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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.2 Brasília abr./jun. 2018

https://doi.org/10.17652/rpot/2018.2.14004 

Saúde dos psicólogos em Centros de Referência de Assistência Social

 

Health of Psychologists Working in Social Assistance Reference Centers

 

Salud de los psicólogos que actúan en Centros de Referencia de Asistencia Social

 

 

Iasmin Libalde Nascimento; Lucas Có Barros Duarte; Thiago Drumond Moraes

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou discutir a saúde laboral do psicólogo em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) a partir de algumas características presentes no trabalho desses profissionais. Participaram da pesquisa 53 psicólogos que atuam em serviços de proteção social básica no estado do Espírito Santo. Os participantes responderam a um questionário on-line composto pelos seguintes instrumentos: JCQ, WHOQOL-bref, SRQ-20 e questões sociodemográficas. Os resultados indicam que o trabalho do psicólogo nesses espaços caracteriza-se como ativo, no entanto, observou-se um nível elevado de adoecimento mental e baixa qualidade de vida entre os participantes. A dimensão controle, no contexto laboral do psicólogo que atua em CRAS, parece não contribuir positivamente para a saúde dos trabalhadores, como previsto no modelo teórico. Torna-se fundamental construir estratégias, a fim de transformar as atuais condições de trabalho desses profissionais e contribuir para que a atividade laboral nesses espaços seja desenvolvida de maneira mais saudável.

Palavras-chave: saúde ocupacional; condições de trabalho; atuação do psicólogo.


ABSTRACT

This study aimed to discuss the occupational health of the psychologist in Social Assistance Reference Centers (CRAS), based on some characteristics present in the work of these professionals. A total of 53 psychologists working in basic social protection services in the State of Espírito Santo participated in the study. The participants answered an online questionnaire composed of the following instruments: JCQ, WHOQOL-BREF, SRQ-20; and sociodemographic questions. The results indicate that the work of the psychologist in these spaces is characterized as active work, however a high level of mental illness and low quality of life among the participants was observed. The control dimension, in the work context of psychologists who work at CRAS, does not seem to contribute positively to worker health as predicted in the theoretical model. It is essential to build strategies to transform the current working conditions of these professionals and contribute to developing the labor activity in these spaces in a healthier way.

Key words: occupational health; working conditions; psychologist performance.


RESUMEN

Este estudio objetivó discutir la salud laboral del psicólogo en Centros de Referencia de Asistencia Social (CRAS) a partir de algunas características presentes en el trabajo de esos profesionales. Participaron de la investigación 53 psicólogos que actúan en servicios de protección social básica en el Estado de Espírito Santo. Los participantes respondieron a un cuestionario online compuesto por los siguientes instrumentos: JCQ, WHOQOL-bref, SRQ-20; y cuestiones sociodemográficas. Los resultados indican que el trabajo del psicólogo en esos espacios se caracteriza como trabajo activo, sin embargo, se observó un alto nivel de enfermedad mental y baja calidad de vida entre los participantes. La dimensión control, en el contexto laboral del psicólogo que actúa en CRAS, parece no contribuir positivamente a la salud de los trabajadores según lo previsto en el modelo teórico. Se vuelve fundamental construir estrategias para transformar las actuales condiciones de trabajo de esos profesionales y contribuir a que la actividad laboral en esos espacios sea desarrollada de manera más sana.

Palabras-clave: salud ocupacional; condiciones de trabajo; actuación del psicólogo.


 

 

As alterações sociais, econômicas e dos modos de produção e organização do trabalho que se intensificaram desde as últimas décadas do século XX conduziram, entre outros, ao aumento da importância econômica do setor de serviços, dos modelos de produção não tayloristas e da acumulação e produção flexível (Harvey, 2012). Essas novas dinâmicas produtivas acarretaram em intensas modificações no mercado laboral e nos modos de gerir e organizar o trabalho, dentre as quais algumas com consequências deletérias para o trabalhador, tais como intensificação do trabalho, aceleração das cadências, aumento da pressão, das responsabilidades, dos esforços mentais e competição entre os profissionais, terceirização, desregulamentação dos direitos trabalhistas, demissão em massa, flexibilização do trabalho e desemprego (Antunes 2015). Tais mudanças exerceram - e exercem - profundo impacto na saúde laboral; de forma que campos como o da saúde mental relacionada ao trabalho (SMRT) e temáticas como qualidade de vida no trabalho têm adquirido cada vez mais expressão no meio acadêmico e empresarial (Cardoso, 2015; Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010; Seligmann-Silva 2011).

O conceito qualidade de vida pode ser definido como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WHOQOL Group, 1994, citado por Fleck et al., 2000, p.179). Alguns autores (Mascarenhas, Prado, Fernandes, Boery, & Sena, 2013) consideram este conceito como genérico e multidimensional por abranger aspectos subjetivos e de alta variabilidade como valores pessoais, questões culturais e religiosas.

Mascarenhas et al. (2013) argumentam que diante da necessidade de se desenvolver medidas de avaliação capazes de definir um padrão que pudesse ser utilizado em diversos países e culturas para mensurar a qualidade de vida, a Organização Mundial de Saúde desenvolveu instrumentos como o WHOQOL- Bref, validado no Brasil (Fleck et al., 2000), que contempla os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.

Dentre os quatro domínios avaliados, aspectos que se referem a sentimentos positivos e negativos, memória, autoestima, imagem corporal, espiritualidade, religião e crenças pessoais são contemplados no domínio psicológico. Os riscos enfrentados na atividade profissional e questões relacionadas às necessidades humanas básicas referem-se aos domínios meio ambiente e físico, respectivamente. Por fim, o domínio relações sociais envolve a forma como o indivíduo percebe e experiencia os relacionamentos sociais e os papéis assumidos ao longo da vida (Fleck et al., 2000; Mascarenhas et al.,2013). Mascarenhas et al. (2013) ainda sugerem a importância do estudo da qualidade de vida entre os trabalhadores, uma vez que ela pode estar relacionada à qualidade dos serviços prestados.

