representam gratificação e liberdade e, nas de sofrimento, os que retratam sentimentos de insegurança e desgaste. Utilizou-se a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST) e onze entrevistas individuais semiestruturadas para a coleta dos dados, examinados por meio de estatísticas descritivas e inferenciais e análise de núcleos de sentido. Predominaram as vivências de sofrimento para os empregados de suporte à pesquisa, com a racionalização e a negação como estratégias de enfrentamento do sentimento. Nos dois grupos, o fluxo de trabalho era comprometido pela excessiva burocracia e pela falta de diretrizes consistentes que norteassem as tarefas, o que, somado a uma organização rígida do trabalho, pautada por normas e regras, pode cercear os sentimentos de gratificação e de liberdade e levar ao trabalho fatigante, ao sofrimento e, consequentemente, ao adoecimento.
Palavras-chave: contexto de trabalho; prazer e sofrimento; ergonomia da atividade; estratégias de mediação.
ABSTRACT
The objective was to compare the perceptions of two professional groups of a research organization regarding the working context influence the existences of pleasure and suffering, with theoretical support in the Activity's Ergonomics and Work's Psychodynamics. As indicators of context, the work's organization, conditions and worker's relationships social professional had been observed; in pleasure experiences, were evaluated factors that represent gratification and freedom and of suffering, the ones that portray feelings of unreliability and consuming. It was used the Scale for Assessment of the Context of Work (SACW), the Scale of Indicators of Pleasure-Suffering at Work (SIPSW) and eleven individual semi-structured interviews for data collection, examined by descriptive and inferential statistics and analysis of meaning nuclei. The suffering experiences for the research support employees had predominated, with the rationalization and denial as facing strategies of the feeling. In both groups, the work flow was compromised by excessive bureaucracy and lack of consistent guidelines to guide the work, which added to a rigid work organization, based in rules and norms may restrict the feelings of gratification and freedom and lead to exhaustive work, to the suffering and therefore to illness.
Keywords: work context; pleasure and suffering; activity's ergonomics; mediation strategy.
1. Introdução
No mundo atual, é comum a ocorrência de aumento da carga de trabalho e diminuição do tempo para o descanso. Quando essa situação permanece por tempo considerável, há o risco de se menosprezar a importância do bem-estar geral, o que pode levar o organismo a diminuir a capacidade de reagir a estímulos externos e chegar à situação de estresse, depressão e outras manifestações de adoecimento (Dejours, 1987, 1999a; Ferreira & Mendes, 2003).
Esse processo envolve desgastes, ansiedades e desequilíbrios. As pessoas começam a se sentir ameaçadas frente à situação estressora, e, para manter a integridade física, psíquica e social dos trabalhadores no contexto de trabalho, é necessária a busca de vias que minimizem o sofrimento acarretado pelas mudanças sociais e maximizem a qualidade de vida no ambiente laboral.
A relação entre saúde e trabalho foi tema negligenciado durante muito tempo por grandes instituições e corporações, mas vem reassumindo destaque nas últimas décadas (Dejours, Dessors & Desriauz, 1993; Ferreira & Mendes, 2003).
Constata-se, assim, aumento do número de pesquisas acerca do trabalho, que têm se mostrado importantes e prolíferas devido à essencial posição que o trabalho assume tanto para a estrutura social quanto econômica no mundo atual (Dejours 1996, 1999a, 1999b, 2004; Ferreira & Mendes, 2003).
A revisão de livros e artigos científicos nacionais sobre o tema (Ferreira & Mendes, 2003; Mendes, 2007) revelou poucas referências à percepção do prazer e sofrimento e do bem-estar físico, psíquico e social relativos a grupos com naturezas distintas de trabalho dentro de uma mesma organização. Geralmente, são investigadas categorias similares de profissionais em instituições diversas.
Nessa pesquisa, objetivou-se investigar, em uma organização com foco em ciência e desenvolvimento tecnológico, as percepções dos empregados de dois grupos profissionais distintos sobre a influência que o contexto de trabalho exerce nas vivências de prazer e sofrimento.
2. Referencial teórico
Para o alcance do objetivo do estudo, optou-se pela concepção da Psicodinâmica do Trabalho em articulação com a Ergonomia da Atividade, proposta por Ferreira e Mendes (2003).
A atividade profissional, além de um modo de ganhar a vida, constitui-se numa forma de inserção social, na qual aspectos físicos, psíquicos e sociais estão fortemente implicados e, quando se atribuem utilidade e reconhecimento sociais às atividades, essas funcionam como operadoras da saúde geral (Dejours & Abdoucheli, 1994; Dejours, Dessors & Desriaux, 1993).
Segundo Dejours, Dessors e Desriaux (1993), é possível demonstrar que as condições e organização do trabalho e as suas pressões influenciam a integridade biopsicossocial do trabalhador.
De acordo com Ferreira e Mendes (2003), no Brasil, estudos dessa natureza possuem relevância ainda maior, devido à notória precariedade em que se encontram algumas categorias de trabalhadores, que sofrem com problemas como instabilidade profissional e sobrecarga de serviço, entre outros; por isso, são acometidos por mazelas como estresse e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Portanto, o sofrimento é tido como vivência frequente e permanente de experiências dolorosas impostas por situações de trabalho.
2.1. Psicodinâmica do Trabalho
A Psicodinâmica dedica-se a pesquisar o estudo das situações de trabalho que levam ao prazer e ao sofrimento e analisar as transformações do sofrimento mental, mediadas por estratégias defensivas vinculadas à organização do trabalho, buscando entender os processos psíquicos que ocorrem entre o trabalho prescrito e o trabalho real.
