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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.1 Florianópolis jun. 2009
RESENHA
Narbal Silva; Suzana da Rosa Tolfo
Professor do Departamento de Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina
Resenha do livro Estresse nas organizações de Trabalho: compreensão e intervenção baseadas em evidências1
José Carlos Zanelli (Coord.)
Aldo Vera Calzaretta
Arturo Juárez García
Marilda Emmanuel Novaes Lipp
Maria José Chambel
O estresse nas organizações pós-industriais tem se caracterizado como um fenômeno biopsicossocial que inquieta, preocupa e, sobretudo, pode adoecer os seres humanos quando em situações de trabalho. O ritmo frenético da vida no trabalho, construído por meio das crescentes exigências que clamam por produtividade e qualidade, aliado ao paradoxo sobrecarga e condições inadequadas para realização do trabalho, forma o cenário propício à proliferação das chamadas "toxinas organizacionais", que, não raro, contribuem à proliferação de um cheiro ruim no ambiente de trabalho (Gratton, L.; Ghoshal, S., 2003).
Mas efetivamente, o que é o estresse? Tal fenômeno é inerente ao relacionamento humano? A manifestação do estresse nas relações de trabalho necessariamente é sempre ruim? É possível e viável construir modos assertivos de enfrentar os malefícios desse fenômeno que aflige parte expressiva da população mundial? (Kompier, M. A. J.; Kristensen, T. S.,2003).
A verificação de que os trabalhadores de diferentes setores e organizações do atual contexto político, econômico, social e cultural se encontram imersos em situações de risco psicossocial, motivou José Carlos Zanelli, autor e coordenador do livro Estresse nas organizações de Trabalho: compreensão e intervenção baseadas em evidências (Editora Artmed, 2010, 128 p.), à realização de estudos sobre o assunto em nível pós-doutoral. Para isso, ao longo do ano de 2008, o referido pesquisador manteve intensos contatos com outros quatro pesquisadores de reconhecidos centros de estudos e pesquisas sobre estresse no Brasil, Chile, Portugal e México, com o intuito de identificar os pressupostos, teorias e os procedimentos neles utilizados, bem como descrever as consequências geradas pela aplicação dos conhecimentos produzidos.
Trata-se de um livro, cujos conteúdos foram criteriosamente elaborados em todas as suas partes. As principais descobertas feitas por meio desse estudo, como também as afirmações e indagações nele presentes, foram cuidadosamente compiladas e organizadas de modo sistêmico, sempre caracterizadas por uma linguagem clara, objetiva e que preserva o rigor necessário à elaboração de um texto científico. Como consequência, proporciona ao que lê uma leitura integrada e que motiva, sobretudo, em função das inúmeras evidências teóricas e empíricas apresentadas ao longo do texto referentes à sustentação das afirmações feitas sobre o fenômeno do estresse nas organizações da atualidade. Esse tipo de cuidado metodológico é que fundamentalmente confere credibilidade científica aos argumentos apresentados (Booth, W. C.;Colomb, G. G.; Williams, J. M., 2000). Tudo isso, aliado ao fato de que, com rara propriedade, é processada a articulação entre aspectos conceituais e os sentidos que lhe são conferidos nas realidades socialmente construídas nas organizações (Zanelli, J.C.; Silva, N., 2008).
Para a construção do livro, o coordenador José Carlos Zanelli, professor e pesquisador do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, convidou os seguintes quatro outros psicólogos docentes e também pesquisadores: Aldo Vera Calzaretta, do Chile, Arturo Juárez García, do México, Marilda Emmanuel Novaes Lipp, do Brasil e Maria José Chambel, de Portugal. As características desses autores, em especial, a que se refere às suas nacionalidades, imputa ao trabalho um caráter de internacionalização e de multiculturalidade às descobertas conceituais e aplicadas referentes ao fenômeno biopsicossocial do estresse nas organizações contemporâneas. Permeado por essa peculiaridade, trata-se de um texto no qual os aspectos de natureza conceitual e aplicada, alusivos ao estresse laboral, "ganham vida" na realidade concreta das organizações.
Um aspecto que merece ser salientado e que também caracteriza a obra é que os outros quatro autores convidados a participar da sua elaboração, além de co-autores, também desempenharam o papel de sujeitos da pesquisa em nível de pós-doutorado protagonizada pelo coordenador, o que originou a produção desse livro. Tal articulação é típica da trajetória acadêmica de José Carlos Zanelli, sempre pautada pelo rigor científico, aliado ao desafio de examinar "verdades previamente estabelecidas", de modo a buscar constantes inovações na elaboração dos trabalhos científicos de que participa.
O livro se encontra estruturado por meio de dez capítulos, antecedidos pela apresentação e introdução e sucedidos pelo posfácio, referências e índice. Na apresentação do livro, o autor e também coordenador explicita a motivação essencial para realização do seu projeto de estudos em nível de pós-doutorado: A percepção de que os trabalhadores nas organizações da atualidade, em geral, em função das demandas e das cobranças, se encontram submetidos a desgastes físicos e emocionais, cuja consequência maior tem sido o adoecimento integral dos mesmos.