Conforme sugerem Franco et al. (2010), seria reconfortante ao discutir o trabalho poder perceber que as tensões e aflições vivenciadas no meio laboral foram abrandadas pelas conquistas teórico-técnicas desenvolvidas nos últimos anos. Entretanto, o que se encontra com o crescente desenvolvimento das tecnologias e a evolução das formas de gestão e organização do trabalho é a produção cada vez mais frequente de um sofrimento laboral caracterizado por um mal-estar difuso (Carlotto, Amazarray, Chinazzo, & Taborda, 2011).

Sintomas como cansaço, diminuição da capacidade de concentração, esquecimento, insônia, irritabilidade, depressão e queixas somáticas, caracterizam o que podemos chamar de transtorno mental comum (TMC) ou transtorno mental não psicótico. Ainda que em sua fase inicial os TMC não necessitem de tratamento psicofarmacológico, causam forte impacto econômico devido à perda de dias de trabalho e aumento da busca por serviços de saúde (Carlotto et al., 2011).

Outro agravo intrinsicamente relacionado às transformações do trabalho é o estresse laboral. A exposição a condições estressantes vem se apresentado como um dos principais fatores que levam ao desencadeamento de efeitos negativos à saúde do trabalhador, relacionando-se a trabalhos dos mais diversos (Alves, Hökerberg, & Faerstein, 2013). Segundo Araújo, Graça e Araújo (2003), uma das teorias de referência em estudos que buscam investigar aspectos relacionados à dimensão psicossocial do trabalho é o Modelo Demanda-Controle (Job Strain Model), elaborado por Karasek (1979). Focado nas características do trabalho, esse modelo propicia correlacionar o estresse laboral às suas condições de produção, considerando exatamente dimensões da autonomia e controle.

O Modelo Demanda-Controle tem como principal hipótese que os agravos à saúde ocorrem devido à exposição simultânea dos trabalhadores a elevadas demandas psicológicas e insuficiente amplitude decisória acerca de seu próprio processo de trabalho; o que acaba por produzir desgaste psicológico nesses profissionais (Alves et al., 2013). Esse modelo associa dois aspectos psicossociais no ambiente laboral: a demanda psicológica, relacionada às características envolvidas para a realização da tarefa, e o grau de controle que está vinculado à autonomia. A forma como irão se combinar diferentes níveis de controle e de demanda proporcionarão experiências distintas no trabalho, estando diretamente relacionados à possibilidade ou não de adoecimento (Araújo et al., 2003; Santos, Araújo, Carvalho, & Karasek, 2017).

A avaliação das características psicossociais do ambiente de trabalho é realizada a partir da interação entre os níveis altos e baixos dessas duas dimensões, configurando-se em quatro situações laborais específicas que implicam em riscos diferenciados à saúde: "trabalho passivo" (baixa demanda - baixo controle), "trabalho ativo" (alta demanda - alto controle), "alta exigência do trabalho" (alta demanda - baixo controle) e "baixa exigência" (baixa demanda - alto controle) (Araújo et al., 2003; Karasek, 1979; Santos et al., 2017).

O trabalho de alta demanda combinado com baixo controle por parte do profissional pode produzir desgaste psicológico, fadiga, ansiedade e depressão. Ao passo que em situações laborais de alto controle e alta demanda, encontramos um padrão de enfrentamento que promove motivação e novas aprendizagens. De forma inversa, situações de trabalho nas quais existe baixo controle e baixa demanda, podem produzir redução na atividade global do sujeito e diminuição de sua capacidade criativa (Alves et al., 2013; Araújo et al., 2003; Santos et al., 2017).

 

A atuação do Psicólogo no SUAS

As alterações nos processos de trabalho vivenciadas na contemporaneidade, como a terceirização e a gestão "by stress", na qual os trabalhadores são instigados a aumentar o ritmo de trabalho devido ao medo do desemprego e o estabelecimento de metas altas e prazos curtos (Cardoso, 2015), impactam o trabalho dos psicólogos que atuam na proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Amparado na constituição de 1988, o SUAS foi construído tendo por base um padrão de proteção social universalista e igualitário, modificando de forma decisiva a concepção de assistência social vigente no Brasil até então - amparada em um modelo assistencialista, meritocrático e caritativo, que era utilizado para troca de favores políticos - ao legitimar a Assistência Social como política pública, assegurando proteção social sem contribuição prévia a todos que dela necessitassem (Romagnoli, 2016).

Construídas a partir de dois níveis de complexidade, a proteção social básica e a proteção social especial, as ações do SUAS buscam "assegurar direitos e aquisições relacionadas à autonomia e ao fortalecimento da cidadania dos usuários, pelo desenvolvimento de suas capacidades e de condições objetivas de fazer frente às necessidades sociais de existência" (Yazbek, Mestriner, Chiachio, Raichelis, & Nery, 2014, p. 175). Nesse sentido, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) configuram-se enquanto porta de entrada para os serviços socioassistenciais ofertados pelo SUAS, adquirindo um significativo papel na promoção e articulação das ações em rede (Yazbek et al., 2014).

Os serviços de proteção social básica são executados no CRAS por uma equipe interdisciplinar composta por, no mínimo, um assistente social e um psicólogo; além do coordenador do serviço. Por conseguinte, os profissionais de psicologia e de serviço social devem construir e articular suas ações com o objetivo de fortalecer a função protetiva da família e prevenir a ruptura de vínculos. Para tanto executam atividades como o atendimento às famílias por meio da acolhida e do acompanhamento familiar, encaminhamentos, oficinas com famílias, ações comunitárias e busca ativa (Ministério do desenvolvimento social e combate à fome [MDS], 2015).