O quadro teórico de referência da Psicodinâmica do Trabalho contempla os seguintes fatores: organização do trabalho para a Psicodinâmica, trabalho real e prescrito, carga de trabalho para a Psicodinâmica, vivências de sofrimento, vivências de prazer, estratégias de mobilização coletiva, estratégias defensivas (individuais e coletivas) e estratégias criativas. Tais fatores serão explicitados a seguir.
Para Dejours (1994), a organização do trabalho traduz-se no resultado de combinações entre a organização e os trabalhadores para se definirem normas e regras, e entre níveis hierárquicos para se negociarem essas regras e obterem-se novos compromissos renegociáveis posteriormente, caracterizando-se pela evolução em função das pessoas, do grupo, da experiência e do tempo. São modos operatórios cognitivos, procedimentos e instrumentos utilizados pelos trabalhadores para produzirem algo, em consonância com as atividades pactuadas.
Dejours, Dessors e Desriaux (1993), em estudos sobre a organização do trabalho, identificaram a existência de defasagem entre o que eles denominaram de organização do trabalho prescrito e a organização do trabalho real. A organização do trabalho prescrito "... materializa-se por um tipo de manual de procedimentos, em que, para cada operação a efetuar, há uma grade muito detalhada de tarefas elementares a realizar" (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993, p. 51). Na prática, essa organização prescrita do trabalho torna-se inaplicável, necessitando de adaptações. Os trabalhadores estabelecem rearranjos dessa organização do trabalho para que ela se torne realizável. Assim, a organização prescrita do trabalho diz respeito às normas e procedimentos que descrevem os modos operatórios que devem ser obedecidos. A organização real do trabalho está relacionada ao que, de fato, acontece no dia a dia para que se viabilize o trabalho.
Para esclarecer o impacto da organização do trabalho e compreender a dinâmica do indivíduo no ambiente laboral, faz-se necessário examinar a noção de carga de trabalho sob o enfoque da Psicodinâmica.
O conceito de carga de trabalho é proveniente da Ergonomia e compreende os aspectos físico, cognitivo e psíquico, que estão diretamente relacionados entre si. Quando ocorre sobrecarga em um desses aspectos, essa alteração é frequentemente acompanhada do aumento de carga nos dois outros domínios.
Segundo Dejours, Dessors e Desriaux (1993) e Dejours (1987, 1994), a organização do trabalho contém vários elementos que influenciam a formação da autoimagem do trabalhador e que, por sua vez, são razões para o sofrimento.
Sofrimento é compreendido sob diferentes enfoques na literatura científica da área. Para Seligmann-Silva (1994, p.14):
Entre o homem e a organização prescrita para a realização do trabalho, existe, às vezes, um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, invenções e ações de modulação do modo operatório, isto é, uma invenção do operador sobre a própria organização do trabalho, para adaptá-la às suas necessidades, e mesmo para torná-la mais congruente com seu desejo. Logo que esta negociação é conduzida a seu último limite, e que a relação homem-organização do trabalho fica bloqueada, começa o domínio do sofrimento - e da luta contra o sofrimento.
Dejours e Abdoucheli (1994) argumentam ainda que o sofrimento é uma vivência intermediária entre a doença mental e o bem-estar psíquico. Deve ser concebido como uma vivência bivalente, que pode ter conotação positiva ou negativa, a depender das estratégias utilizadas pelo indivíduo para administrar a situação.
Assim, as vivências de sofrimento aparecem associadas à divisão e à padronização de tarefas com subutilização do potencial técnico e da criatividade; à rigidez hierárquica, com excesso de procedimentos burocráticos, ingerências políticas, centralização de informações, falta de participação nas decisões e não-reconhecimento; e à pouca perspectiva de crescimento profissional, dentre outros.
Em seu aspecto dialético, o trabalhador, diante do sofrimento, utiliza-se do que Dejours (1996) denomina de ressonância simbólica, isto é, quando o trabalho possibilita, de alguma forma, que o trabalhador possa se reconciliar com os desejos e aspirações individuais, alcançando a realização, o sofrimento é ressignificado e emergem as vivências de prazerno trabalho.
É importante ressaltar as conclusões a que chegou Dejours (1994) de que o prazer ocorre quando há livre funcionamento do aparelho psíquico, independentemente do tipo de tarefa realizada. Um trabalho intelectual pode ser fonte de sofrimento, assim como um trabalho braçal pode ser acompanhado de enorme prazer e vice-versa, a depender da possibilidade de escolha do indivíduo e do grau de liberdade que a organização do trabalho proporciona, para que ele possa utilizar o potencial criativo, no sentido de descobrir a melhor maneira de realizar as atividades.
Para Ferreira e Mendes (2003, p.54),
... o prazer é uma vivência, individual e ou compartilhada por um grupo de trabalhadores, de experiências de gratificação provenientes da satisfação dos desejos e de necessidades do trabalhador, quando da mediação bem-sucedida dos conflitos e contradições gerados em determinado Contexto de Produção de Bens e Serviços.
Para Ferreira e Mendes (2003), constituem as principais características da vivência de prazer: origina-se do bem que o trabalho causa no corpo, na mente e nas relações com as pessoas; tem como principais causas as condições e as relações sociais que estruturam o contexto de trabalho; constitui antecedente de bem-estar no trabalho sob a forma de avaliação consciente de que algo vai bem e, consequentemente, é indicador de saúde; manifesta-se por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e da valorização no trabalho; possibilita a estruturação psíquica, a identidade e a expressão da subjetividade individual em função da subjetividade no trabalho que viabilize as negociações, a formação de compromisso e a ressonância entre o subjetivo e a realidade concreta de trabalho. Assim, as condições e as relações sociais de trabalho permitem uma ressignificação do sofrimento, levando à transformação do contexto do trabalho em fonte de prazer.
