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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.12 no.3 Florianópolis dic. 2012

 

Processos Psicossociais, bem-estar e estresse na aposentadoria

 

Psychosocial processes, well-being, and stress in retirement

 

 

José Carlos Zanelli

(Universidade Federal de Santa Catarina). Psicólogo, especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pelo Instituto Sedes Sapientiae (1978), mestre em Psicologia Social das Organizações pelo Instituto Metodista de Ensino Superior de São Bernardo do Campo (1984), doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1992), pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. Professor do curso de graduação e de pós-graduação em psicologia da UFSC. Endereço eletrônico: jczanelli@terra.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste ensaio é analisar as características psicossociais que facilitam o enfrentamento adequado dos estressores na transição para aposentadoria. Parte-se do pressuposto de que as mudanças são contínuas e inerentes ao desenvolvimento humano. Desse modo, a aposentadoria é mais um evento, embora significativo, entre tantas mudanças. O texto está subdivido em três seções.
A primeira seção trata de eventos contingentes ao afastamento das atividades usuais de trabalho. Entre tais eventos, estão as reorganizações das tarefas cotidianas, as percepções de perdas e ganhos, o planejamento e o modo como o novo período é vivenciado. Na segunda, mudanças interpessoais relevantes na transição para aposentadoria são analisadas, como a alternância de grupos de referência e a possibilidade de maior convívio familiar e conjugal. Na terceira, os principais aspectos relacionados às finanças, ao tempo livre e ao bem-estar implicam manejo econômico pessoal e familiar, estilo de vida e consumo, diferenças na utilização do tempo livre e realização dos desejos e busca de satisfação com a vida. Ao final, ressalta-se que uma complexa interação de variáveis influencia o bem-estar na aposentadoria e demanda continuada orientação e cuidados nas organizações de trabalho, a favor do desenvolvimento individual e redução de danos coletivos.

Palavras-chave: Aposentadoria, Processos Psicossociais, Bem-Estar, Estresse.


ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze the psychosocial characteristics that facilitate adequate coping with stressors in the transition to retirement. The basic assumption is that change is ongoing and inherent to human development. Thus, retirement is one more event, although significant, among many changes. The text is divided into three sections. The first section deals with the events contingent on retirement from usual work activities. Among such events are the rearrangement of everyday tasks, the perceptions of gains and losses, planning, and the way in which this new phase is experienced. In the second section, interpersonal changes relevant in the transition to retirement are analyzed, such as the shifting in reference groups and the possibility of expanded time for marital and family life. In the third, the main aspects related to finances, leisure time, and well-being entail management of personal and family finances, lifestyle and consumption, differences in the use of free time, and fulfillment of desires and a search for satisfaction with life. In the conclusion, we emphasize that a complex interplay of variables influences well-being in retirement, and demands continued guidance and care in work organizations. This is necessary for individual development and collective damage reduction.

Keywords: Retirement; Psychosocial Processes; Well-Being; Stress.


 

 

Mudanças contínuas, em diferentes graus ou intensidades, são inerentes ao desenvolvimento humano. Para Erikson (1987), o desenvolvimento humano se dá por meio de etapas e crises, que podem surgir nos momentos de mudança ou passagens de fases, caracterizadas como adaptações ou ajustamentos. Portanto, é coerente postular que estressores nos acompanham ao longo de toda vida, pois fazem parte da condição humana (Antonovsky, 1979). Nem sempre estes são intrinsecamente negativos ou têm apenas consequências prejudiciais. Os estressores podem promover o crescimento, a maturidade ou ter consequências saudáveis (Antonovsky, 1984; Antonovsky & Bernstein, 1986).

O desenvolvimento saudável depende da capacidade de interagir com novas situações, em especial aquelas que envolvem outras pessoas, em diferentes graus de significação para cada uma. De algum modo, tal processo afeta a maneira como aquele que passa pela transição convive com seus papéis e se sente aceito ou não pelos que o rodeiam. Eventuais dificuldades na transição para aposentadoria provêm das dúvidas e incertezas que podem acompanhar o encerramento de uma carreira, sobretudo se a identidade pessoal está fortemente vinculada ao papel profissional (Mutran & Reitzes, 1981).

O período da aposentadoria não implica necessariamente um tempo de afastamento radical das atividades características do desenvolvimento de uma carreira. Atividades alternativas podem ser conectadas àquilo que a pessoa realizou antes do evento da aposentadoria (Zanelli, 2000). Contudo, quanto mais o papel profissional diminui em força na construção da identidade ou, em outras palavras, quanto mais atividades de trabalho deixam de ser referenciadas ou associadas à pessoa que as desenvolvia, mais ela tenderá a se conectar com outras características que já detinha ou passou a revelar após a transição para aposentadoria. Trata-se, portanto, de um período propício a descobertas e aprendizados sobre si e sobre o mundo, as quais dependerão das habilidades que a pessoa desenvolveu e das suas condições objetivas de vida.