Nas atividades que envolvem o atendimento às famílias, a acolhida figura como uma ação imediata de prestação ou oferta de benefícios eventuais - natalidade, vulnerabilidade temporária, funeral e calamidade pública. Caso haja necessidade, a família será encaminhada para outros serviços da rede de serviços intersetoriais (Saúde, Educação, Saneamento Básico, Habitação) e acompanhada de forma continuada pelos profissionais do CRAS a partir da construção de um Plano de Acompanhamento Familiar (PAIF). Outrossim, as oficinas com famílias e ações comunitárias buscam oportunizar a troca de experiências, valores e o debate de situações externas que afetam a família e a comunidade (MDS, 2015). Por fim, psicólogos e assistentes sociais realizam busca ativa de usuários que necessitam dos serviços do CRAS (Leão, Oliveira, & Carvalho, 2014).

Todavia, as formas de organização e gestão do trabalho nos CRAS parecem seguir os mesmos ditames das alterações promovidas pelas políticas neoliberais. Conforme menciona Romagnoli (2016), a realização da gestão por metas e a alta carga de trabalho à qual os profissionais são submetidos fazem com que se sintam absorvidos e sobrecarregados. Além disso, vários estudos (Leão et al., 2014; Macedo et al., 2011; Macedo & Dimenstein, 2012; Romagnoli, 2016) relatam os efeitos nocivos da terceirização, como a instabilidade empregatícia e alta rotatividade, para a execução do trabalho no CRAS e satisfação laboral dos psicólogos.

Yamamoto e Oliveira (2010) acentuam que embora o processo de implantação e efetivação da Política de Assistência Social tenha conquistado incomensuráveis avanços em termos de garantias de direitos sociais, com acentuada característica redistributiva, "o trabalho na assistência social é caracterizado historicamente por uma desprofissionalização, por uma prática eventual e assistemática e por ações inconsistentes" (p. 19). Nesse sentido, Macedo et al. (2011) acrescentam que mesmo com a intensa expansão de mercado profissional conquistada pela psicologia e outras profissões a partir do estabelecimento do SUAS, paradoxalmente, agravou-se a precarização das relações de trabalho nas políticas públicas.

Ainda segundo Macedo et al. (2011), os psicólogos dos CRAS "convivem com a insegurança quanto ao emprego, com precárias formas de contratação, baixos salários, além da falta de perspectivas profissionais futuras, como ascensão na carreira e ausência de qualificação/capacitação profissional" (p.488). Por conseguinte, a intensificação do trabalho, o aumento da pressão, a gestão por metas, a competitividade desenfreada e os agravos diversos ocasionados pela precarização dos vínculos trabalhistas, impactam de forma contundente a saúde dos profissionais (Antunes, 2015; Cardoso, 2015; Franco et al., 2010). Isto posto, torna-se relevante identificar as relações estabelecidas entre o trabalho e o processo de saúde-doença vivenciado pelos psicólogos que atuam em CRAS. Para tanto, serão articulados o modelo de estresse de Karasek (1979) e instrumentos de mensuração da saúde mental (SRQ-20) e qualidade de vida (WHOQOL-bref), objetivando discutir a saúde laboral do psicólogo em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) a partir de algumas características presentes no trabalho desses profissionais.

 

Método

Participantes

Participaram desse estudo 53 psicólogos que atuam em CRAS no estado do Espírito Santo. A idade desses participantes variou entre 23 e 59 anos (M = 32,02; DP = 8,49), sendo 44 do sexo feminino e 9 do sexo masculino. Outras informações acerca da caracterização desses profissionais estão apresentadas na descrição dos resultados.

Instrumentos

Como instrumentos de coleta dos dados, foi utilizado um questionário online, composto pelas seguintes partes: dados sociodemográficos; questões sobre o trabalho dos psicólogos - tipo de vínculo empregatício, remuneração, carga horária e tempo de trabalho - e questões referentes a fatores que interferem na atuação desses trabalhadores, como necessidade de tirar licença-saúde do trabalho ou se ausentar por motivos de doença laboral. Ademais, contou também com a escalas WHOQOL-bref.; o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e o Job Content Questionnaire (JCQ), descritos a seguir.

WHOQOL-bref.: Desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL Group), e validado em português por Fleck et al. (2000); avalia qualidade de vida em 26 questões que englobam aspectos físicos (7 questões), psicológicos (6 questões), relações sociais (3 questões) e meio ambiente (8 questões), apresentando, ainda, duas questões gerais de qualidade de vida. A consistência interna da escala WHOQOL-bref foi avaliada em cada domínio: físico (α =0,84), psicológico (α =0,79), relações sociais (α =0,69) e meio ambiente (α =0,71). Com escala tipo Likert, variando entre 1 e 5, contém quatro tipos de escalas de resposta: intensidade, capacidade, avaliação e frequência.

Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) validado em território nacional inicialmente por Mari e Williams (1985, 1986) e revalidado por Gonçalves, Stein e Kapczinski (2008); o SRQ-20 é a versão de 20 itens do SRQ-30 para rastreamento de transtornos mentais não-psicóticos. Em pesquisa recente (Santos, Carvalho, & Araújo, 2016) o questionário demonstrou consistência interna superior a 0,80 (α> 0,80) na maioria dos estudos realizados. As respostas são divididas em sim ou não, sendo que as afirmativas pontuam 1 no escore final que indica a probabilidade de presença de TMC, variando de 0 (nenhuma probabilidade) a 20 (extrema probabilidade).