Ao introduzirem o fenômeno estudado, os quatro autores asseveraram que, muito provavelmente, fatores como a globalização, o redimensionamento do quadro de trabalhadores e a modernização tecnológica se encontram entre os determinantes ou antecedentes mais contributivos à geração do estresse emocional nas organizações (Rothmann, I.; Cooper, C., 2009).
No capítulo um, denominado "Trabalho, saúde e construção da qualidade de vida", um importante alerta é feito: o de que a sociedade pós-industrial, em razão das suas demandas, tem minado a saúde física e psicológica dos trabalhadores, que se encontram em situação de vulnerabilidade para enfrentar as complexas pressões que sobre eles são exercidas. Tais circunstâncias - enfatizam ainda os autores - repercutem em custos evidentes para o setor público e na rentabilidade das organizações.
No capítulo dois, os autores estabelecem relações entre estilo de vida, adoecimento e ambiente de trabalho. Esse propósito se encontra ilustrado na importante afirmação de que a busca de equilíbrio entre necessidades e expectativas do trabalhador e necessidades e expectativas dos gestores, nas organizações, representa um desafio histórico no mundo do trabalho. Os autores concluem que os estilos de vida, aliados a aspectos de natureza hereditária e de condições físicas e psicossociais do ambiente de trabalho, poderão gerar, como consequentes, uma vida saudável ou uma existência caracterizada pelo adoecimento físico e psíquico.
No capítulo três, a ênfase recai sobre as teorias que embasam os procedimentos de intervenção. Nele, o estresse é concebido como uma necessidade de adaptação de um organismo diante das pressões impostas pelo contexto onde ele se encontra. Ao considerarem o estresse um fenômeno complexo e multideterminado, que resulta da combinação entre condições existentes e os modos de enfrentamento de cada trabalhador, entendem que as intervenções devem ocorrer não só no nível individual, mas também no nível organizacional.
No capítulo quatro, é apresentada pelo coordenador do livro a percepção dos participantes de quatro países (Brasil, México, Portugal e Chile) sobre os pressupostos que orientam teorias e pesquisas sobre estresse. Uma importante descoberta feita por meio dos resultados obtidos com o estudo é a de que é possível deduzir a ocorrência de esforços que visam a combinar pressupostos comportamentalistas, cognitivistas e construtivistas. Isso sem desconsiderar componentes de natureza biológica. Além disso, os pesquisados reportam também que as condições objetivas devem ser consideradas em associação com condições subjetivas na explicação da ocorrência de estresse.
No capítulo cinco, são apontadas pelos pesquisados dos quatro centros de estudos e pesquisas referentes ao estresse as principais teorias e pesquisas realizadas. Uma descoberta importante, nesse aspecto, é que as orientações teóricas utilizadas para realizar as pesquisas são predominantemente de base cognitivo-comportamental. Além disso, é destacado que os modelos teóricos utilizados abarcam referenciais internacionais e inquietações que são específicas de cada país de origem dos pesquisados. Nesse caso, cabe destacar que os pesquisados também se caracterizam como pesquisadores que são autoridades em estudos sobre estresse laboral nos seus países.
No capítulo seis, o foco se dirige para as consequências geradas pelos modelos teóricos utilizados pelos pesquisados. Uma conclusão importante decorrente das suas falas é que os modelos teóricos, apesar de suas limitações, possuem relevância prática e se encontram em processo permanente de aperfeiçoamento. Some-se a isso o fato de que, ainda segundo os pesquisados, cada perspectiva teórica, em si mesma, contém insuficiências e limitações, que, no entanto, podem ser supridas por outras perspectivas. Tais descobertas endereçam à ideia de que é necessário desenvolver um modelo teórico que oriente os estudos a respeito de estresse, cuja natureza fundamental seja o seu caráter integrador.
No capítulo sete, são apresentadas as respostas dos pesquisados sobre os aspectos antecedentes às intervenções. Aconclusão principal é de que, conforme síntese das falas, as intervenções e os procedimentos adotados devem estar ancorados em pesquisas ou em algum tipo de diagnóstico que possa caracterizar o ambiente físico e psicossocial da organização. Quando isso não ocorre, mencionam os autores, a tendência é a de que os gestores reduzam os múltiplos fatores que determinam o estresse às características intrínsecas do ser humano que trabalha. Nesse caso, ainda argumentam, o nível grupal e o organizacional deixam de ser considerados.
No capítulo oito, são descritas as intervenções e os procedimentos praticados nos quatro centros pesquisados pelo coordenador e autor do presente livro. O que chama a atenção e que de certa forma preocupa é que, conforme os relatos dos pesquisados, em alguns casos, são identificadas intervenções que não passam de propostas e sugestões. Contudo, na maior parte, as intervenções ocorrem na forma de workshops, palestras de sensibilização e conferências sobre o estresse no contexto organizacional. Tudo isso precedido pela identificação de fatores que auxiliam a enfrentar as situações de estresse. Ainda segundo o que disseram os pesquisados, as intervenções relatadas se aproximam muito daquilo que pode ser compreendido como pesquisa-ação (Thiollent, 1997). Outra conclusão relevante explicitada nesse capítulo, em função dos dados obtidos, é a de que a etapa de sensibilização referente aos malefícios proporcionados pelo estresse deve ter início no nível estratégico e decisório da organização.
