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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.2 Florianópolis dic. 2010
ARTIGO - RELATO DE PESQUISA EMPÍRICA
Perfil de bem-estar psicológico em profissionais de limpeza urbana
Profile of psychological well-being in urban sanitation professionals
Silvânia da Cruz BarbosaI,*; Rômulo Lustosa P. de MeloII,*; Maria Udijaira Fernandes de MedeirosIII,*; Thaissa Machado VasconcelosIV,*
IProfessora Doutora da Universidade Estadual da Paraíba. silv.barbosa@gmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/2486108351700966
IIGraduando do curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba. romulo_piq@hotmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/7163572502946751
IIIGraduanda do curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba. Especialista em Saúde da Família pelas Faculdades Integradas de Patos (FIP). udijaira@yahoo.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/3776719431571986
IVGraduanda do curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba. thatai_machado@hotmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/3036879873730606
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo traçar um perfil de bem-estar psicológico em profissionais de limpeza urbana da cidade de Campina Grande (PB), tomando por base cinco dimensões de saúde mental propostas no modelo ecológico de Peter Warr (bem-estar afetivo, competência pessoal, aspiração, autonomia e funcionamento integrado). Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, em que participaram 170 profissionais, correspondendo a uma amostra de 30,3% do total dos trabalhadores. Os dados foram coletados por meio dos seguintes instrumentos: Questionário de Saúde Geral (QSG-12), Escala de Afetos Positivos e Negativos e Escala de Aspiração, sendo os fatores empíricos dessas escalas usados para avaliar cada uma das dimensões mencionadas, bem como uma ficha sociodemográfica. Os resultados identificaram quatro grupos com os seguintes perfis de bem-estar psicológico: instável, ansioso, satisfatório e equilibrado, sendo que os homens tendem a apresentar mais bem-estar psicológico (perfis equilibrado e satisfatório) do que as mulheres (perfil ansioso). Os resultados permitem concluir que o bem-estar psicológico está preservado para a maioria, mas 31% da amostra se encontra em processo de desgaste, devendo servir como alerta para que medidas sejam tomadas a fim de reaver o equilíbrio emocional.
Palavras-chave: saúde mental, bem-estar psicológico, trabalho, modelo ecológico.
ABSTRACT
The objective of this research was to trace a profile of psychological well-being in urban sanitation professionals in the City of Campina Grande (PB), taking as a base the five dimensions of mental health proposed in Peter Warr's ecological model (namely; affective well-being, personal competence, aspiration, autonomy, and integrated functioning). This is an exploratory and descriptive study, in which 170 professionals participated, corresponding to a sample of 30.3% of the total workers. The data were collected using the following instruments: the General Health Questionnaire (GHQ-12), the Scale of Positive and Negative Affects, and the Scale of Aspiration. The empirical factors of those scales were then used to evaluate each of the aforementioned dimensions, and to make a socio- demographic profile. The results identified four groups with the following psychological well-being profiles: Unstable, Anxious, Satisfactory, Level-headed, where men tended to have more psychological well-being (Level-headed and Satisfactory profiles) than women (Anxious). It was possible to conclude from the results that psychological wellbeing was maintained in the majority of the individuals of the sample, but 31% of the sample exhibited signs of stress, which should serve to signal the necessity for measures in terms of emotional well-being balance.
Keywords: mental health, psychological well-being, work, ecological model.
Nas últimas décadas, várias sociedades modernas introduziram transformações em seus padrões de consumo por meio da utilização crescente de produtos industrializados e descartáveis. O consumo massificado, sobretudo nas grandes cidades, tem gerado um aumento contínuo e exagerado de resíduos sólidos, popularmente conhecidos como lixo. O intenso volume de lixo descartado pela população produz odores fétidos e uma imagem desagradável, gera doenças e pode se tornar um passivo ambiental para futuras gerações (Rizzo, 2010), sendo, portanto, um sério problema que ameaça a sustentabilidade urbana, a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
Os profissionais que lidam com a limpeza pública são genericamente chamados de lixeiros. Contudo, aqueles especificamente encarregados de varrer as ruas, limpar os esgotos, aparar a grama, recolher entulhos ou detritos são mais conhecidos como varredores ou garis, sendo esta última designação uma homenagem aos irmãos Garys, pioneiros nos serviços de limpeza urbana, em 1876, por autorização do governo imperial do Rio de Janeiro. Após a varrição, são os profissionais conhecidos como coletores de lixo que fazem a retirada do lixo das ruas, transportando-o aos locais de despejo ou aterros sanitários (Santos, 2008; Silveira, Robazzi & Luis, 1998; Velloso, Santos & Anjos, 1997).