Job Content Questionnaire (JCQ): validado em português por Araújo e Karasek (2008) com nome de Questionário sobre o Conteúdo do Trabalho, foi elaborado por Karasek (1979) para medir aspectos psicossociais do trabalho. A versão brasileira do instrumento conta com 49 questões divididas nas seguintes escalas: a) controle sobre o trabalho, envolvendo 6 itens para mensurar o uso de habilidades, 3 para autoridade decisória e 8 questões que investigam autoridade decisória no nível macro; b) demanda psicológica do trabalho, mensurada a partir de 9 itens; c) demanda física avaliada em 5 questões; d) suporte social mensurado com base em 11 questões; e) insegurança no emprego que inclui 6 itens e f) uma questão que corresponde ao nível educacional que é requerido no posto de trabalho ocupado. Os valores de consistência interna da validação brasileira da escala, em cada domínio, foram: controle sobre o trabalho (α =0,66); demanda psicológica do trabalho (α =0,66); suporte social (α =0,71) e insegurança no emprego (α =0,36).

Procedimentos de análise de dados

Foi realizada uma parceria com o Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-16), a fim de tornar possível a coleta de dados. Os psicólogos que possuem registro do CRP no Espírito Santo receberam um e-mail que os informou acerca da pesquisa e da importância da participação, convidando somente psicólogos que atuam em CRAS a responderem o questionário online, cujo link constava no corpo da mensagem. Além da divulgação realizada pelo CRP-16, também foram realizadas divulgações online em redes sociais. A concordância em participar da pesquisa foi formalmente registrada no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de forma online. O questionário permaneceu ativo entre julho e outubro de 2015, desconsiderando respostas após essa data.

Procedimentos de análise de dados

A análise dos dados obtidos foi realizada com do software IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 19. Inicialmente, calcularam-se os quatro domínios do WHOQOL - bref (Físico, Psicológico, Meio ambiente e Relações sociais), assim como a média populacional para cada domínio. Em seguida, a partir das orientações apresentadas no manual do JCQ, foi possível calcular os indicadores de demanda, apoio social e controle. Por fim, os indicadores foram divididos entre alto e baixo, situando como ponto de corte a mediana referente a cada indicador.

No que concerne ao SRQ-20, foi realizado o cálculo dos escores obtidos, atribuindo valor um as respostas positivas e zero às respostas negativas. De forma subsequente, foi elaborada uma variável categórica dicotômica ("tmc"), caracterizando o participante como passível de apresentar TMC, ou não, utilizando como ponto de corte os valores 7/8, conforme a avaliação de Gonçalves et al. (2008). Ademais, a fim de verificar as relações entre as variáveis estudadas, foram realizadas análises descritivas e de frequência, correlação e teste-t de student, utilizando-se o nível de significância de 5% para todas as análises. Por fim, também foram efetuadas análises não paramétricas; entretanto, optou-se por utilizar as análises paramétricas uma vez que não houve distinções significativas entre as duas análises.

 

Resultados

Com base nas análises descritivas das variáveis categóricas de caráter sociodemográfico, observa-se que os participantes do estudo são, majoritariamente, mulheres (83%). Ademais, grande parte deles dispõe de formação complementar (50,9%), como pós-graduação ou especialização, vínculo contratual temporário (75,5%) e não possuem filhos (69,8%). A remuneração média informada é de dois mil cento e oitenta e três reais, com o tempo de trabalho variando de 1 mês a 4 anos (M= 24,09; DP= 24). Destaca-se que 34% dos participantes informaram já terem faltado ao trabalho devido a doenças relacionadas à sua ocupação e 22,6 % afirmaram terem tirado licença-saúde.

Na tabela 1 encontram-se os resultados concernentes à qualidade de vida dos psicólogos que atuam em CRAS, onde se pode observar que os maiores resultados médios obtidos foram no domínio psicológico (13,51) e os menores foram na dimensão do meio ambiente (11,89). Na tabela 1 encontram-se, também, os resultados referentes às características do trabalho, obtidos por meio do JCQ.

 

 

A partir da análise dos escores do SRQ-20, observou-se variação de zero a dezoito respostas positivas, sendo que 54,7% dos participantes responderam de forma afirmativa a 8 ou mais questões, indicando que na maioria dos psicólogos que participaram do estudo existe a probabilidade de presença de TMC, conforme o ponto de corte da validação realizado por Gonçalves et al. (2008).

A fim de se verificar possíveis associações entre as dimensões das escalas de qualidade de vida (WHOQOL-bref), de características laborais (JCQ) e a provável presença de TMC (SRQ-20), investigou-se a correlação entre essas variáveis no presente estudo. Observamos a existência de correlações negativas entre as quatro dimensões do WHOQOL-bref e a variável tmc, a saber: domínio físico (r= -0,74; p= 0,00), domínio psicológico (r = -0,73; p=0,00), relações sociais (r= -0,48; p=0,00), meio ambiente (r= -0,59; p= 0,00). Entretanto não foram encontradas relações significativas com as variáveis relativas às características laborais (JCQ), validando a hipótese nula de que não existe associação entre tais grupos. Foi realizado, também, o testes t para amostras independentes, na qual também se observou a existência de relações significativas entre as quatro dimensões do WHOQOL-bref e a variável tmc, sendo que os psicólogos com TMC lograram médias inferiores nas quatro dimensões do instrumento, sugerindo uma qualidade de vida inferior em relação aos participantes sem TMC (Tabela 2). Cabe ressaltar que também não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no que concerne às dimensões do JCQ.