As decorrências dos processos psicossociais dependem das respostas da pessoa e das condições do ambiente externo que são construídas. A tensão resultante de tais processos pode ser vivida de diferentes maneiras. Se a pessoa lida de modo inapropriado com os estressores, a probabilidade de consequências nocivas pode ser acentuada. Contudo, lidar de modo adequado pode neutralizar prejuízos ou até favorecer o desenvolvimento individual e, também, coletivo, ao demandar menos desgaste e proporcionar alinhamento produtivo e saudável.

Neste estudo, o termo processo tem o significado de conjunto de etapas e atividades sequenciadas, nem sempre em articulação lógica, que produzem resultados. Assim, o momento de efetivação da aposentadoria é resultado de etapas e atividades que têm início remoto, anterior ao ingresso da pessoa no mercado de trabalho ou princípio de uma carreira. A infância pode ser considerada a primeira etapa na preparação para o mundo laboral (Zanelli, Silva & Tordera, no prelo).

A transição para aposentadoria é, tipicamente, um momento de mudança durante a vida humana. Questões que podem ser suscitadas para esse período do desenvolvimento, do ponto de vista psicossocial, estão relacionadas aos aspectos e às possibilidades de superar com vantagens ou aprender com tal processo de transição. Com base em tais pressupostos, o objetivo deste artigo é analisar as características psicossociais que facilitam o enfrentamento adequado dos estressores na transição para aposentadoria. Com tal propósito, este texto está sequenciado em três seções. A seguir, serão tratados eventos contingentes ao afastamento das atividades usuais de trabalho. Logo após, serão analisadas mudanças interpessoais relevantes na transição para aposentadoria. Finalmente, serão considerados os principais aspectos relacionados às finanças, ao tempo livre e ao bem-estar na aposentadoria.

 

AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES USUAIS DE TRABALHO

Se as mudanças que ocorrem na transição para aposentadoria são inevitáveis, para alguns elas podem representar uma significativa turbulência na inserção pessoal em diferentes contextos. O afastamento das atividades usuais de trabalho induz reorganizações temporais das tarefas cotidianas. O modo de vivenciar a aposentadoria atrela-se aos interesses e motivações pessoais, ao grau de comprometimento com o papel profissional até então exercido e à condição econômica do aposentado. Problemas decorrentes do rompimento muitas vezes estão vinculados a sentimentos de frustração, de impotência frente às transformações e, em casos extremos, à perda do amor próprio (Caldas, 2012).

Se, para alguns, a aposentadoria é percebida como um período de enfraquecimento de significados atribuídos à vida, de sentimentos de inutilidade e autodesvalorização, de vazio e solidão, para outros representa um tempo de novas conquistas, de liberdade, de desenvolvimento pessoal - a fase em que se pode executar o que a restrição de tempo impedia (Fraiman, 1990; Zanelli & Silva, 1996; Zanelli, Silva & Soares, 2010). Portanto, a depender da capacidade pessoal de enfrentamento e das condições que o ambiente proporciona para o crescimento individual, a aposentadoria pode ser vivenciada de maneira construtiva ou restritiva.

A aposentadoria, quando vivenciada como mudanças que são impostas ao mundo social e pessoal, pode acarretar isolamento social, desajustes familiares e conjugais, enfermidades e até mesmo mortes inesperadas em períodos imediatamente posteriores ao desligamento do trabalho (Fraiman, 1990; Salgado, 1980). Contudo, as atividades que favorecem a satisfação pessoal podem contribuir para o desenvolvimento físico e mental, incrementar a interação social e ser percebida como um meio de contrabalançar eventuais perdas (Deps, 1994).

É necessário analisar o contexto de transição para aposentadoria. O grau de satisfação e o comprometimento com o trabalho realizado e o comprometimento com a organização ou organizações com as quais a pessoa manteve vínculos, as interações com colegas e com superiores, as oportunidades de crescimento pessoal e autonomia, entre outros aspectos, influenciam na decisão pela aposentadoria e seus possíveis desdobramentos. As percepções de perdas e ganhos decorrentes da aposentadoria são relevantes. Possíveis mudanças nos aspectos normativos da legislação previdenciária podem pressionar a decisão de desligamento: ter completado o tempo de serviço exigido em lei para requerer a aposentadoria, associada à expectativa de exercer com mais intensidade atividades lúdicas, de ter uma vida menos cansativa e estressante, de dedicar-se mais à família ou, de modo diverso, a expectativa de iniciar outra carreira, são elementos considerados na decisão. A perspectiva de possível maior controle do tempo disponível e uso para satisfação de necessidades pessoais estão, no geral, entre as percepções frequentes de ganho. Em contrapartida, a insegurança no que concerne à redução de rendimentos ou à estabilidade financeira são muito comuns. Também estão entre as perdas, preocupações com os vínculos de amizade do ambiente laboral, redução de oportunidades de desenvolvimento profissional, perda de status profissional e sentimentos de inutilidade.