Na cidade de Campina Grande (PB), onde esta pesquisa foi realizada, os profissionais de limpeza urbana estão vinculados à Secretaria de Obras e Serviços Urbanos (SOSUR), órgão pertencente à prefeitura municipal, sendo os garis contratados através de concurso público (regime efetivo) e os coletores de lixo, por empresas terceirizadas. Para executar suas tarefas diárias, esses profissionais são divididos em grupos e distribuídos em diversos pontos da cidade (ruas, parques, praças, cemitérios, etc.), podendo cumprir o expediente em horário diurno ou noturno, conforme a escala de trabalho. As tarefas são delimitadas por "metas" que, no caso dos garis, consistem em terminar a jornada de trabalho somente após a varrição e a limpeza completa de um determinado local, e, no caso dos coletores de lixo, após a coleta do lixo nos bairros ou trechos que foram delimitados.
O trabalho desses profissionais é de grande relevância e utilidade social, visto que ajuda a minimizar um problema urbano particularmente intenso. Porém, conforme adverte Sousa (2007), a visão social da categoria é quase sempre estigmatizada devido à profissão estar historicamente ligada a pessoas socialmente desqualificadas ou marginalizadas (prisioneiros, condenados de guerra, escravos e prostitutas) e, também, devido à baixa escolaridade e às precárias condições econômicas e de trabalho arriscado e insalubre.
Tomando por base as publicações científicas levantadas para fins desta pesquisa, verificou-se que a maioria se dedica a estudar a saúde sob um olhar negativo, enfocando acidentes e patologias relacionadas ao trabalho dos profissionais de limpeza urbana (Mabuchi, Oliveira, Lima, Conceição & Fernandes, 2007; Santos, 2008; Silveira e cols., 1998, Velloso, Valadares & Santos, 1998).
Em geral, os estudos sobre acidentes prestigiam o tipo, a frequência, a gravidade e as partes do corpo mais afetadas. Um exemplo é a pesquisa de Silveira e cols. (1998) com garis de Ribeirão Preto (SP), na qual se levantou os acidentes de trabalho registrados no intervalo de dois anos, tomando por base vários documentos: CAT, arquivos do INSS e da empresa empregadora. Foram encontradas 44 ocorrências de acidentes, sendo esse número considerado muito baixo em relação ao número de garis contratados no mesmo intervalo pela empresa empregadora, que totalizava 233. Os acidentes mais frequentes foram causados por objetos cortantes e/ou perfurantes, colisões com veículos e quedas, sendo as partes do corpo mais agredidas os membros inferiores e os superiores.
Quanto aos estudos patológicos, caracterizam-se pelo uso de abordagem epidemiológica e técnicas quantitativas. Um deles foi desenvolvido por Mabuchi e cols. (2007) para descrever o consumo de álcool, os motivos e as consequências desse hábito em 100 coletores de lixo. Aplicou-se um questionário denominado QRCAP, e os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Os resultados indicam que 98% da amostra ingere algum tipo de bebida alcoólica, sendo 15% considerada dependente. Apontam-se como principais precursores da iniciação na bebida, os estressores relacionados ao serviço de limpeza pública (odor expelido pelo lixo, falta de reconhecimento no trabalho, elevada carga horária e discriminação social), totalizando 30% das respostas. Esses achados corroboram com os estudos revisados por Santos (2008), nos quais o consumo abusivo de álcool também estaria relacionado ao fato de esses trabalhadores exercerem uma atividade socialmente discriminada, fatigante e economicamente mais humilde.
Os estudos focados nas enfermidades dos profissionais de limpeza urbana são inegavelmente valiosos, especialmente na elaboração de medidas combativas aos problemas de saúde, contudo ainda se fazem necessários maiores investimentos em estudos situados na perspectiva positiva de saúde desses profissionais, priorizando medidas preventivas. Tal perspectiva considera que o bem-estar psicológico pode estar fortemente influenciado pela presença de atributos individuais positivos. Assim, por exemplo, a competência, a autonomia, a aspiração, a criatividade e a coragem são algumas das características presentes em pessoas mentalmente sadias. Em outras palavras, as capacidades virtuosas dos indivíduos são indicadores promotores de saúde.