 

 

Foram também investigadas relações entre as dimensões das escalas WHOQOL-bref, JCQ e SRQ-20 com as categorias dicotômicas (sexo, tipo de vínculo e se já precisou se ausentar ou faltar por motivo de doença relacionada ao trabalho), realizando-se testes t para amostras independentes. Pode-se observar que mulheres apresentaram médias significativamente inferiores às dos homens em relação à qualidade de vida nos domínios físico [t (51) = -2,99, p= 0,04], domínio psicológico [t(51) = -2,09, p=0,04] e meio ambiente [t(51) = -2,78, p=0,08] o que indica que participantes do sexo feminino possuem uma menor qualidade de vida do que os participantes do sexo masculino, excetuando somente no que concerne ao domínio das relações sociais. Corroborando com os resultados, a variável sexo diferiu significativamente da variável tmc, com mulheres pontuando, em média (M= 9,73; DP= 4,76), escores mais elevados que participantes masculinos (M= 3,44, DP= 4,21) [t(51) = 3,66, p=0,00].

No que concerne ao vínculo empregatício, percebeu-se que funcionários terceirizados apresentaram maior insegurança no trabalho do que trabalhadores efetivos [t(51) = 5,93, p=0,00], apresentando maior média (M= 10,0, DP= 2,99) em relação aos profissionais concursados (M= 4,69, DP= 2,28). Ademais, houve relação significativa com o domínio meio ambiente [t(51) = -2,46, p=0,01], com funcionários terceirizados apresentando menor média de qualidade de vida que empregados efetivos no que tange aos recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais, oportunidades de adquirir novas habilidades, dentre outras facetas desse domínio (Fleck et al, 2000). Indo ao encontro dos resultados anteriores, observou-se que trabalhadores terceirizados apresentam média superior de licenças de saúde do trabalho [t(51) = 2,41, p=0,01].

Por fim, a variável "Já precisou se ausentar ou faltar por motivo de doença relacionada ao trabalho" apresentou relação significativa com "Carga horária de Trabalho" [t(51) = 2,17, p=0,03] e com os domínios físico [t(51) = -3,30, p=0,02], psicológico [t(51) = 2,43, p=0,01] e meio ambiente [t(51) = -3,85, p=0,00]. Assim, nota-se que os trabalhadores que se ausentaram do trabalho por adoecimento laboral pontuaram mais baixo nos domínios da qualidade de vida e mais alto com relação à carga horária de trabalho do que aqueles que não faltaram por tais motivos. Também foi possível observar relação significativa com a variável tmc [t (51) = 3,89, p = 0,00], indicando que a presença de TMC se associou às faltas por motivos de doenças laborais.

Ademais, buscou-se verificar a existência de associações significativas entre as características do trabalho com a qualidade de vida dos participantes através do teste de correlação. Foi possível observar que o domínio insegurança no trabalho se correlacionou negativamente com os domínios físico (r= -0,27; p=0,04) e meio ambiente (r= -0,45, p= 0,00). Paralelamente, verificou-se que participantes que relataram níveis elevados de demanda psicológica apresentaram escores mais baixos de qualidade de vida na dimensão meio ambiente (r=-0,32; p=0,01) e uma maior carga horária de trabalho (r= 0,33, p= 0,01). Os demais indicadores não apresentaram valores estatisticamente significativos em associação com as dimensões da qualidade de vida.

 

Discussão

A caracterização geral dos psicólogos que atuam em CRAS do Espírito Santo não apresenta forte discrepância com relação aos dados já sinalizados pela literatura (Duarte & Moraes, 2016; Seixas & Yamamoto, 2012; Macedo et al., 2011) acerca da presença maciça de mulheres (83% dos participantes).

Um dado relevante nesta pesquisa foram os baixos índices de qualidade de vida dos psicólogos que atuam em CRAS (tabela 1), em relação aos valores de referência retratados por Fleck et al. (2000) no grupo controle; que obtiveram maior média no domínio físico (M=16,6; DP=2,1) e menor valor médio no domínio meio ambiente (M=14,0; DP=2,1). Esses resultados são também menores que os obtidos por Duarte e Moraes (2016) em estudo com psicólogos de Unidades Básicas de Saúde (UBS), cuja maior média encontrada foi no domínio físico (M=13,84, DP=2,72) e menor média no domínio relações sociais (M=12,28, DP= 2,6). Cabe salientar, ainda, que os resultados obtidos no presente estudo se aproximam dos valores encontrados por Fleck et al. (2000) em grupo de pacientes psiquiátricos, cujos escores foram: domínio físico (M=13,5; DP=2,8); domínio psicológico (M=13,3; DP= 3,1); relações sociais (M=13,9; DP=3,9) e meio ambiente (M=13,1; DP=2,7). Desta forma, pode-se notar que os psicólogos de CRAS percebem um grave comprometimento em questões que afetam sua qualidade de vida.

Acrescentando-se a esses resultados a elevada prevalência de TMC, que chega a atingir mais da metade dos participantes (54,7%), deparamo-nos com um quadro preocupante. Embora as características psicossociais do trabalho em CRAS, avaliadas por meio do JCQ nesta pesquisa, não tenham permitido traçar uma relação significativa com a produção de agravos à saúde, a associação positiva entre a variável tmc e faltas por motivos de doenças laborais fornece algumas pistas para discussão. Ademais, o alto índice de contratos temporários (75,5%) é uma realidade condizente com a literatura (Leão et al., 2014; Macedo & Dimenstein, 2012; Romagnoli, 2016).

Macedo e Dimenstein (2012) denotam que a alta rotatividade de psicólogos, ocasionada pelos vínculos trabalhistas temporários, impacta em grande medida as atividades desenvolvidas pela equipe técnica, fragilizando o trabalho em equipe. Os autores também apontam como um fator complicador a terceirização, que não propicia a segurança de direitos trabalhistas aos psicólogos. Vale mencionar que os vínculos trabalhistas temporários, cujo contrato pode ou não ser renovado, possivelmente exerceram influência nas respostas dos participantes acerca das características do seu trabalho e sua relação com o adoecimento laboral uma vez que, por possivelmente permanecerem pouco tempo no serviço, pode ser difícil identificar que o sofrimento vivenciado está relacionado ao trabalho executado.