As condições de trabalho ao longo de muitos anos, para grande parcela de aposentados, acabam por se revelar na forma de problemas físicos e sintomas de distresse (ou estresse negativo), já que a busca por rendimentos para a sobrevivência pode reduzir a busca por atividades lúdicas, hábitos alimentares saudáveis e a prática de exercícios físicos regulares (OMS, 2002; Caldas, 2009). A oportunidade da prática de atividades físicas regulares retarda o processo de envelhecimento e minimiza a dependência patológica para a sobrevivência (Deps, 1994; Neri, 2007; Shephard, 1994). Além disso, as atividades físicas quando associadas às atividades sociais têm efeitos terapêuticos e são preventivas do distresse, em especial, quando diz respeito à insuficiente ativação do organismo. Um estilo de vida que combina atividade física regular, alimentação adequada e controle do estresse podem proporcionar longevidade e uma vida mais saudável.

Planejar a aposentadoria, estar preparado para possíveis turbulências e ajustes no curso dessa etapa da vida, sem dúvida, é positivo e relevante para a sobrevivência. Algarín, Bernal e Sánchez-Serrano (2007) analisam o fenômeno e defendem que pessoas com níveis mais elevados de educação, com maiores rendimentos e enquadre profissional são aquelas que melhor planejam suas aposentadorias e, por isso, apresentam maior adequação à nova etapa.

A ansiedade, em diferentes graus, é recorrente no período próximo ao afastamento, como em qualquer processo de transição. Nem todos estão seguros do que farão, mas o desconhecimento de informações pertinentes e a negação de fatores emocionais específicos desse momento são potenciais dificultadores da transição. Embora pouco praticado pelos brasileiros (Bellotto, 2009), o planejamento é largamente citado como a melhor maneira de reduzir os riscos e aprender a lidar com os estressores potenciais da aposentadoria (França, 1992; Zanelli & Silva, 1996; Zanelli, Silva & Soares, 2010). Entre os elementos previsíveis na adaptação saudável, os aspectos financeiros são os que centralizam a atenção da maioria dos que vão se aposentar e que poderiam ser minimizados se fossem antecipados pela educação ou planejamento, como responsabilidade, sobretudo, do Estado (Stepansky, 2012). Contudo, é inegável a influência de fatores relacionados ao bem-estar físico, social e psicológico.

A manutenção de uma autoimagem de saúde física precária, decorrente e reforçada pelos desgastes profissionais, por condições inadequadas do exercício das atividades de trabalho, pode também ser propícia a manifestações psicológicas desfavoráveis. Conforme Gabriel (1984), atitude favorável e autoimagem positiva da saúde física potencializam sensações de bem-estar. Assim, estas podem proporcionar cognições de distanciamento da velhice e da morte, usufruir melhor a vida, favorecer mobilidade e encontros para recreação ou construção social (França, 2009a).

O nível econômico, o tipo de trabalho praticado, o estilo de vida e a saúde prévia estão relacionados ao estado de bem-estar experimentado nos anos posteriores à aposentadoria. São fatores em mutideterminações e requerem abordagens multidisciplinares para a compreensão da aposentaodoria (França & Stepansky, 2012). Assim como a saúde, o estado civil, os rendimentos financeiros e o nível de educação cumprem um papel destacado na predição do ajuste posterior à aposentadoria. Todas essas variáveis interagem de modo conjugado. Contudo, os que detêm maior nível de educação são aqueles que melhor planejam a continuidade de vida para a nova situação (Queiroz, 2006, 2007). Razões positivas para antecipar a aposentadoria, como a busca de liberdade, desfrute de atividades e relacionamentos prazeirosos ocorrem com maior frequência entre trabalhadores em ocupações mais altas, com maior nível educacional e pessoal do setor de serviços (Henkes & Siegers, 1994).

Para quem está prestes a se aposentar, os anos imediatamente anteriores ao evento formal de desligamento pela aposentadoria podem ser de intensas preocupações ou nem tanto. De qualquer maneira, além dos aspectos de ordem subjetiva, as condições objetivas desse período são relevantes. Entre os aspectos pessoais, estão incluídas as condições de saúde, interesses, finanças, oportunidades de novos rendimentos, responsibilidades ou demandas familiares. A organização onde a pessoa trabalha, pautada por suas políticas e características culturais, também pode forçar o evento. O grupo de trabalho pode, igualmente, se revelar pressionador (Zanelli, Silva & Soares, 2010). Potocnik, Tordera e Peiró (2009, 2010) demonstram que o contexto organizacional e o contexto do grupo desempenham um papel importante e fatores de ambos os contextos interagem no processo exitoso de aposentadoria. Potocnik, Tordera e Peiró (2009) argumentam que os contextos grupais e organizacionais desempenham um papel importante no processo de aposentadoria. Além disso, seus resultados sustentam uma interação entre os fatores grupais e os organizacionais no processo de desligamento do trabalho, nomeadamente, as práticas de Recursos Humanos e as normas do grupo de trabalho.

Como o papel profissional é vivido em diferentes intensidades, o afastamento das atividades usuais de trabalho afeta as pessoas de forma distinta. Para alguns, o papel profissional se constitui na principal fonte de significados, de prestígio e de reconhecimento. O afastamento formal das atividades de uma carreira, quando resulta em crise, remete a sentimentos de vazio e solidão. Santos (1990) classifica três tipos principais de vivências da aposentadoria: aposentadoria recusa, aposentadoria sobrevivência e aposentadoria liberdade.