A presente pesquisa de campo, fundamentada na abordagem positiva de saúde, foi realizada com o objetivo de traçar um perfil de bem-estar psicológico em profissionais de limpeza urbana da cidade de Campina Grande (PB). Para atingir esse objetivo, avaliou-se o bemestar psicológico dos participantes, considerando cinco dimensões da saúde mental proposta no modelo ecológico de Warr (1987), e identificaram-se as principais características sociodemográficas da amostra, a fim de classificar grupos segundo a qualidade do bem-estar psicológico por características sociodemográficas.
A Saúde Mental sob o Ponto de Vista do Modelo Ecológico de Peter Warr
Durante muito tempo, predominou nos países ocidentais a ideia de que saúde e doença eram entidades separadas e de que as doenças tinham origem biológica e pouca relação com os problemas psicológicos e sociais. Foi com base nessa concepção dual e biológica que se desenvolveu o modelo biomédico, o qual se expandiu para várias áreas de conhecimento científico, incluindo a Psicologia. A saúde era, então, vista como "ausência de doença" (Bolander, 1998), e a maioria das pesquisas se ocupava em identificar aspectos negativos da saúde (enfermidades).
Ainda que o modelo biomédico tenha se mantido dominante no ocidente e seus referenciais continuem presentes em várias áreas de estudo, muitas críticas foram dirigidas a ele, sobretudo em meados do século XX, quando se constata que as doenças que mais contribuíam para aumentar os índices de mortalidade tinham etiologia comportamental (McIntyre, 1994). Esse fato veio demonstrar que, sob o olhar exclusivamente biomédico, muitos problemas permaneciam ignorados e/ou inexplicados. O declínio hegemônico do paradigma biomédico se torna mais evidente quando os custos se mostraram incompatíveis com os resultados obtidos e as políticas de saúde se mostraram essencialmente assistencialistas, altamente medicamentosas, com fortes desigualdades de acesso da população aos serviços de saúde, bem como quando se constatou o aumento de consultas e de hospitalizações (Saraceno, 1995).
A partir de 1948, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente como ausência de enfermidades" (World Health Organization [WHO], 1948), a saúde começou a ser vista de forma menos reducionista, e as pesquisas passaram a enfocar, também, os aspectos positivos de saúde. Apesar de receber críticas, essa nova definição trouxe a noção de que a saúde é um processo continuado e interdependente de preservação da vida. Também veio atender a complexidade e abrangência do construto, sendo compatível com a ideia de que a enfermidade física é somente uma das manifestações do desequilíbrio orgânico e que para compreender a saúde de forma mais integral é preciso agregar os aspectos psicológicos aos sociais. Desde então, o conceito negativo de saúde (ausência de doença) tem avançado para um conceito positivo (bem-estar).
Na década de 1960, intensificam-se pesquisas que passam a incorporar fatores não biológicos como: o meio ambiente, fatores sociodemográficos, condições de vida, etc., para entender os processos saúde/doença. Em 1966, com a aprovação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, pela Assembleia Geral da ONU, foi reconhecido o direito de todas as pessoas ao mais alto nível possível de bem-estar físico e mental, transformando, assim, o conceito proposto pela OMS em um processo de cidadania em que todos têm direito à saúde, sendo igualmente responsáveis pela manutenção da mesma. A saúde, dentro desse enfoque, ocorre e é consequência de ações realizadas em toda a sociedade, contudo, isso não exime o Estado, os médicos e outros profissionais de suas responsabilidades, mas agrega uma variável fundamental de respeito ao indivíduo, doente ou sadio, por meio do compromisso social solidário na consecução de um objetivo maior que é garantir condições dignas de vida.
Esse novo modo de entender a saúde abrangendo aspectos individuais e coletivos, bem como questões ambientais e sociais tem estimulado algumas pesquisas para avaliar transtornos psíquicos leves (ansiedade, estresse e depressão). Um exemplo são os estudos desenvolvidos por Goldberg, em 1972, centrados na ideia de que muitos indivíduos, mesmo aparentemente saudáveis, podem estar sofrendo de pequenos transtornos psicológicos (não psicóticos), em diferentes níveis.
Apesar dos avanços, muitos autores (Canguilhem, 2002; Ogden, 1999; Warr, 1987) consideram que o conceito de saúde permanece amplo, ambíguo e difícil de operacionalizar. Apontam como uma das dificuldades o fato de que a saúde, sendo um construto social que incorpora valores ideológicos de cada época e lugar, é um fenômeno psicossocial complexo, multidimensional e multifacetado e, por isso, dificilmente se pode construir um conceito universal de saúde aplicável a todos os povos e culturas. Dada a complexidade do fenômeno, esses autores também consideram que se tornou praticamente inviável elaborar um único modelo que contemple todos os aspectos que envolvem os processos saúde-doença. Assim, tais processos podem ser descritos e interpretados de formas distintas, dependendo da perspectiva teórica adotada. Em outras palavras, a saúde pode ser vista como um problema emocional, cognitivo, comportamental ou como uma realidade sócio-histórica (Álvaro, Torregrossa & Garrido, 1992).