Romagnoli (2016) acrescenta que a intensa carga de trabalho vivenciada pela equipe de profissionais do CRAS, da qual o psicólogo participa, faz com que os trabalhadores se sintam absorvidos. Assim, a contribuição trazida por Macedo e Dimenstein (2012) e Romagnoli (2016) talvez possa auxiliar a elucidar os resultados do presente estudo, no qual a necessidade de se ausentar do trabalho por motivo de doença laboral apresenta-se relacionada à insegurança no trabalho, sendo que os profissionais que faltaram ao trabalho pontuaram mais baixo nos domínios da qualidade de vida e mais alto com relação à carga horária de trabalho.

Dentro dessa temática, Franco et al. (2010) apontam que a precarização dos vínculos contratuais de trabalho figura como a primeira dimensão da precarização do trabalho. A precarização dos vínculos trabalhistas impede que o trabalhador acesse direitos trabalhistas, benefícios indiretos (como planos de saúde e auxílio alimentação) e, comumente, envolve perdas salariais. Esta primeira dimensão da precarização do trabalho produz insegurança e competitividade, contribuindo para que os profissionais percam as referências de proteção social.

A intensificação do trabalho é um resultado esperado desse processo, haja vista a constante ameaça do desemprego vivenciada pelos trabalhadores diante da intensa competitividade. Estreitamente relacionada à precarização dos vínculos trabalhistas e ao aumento constante do ritmo de trabalho, encontra-se a precarização da saúde do trabalhador, que incide de forma acentuada sobre a saúde mental dos profissionais. "Trata-se da fragilização - orgânica, existencial e identitária - dos indivíduos pela organização do trabalho com intensificação da multiexposição" (Franco et al., 2010, p. 232). Nesse sentido, os dados encontrados corroboram com a discussão das autoras ao sinalizar que funcionários terceirizados apresentaram maior insegurança no trabalho e uma menor qualidade de vida do que trabalhadores efetivos, observando-se maior número de licenças-saúde do trabalho nos primeiros. Podemos inferir a partir da discussão das autoras, que os efeitos da precarização do trabalho - com a fragilização da saúde e a insegurança do trabalhador frente às metas e ritmos acelerados e a alta competitividade, que pode levar o profissional a se sujeitar a condições aviltantes de trabalho (Franco et al., 2010) - estão sendo vivenciados pelos psicólogos que atuam nos CRAS do Espírito Santo.

Cabe mencionar que outros estudos (Paschoalin, Griep, Lisboa, & Mello, 2013; Silva, Zanatta & Lucca, 2017) revelam que a insegurança no emprego apresenta-se como preditora do presenteísmo, ou seja, a terceirização e a ameaça de desemprego faz com que os trabalhadores evitem se ausentar no trabalho. Embora tais resultados possam parecer contraditórios aos dados encontrados com psicólogos da proteção social básica, inferimos que os possíveis agravos ocasionados pela intensa carga de trabalho diante da baixa qualidade de vida e da alta incidência de TMC superaram o receio da perda do emprego, comumente relacionada ao presenteismo, fazendo com que psicólogos terceirizados apesentem números superiores de licenças-saúde do trabalho, mesmo diante de insegurança laboral.

Conforme aponta Barreto (2011), a convivência com situações de miséria e condições sub-humanas, vivenciada pelo público atendido nos serviços socioassistenciais, impacta profundamente os profissionais o que contribui para produção sobrecarga emocional que pode se converter em frustação e episódios depressivos. O autor menciona, ainda, que tais vivências são comuns entre os trabalhadores nesses espaços e que ele próprio experienciava "uma sensação habitual de sobrecarga nas demandas e impossibilidade de completar o trabalho" (p.413). Embora não se possa afirmar a partir dos dados obtidos pelo presente estudo que as experiências citadas por Barreto (2011) são as mesmas vivenciadas pelos participantes da presente pesquisa, o relato do autor contribui para a compreensão do contexto, emocional e físico, que atravessa o profissional que atua no SUAS, auxiliando a pensar acerca do alto índice de TMC e a baixa qualidade de vida entre a população estudada.

No que se refere aos resultados das características laborais obtidos pelo JCQ (tabela 1) e sua relação com agravos à saúde, pode-se notar que os escores na dimensão "controle sobre o trabalho" são ligeiramente elevados em relação aos valores de referência estabelecidos pelo estudo de Araújo e Karasek (2008), obtidos com uma população brasileira de trabalhadores formais, na qual o escore médio nessa dimensão foi de 64,76 (DP=0,65). Esse resultado indica que os psicólogos do CRAS são instigados em seu trabalho a desenvolver habilidades, criatividade e a aprendizagem de novas práticas, com relativa capacidade decisória sobre sua atividade laboral (Araújo et al., 2003). Ainda em comparação com os dados encontrados por Araújo e Karasek (2008) para a referida população brasileira de profissionais formais, na qual o escore médio de demanda psicológica foi de 30,07 (DP=0,66), os resultados obtidos nesta dimensão junto aos participantes do presente estudo indicaram haver alta exigência psicológica para a realização de suas tarefas. Assim, conforme o modelo idealizado por Karasek (1979), o trabalho dos psicólogos dos CRAS pode ser caracterizado como "trabalho ativo" se comparado aos profissionais brasileiros envolvidos em atividades de trabalho formais, conforme o estudo de Araújo e Karasek (2008).