A aposentadoria recusa, como o nome indica, é caracterizada pela dificuldade em aceitar o papel de aposentado e ausência de projetos desvinculados do contexto de trabalho. O conceito de trabalho é fortemente impregnado da ideia de juventude e a aposentadoria, por decorrência, representa velhice e, mesmo, marginalidade. O papel profissional é a principal fonte de prestígio, poder, engajamento e confronto da angústia ou vazio existencial. O tempo livre, para muitos, ao longo da vida, é dedicado à família e às atividades de lazer. Ao chegar à aposentadoria, o entorno pessoal imediato está reestruturado, muitas vezes com os filhos distantes de casa, envolvidos com seus interesses (Allonso, 2012). Resumir uma vida ao trabalho pode resultar, ao chegar o momento da aposentadoria, em uma situação de crise. Mesmo se o esforço de uma vida de trabalho permitiu acúmulo financeiro e acesso a condições facilitadoras, a busca da continuidade de dedicação laboral persiste.

A aposentadoria sobrevivência acontece para pessoas que investiram intensamente no desenvolvimento de competências profissionais como garantia de subsistência. É comum na história de pessoas que tiveram no trabalho uma alternativa de sair de condições difíceis ou de desfavorecimento econômico. O trabalho pode não representar, em si, uma fonte de significados ou, até, representar opressão e alienação. O tempo de trabalho é supervalorizado e o não trabalho é desperdício. O que leva à imagem da aposentadoria como algo negativo, de perda de rendimentos. A única vantagem é a de uma entrada financeira sem a obrigação laboral. O descanso e o tempo para si não fazem parte dos projetos pessoais.

Finalmente, a aposentadoria liberdade é vivida como um momento de realização, um direito adquirido pelos esforços durante o período dedicado às atividades laborais. Pessoas nessa perspectiva constroem suas identidades baseadas não apenas no papel profissional, mas também em outras fontes de engajamento, outras motivações e papéis sociais. A aposentadoria é vivida como um novo período, voltado para atividades que podem proporcionar prazer e autorrealização. Os sentimentos são positivos e os projetos de vida fora do trabalho formal emergem facilmente (Costa & Soares, 2011). Nessa condição, a pessoa pode se dedicar a atividades de assistência ou de colaboração ativa em entidades beneficentes ou à própria família. Outra possibilidade é o direcionamento para atividades de construção e aprimoramento pessoal, em relações conjuntas ou centradas em objetivos pessoais, visando o autodesenvolvimento.

 

MUDANÇAS INTERPESSOAIS NA TRANSIÇÃO PARA APOSENTADORIA

A condição de aposentado é percebida por muitos como o ato de requerer o desligamento formalmente, retirar-se das atividades de trabalho de sua carreira e passar a viver exclusivamente pelo suporte financeiro de seus proventos de aposentado (Fraiman, 1990). Como decorrência, inserir-se em um novo grupo e condição social leva a necessárias adaptações, que são percebidas em diferentes graus de estresse. Ainda mais, os significados implícitos - para a maior parte das pessoas, não conscientes - estão associados, em uma só palavra, ao término. A ideia mais contundente de término é a que diz respeito à própria vida (Zanelli, 1994). A concepção de envelhecimento emparelhada à transição para aposentadoria pode ser real, no sentido biológico de deterioração do organismo ao longo dos anos de trabalho e situações de precária qualidade de vida. Pode, também, ser psicológica, no sentido de uma percepção de finitude que não corresponde exatamente ao desgaste biológico e físico.

O trabalho tem sido amplamente discutido em suas implicações para significados relevantes, tanto na perspectiva psicológica como social. É tanto fundamental para o desenvolvimento da autoestima como para a construção da realidade social. O trabalho tem potencial realizador para o ser humano e pode propiciar prazer e satisfação, como pode alienar e fragmentar. A submissão a atividades sem significados aliena, enquanto as condições expropriatórias devastam o ambiente, aumentam o consumo e convertem-se em objetivos deteriorantes (Martin-Baró, 1985).

A pessoa tanto pode se tornar significativa para si e para os demais por meio de seu trabalho, como entrar em uma espiral crescente de frustração. Ao se aproximar do período de transição para aposentadoria, os sentimentos e sentidos atribuídos ao próprio trabalho podem oscilar desde relevantes para si e para o entorno, como a autopercepção de uma peça substituível na cadeia produtiva e sensação de alívio ao se livrar de um fardo. Tanto pode representar uma nova fase na vida, oportunidades de realizar projetos e de desenvolvimento pessoal, como pode ser um prenúncio de perdas insuperáveis (Zanelli, Silva & Soares, 2010).