Conclui-se que sentimentos de sofrimento ou de prazer experimentados pelo indivíduo são determinados pela amplitude de espaço de liberdade existente entre organização prescrita e o que realmente ocorre na execução do trabalho. Havendo predominância da compatibilidade entre tarefa prescrita e atividade real ou flexibilidade na organização do trabalho que permita a negociação, ocorrem vivências de prazer; caso contrário, imperam as vivências de sofrimento.
Pelo exposto, identifica-se a dinâmica no contexto de trabalho na perspectiva da Psicodinâmica, balizada pela utilização pelos trabalhadores de diversas estratégias para buscar o prazer e evitar o sofrimento, ou seja, o descompasso entre o trabalho prescrito e o real, proveniente da organização do trabalho e da carga psíquica de trabalho imposta aos trabalhadores, se constituem em fonte geradora de sofrimento ou de prazer, a depender dos mecanismos mediadores utilizados por eles.
As pesquisas realizadas sobre esses mecanismos indicaram que, para enfrentar essa complexa variedade de possibilidades de vivências que nasce da interação com os contextos de trabalho, os trabalhadores constróem estratégias de mobilização coletiva, estratégias defensivas (individuais ou coletivas) e estratégias criativas.
As estratégias de mobilização coletiva, conforme afirmam Ferreira e Mendes (2003, p.55),
... são modos de agir em conjunto dos trabalhadores, por meio do espaço público de discussão e da cooperação, para eliminar o custo humano negativo do trabalho, resignificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições; e transformar em fonte de prazer e bem-estar a organização, as condições e as relações sociais de trabalho.
Para Ferreira e Mendes (2003), essas estratégias caracterizam-se como o espaço público de discussão (espaço da fala e de expressão coletiva do sofrimento no qual as opiniões, eventualmente contraditórias, podem ser livremente formuladas e publicamente declaradas, e um espaço construído pelos trabalhadores) e a cooperação (possibilidade de ação coordenada para construir um produto comum com base na confiança e na solidariedade, caracterizando-se pela convergência das contribuições de cada trabalhador e das relações de interdependência, valorização e reconhecimento da marca pessoal e do esforço de cada um para realizar o trabalho e para participar do coletivo).
As estratégias defensivas se interpõem entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico, atuando como uma espécie de amortecedor contra as pressões organizacionais do trabalho.
Dejours (1996) reforça que, entre as reações de defesa, figuram as defesas individuais estabelecidas com base em fatores vinculados à vivência individual de cada trabalhador e as defesas construídas pelo coletivo de trabalhadores, denominadas de "... defesas coletivas e de ideologias defensivas de profissão, cuja principal distinção, em relação às primeiras, reside no fato de que seu funcionamento exige a participação coletiva dos trabalhadores no espaço das interações sociais onde estão organizadas" (Dejours, 1996, p. 154).
No que concerne às estratégias defensivas individuais, Dejours (1987) procurou demonstrar que o máximo fracionamento das tarefas no trabalho, a competitividade exarcebada e a cisão entre trabalho intelectual e braçal levam o trabalhador à solidão, com a procura de mecanismos compensatórios para tal situação. Surgem as defesas personalizadas, que, por vezes, tomam lugar das defesas coletivas. Para Mendes (2007), as defesas começam individuais, transformam-se em coletivas e, quando não se sustentam, transformam-se em individuais, tais como racionalização, passividade, aceitação e negação.
Para Dejours e Abdoucheli (1994), as estratégias de defesa coletivas dependem de condições externas e sustentam-se no consenso de um grupo específico de trabalhadores. As defesas caracterizam-se por comportamentos de isolamento psicoafetivo e profissional do grupo de trabalho, de resignação, de descrença, de renúncia à participação, de indiferença e de apatia.
Dejours e Abdoucheli (1994) indicam que as estratégias defensivas coletivas são geralmente construídas e empregadas pelos trabalhadores coletivamente, diferenciando-se, dessa forma, dos mecanismos de defesa individuais contra o sofrimento de angústia e de ansiedade. Tais estratégias funcionam, então, como regras defensivas ou ideologias defensivas, que pressupõem um acordo tácito entre os trabalhadores e são típicas de cada categoria profissional.
As estratégias defensivas, muitas vezes inconscientes, individuais e ou compartilhadas por um grupo específico de trabalhadores, caracterizam-se por mecanismos de negação (negação do próprio sofrimento e do sofrimento alheio no trabalho, retratados pela naturalização do sofrimento e das injustiças que os trabalhadores padecem, eliminação do coletivo de trabalho, dentre outros) e (ou) racionalização (evitação e minimização da angústia, do medo e da insegurança vivenciados no trabalho, percebida pela busca de justificativas externas para explicar situações de trabalho dolorosas e por comportamentos de apatia, resignação, indiferença, passividade, conformidade e de controle sobre pessoas e situações que podem ameaçar a estabilidade e desmascarar as razões do imobilismo diante das adversidades do contexto de trabalho) do sofrimento e do custo humano negativo, causados pelas contradições e pelos conflitos vivenciados em determinado contexto de trabalho (Ferreira & Mendes, 2003).
Ferreira e Mendes (2003) explicam que as estratégias defensivas se suportam por determinado tempo e têm o papel de preservar o ego contra os conflitos e os afetos dolorosos. Entretanto, alertam que, apesar de protegerem os indivíduos, atuam pela transformação, pela suavização da realidade, podendo, desse modo, ludibriar os trabalhadores, mascarando o sofrimento e diminuindo a ação contra as pressões do trabalho. Nessa perspectiva, tornam-se instrumentos de aumento de produtividade e de exploração pela organização do trabalho, além de que, a constante utilização das estratégias defensivas pode levar à alienação e, quando fracassam como estratégias, tornam-se ineficazes e levam ao adoecimento.
Segundo Dejours (1999b), as estratégias criativas, por sua vez, implicam a utilização de certo tipo de inteligência, denominada de inteligência astuciosa, mobilizada frente a situações inéditas, ao imprevisto e a situações de mudança.