No capítulo nove, são descritas as consequências das intervenções e dos procedimentos adotados nos quatro centros de estudos pesquisados sobre o estresse. Conforme os resultados obtidos a respeito, os autores concluem que é imprescindível ampliar a quantidade de estudos longitudinais que versem sobre o estresse. Também recomendam a importância de se levarem em conta variáveis externas às organizações, além de, por meio de procedimentos científicos confiáveis, identificar as consequências das intervenções realizadas. Além disso, apontam para a necessidade de se desenvolverem modelos que sejam coerentes, tanto do ponto de vista cultural, quanto conceitual, nos níveis do indivíduo, do grupo, da organização e macrossocietário.
No capítulo dez, são apresentadas as principais conclusões do estudo realizado nos quatro centros. Os modelos teóricos são vistos como limitados, em contínuo aperfeiçoamento, embora sempre preservem sua utilidade prática. As novas pesquisas e as mudanças que vêm sendo realizadas nas intervenções representam consequências das descobertas produzidas sobre o assunto. As intervenções nas organizações são menos frequentes em função das resistências dos gestores. Por fim, recomendam os autores, é preciso ampliar o número de estudos que visem a construir modelos em que os aspectos conceituais e metodológicos sejam compatíveis com a cultura de cada sociedade.
Finalmente, no posfácio, é destacado que os múltiplos fatores intervenientes no trabalho humano podem gerar consequências que tanto podem ser positivas, quanto negativas. A positividade e negatividade decorrentes dessa dinâmica complexa que permeia o mundo do trabalho dependem substancialmente de uma gestão focada em ações preventivas e corretivas, de modo a neutralizar as condições nocivas e fortalecer aquelas caracterizadas como favoráveis ao bem estar e a uma vida saudável no ambiente de trabalho.
Entre outras informações e reflexões de extrema relevância para a compreensão do estresse nas organizações e as possíveis formas eficazes de enfrentamento, ao longo do texto são desmitificadas algumas compreensões correntes no senso comum. Como por exemplo, a de que a presença de estresse no ambiente de trabalho, necessariamente, constitui algo negativo, e que a ausência de trabalho ou atividade significa sempre não-existência do estresse. Outra importante revelação é a de que as intervenções têm se dirigido, de modo prioritário, para o fortalecimento de recursos intrínsecos ao ser humano que trabalha, e, de modo secundário, para os aspectos sistêmicos ou do contexto externo, que são determinantes do estresse no trabalho.
Por fim, ao se considerarem todos os argumentos aqui apresentados para caracterizar o livro, entendemos que ele é recomendado para estudantes e professores das áreas de ciências humanas e sociais, da educação, da saúde e tecnologia, nos níveis de graduação e de pós-graduação, que tenham como foco de interesse direto ou indireto aprendizados referentes ao estresse nas organizações. Também pode servir como instrumento valioso de orientação para gestores e demais trabalhadores nas organizações, não só no que se refere à compreensão do fenômeno, mas também como ferramenta de ajuda na elaboração de políticas e ações que visem a eliminar ou dirimir situações de estresse laboral que possam gerar consequências nocivas aos seres humanos, quando em circunstâncias de trabalho. Também é direcionado para acadêmicos e profissionais, cujos esforços sejam os de produzir trabalhos, criar políticas e programas orientados para a promoção da qualidade de vida no trabalho.
Referências
Booth, W. C., Colomb, G. G. & Williams, J. M. (2000). A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Gratton, L & Ghoshal, S. (2003). Managing Personal Human Capital. European Management Journal, 21, 1, pp. 1-10. [ Links ]
Kompier, M. A. J. & Kristensen, T. S. (2003). As intervenções em estresse organizacional. Cad. psicol. soc. trab., 6, pp.37-58. [ Links ]
Rothmann, I. & Cooper, C. (2009). Fundamentos de psicologia organizacional e do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier. [ Links ]
Thiollent, M. (1997). Pesquisa ação nas organizações. São Paulo: Atlas. [ Links ]
Zanelli, J. C. & Silva, N. (2008). Interacción Humana y Gestion:La construcción psicosocial de las organizaciones de trabajo. Montivedeo: Psicolibros. [ Links ]
Zanelli, J. C. (Coord.), Calzaretta, A. V., García, A. J., Lipp, M.E. N., Chambel, M. J. (2010). Estresse nas organizações de trabalho: compreensão e intervenção baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
1. Zanelli, J. C. (2010). Estresse nas Organizações de Trabalho: Compreensão e Intervenção Baseadas em Evidências. Porto Alegre: Artmed.