O rompimento com a rotina de trabalho, sobretudo quando se efetiva de uma maneira brusca e produz transformações significativas nos aspectos de vida ligados ao contexto interpessoal, financeiro e de lazer implica a readaptação. Tal processo muitas vezes é associado à perda de um posto no sistema de produção que afeta fortemente a autoimagem e a autoestima. Na perspectiva psicossocial, no sistema de produção que nos cerca, o trabalho está fortemente vinculado aos ganhos financeiros e possibilidades de adquirir bens. A isso, muitas vezes, se atribui o significado de realização: status econômico e projeção social. O contraponto dessa lógica que valoriza as pessoas economicamente ativas é a desvalorização daqueles que se tornam "inativos" (Moragas Moragas, 1998), denominação convencionada no Brasil para caracterizar formalmente quem se retirou do mercado de trabalho ou não colabora regularmente com o sistema vigente de produção.

A transição para a aposentadoria - compreendida como o lapso de tempo desde o período imediatamente anterior e o posterior ao evento formal do desligamento ou encerramento de uma carreira - é vivenciada peculiarmente pelas pessoas como dependente de sua experiência com o trabalho, desenvolvimento de competências, capacidade de enfretamento e resiliência, condições de vida e outros aspectos. As possibilidades e dificuldades que podem incidir no período de transição para aposentadoria têm sido debatidas e reconhecidas como facilitadas em atividades promotoras de compreensões e vivências antecipatórias nos programas de preparação ou de orientação (França, 2008; Zanelli, Silva & Soares, 2010). No geral, pode-se argumentar, há uma estigmatização e rejeição social de tal período (Fraiman,1990), pelos motivos já mencionados de exclusão do mundo produtivo ou conexões com a velhice e término de vida. Em compensação, as possibilidades de adaptação saudável e redução do estresse dizem respeito ao controle financeiro, promoção de autonomia e independência, suporte afetivo e integração social na família, cônjuge e amigos, de modo a proporcionar a manutenção da saúde, motivação e interesse por projetos de continuidade (Brasil, 2008).

A participação em um grupo de trabalho durante décadas propicia identificações e autopercepções de pertencimento a tal grupo (endogrupo) como uma referência nas construções subjetivas. A aproximação do evento da aposentadoria, mais para alguns do que para outros, é vivenciada como um momento para observar as implicações da retirada, ou seja, as possíveis decorrências de uma passagem ou transição do endogrupo para o exogrupo, o dos aposentados (Zanelli, Silva & Soares, 2010). A consciência das pressões internas e externas à pessoa, a busca de alternativas ou projetos de continuidade, a desvinculação progressiva das rotinas de trabalho são facilitadoras do processo de transição.

O apoio de familiares e amigos tem estrita conexão com a atitude frente à aposentadoria (França, 2009b). Dois aspectos são particularmente importantes nesse processo. A reconstrução da identidade é facilitada na proporção do apoio percebido pelo aposentado. O outro aspecto, não menos importante, é o grau de consonância nas expectativas acerca da aposentadoria por parte do aposentado e das pessoas que o rodeiam. Se a consonância é positiva, no sentido de confirmar e reforçar, a reconstrução da identidade tenderá a ser satisfatória (Neri, 2007).

A dinâmica familiar exerce influência na vida do aposentado. Quando a opção é por maior permanência no lar, ou seja, quando o aposentado não busca atividades de continuidade de trabalho, remuneradas ou não, ou atividades de lazer e ocupação do tempo externas ao convívio familiar, podem advir problemas de relacionamento conjugal e com os demais membros da família. Em contraponto, dependendo das características dos relacionamentos familiares anteriores à aposentadoria e das vivências nesse período, interações gratificantes podem ser estabelecidas (Fraiman, 1990; Gabriel, 1984; Moragas Moragas, 1998; Salgado, 1980).

Szinovacz (1996) registra que a maioria dos casais tem um bom ajuste ao processo de transição para a aposentadoria e gozam de satisfação conjugal. Quando ocorrem problemas, estão associados a falta de saúde, carências financeiras e assincronia, ou seja, aposentadorias em diferentes tempos. Concluiu que quando o marido se aposenta e a mulher continua trabalhando as percepções de menor qualidade conjugal são atribuídas aos casais com papéis de gênero tradicional - o homem como provedor do lar. Ao contrário, mulheres aposentadas e maridos trabalhando relatam maior qualidade matrimonial.

Szinovacz e Washo (1992) postulam que as dificuldades que mulheres apresentam na aposentadoria podem estar relacionadas aos papéis tradicionais da mulher na sociedade, vinculados à inferioridade, dependência e passividade, se comparadas aos homens. A menor satisfação na aposentadoria por parte das mulheres pode estar atrelada a um menor nível de rendimentos financeiros (Osorio, 2007).

Na sociedade ocidental, supõe-se que o trabalho é um elemento central da identidade masculina (Santos, 1990; Witczak, 2005). Para a mulher, embora a crescente inserção feminina no mundo formal de trabalho, as atividades de cuidados da família e do lar ainda representam parcela relevante. Ou seja, no geral, a mulher pode encontrar pontos referenciais de identificação que extrapolam o circuito formal de trabalho. Tanto para Moragas Moragas (1998) como para Santos (1990), a assunção das responsabilidades domésticas ameniza possíveis efeitos adversos da aposentadoria para as mulheres. Moragas Moragas (1998) argumenta que, para a mulher, conflitos podem decorrer pela efetivação da aposentadoria do marido e, assim, alterar o ritmo das atividades domésticas, pelo maior tempo de permanência dele no lar.