Em síntese, o prazer é uma vivência que compreende experiências de gratificação provenientes da satisfação dos desejos e necessidades, podendo ser individual ou compartilhada por grupo de trabalhadores. O sofrimento é entendido pela vivência de experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança, oriundo de conflitos e de contradições vivenciados pelos trabalhadores que fazem uso de estratégias de mobilização coletiva, estratégias defensivas individuais e coletivas e estratégias criativas.
Vale ressaltar que existe relação de complementaridade entre a Psicodinâmica do Trabalho e a Ergonomia da Atividade no contexto organizacional, pois as duas disciplinas comungam a ideia de que toda a atividade laboral veicula implicitamente um custo humano que se expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivências de prazer e sofrimento têm como resultantes o confronto ou conflito do sujeito com essa carga (trabalho real e trabalho prescrito) o que, por conseguinte, impacta nas vivências subjetivas e no sentido e significado atribuído ao contexto de trabalho. Para tanto, o trabalhador utiliza estratégias de mediação individual e coletiva que visam a manter a integridade física, psíquica e social. Assim, o próximo tópico trata dos aspectos do contexto de trabalho, sob o olhar da Ergonomia da Atividade, em que os sentimentos de prazer e sofrimento se expressam.
2.2. Ergonomia da Atividade
Ferreira e Mendes (2003) destacam dois enfoques na área ergonômica: a Ergonomia da Atividade e a Ergonomia do Produto ou concepção, que têm traços peculiares e distintos. Para efeito deste estudo, foi explorado o enfoque referente à Ergonomia da Atividade, pois ela se relaciona diretamente com o propósito da pesquisa.
Para Ferreira e Mendes (2003), a Ergonomia da Atividade investiga a relação entre os indivíduos e o contexto de trabalho, assim como analisa as contradições presentes nessa inter-relação e, em consequência, as estratégias operatórias individuais e coletivas de mediação que respondem à diversidade de exigências existentes nas situações de trabalho e reduzem a dimensão negativa do custo humano vivenciado pelos trabalhadores.
Para tanto, com vistas a investigar os fatores que compõem o contexto de trabalho, optou-se pelo enfoque proposto por Ferreira e Mendes (2003) e Mendes (2007), que, sob o olhar da Ergonomia da Atividade, abrangem a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações socioprofissionais de trabalho.
Para Ferreira e Mendes (2003, p. 41), o contexto de trabalho
... expressa o lócus material, organizacional e social onde se operam a atividade de trabalho e as estratégias individual e coletiva de mediação utilizadas pelos trabalhadores na interação com a realidade de trabalho. Esse contexto articula múltiplas e diversificadas variáveis, compondo uma totalidade integrada e articulada.
De acordo com os autores, o contexto do trabalho é composto pela organização do trabalho (que compreende as representações sobre a divisão do trabalho, normas, tempo e controle exigidos para o desempenho das tarefas); pelas condições de trabalho (que inclui representações sobre o apoio institucional recebido para a realização do trabalho em termos de ambiente físico, equipamentos, material e gestão voltada para o desempenho e desenvolvimento profissional) e pelas relações sociais de trabalho (que abrangem as representações sobre a comunicação e a sociabilidade no trabalho, interação profissional com colegas e chefias).
Ferreira e Mendes (2003) explicitam que a Organização do Trabalho (OT) é constituída por elementos formal ou informalmente prescritos, que denotam as diretrizes práticas do trabalho, presentes no lócus de produção e que impactam diretamente no funcionamento operacional da organização. Indicam que a OT integra os seguintes elementos: divisão do trabalho (hierárquica, técnica e social), produtividade esperada (metas, qualidade e quantidade), regras formais (missão, normas, dispositivos jurídicos e procedimentos), tempo de trabalho (duração da jornada, pausas e turnos), ritmos (prazos e tipos de pressão), controles (supervisão, fiscalização e disciplina) e características das tarefas (natureza e conteúdo). Afirmam ainda que as Condições de Trabalho (CT) compõem-se de elementos estruturais presentes no lócus de trabalho e têm, na infraestrutura organizacional, no apoio institucional e nas práticas administrativas, a representatividade. Os indicadores desse fator são: o ambiente físico (sinalização, espaço, ar, luz, temperatura e som); instrumentos (ferramentas, máquinas e documentação); equipamentos (materiais arquitetônicos, aparelhagem e mobiliário); matéria-prima (objetos materiais ou simbólicos informacionais); suporte organizacional (informações, suprimentos e tecnologia) e práticas de remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios, dentre outras (Ferreira & Mendes, 2003).
Para Ferreira e Mendes (2003), as Relações Sociais de Trabalho (RST) constituem-se de elementos interacionais que indicam as relações socioprofissionais de trabalho presentes no lócus de produção e que caracterizam o fator social. Os princípios que as integram são: interações hierárquicas (chefias imediatas e superiores); interações coletivas intra e intergrupos (membros da equipe e de outros grupos de trabalho) e interações externas (usuários, consumidores e representantes institucionais).
Para fins deste estudo, foram utilizados, portanto, os fatores relacionados ao prazer (liberdade e gratificação), ao sofrimento no trabalho (desgaste e insegurança) e os mecanismos de defesa individuais e coletivos abarcados na Psicodinâmica do Trabalho, bem como o conceito de Contexto de Trabalho, proveniente da Ergonomia da Atividade, com os três fatores que o compõem (organização do trabalho, condições de trabalho e relações sociais de trabalho).