No campo específico que estuda a relação entre Saúde Mental e Trabalho há várias formas de abordar a saúde, sendo que todas elas compartilham as mesmas bases epistemológicas para compreender tal problemática no âmbito do trabalho (Borges, Barbosa, Chaves & Andrade, 2007). De acordo com Mendes e Cruz (2004), as pesquisas desenvolvidas nesse campo, se assemelham quanto aos determinantes e consequências do trabalho para a saúde dos indivíduos e para o seu ambiente laboral e se diferenciam quanto às definições dos indicadores de saúde que podem contemplar aspectos de bem-estar, de mal-estar ou ambas as dimensões.
Na presente pesquisa, a saúde mental será abordada dentro de um conceito positivo (bemestar), tomando por base o modelo ecológico de Warr (1987), segundo o qual o bem-estar psicológico (ou equilíbrio emocional) é composto por cinco dimensões: bem-estar afetivo, competência pessoal, aspiração, autonomia e funcionamento integrado.
A primeira dimensão (bem-estar afetivo), considerada pelo autor como a mais importante para a saúde mental, define o quanto o indivíduo se sente bem internamente. Trata-se de uma categoria bidimensional, formada por dois eixos ortogonais, sendo um de prazer e o outro de estimulação.
A segunda dimensão (competência pessoal) diz respeito ao quanto o indivíduo consegue enfrentar as pressões do meio para realizar suas tarefas. Warr (1987) adverte que um baixo nível de competência nem sempre se mostra prejudicial à saúde mental; algumas vezes pode gerar no indivíduo motivação para aprender e se desenvolver. Por outro lado, níveis muito altos de competência nem sempre são favoráveis; em alguns casos pode gerar falta de interesse no indivíduo para desenvolver projetos e objetivos profissionais.
A terceira dimensão (autonomia) é a capacidade que o indivíduo tem de influenciar ou atuar ativamente no ambiente, fazendo valer suas ideias e opiniões. Segundo Warr (1987) para atingir um nível estável de saúde, o indivíduo deve ser independente o suficiente para atuar no meio social, sendo, portanto, responsável por suas escolhas e ações.
A quarta dimensão (aspiração) manifesta-se pela motivação, interesse e esforço do individuo em buscar oportunidades para alcançar seus objetivos. Segundo Warr (1987), níveis muito baixos de aspiração, bem como níveis muito elevados contribuem para a deterioração mental. Os baixos níveis indicam a falta de anseio e de ambição do indivíduo, podendo influenciá-lo negativamente na busca por oportunidades. Os altos níveis podem levar os indivíduos à frustração ou desmotivação, quando as metas, desejos ou oportunidades se tornam impossíveis de atingir.
A quinta e última dimensão (funcionamento integrado) se refere ao bem-estar psicológico integral do indivíduo que resulta da qualidade de todos os componentes descritos anteriormente.
O modelo proposto por Warr (1987) supõe que, quando o indivíduo apresenta déficits em uma ou mais dessas dimensões, sua saúde pode estar em risco, sendo que os níveis de alterações psíquicas (baixos, constantes, elevados) variam entre os indivíduos de acordo com seus atributos pessoais. Tais atributos funcionam como moderadores do impacto do ambiente sobre a saúde, sendo os mesmos avaliados por meio das dimensões de saúde, já explicitadas, e por meio das variáveis sociodemográficas.
MÉTODO
O presente estudo obedece a um delineamento correlacional, ex post facto, com corte transversal. Consideram-se as dimensões de saúde como variáveis-critério e os aspectos sociodemográficos como antecedentes destas.
Participantes
De acordo com a SOSUR, 500 garis concursados e 60 coletores de lixo terceirizados trabalham na limpeza urbana de Campina Grande (PB), perfazendo um total de 560 trabalhadores. Para compor a amostra, recorreu-se a um tipo de estratégia acidental, definida por Sarriá, Guardiã e Freixa (1999) como um processo de amostragem casual em que os participantes são incluídos de acordo com a acessibilidade e disponibilidade em colaborar com a pesquisa. Com base nesse procedimento, participaram da pesquisa 170 profissionais de ambos os sexos que estavam em pleno exercício da função e que aceitaram assinar o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (CLE). Destes, 123 são garis e 47 são coletores de lixo, correspondendo a uma amostra de 30,3% da população, com as seguintes características principais: a maioria é do sexo masculino (73%), casada (63,5%), com idade variando entre 18 a 66 anos (M = 35 anos; DP = 11,45) e tem em média 2 filhos. A maioria (51,2%) recebe renda mensal de um salário mínimo e 43,5% possui ensino fundamental incompleto.