O desfrute mútuo entre os cônjuges depende de como sentem satisfação na companhia um do outro. As experiências ao longo da vida e o modo como os papéis foram experienciados são relevantes: aatração e sexualidade; a administração familiar para prover a alimentação, saúde e recreação; o prazer e a apreciação mútua; as habilidades de comunicação; o companheirismo e a cooperação; os cuidados e o relacionamento com os filhos. Supõe-se que os filhos, nessa etapa da vida, podem estar casados. Os netos do aposentado, nesse caso, podem constituir um assunto particular, no sentido de que podem ser uma fonte de satisfação, bem como de conflitos, se ocorrerem divergências relativas à criação destes e outros desacordos. Se os filhos do aposentado ainda permanecem no lar, interferências contínuas em seus estilos de vida terão reações indesejadas, o que pode provocar discórdias e levar a sentimentos de frustração e rejeição. Mas também podem encontrar nos filhos uma fonte de significados que dão razão à existência e à continuidade.

A redução dos processos estressores negativos depende da facilitação de aprendizagens de esquemas de conduta assertivas quanto aos estigmas da sociedade ocidental que atribui relevância exacerbada à juventude e à produtividade econômica. Por consequência, as condições oferecidas pela sociedade para atualizações e reciclagens das pessoas nesse período de vida são escassas. Podem ser considerados investimentos com baixo retorno, em base de concepções infundadas de inevitável declínio físico e das capacidades vitais que acabam, em ciclo perverso, que leva a crenças e sentimentos de menos valia. Trata-se de um processo de construção social de barreiras e expectativas desfavoráveis, que induz o aposentado ou mesmo o aposentando a se autolimitar e desenvolver autopercepções de ineficácia e de renúncia. A contrapartida redentora é o convencimento de que as experiências de uma vida longa produzem um repertório de competências e que, por hipótese, a maturidade fortalece capacidades de enfrentamento distintas e significativas.

A interação e o compartilhamento, em especial com pessoas da mesma faixa etária, favorecem a emergência de sentidos para a vida, projetos comuns e o bem-estar. É uma alternativa adequada para enfrentar perdas eventuais, desmitificar valores dessa sociedade de consumo desenfreado, reforçar o autoconceito e a autoeficácia; enfim, manejar as situações estressoras.

 

FINANÇAS, TEMPO LIVRE E BEM-ESTAR NA APOSENTADORIA

A tendência de consumo exacerbado que a nossa sociedade incute conduz as pessoas a um envolvimento intenso com o trabalho. Como decorrência, o tempo livre para desfrutar o que a vida nos oferece de prazeres no desenvolvimento intelectual, relacional, espiritual e de contemplações são relegadas a um segundo plano. O trabalho tem se tornado a grande razão da existência, ainda que com exceções veementes.

Os relacionamentos e as condições de acesso ao lazer são demarcados pelas possibilidades econômicas. Na aposentadoria, dependendo das condições, as desigualdades sociais e as iniquidades do sistema social ficam ainda mais óbvias. A transição para aposentadoria implica, para grande parte dos trabalhadores brasileiros, uma diminuição significativa no padrão de consumo e de qualidade de vida.

As dificuldades financeiras são agravadas se o entorno familiar e a mídia corrobora para instigar um padrão de consumo desproporcional aos rendimentos. Mecanismos de comparação com outras pessoas podem favorecer sentimentos de incompetência, de insuficiências e percepções de finitude ou de escassez de tempo para realizações. Frustração e revolta podem advir da autopercepção de ter trabalhado durante anos e não ter conseguido o suficiente para manter o prestígio, a dignidade, ou mesmo a sobrevivência (Sá Júnior, 1980).

Estilo de vida e condições financeiras têm relações evidentes (Sorensen & Buhl, 2007). As atitudes relativas ao controle econômico pessoal e familiar e o modo de encarar a utilização de recursos e gastos influenciam a satisfação na transição e adequação à aposentadoria. Percepção e manejo balanceado dos ingressos financeiros, tanto para homens como para mulheres, quando aliados a uma boa saúde, a condições ambientais vivenciadas como agradáveis e ao convívio social gratificante perfazem uma configuração ideal para o ajuste do aposentado à sua nova condição.