3. Método
A pesquisa foi realizada na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criada em 1973, cujos principais objetivos são planejamento, supervisão, orientação, controle e execução ou promoção da execução de atividades de pesquisa agropecuária, visando a produzir conhecimentos tecnológicos a serem empregados no desenvolvimento da agricultura nacional e internacional. Atuava por intermédio de 37 Centros de Pesquisa e três escritórios (Unidades Descentralizadas) e 11 Unidades Centrais, estando presente em quase todos os Estados da Federação. Possuía, à época, 8619 empregados, e a estrutura ocupacional era composta por dois grupos profissionais, 2221 pesquisadores e 6398 empregados de suporte à pesquisa (Embrapa, 2006).
Os dados quantitativos foram coletados junto ao universo dos empregados lotados nas sete unidades situadas no Distrito Federal. Dos 2158 empregados das Unidades dessa região, 944 estavam lotados em outros órgãos ou não possuíam endereço eletrônico, como por exemplo, empregados que executavam as atividades em campos experimentais da Empresa. A população, portanto, foi reduzida para 1.214 empregados. O número de empregados que se disponibilizaram a responder a pesquisa foi igual a 245, correspondendo a 20,18%.
A coleta dos dados qualitativos, que visou a aprofundar análise das diferenças entre os grupos profissionais, contou com a participação de seis empregados do grupo de suporte à pesquisa (03 da Sede e 03 de UD) e cinco do pessoal de Pesquisa (02 da Sede e 03 de UD).
Foi utilizada a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST), composta por 30 itens, construída e validada por Mendes (1999) e revalidada por Morrone (2001) e Pereira (2003). A estrutura fatorial do EIPST contém dois fatores que indicam prazer (liberdade e gratificação) e dois fatores que expressam sofrimento no trabalho (desgaste e insegurança).
Também foi utilizada a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), construída e validada por Ferreira e Mendes (2003) composta por 33 itens, representados pelos fatores: organização do trabalho, condições de trabalho e relações sociais de trabalho. As respostas foram dadas em uma escala "Likert" que vai de 1 (nunca) a 5 (sempre).
O questionário foi alocado na Intranet da empresa por meio de software eletrônico, o Academic Survey Sistem and Evaluation Tool (ASSET), que permitiu o envio dos dados, após a finalização do processo, para o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 14.0, software utilizado para análise estatística dos dados.
Na coleta de dados qualitativos, utilizou-se a técnica de entrevistas individuais semiestruturadas, com a utilização do seguinte roteiro:
1 - Eu gostaria que você me falasse um pouco da sua rotina de trabalho. Como é um dia de trabalho, desde a hora que você entra até a hora que você sai da empresa?
2 - Como são as condições de trabalho que você tem na empresa? Como você percebe as condições em termo de ambiente, equipamentos e recursos materiais?
3 - Como você percebe as relações (socioprofissionais) no ambiente de trabalho?
4 - Você gostaria de complementar com alguma informação adicional?
O roteiro, flexível, procurou, além do objetivo de investigar a percepção dos entrevistados sobre o contexto organizacional e a influência que ele exerce nas vivências de prazer e sofrimento, buscar identificar estratégias de mediação individual e coletiva.
A partir das especificidades dos comentários dos entrevistados, foram ainda elaboradas questões sobre os sentimentos dos empregados em relação a alguns conteúdos relatados e, quando necessário, outras questões livres, decorrentes de reflexões, esclarecimentos ou aprofundamento de determinados comentários foram feitas.
As entrevistas individuais foram realizadas no próprio local de trabalho do entrevistado, em espaço reservado, e duraram cerca de uma hora cada, sendo gravadas após autorização dos sujeitos. Foram conduzidas, em média, de uma a duas entrevistas diárias.
Para a análise dos dados, foram calculadas a média e desvio padrão dos fatores referentes às escalas, como também realizadas estatísticas inferenciais: testes t, Correlações de Pearson, MANOVA e ANOVA, a fim de verificar a existência de relações entre as variáveis dependentes (escalas EACT e EIPST), as variáveis independentes (pesquisadores e profissionais de suporte à pesquisa) e as variáveis demográficas (sexo, unidades, tempo de empresa, cargos de chefia).
A fim de facilitar a análise dos resultados da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), Ferreira e Mendes (2007) criaram uma classificação a partir das médias das respostas aos fatores. Considerando que todos os itens possuíam conotação negativa, indicaram como resultado para o contexto de trabalho a seguinte classificação: acima de 3,7 = avaliação mais negativa, grave; entre 2,3 e 3,69 = avaliação mais moderada, crítico; e abaixo de 2,29 = avaliação mais positiva, satisfatório (Ferreira & Mendes, 2007). Para a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST), os autores orientam que, para os fatores de prazer, a análise deve considerar que os itens, com conotação positiva, têm a seguinte classificação: acima de 4,0 = avaliação mais positiva, satisfatório; entre 3,9 e 2,1 = avaliação moderada, crítico; abaixo de 2,0 = avaliação para raramente, grave e para os fatores do sofrimento, itens negativos, a análise deve ser realizada com base na seguinte classificação: acima de 4,0 = avaliação mais negativa, grave; entre 3,9 e 2,1 = avaliação moderada, crítico; abaixo de 2,0 = avaliação menos negativa, satisfatório (Ferreira & Mendes, 2007).
Para os dados qualitativos, foi utilizada a técnica de análise dos núcleos de sentido (ANS), elaborada por Mendes (1994) e calcada na técnica de análise de conteúdo categorial, desenvolvida por Bardin (1970).
Os conteúdos agrupados nas categorias foram submetidos a dois estudantes de doutorado em Psicologia, que atuaram como juizes, realizaram a leitura flutuante de cada entrevista transcrita e identificaram os temas.
A seguir, os temas foram agrupados em categorias, em quadros matriciais, obedecidos os pressupostos de exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; objetividade e fidelidade e produtividade propostos por Bardin (1970), bem como os pressupostos de semelhança de significado e núcleo de sentido, propostos por Mendes (2007).