O resultado encontrado parece indicar que o trabalho do psicólogo em CRAS promove motivação e novas aprendizagens aos profissionais, apresentando-se enquanto uma atividade que, teoricamente, não produz agravos à saúde laboral. Entretanto, mesmo diante de um trabalho ativo, houve alta prevalência de TMC na população estudada, indo ao encontro de outras pesquisas (Araújo et al., 2003; Duarte & Moraes, 2016). Estes autores assinalam que tais resultados podem indicar que a demanda psicológica, envolvida na realização da atividade de trabalho, aparenta apresentar maior relevância sobre os agravos à saúde mental do que o controle exercido sobre o trabalho. Isto posto, os resultados sinalizaram correlação positiva entre a demanda psicológica e carga horária de trabalho, apontando, paralelamente, correlação negativa com a qualidade de vida na dimensão meio ambiente que, conforme sinaliza Fleck et al. (2000), se relaciona à segurança física, recursos financeiros, cuidados com a saúde, oportunidades de lazer, dentre outros. Nesse sentido, os dados parecem corroborar com as discussões apresentadas, haja vista que a alta demanda psicológica relatada pelos psicólogos do CRAS implicou em redução da qualidade de vida, ao passo que não foram constatadas correlações significativas com a dimensão controle sobre o trabalho.

Acerca de situações laborais nas quais existe um alto controle, Araújo et al. (2003) apontam que o aumento da responsabilidade, proveniente do crescimento da autonomia, envolve aumento da carga de trabalho e maior nível de tensão para os profissionais. Desta forma, embora um alto controle seja mensurado pela autonomia do profissional para gerir suas diversas tarefas e utilizar com liberdade suas habilidades, na prática também pode ocasionar altos níveis de responsabilidade e pressão que afetam negativamente a saúde do trabalhador.

Barone (2012), ao analisar a atividade de trabalho psicólogos que atuam em CRAS em Belo Horizonte - MG, acentua que diante da falta de recursos físicos e financeiros, que se caracteriza, entre outros, por espaço inapropriado para a execução das tarefas, carência de materiais necessários para a realização da atividade e número de cestas básicas insuficiente para atender a demanda, o psicólogo necessita construir uma solução criativa para realizar sua tarefa. Segundo a autora, ainda que 85% dos participantes de seu estudo tenham afirmado ter criado algo novo em sua atividade de trabalho no CRAS, o reconhecimento da capacidade dos profissionais ao realizarem seu trabalho foi traduzido em acréscimo de responsabilidades e atribuições.

Percebe-se, portanto, que a autonomia para se construir novas formas de se atuar resultou em um aumento da carga de trabalho para os profissionais entrevistados por Barone (2012). Pode-se supor que os psicólogos que participaram do presente estudo vivenciam situações similares às relatadas por esta autora, o que permite compreender que um alto grau de autonomia no trabalho pode relacionar-se à produção de efeitos negativos à saúde laboral, conforme também sugere o estudo de Araújo et al. (2003). Quiçá , tais constatações auxiliem na compreensão dos elevados índices de TMC entre os participantes do presente estudo, mesmo diante de altos níveis de controle e demanda psicológica.

Reitera-se aqui que a dimensão controle é mensurada a partir do uso e desenvolvimento de habilidades - que implica na necessidade aprender novas práticas e ser criativo -, e de autoridade decisória - que envolve a possibilidade de se tomar decisões acerca do próprio trabalho (Araújo et al., 2003; Karasek, 1979). Nesse sentido, um aspecto relevante a ser considerado acerca da atividade do psicólogo no CRAS pode ser descrito pela imprecisão e insuficiência das prescrições para a atuação desses profissionais (Beato et al., 2011; Flor & Goto, 2015; Yamamoto & Oliveira, 2010). Tal como Flor e Goto (2015) acentuam, a carência de diretrizes específicas para a realização do trabalho do psicólogo nesses espaços promove uma atuação sem referências objetivas. Diante disso, Beato et al. (2011) relatam a dupla ansiedade vivenciada por uma participante frente à inespecificidade das diretrizes que, paradoxalmente, deveriam ser seguidas de forma precisa.

Outro aspecto que cabe ser ponderado refere-se à formação em psicologia, que não orienta de forma plena para a atuação em CRAS, uma vez que não existem referências teórico-metodológicas específicas para a realização do trabalho do psicólogo no campo da assistência social devido à sua recente implantação (Macedo & Dimenstein, 2012; Silva & Yamamoto, 2013, Yamamoto & Oliveira, 2010). Desta forma, atuar na proteção social básica "exige dos psicólogos não apenas uma adequação do trabalho; exige um conhecimento de aspectos que estão fora do escopo do que a Psicologia delimitou em seus campos de saber" (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.21).

O trabalho na proteção social básica comumente requer que o profissional desenvolva novas habilidades, seja pela recente inserção da psicologia no SUAS, seja pela carência de referências específicas para atuação, e que desenvolva a criatividade ao realizar seu trabalho frente à ausência de recursos físicos, financeiros e humanos comuns a esse serviço (Barone, 2012). Soma-se a isso a imprecisão das orientações institucionalizadas para a realização de sua tarefa, que não apontam com nitidez qual a função do psicólogo naquele espaço, promovendo confusão para os trabalhadores que têm dificuldade em diferenciar sua atuação e a do assistente social (Leão et al., 2014; Flor & Goto). Falzon e Sauvagnac (2007) acrescentam que frente à carência de prescrições explícitas, o profissional precisa construir autoprescrições, o que pode produzir sentimentos como frustração e fracasso. Dentro desse contexto, pode-se questionar parcialmente a tese de que há relação entre trabalho ativo, com o alto índice de controle apresentado pelos psicólogos dos CRAS que participaram do estudo, e a produção de saúde, conforme preconiza o modelo demanda-controle. Esses questionamentos são corroborados pelos dados aprestados por Araújo et al. (2003) e Duarte e Moraes (2016).