Instrumentos
O bem-estar psicológico da amostra foi avaliado por meio dos seguintes instrumentos: Questionário de Saúde Geral (QSG-12), Escala de Afetos Positivos e Negativos e a Escala de Aspiração, sendo os fatores empíricos dessas escalas usados para medir cada uma das dimensões proposta no modelo ecológico de Warr (1987).
O QSG foi elaborado por Goldberg, em 1972, para identificar transtornos psíquicos menores de caráter não patológico. A primeira versão do questionário possui 60 itens, sendo reelaborada posteriormente e reduzida para 30, subsequentemente para 20 e, por último, para 12 questões. A redução da quantidade de itens não afetou o grau de confiabilidade do instrumento, sendo o mesmo bastante consistente e recomendado para estudos ocupacionais e epidemiológicos (Borges & Argolo, 2002; Gouveia e cols., 2003).
Na pesquisa, foi usada a versão mais reduzida (QSG-12) composta por perguntas que consistiram em indicadores para avaliar cada dimensão de bem-estar psicológico, aos quais os indivíduos responderam alternativas de frequência sobre a ocorrência dos mesmos nas últimas semanas, sendo suas respostas marcadas em uma escala de quatro pontos que variou de 0 a 3. O instrumento é autoadministrável, contém instruções simples que facilitam sua aplicação e conta com estudos de validação.
Na validação de Gouveia e colaboradores (2003) com uma amostra da população geral, foram encontrados parâmetros psicométricos favoráveis apresentando dois fatores: Depressão (alfa = 0,81) e Ansiedade (alfa = 0,66). Conforme alertam esses autores, o estudo evitou tratar com populações específicas, como a de estudantes e trabalhadores. Assim, optou-se pelo uso da validação de Borges e Argolo (2002) com amostras de empregados e desempregados, visto que os parâmetros psicométricos dessa validação se mostram mais adequados para estudos referentes a empregos e problemas ocupacionais. Nesse estudo foram identificados dois fatores com eigenvalues superiores a um, explicando conjuntamente 52,86% da variância total. O primeiro fator, denominado de Deterioração da Autoeficácia (alfa = 0,85), diz respeito à competência percebida pelos sujeitos na execução das atividades e o segundo fator denominado Depressão e Tensão Emocional (alfa = 0,75), se refere à tensão e ao esgotamento emocional sentidos pelos sujeitos.
A Escala de Afetos Positivos e Negativos foi elaborada por Diener e Emmons (1984), para avaliar a valência dos afetos. É composta por nove tipos de afeto, sendo quatro positivos (feliz, alegre, satisfeito e divertido) e cinco negativos (deprimido, preocupado, frustrado, raivoso e infeliz). Para equilibrar a quantidade de adjetivos, adotou-se o procedimento usado nos estudos de Chaves (2003; 2007), ou seja, foi incluído mais um adjetivo - otimista - ao conjunto de afetos positivos. O objetivo da escala é avaliar quanto o sujeito tem experimentado cada uma das dez emoções que se encontram dispostas no instrumento, em ordem numérica. A escala é formada por sete pontos que variam de 1 (nada) a 7 (extremamente).
Apesar da comprovada adequação psicométrica dessa escala em estudos precedentes, Chaves (2007) realizou nova validação, confirmando-a consistente para mensuração de dois fatores, sendo identificado eigenvalue de 4,22 para o primeiro fator (alfa = 0,84) e de 1,40 para o segundo fator (alfa = 0,71), que conjuntamente explicam 56,2% da variância total.
A Escala de Aspiração, de autoria de Paiva (2005), é composta por 11 itens com frases relativas à aspiração do indivíduo, em uma escala de resposta do tipo Likert que varia de 1 = pouco/quase nada a 5 = muito/bastante. O objetivo é avaliar quanto o indivíduo se sente interessado e motivado a alcançar metas, oportunidades e objetivos no trabalho. A análise fatorial desenvolvida pela autora identificou um único fator, denominado Aspiração (alfa = 0,78) com eigenvalue de 3,0, explicando 50,04% da variância total.