Os títulos e as definições das categorias, foram estabelecidos tomando-se por base as falas dos entrevistados, seguindo sugestão de Mendes (2007, p.46) que propõe que "o nome e a definição devem ser sempre criados com base nos conteúdos verbalizados e com certo refinamento gramatical de forma. Às vezes, o nome da categoria é uma fala do sujeito". Essa é uma importante distinção entre a técnica de análise de conteúdo e de núcleos de sentido. Na primeira, os rótulos das categorias são criados pelo pesquisador, na segunda extraem-se falas típicas do conteúdo.
4. Apresentação dos resultados
A amostra dos respondentes dos questionários foi composta por 245 empregados da Embrapa (DF), sendo 77 (31,4%) pesquisadores e 168 (68,6%) de profissionais de suporte à pesquisa. Dessa amostra, 116 (47,3%) atuavam nas unidades centrais e 129 (52,7%) nas unidades descentralizadas da Empresa. A maioria era do sexo feminino (52,7%), sendo que predominavam indivíduos casados (58%), que possuíam entre 2 e 3 filhos.
Em relação à idade, 3,7% encontravam-se na faixa de 19 a 26 anos e 28,2% acima de 51 anos, ou seja, 67,1% encontravam-se na faixa etária que compreendia as idades entre 35 e mais de 51 anos. Na amostra, houve o predomínio de empregados (62,4%) que não possuíam cargo de chefia. Quanto à escolaridade, observou-se que 3,7% possuíam curso superior incompleto, 26,9% doutorado e 62,8% algum tipo de graduação. Os valores extremos do tempo de empresa situaram-se entre 01 e 05 anos (n = 81; 47,3%) e em mais de 26 anos (n = 76; 31%). O tempo no cargo nos extremos foi de 01 a 05 anos (n = 86; 35,1%) e mais de 26 anos (n = 40; 16,3%).
Os resultados dos fatores que compõem os instrumentos que avaliaram o Contexto de Trabalho e as Vivências de Prazer e Sofrimento advindas desse contexto são apresentados na Tabela 1.
Observando-se as médias dos fatores, o que mais se destacou foi o fator gratificação com M= 3,79; DP = 0,69 para suporte e M= 4,17; DP=0,49 para pesquisa (onde 3= às vezes; 4=frequentemente). Os resultados indicaram que os pesquisadores sentem mais gratificação no trabalho do que os profissionais de suporte. A síntese dos resultados das estatísticas inferenciais é apresentada na Tabela 2.
Os testes "t" realizados entre os fatores e os grupos profissionais, confirmaram os achados encontrados nas médias e indicaram que os pesquisadores vivenciaram mais sentimentos de gratificação do que o de suporte. Não foram encontrados escores significativos nos fatores constituintes da escala de sofrimento em relação aos dois grupos.
Os cálculos das correlações também corroboraram os achados nas médias e testes "t", sendo que o fator gratificação mostrou correlação positiva com o fator liberdade e negativa com o fator insegurança. Em contrapartida, os resultados indicaram não haver correlação significativa entre os grupos e os fatores liberdade, desgaste e insegurança.
Já o fator liberdade apresentou correlações negativas com os fatores insegurança e desgaste, e o fator insegurança apresentou relação linear positiva com o fator desgaste, o que apenas confirma a relação dicotômica entre as vivências de prazer e sofrimento, pressuposto da Psicodinâmica do Trabalho, apresentado no referencial teórico.
Assim como os demais testes, a análise de variância multivariada (MANOVA) mostrou diferenças significativas entre os grupos avaliados e, por meio da análise univariada (ANOVA), que se prestou a identificar os fatores das vivências que melhor explicavam os resultados da MANOVA, foi identificado que somente o fator gratificação apresentava diferença significativa entre os grupos.
No que concerne ao resultados das entrevistas individuais, a análise de núcleo de sentido indicou um total de cinco categorias empíricas para cada um dos grupos, resumidas na Tabela 3.
Na análise dos dados qualitativos, ao comparar-se a relação entre as categorias dos grupos, foram identificadas diferenças e semelhanças de percepção do contexto de trabalho e a sua influência nas vivências de prazer e sofrimento, bem como as estratégias de enfrentamento e mediação do sofrimento, utilizadas pelos sujeitos.
Quanto à organização do trabalho, no que tange aos aspectos de fluxo, normas, procedimentos e rotinas, nas categorias, percebeu-se que para os empregados de suporte, a demanda era grande e rígida, com uma rotina bem definida. Já para os pesquisadores, embora grande, existia maior flexibilidade na organização das tarefas. Os dois grupos indicaram que o fluxo de trabalho era comprometido pelo excessivo número de procedimentos burocráticos e pela falta de diretrizes consistentes, que norteassem o planejamento das tarefas.
Nos dois grupos, percebeu-se a existência de organização rígida do trabalho, pautada por normas e regras que podem cercear os sentimentos de gratificação e liberdade e levar ao trabalho fatigante, ao sofrimento e, consequentemente, ao adoecimento.
No que se refere às condições de trabalho, os resultados indicaram diferenças. Para o pessoal de suporte, eram bastante insatisfatórias, já que manifestaram possuir ambiente de trabalho quente e barulhento, problemas de concentração em função da disposição do mobiliário em "ilhas", falta de equipamentos adequados e demora, em função de ausência de verbas ou de burocracia, para a aquisição de material. Os pesquisadores indicaram possuir ambiente de trabalho tranquilo e silencioso e os equipamentos necessários para suprir as necessidades.
Quanto às relações socioprofissionais, para o grupo de suporte, o relacionamento era visto como distante e formal. Foram relatados casos de discriminação em relação ao tempo de trabalho, titulação e à ocupação funcional, principalmente por parte dos pesquisadores, o que acarretava sentimentos de menos-valia, caracterizando o sofrimento. Para os pesquisadores, embora as relações travadas com pessoas que ocupavam cargo de chefia fossem boas, mostravam-se desfavoráveis entre os pares, indicando conflitos, competitividade exacerbada e formalismo. Indicaram ainda que os sistemas de avaliação de desempenho da empresa contribuíam para esse status quo.