Não obstante, uma possibilidade complementar de análise dos resultados obtidos pode ser fornecida pela teoria da Clínica da atividade, que compreende o trabalho não apenas como execução de tarefas, mas enquanto uma atividade histórica e processual que exerce profundo impacto na subjetividade e saúde dos profissionais (Clot, 2010). Embora apresente algumas diferenças epistemológicas e metodológicas em relação aos modelos teóricos utilizados no presente estudo, essa perspectiva também se dedica à pesquisa das relações entre trabalho e saúde, o que possibilita o diálogo.

Para Clot (2010), o sofrimento no trabalho, que pode se traduzir em sentimentos como mal-estar, frustração, estresse e sentimento de impotência, relaciona-se ao impedimento do poder de agir. Em outras palavras, o trabalhador sente-se adoecido quando se vê diante da impossibilidade de colocar em prática formas de ação idealizadas por ele diante da demanda percebida e de seus objetivos;é uma incapacidade de se exprimir, um impedimento.

Nesse sentido, cabe sinalizar o mal-estar e sofrimento produzido entre os trabalhadores entrevistados por Macedo e Dimenstein (2012) diante da impossibilidade de realizaram o trabalho conforme as demandas que se apresentavam. Segundo os autores, os psicólogos se sentiam impotentes e frustrados ao serem impedidos de realizar sua tarefa pela burocracia ou pela carência de estrutura e, muitas vezes, ficavam reféns da falta de suporte da rede de apoio socioassistencial, falando com ressentimento sobre o serviço. Como resultado, os profissionais se resguardavam em seu saber técnico ou "recorriam à'amortização' dos próprios afetos" (p.189).

Galbiatti (2015), em seu estudo com trabalhadores da assistência social, identificou que a redução do poder de agir dos profissionais implicou em um processo de desgaste mental, que pode incluir desgaste orgânico, quadros de fadiga mental e física e, por fim, afetar a subjetividade e identidade do trabalhador (Seligmann-silva, 2011). Diante disso, tendo por base as considerações apresentadas, uma possibilidade de interpretação dos altos índices de TMC se relaciona à provável redução ou impedimento do poder de agir dos participantes do estudo. Mesmo relatando autonomia para pensar e construir o seu trabalho, os psicólogos podem ter seu trabalho impedido devido à burocracia dos serviços, à falta de apoio ou articulação da rede socioassistencial, à alta rotatividade da equipe de referência ocasionada pela terceirização (o que acaba por desarticular o trabalho do profissional) ou à falta de recursos físicos, e quando a presença dessas condições não pode ser superada por maior que seja a criatividade do profissional.

As sucessivas frustrações e o sofrimento ocasionado pelo impedimento do poder de agir ao longo do tempo podem acumular-se exercendo forte impacto na construção de diversos quadros de adoecimento mental e físico (Clot, 2010; Seligmann-silva, 2011). Desta feita, a associação positiva entre a variável tmc e faltas por motivos de doenças laborais encontra uma possível explicação. Corrobora com esta hipótese o fato dos altos níveis de demanda psicológica - que se relacionam ao desgaste mental ocasionado por interrupção da atividade e dependência do trabalho de outros profissionais (Araújo et al., 2003) - terem se correlacionado negativamente com a dimensão meio ambiente do WHOQOL-bref. (Fleck et al., 2000).

A partir do estudo podemos concluir que a precarização do trabalho do psicólogo que atua na proteção social básica está afetando de forma marcante a saúde e a qualidade de vida desses profissionais. Além disso, a necessidade de desenvolver novas habilidades, ser criativo e autônomo para realizar seu trabalho, no contexto vivenciado pelo psicólogo em CRAS, não se traduz em produção de saúde. Por fim, a alta demanda psicológica a qual esses trabalhadores são expostos também aparenta ser vivida de forma aflitiva, se levarmos em consideração os altos índices de TMC e o provável impedimento do poder de agir desses profissionais. Torna-se fundamental, portanto, construir estratégias a fim de transformar as atuais condições de trabalho desses psicólogos e contribuir para que sua atividade laboral nesses espaços possa ser desenvolvida de maneira saudável.

Convém sinalizar como uma possível limitação deste estudo o fato da pesquisa ter sido realizada com um número reduzido de respondentes, que pode implicar em aumento dos erros padrão e redução do poder estatístico das análises, ainda mais porque pode ter havido vieses entre os participantes que contribuíram com a pesquisa, influenciando os dados produzidos. Além disso, os resultados obtidos a partir da subescala insegurança no trabalho do JCQ devem ser considerados com parcimônia por serem passíveis de maior variabilidade tendo em vista a consistência interna de tal subescala, a saber: α =0,36 (Araújo & Karasek, 2008). Nesse sentido, sugerimos a realização de novos estudos a fim de reavaliar a consistência interna da subescala insegurança no trabalho do JCQ, bem como de todo o instrumento em diferentes grupos ocupacionais. Por fim, os resultados obtidos nesta pesquisa abrem espaço para novas investigações com um número maior de participantes dentro desta configuração de trabalho, a fim de tecer um panorama mais fidedigno à realidade vivenciada pelos profissionais de psicologia que atuam na proteção social básica brasileira.

 

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Endereço para correspondência:
Iasmin Libalde Nascimento
Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento
29075-910, Vitória, ES - Brasil
E-mail: iasmin.libaldenascimento@gmail.com

Informações sobre o artigo
Recebido em: 27/06/2017
Primeira decisão editorial em: 03/10/2017
Versão final em: 13/11/2017
Aceito em: 13/11/2017

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