Uma síntese dos fatores usados como indicadores para avaliar cada dimensão do bem-estar psicológico proposta no modelo ecológico de Warr, pode ser visualizada na Tabela 1.
Também foi usada uma Ficha Sociodemográfica para recolher informações sobre idade, estado civil, nível de instrução escolar, etc., a fim de caracterizar a amostra, sendo tais características já resumidas na seção que descreve os participantes da pesquisa. A versão completa do instrumental foi organizada em forma de um protocolo para fins de coleta dos dados, sendo a aplicação de tal protocolo somente iniciada após autorização, por escrito, da SOSUR e aprovação do Conselho de Ética da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Procedimentos
A aplicação dos instrumentos ocorreu na sede da SOSUR e em diversos pontos da cidade onde os participantes estavam escalados para realizar as tarefas. Os protocolos eram entregues juntamente com o termo de concordância (TCLE), e antes de preencher os questionários, a equipe de pesquisa informava sobre os objetivos e os aspectos éticos da pesquisa. Como a literatura revisada apresenta a baixa escolarização como uma característica comum nessa categoria ocupacional (Mabuchi e cols., 2007; Santos, 2008; Sousa, 2007), esperava-se que alguns participantes apresentassem dificuldades para preencher os instrumentos, mas somente em seis casos o pesquisador precisou ler as questões, tirar as dúvidas e marcar as respostas indicadas pelos sujeitos.
Análise dos Dados
As respostas contidas nos questionários foram registradas na forma de banco de dados do SPSS (Statistical Package for Social Science for Windows), por meio do qual foram aplicados os procedimentos de análises estatísticas descritivas (média, desvio-padrão, frequência) com a finalidade de caracterizar a amostra. Também foram estimadas as médias ponderadas dos escores em todos os fatores das escalas e realizada a análise de cluster para identificar as semelhanças e diferenças significativas dos grupos. Por fim, foram elaboradas tabelas cruzadas e aplicado o teste de Qui-quadrado (χ2) para analisar os perfis de bem-estar psicológico por característica sociodemográfica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme dito e sintetizado na Tabela 1, a primeira dimensão de saúde - Bem-estar afetivo - foi avaliada pelos fatores: Depressão e Tensão Emocional, Afetos Positivos e Afetos Negativos. Para cada um desses fatores empíricos aplicaram-se análises descritivas.
A Tabela 2 mostra que a média encontrada no fator Depressão e Tensão Emocional foi de 0,4, indicando que os participantes tendem a apresentar reduzida tensão emocional, já que a escala varia de 0 a 3. Quando se calcula a distribuição dos escores por intervalo, constata-se que 152 participantes (89,4%) estão com nível reduzido de tensão e esgotamento, porém 18 (10,6%) se encontram em níveis intermediários.
Na escala de Afetos Positivos e Negativos, quanto maior a pontuação atribuída às emoções positivas, melhor bem-estar psicológico (escores a partir de 5), e quanto menores as pontuações atribuídas às emoções negativas (escores até 3) também melhor o bem-estar psicológico. As médias encontradas nos fatores Afetos Positivos e Negativos (Tabela 3) foram de 3,1 e 1,5, respectivamente, indicando que entre os profissionais de limpeza urbana prevalecem sentimentos positivos. O cálculo de distribuição dos escores por intervalos também aponta que a amostra tende a apresentar sentimentos mais positivos do que negativos, contudo todas as pontuações atribuídas às emoções positivas foram abaixo de 5, indicando que 45,2% experimentam níveis reduzidos de bem-estar psicológico e 54,8% experimentam níveis moderados.
Como nesses resultados (Tabelas 2 e 3) destacam-se mais aspectos positivos que negativos de saúde, pode-se deduzir que a primeira dimensão (bem-estar afetivo) não está prejudicada.
A segunda dimensão da saúde (Competência) e a terceira (Autonomia) foram avaliadas pelo fator Deterioração da Autoeficácia do QSG-12. Os indicadores descritivos da distribuição dos escores individuais obtidos nesse fator estão dispostos na Tabela 4 e, conforme se pode ver, a média encontrada foi de 0,4, indicando uma percepção de baixa dificuldade entre os profissionais de limpeza urbana para executar suas tarefas. Quando se distribuem os escores por intervalos, observa-se que 166 profissionais (97,6%) apresentam reduzida dificuldade em realizar as atividades e apenas 4 (2,4%) estão em um grau intermediário de dificuldade.