Os dois grupos revelaram que a interação com a chefia era considerada satisfatória, embora, com os pares, se encontrasse comprometida, acarretando a inexistência de suporte socioafetivo essencial para a construção do coletivo de trabalho. As manifestações de individualismo e conflitos, que denotam relações socioprofissionais desarticuladas, principalmente entre os dois grupos, podem ser verificadas na verbalização:
Na unidade a gente tem mais dificuldade de relacionamento com o público interno. O relacionamento é difícil com relação aos pesquisadores. Mesmo não sendo isso uma prática geral, quando o relacionamento não é bom, mesmo sendo pouco, ele afeta muito.
Os dados indicaram ainda que tanto o pessoal de suporte quanto o de pesquisa vivenciavam sentimentos de desvalorização, insegurança e frustração, embora mais evidentes no pessoal de suporte. Embora esses últimos indicassem também sentimentos de gratificação, reconhecimento, liberdade, autonomia e espaço para criar no contexto de trabalho, tais sentimentos foram menos frequentes, se comparados com os dos pesquisadores.
Comparando-se às estratégias de mediação para enfrentar o sofrimento, não foram identificadas estratégias de mobilização coletiva em nenhum dos grupos, apenas estratégias de defesa individuais, tais como racionalização, negação, evitação, acomodação, dentre outras, sendo que apenas no grupo de suporte foram encontrados relatos de adoecimento relativos ao contexto de trabalho.
Os estudos em Psicodinâmica constatam que o sofrimento é inerente à relação do ser humano com o trabalho, estando presente em todas as situações da vida, como consequência natural da frustração do desejo. Por outro lado, passam a observar que as vivências de prazer e sofrimento não são excludentes entre si e que normalmente há predominância de uma sobre a outra. São poucas as situações em que os trabalhadores vivenciam apenas prazer ou apenas sofrimento. Há, portanto, a presença de dicotomia de possibilidades de vivências que nasce da interação com os contextos de trabalho.
5. Discussão dos resultados
Ao serem comparados os dados quantitativos e qualitativos, percebeu-se, em grande parte, similaridades e contradições entre ambos, compreendidas pelo arcabouço teórico da Psicodinâmica, haja vista que a dicotomia entre prazer e sofrimento se revela em uma sequência de possibilidades de vivências que nascem da imersão do ser humano nos contextos de trabalho.
Em relação à escala do contexto de trabalho, os resultados apresentaram-se com média moderada (crítica) para os dois grupos pesquisados, resultados semelhantes aos que foram encontrados por meio da MANOVA. Entretanto, pela análise do teste "t", foi possível verificar que os pesquisadores apresentaram escores maiores nos fatores da escala de contexto, em parcial convergência com os dados encontrados na análise qualitativa.
Para o fator condições de trabalho, as médias localizadas no nível satisfatório também foram semelhantes para os grupos, ou seja, permitia a manutenção do equilíbrio. O teste "t" identificou condições piores para os pesquisadores nesse fator, embora a MANOVA não apontasse diferenças significativas.
O predomínio de indicadores quantitativos que denotam percepção de condições no trabalho não-satisfatórias para os pesquisadores é contraposto nos resultados qualitativos, pois puderam ser percebidas diferentes condições do ambiente físico de trabalho entre os grupos.
Quanto ao fator organização do trabalho, os dois grupos apontaram médias moderadas, com os itens "o ritmo de trabalho é acelerado" e "a cobrança por resultados é presente" com os valores mais críticos. Porém também foram mais insatisfatórios para os pesquisadores quando analisados os testes "t", embora sem diferenças significativas quando foram analisados por meio da MANOVA.
A análise qualitativa do fator organização do trabalho confirma os resultados da quantitativa para os grupos. Tanto o pessoal de suporte quanto os pesquisadores verbalizaram haver fluxo de trabalho grande, excesso de burocracia e indefinições nas tomadas de decisão e diretrizes, que prejudicavam a fluidez das atividades.
O fator relações socioprofissionais no ambiente de trabalho revelou média moderada para os dois grupos e resultados mais negativos para os pesquisadores no teste "t", mas sem diferenças entre os grupos para a MANOVA. Comparandose com os dados qualitativos, percebeu-se que as relações socioprofissionais estão mais comprometidas do que evidenciaram os dados quantitativos. Para o pessoal de suporte, os relacionamentos se dão de forma distante e formal, pois sofre discriminação em relação ao tempo de trabalho, à titulação e à ocupação funcional dentro da empresa, o que gera sentimentos de desprezo e humilhação e desgaste emocional, embora haja indícios de tentativa de mudança dessa situação por parte da organização.
Quanto aos pesquisadores, as relações socioprofissionais mostraram-se ambivalentes. Embora se agrupassem para atingir metas e objetivos, existiam disputas profissionais no local de trabalho, nem sempre veladas, entre dois grupos bem distintos de pesquisadores, o dos mais antigos e o dos mais recentes na empresa. Os pesquisadores atribuem essa situação também ao sistema de avaliação da unidade e de desempenho dos profissionais. Corroborando as verbalizações do pessoal de suporte, os pesquisadores relataram que os relacionamentos quase não aconteciam e, quando existiam, de um modo geral, não era satisfatório.
Em relação à escala de prazer e sofrimento no trabalho, os resultados apresentaram-se, com média moderada (critica) para o pessoal de suporte e positiva (satisfatória) para o pessoal de pesquisa para o fator gratificação, moderadas (críticas) para os dois grupos nos fatores liberdade e desgaste e avaliação menos negativa (satisfatória) para os empregados dos dois grupos no fator insegurança.