A qualidade de vida, em estreita relação com a capacidade de enfrentamentos de possíveis estressores durante a transição para aposentadoria, é multideterminada por variáveis que interligam dimensões que propiciam satisfação com a vida conforme ela é percebida, incluindo satisfação com a família, com a vida social, com as atividades físicas e de trabalho. Um conjunto de parâmetros individuais, socioculturais e ambientais que caracterizam as condições em que vive o ser humano (Nahas, 1989; 1994). Portanto, uma percepção individual relativa ao bem-estar físico, emocional, cognitivo e comportamental, que integra componentes do trabalho, família e amigos. Uma classificação elaborada por Baker e Intagliata (1982), nas dimensões delimitadoras da qualidade de vida, inclui: bem-estar físico e material, relacionamento interpessoal, atividades sociais, comunitárias e cívicas, satisfação pessoal e recreação, percepção intrapessoal (autoimagem e autoestima). Enfim, a qualidade de vida é influenciada por fatores financeiros, socioculturais, éticos e pelo estilo de vida. Na aposentadoria, revela-se o bem-estar individual, com suas implicações biológicas e psicossociais.

A inadaptação na aposentadoria, portanto, decorre de um conjunto de fatores que é caracterizado por insatisfação com a vida e pode se manifestar em comportamentos e sintomas depressivos ou de ansiedade. Agrava-se pela incapacidade de lidar com a perda de amigos e os medos de doenças, da solidão, da insegurança econômica e da morte. Requer atenção quando surgem preocupações excessivas, desinteresse pelos fatos cotidianos, fadiga constante, perda de espontaneidade e, sobretudo, quando são expressas autopercepções de insegurança, de inutilidade, de desânimo e tristeza, às vezes, acompanhadas de episódios de compulsão alimentar ou perda de apetite, emagrecimento ou obesidade e outras manifestações somáticas. Também pode ocorrer o consumo excessivo de drogas. No extremo, verbalizações ou até tentativas de suicídio. Na dimensão interacional, a insegurança e a agressividade podem prejudicar os relacionamentos gerais e, entre os mais próximos, restringir o círculo de amizades do aposentado e causar conflitos no âmbito familiar, em especial, com o cônjuge.

Supõe-se que as pessoas que preservam seu tempo livre, enquanto ainda estão vinculadas ao exercício da carreira, para atividades que extrapolam o trabalho, tendem a encontrar maior facilidade na transição. Ao contrário, aqueles que estão habituados a preencher seu tempo livre com atividades diretamente relacionadas ao seu fazer laboral, seja por motivos de necessidades financeiras ou de atitudes e percepões reduzidas à dimensão econômica, terão maior dificuldade de ajustes ao gozo do tempo livre e de interações gratificantes fora do trabalho.

Como o circuito de amizades tende a ser fortemente uma decorrência ou está estruturado com base nas pessoas que convivem no ambiente de trabalho, o afastamento desse contexto enfraquece tais laços e pode reduzir as oportunidades de interações no período em que, pressupõe-se, o aposentado dispõe de tempo livre. A situação pode ser agravada pela redução dos proventos, como tem sido uma realidade comum para muitos aposentados, em diversos países. Então, o tempo livre tão duramente conquistado pode rapidamente se tornar tempo vazio, pela falta de amigos e pela carência financeira para cobrir despesas com atividades de lazer ou, mesmo, de desenvolvimento pessoal, como aprendizagens de uma língua estrangeira ou oportunidades de viagens. O tempo livre, escasso antes da aposentadoria, nesse momento pode trazer os fantasmas do tédio e da solidão.

O tempo livre, que tende a se tornar maior na aposentadoria, tem características distintas do tempo livre daquele que mantém suas atividades regulares de trabalho, porque é institucionalmente determinado, de acordo com as regras de controle dos processos produtivos (Donfut, 1980). Em princípio, dispor de tempo livre na condição de aposentado, significa libertar-se das obrigações e descortinar possibilidades de ações potencialmente agradáveis. Para os homens, em nossa cultura, é comum uma maior dedicação às preferências esportivas e convívio com os amigos. Para muitas mulheres, são frequentes as opções por atividades voltadas para o lar e as atenções à família.

O relacionamento com o cônjuge, filhos, parentes, vizinhos e amigos, quando é consciente e valorizado de modo a se tornar um objetivo de busca prazeirosa de vida, tem repercussões óbvias no bem-estar do aposentado. A aproximação do casal, nessa fase, pode estar relacionada ao fato de os filhos estarem casados. Os espaços do lar podem ter ficado novamente à plena disposição de ambos - com as implicações daquilo que tem sido denominado "síndrome do ninho vazio". Em vez de ser vivenciado negativamente, tal momento pode ser de prazeres se, por exemplo, o compartilhamento das tarefas domésticas for planejado para que ambos usufruam do lazer em conjunto. É claro, o incremento de insatisfações mútuas pode acontecer, assim como o comprometimento conjugal pode se acentuar, se participam das mesmas atividades ou quando há limites e respeito pelas atividades, locais e horários do lazer do outro.

Realizar desejos e ter satisfação ou prazer tem conotações de bem-estar. Sem adentrar as vias do que pode produzir o egoísmo e o autocentramento, o aposentado, em princípio, dispõe de tempo para a busca que o aproximará de maior bem-estar. A depender do desenvolvimento do aposentado e das condições de seu entorno, o tempo livre pode ser vivenciado de maneira positiva, para o desenvolvimento pessoal, além da oportunidade de descanso, em atividades recreacionais e culturais. Assim, a promoção do crescimento, as trocas criativas e a expansão de interesses são favorecidas. É sempre necessário recordar que, para isso, é preciso que a pessoa detenha recursos financeiros proporcionais às demandas, saúde, otimismo, autonomia, campo de interesses ampliado e maturidade emocional (Moragas Moragas, 1998). O planejamento ou a preparação para aposentadoria, sem dúvida, tem como propósito auxiliar no alcance de tais resultados.