Observa-se nesses resultados que praticamente todos os participantes se percebem competentes e agindo com certa autonomia profissional, portanto as dimensões Competência e Autonomia não foram afetadas.
Para avaliar a quarta dimensão (Aspiração), tomaram-se os escores atribuídos pelos participantes ao fator Aspiração e levantaram-se as médias e o desvio-padrão da amostra nesse fator (escores de 1 a 5). A Tabela 5 mostra que a média encontrada foi de 1,8, indicando que entre os profissionais de limpeza urbana praticamente inexiste sentimentos de estímulo ou motivação em buscar oportunidades no trabalho. Quando se levantou a frequência de participantes por intervalo, observou-se que todos apresentaram escores entre os pontos 1 (70,6%) e 3 (29,4%) da escala, revelando que praticamente toda a amostra experimenta baixa aspiração no trabalho. Esses resultados sugerem que a dimensão aspiração está fortemente prejudicada para a maioria.
Assinala-se que, no modelo ecológico, quando os níveis de aspiração são muito baixos podem estar sinalizando a falta de ambição ou de interesse em alcançar certos valores como bens materiais ou o amor próprio, sendo esses valores apontados na literatura (Santos, 2008; Sousa, 2007) como problemáticos para os profissionais de limpeza urbana, devido à visão socialmente estigmatizada da categoria e à própria imagem que eles têm da profissão.
Aplicando-se o teste t de Student (Tabela 6), não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos fatores que avaliaram as cinco dimensões de bem-estar psicológico para os garis e coletores de lixo.
Como a quinta e última dimensão da saúde - Funcionamento Integrado - se manifesta pelo equilíbrio entre as quatro dimensões antes referidas, não se usou nenhum indicador específico para avaliá-la, e sim, a qualidade dos escores obtidos nas demais dimensões.
Analisou-se, então, como a saúde integral dos participantes (funcionamento integrado) se manifestava na amostra, aplicando-se a Análise de Conglomerados (cluster) ao conjunto dos cinco fatores indicadores do bem-estar psicológico. Essa técnica subdivide a amostra em subgrupos combinando seus escores, de modo a evidenciar as diferenças e as semelhanças significativas dos escores entre os grupos e dentro do próprio grupo. O resultado da Análise de Conglomerados (Tabela 7)1 identificou quatro grupos com os seguintes perfis de bem-estar psicológico: 1) Instável, 2) Ansioso, 3) Satisfatório e 4) Equilibrado.
Conforme se pode ver na Tabela 7, o primeiro perfil (bem-estar psicológico instável) é compartilhado por 39 participantes com as maiores médias em Afetos Positivos seguido de Afetos Negativos, o que denota oscilação entre esses dois sentimentos, sendo os positivos ligeiramente prevalentes.
O segundo perfil (bem-estar psicológico ansioso) agrupa 13 participantes com as maiores médias em Afetos Negativos, inclusive em comparação aos outros grupos. Também se destaca como o grupo que pontua mais alto em Depressão e Tensão Emocional e com mais baixo nível de Aspiração, o que o caracteriza como um grupo ligeiramente mais tenso que os demais e menos motivado no trabalho. Dentro do grupo, a menor média foi em Deterioração da Autoeficácia, porém quando comparada às demais, essa média se destaca como a maior, indicando que esse é o grupo que tem mais dificuldade em realizar as tarefas.
O terceiro perfil (bem-estar psicológico satisfatório) reúne 58 participantes, sendo o segundo maior grupo. Dentro do grupo a maior média foi em Afetos Positivos, seguida de Aspiração. Quando comparado aos demais grupos, a menor pontuação foi em Afetos Negativos. Esse grupo experimenta baixa ansiedade que não compromete a saúde mental.
O quarto perfil (bem-estar psicológico equilibrado) é formado por 60 participantes, sendo este o grupo mais numeroso e o que apresenta as maiores médias em Afetos Positivos. Inclusive, dentro do próprio grupo essa é também a maior média, seguida de Aspiração. Apresenta baixos escores em Depressão e Tensão Emocional, em Deterioração da Autoeficácia e em Afetos Negativos, o que o classifica como o grupo que se apresenta com a saúde mental mais equilibrada.
Observou-se nesses resultados que Afetos Positivos foi o indicador que mais se destacou positivamente e que os fatores Depressão e Tensão Emocional e Deterioração da Autoeficácia pontuaram baixo em todos os grupos. Em síntese, o funcionamento integrado dos profissionais de limpeza urbana encontra-se preservado para a maioria, mas 7,6% da amostra apresenta tensão emocional. Também se observou que todos os grupos experimentam déficits de aspiração no trabalho, sendo essa dimensão a que se destaca como mais ameaçadora à saúde mental.