Assim, para os fatores liberdade e desgaste, que se encontravam no nível moderado (crítico) para os dois grupos, pode-se inferir que provavelmente as estratégias de mediação do sofrimento estavam se mantendo de modo equilibrado. Para o fator insegurança, os itens "sinto-me ameaçado de demissão", "tenho receio de ser demitido ao cometer erros" e "sinto-me inseguro diante da ameaça de perder meu emprego" foram preponderantes para o estabelecimento dos resultados satisfatórios. Entretanto, como os empregados são de um órgão público, esses resultados já eram esperados. Também no teste "t", não foram encontrados escores significativos na escala de sofrimento em relação aos dois grupos, sendo diferenciados apenas no fator gratificação, mais favorável aos pesquisadores.
Quanto ao fator gratificação, os seguintes itens foram preponderantes para a diferença de resultados encontrados entre os dois grupos, com maiores médias para os pesquisadores: "sinto-me identificado com as tarefas que realizo", "sinto disposição mental para realizar minhas tarefas", "meu trabalho é gratificante" e "meu trabalho é compatível com as minhas aspirações profissionais". Os testes "t" realizados entre os fatores e os dois grupos, indicaram que o pessoal de pesquisa vivenciava mais sentimentos de gratificação do que o pessoal de suporte. Também a MANOVA revelou que somente o fator gratificação apresentava diferença significativa entre os grupos.
Em comparação com os dados qualitativos, pode-se inferir que tanto o pessoal de suporte à pesquisa quanto o de pesquisa evidenciavam sentimentos de desgaste, frustração, desvalorização, ansiedade e insegurança, bem como os de reconhecimento, gratificação e liberdade no trabalho, mostrando dualidade de reações frente à organização do trabalho. De certa forma, a maioria dos resultados moderados das médias confirmou os dados qualitativos.
O resultado quantitativo no fator gratificação foi compreensível, haja vista a peculiaridade do conteúdo da tarefa que os pesquisadores desenvolviam. Nem sempre o pessoal de suporte à pesquisa, por motivos diversos, podia desenvolver atividades que se coadunassem com suas aspirações pessoais e profissionais, como era o caso do pessoal de pesquisa.
Destaca-se que o grupo de pesquisadores fazia parte da área finalística da empresa, e, cultural e economicamente, as empresas reservam investimentos maiores para as pessoas alocadas na área-fim da organização.
Relevou-se ainda que os grupos utilizavam-se de estratégias individuais, como racionalização e negação, para enfrentar os sentimentos negativos. Algumas estratégias de mobilização coletiva chegaram a ser explicitadas como ações diversas para "burlar" à rigidez da organização do trabalho, mas não foram tão contundentes para que se pudesse afirmar, apenas pelos dados coletados, que elas realmente atuavam no coletivo do trabalho.
Apenas o pessoal de suporte relatou que, quando havia falhas nas estratégias de defesa, surgiam casos de estresse, alcoolismo, Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), dentre outros. Pôde-se inferir que os sentimentos de gratificação mais exarcebados nos pesquisadores podiam estar minimizando a ocorrência de doenças profissionais como as acima citadas. Essa afirmação, contudo, carece de maiores pesquisas para a sua confirmação.
Após a verificação de todos os dados, prevaleceram ainda os sentimentos de sofrimento aos de prazer, principalmente para o pessoal de suporte à pesquisa, mediados, entretanto, por estratégias defensivas que pareciam se mostrar eficazes.
6. Considerações finais
Os resultados permitiram verificar como se dá, na instituição pesquisada, as manifestações das vivências de prazer e sofrimento, construtos da Psicodinâmica, em articulação com os fatores do contexto de trabalho oriundos da Ergonomia da Atividade.
Foi possível identificar a existência da influencia do contexto de trabalho nessas vivências, sob a perspectiva dos grupos estudados, o que confirma os estudos de Dejours et al. (1994); Mendes (1999); Ferreira e Mendes (2003), Morrone (2001) e Pereira (2003).
Os dois métodos utilizados para coleta de dados permitiram averiguar que os grupos apresentavam tanto vivências de prazer como de sofrimento, oriundas do contexto de trabalho. Em alguns fatores, tais vivências foram percebidas de modo distinto pelos grupos. Foi verificado que havia o predomínio das vivências de prazer para os pesquisadores e elementos que interferiam negativamente no bem-estar do grupo de suporte. As vivências de sofrimento eram mediadas por estratégias de defesa individuais, tais como a racionalização e a negação.
Cabe destacar algumas limitações do presente estudo, dentre as quais se podem citar: a coleta de dados em corte transversal, que possibilitou descrever a percepção dos grupos estudados em um dado momento; a condução em uma única empresa, o que restringe a generalização para outras organizações; e as variáveis analisadas no procedimento quantitativo, que ficaram circunscritas aos fatores constantes das escalas utilizadas, o que possivelmente excluiu outros fatores que afetam a complexidade dos fenômenos investigados.
A oportunidade de corroborar estudos anteriores e gerar hipóteses para pesquisas futuras foram algumas das contribuições trazidas por esta investigação. Entretanto, a maior relevância calca-se no fato de que não foram identificadas outras pesquisas sobre temática que utilizassem comparações entre dois grupos ocupacionais de uma mesma instituição, o que possibilitou resultados distintos dos encontrados por outros estudiosos do tema.
Como principal implicação para a organização objeto do estudo, os dados permitiram diagnosticar como estava sendo mantido o equilíbrio biopsicossocial dos trabalhadores e identificar fatores de riscos para a qualidade de vida no trabalho dessas pessoas. Esses resultados poderão se constituir em relevantes informações para a definição de ações gerenciais, que devem favorecer a construção e o desenvolvimento de políticas de saúde e implantação de programas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e de estratégias para minimizar o sofrimento e o adoecimento.
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