A diversidade de interesses e motivações pessoais e as possibilidades de delinear projetos na aposentadoria, ou no período anterior ao desligamento, facilitam a adaptação à aposentadoria. Assim, o bem-estar subjetivo está fortemente relacionado ao envolvimento em atividades fora da rotina e do isolamento, à busca de significados para a existência; em suma, à capacidade de adaptação (Neri, 1993).

As experiências e assimilações comuns na aposentadoria dependem da maneira como cada um percebe o transcurso do tempo e a perspectiva de finitude. O bem-estar nesse período e a adequação aos fatos inelutáveis da existência não se dissociam. Se a velhice e a morte são elaboradas em sua inevitabilidade, com ansiedade controlada e evolução natural, a capacidade de integração e conexão com o presente é potencializada. Aumenta-se a probabilidade de vida ativa e consequentes impressões de participação, de autonomia e de movimento, fundamentais para quem dispõe de tempo (França, 1992). Em sentido contrário, a inatividade é percebida como vazio, alienação e prenúncio da morte.

As atividadades grupais têm maior potencial de benefícios, sobretudo nessa fase da vida, comparadas com o isolamento, na proporção que o suporte social incrementa o compartilhamento para solução de problemas, a troca de conselhos e sugestões, o descortinamento de ações e alternativas que podem advir do convívio (Neri, 1993, 2001). Enfim, grupos de apoio auxiliam a manter o autoconceito positivo em momentos de prováveis debilidades e emergência de dificuldades.

Outro aspecto que surge ou fica mais evidente nesse período, muitas vezes associado aos grupos de apoio, é a aproximação às práticas místicas, religiosas e filosóficas. O despertar de sentimentos e comportamentos religiosos pode propiciar sentido à vida e compreensão do mundo em um momento em que as pessoas podem dar maior atenção a aspectos subjetivos. Para muitas pessoas, a sensação de bem-estar e de satisfação com a vida é corroborada (Neri, 1993, 2001).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As dificuldades no enfrentamento dos eventos associados à aposentadoria, como uma fase de ocorrências peculiares, podem ser derivadas de um foco excessivo nas perdas e privações: das atividades de trabalho, do status, dos relacionamentos, do reconhecimento profissional, entre outras. O tempo livre, nessa configuração, pode deixar de ser visto como oportunidade para novas descobertas e aprendizagens e reduzir a capacidade de enfrentamento dos estressores característicos desse período de vida.

Seja o desenvolvimento positivo na aposentadoria, que propicia o crescimento pessoal, o convívio saudável, atividades solidárias e colaborativas, seja a desadaptação e insatisfação com a vida e suas consequências nefastas, ambos estão inelutavelmente ligados a uma complexa rede de variáveis composta pela história de vida no trabalho, contexto social e de lazer, condições socioeconômicas, ajustamento familiar, convicções filosóficas e religiosas, espiritualidade, construção da subjetividade e percepção da velhice. Observa-se que a autoaceitação, relações positivas com os outros, desenvolvimento da autonomia, intencionalidade e direcionalidade na busca de metas na vida, senso de domínio e competência sobre os eventos do ambiente e da própria vida favorecem o processo de adaptação. Outros fatores fazem parte do processo: percepção da saúde, satisfação com a família, situação econômica, atividades fora da família, status social, capacidade de iniciar e manter contatos sociais e avaliação da situação atual. No geral, a competência social, a produtividade, a eficácia cognitiva e a continuidade de relações informais em grupos primários, principalmente na rede de amigos e familiares, influenciam o bem-estar e a adaptação saudável.

Uma complexa rede de variáveis, que perpassa os níveis institucional, organizacional, grupal, laboral e individual, afeta o bem-estar que é, em princípio, um direito inalienável do cidadão que se aposenta. Parcela expressiva dos que se aposentam são pessoas maiores de 60 anos e, portanto, com direitos assegurados de condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade pela Política Nacional do Idoso, promulgada em 1994 e regulamentada em 1996 (Lei nº 8.842/94 e Decreto nº 1.948/96) e, ainda mais abrangente, pelo Estatuto do Idoso, conforme Lei nº 10.741, de 1º/10/2003.

As organizações de trabalho, mais do que nunca, estão sendo conclamadas a assumir responsabilidades na orientação de seus empregados e desenvolvê-los para a realidade que se descortina no novo contexto da aposentadoria. Contudo, pode-se afirmar uma fragilidade da sociedade brasileira, sobretudo no que concerne aos sistemas de saúde e educação, face à complexidade que emerge no crescente envelhecimento da população e, é evidente, também no interior das organizações de trabalho.

 

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Recebido em: 04.11.2011
Aprovado em: 06.11.2012