Segundo Warr (1987), níveis muito baixos de aspiração não são considerados bons resultados, podendo indicar apatia nos indivíduos, falta de ambição para buscar oportunidades ou pouco esforço para atingir objetivos, seja porque eles não percebem êxito em seus esforços, seja porque suas expectativas estão aquém do que é possível alcançar. Para evitar que as pessoas sejam individualmente responsabilizadas pela falta de aspiração, Warr (1987) alerta sobre a importância de se considerar o contexto social em que elas estão inseridas. Refletindo, então, sobre os baixos níveis de aspiração encontrados na amostra, considera-se que, embora eles não possam ser completamente, nem diretamente atribuídos à imagem da profissão, não há como descartar a possibilidade de estarem associados ao exercício de uma atividade socialmente desprivilegiada, monótona, arriscada, mal remunerada, de baixa escolaridade e que oferece poucas chances de desenvolvimento das potencialidades para conquistar desejos intensos.
Por fim, elaborou-se uma tabela de dupla entrada e se aplicou o teste de Qui-quadrado (χ2) para analisar a variabilidade de todos os perfis de bem-estar psicológico (Instável, Ansioso, Satisfatório e Equilibrado) por características sociodemográficas (sexo, idade, nível de instrução, etc.). O resultado [χ2 (3, 170) = 13,61; p < 0,003] rejeita apenas a independência entre a variável sexo. Conforme se vê na Tabela 8, os homens tendem a apresentar mais bem-estar psíquico (perfis Equilibrado e Satisfatório) do que as mulheres (perfil Ansioso).
Tomando os resultados conjuntamente, foi possível identificar que o bem-estar psicológico está preservado para a maioria, mas 31% da amostra já inicia um processo de desgaste mental, sendo o caso das mulheres mais preocupante, visto que dentro do grupo elas se revelam mais tensas, mais negativas, sentem mais dificuldade de exercer as atividades e apresentam menor aspiração. Os homens se mostram emocionalmente mais equilibrados e seguros para executar as tarefas, o que pode estar contribuindo para melhor preservação da saúde em relação às mulheres; contudo, não se pode ignorar que eles também experimentam baixos níveis de aspiração e que boa parcela (18,8%) apresenta um perfil de saúde instável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo dessa pesquisa foi traçar um perfil de bem-estar psicológico em profissionais de limpeza urbana da cidade de Campina Grande (PB), avaliando cinco dimensões de saúde recomendadas no modelo ecológico de Warr (1987). À medida que os resultados foram sendo discutidos, tal objetivo foi se tornando mais claro, permitindo concluir que foi atingido.
Apesar da consecução do objetivo, uma limitação que merece ser destacada é o fato de que não houve dados suficientes para averiguar a situação de trabalho e sua relação com as dimensões de saúde avaliadas, sobretudo com os baixos níveis de aspiração observados nos resultados. Considera-se, entretanto, que tal limitação abre, ao mesmo tempo, novas possibilidades para futuras pesquisas em que essa relação seja mais bem explorada na categoria ocupacional estudada.
Apesar dessa limitação, considera-se importante a divulgação dos resultados à organização para que medidas preventivas e interventivas de saúde sejam planejadas a fim de reforçar aspectos individuais positivos nos espaços de trabalho, tais como: autonomia, autoeficácia, competência, etc., visto que tais aspectos surtem efeitos positivos na saúde dos trabalhadores e da própria organização.
Como existem poucos modelos explicativos que conciliam aspectos positivos de saúde, considera-se o modelo ecológico uma alternativa útil para fomentar discussões sobre saúde mental dentro de uma perspectiva positiva. Como a dimensão Aspiração se revelou a mais problemática, sugerem-se pesquisas futuras sobre a imagem que os garis, os coletores de lixo e a população em geral têm destas profissões e das suas condições de trabalho, a fim de avaliar mais profundamente os reflexos dessas imagens sobre a saúde mental desses profissionais.
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Recebido em: 26.02.2010
Aprovado em: 04.11.2010
Publicado em: 28.03.2011
* Endereço para envio de correspondência: Rua Antonio Joaquim Santiago, 115. Apto 201, Bl W. Condomínio Santa Bárbara II, Campina Grande (PB). CEP 58432045
1 A Análise de cluster indicou na tabela da ANOVA que todas as variáveis consideradas são capazes de diferenciar significativamente os grupos (p < 0,001).