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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.1 Brasília ene./mar. 2021
https://doi.org/10.5935/rpot/2021.1.20102
A ciência é sexista? Resenha sobre "inferior: how science got women wrong"
Is science sexist? Review of "inferior: how science got women wrong"
¿Es la ciencia sexista? Revisión sobre "inferior: how science got women wrong"
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil
O objetivo da presente resenha é realizar uma apreciação crítica do livro Inferior é o caralho: Eles sempre estiveram errados sobre nós (Saini, 2018), da jornalista Angela Saini. O livro defende basicamente que as tentativas científicas de explicar as diferenças entre os sexos são enviesadas pela composição majoritária de homens na ciência. O texto a seguir consistirá na exposição das ideias principais de cada capítulo e uma discussão breve desses pontos com base na literatura científica disponível.
Apesar das inúmeras semelhanças, homens e mulheres são muito diferentes. Homens e mulheres tendem a escolher diferentes carreiras, apresentam preferências amorosas distintas, são predispostos a diferentes transtornos psicológicos etc. A cultura pode alargar ou estreitar tais distinções, mas não pode eliminá-las (Buss & Schmitt, 2018). Isso sugere que homens e mulheres não apenas são socializados cada um a sua maneira, mas também biologicamente moldados de maneiras diferentes ao longo da evolução da espécie humana (Zhu & Chang, 2019). Entretanto, a jornalista britânica Angela Saini argumenta que essas ideias são cientificamente questionáveis no livro Inferior: How Science Got Women Wrong and the New Research that's Rewriting the Story (Saini, 2017), lançado em 2018 no Brasil, pela Darkside Books, com o título Inferior é o caralho: Eles sempre estiveram errados sobre nós (312 páginas) (Saini, 2018). Segundo ela, a ciência seria um empreendimento masculino e, por isso, enviesado. Em outras palavras, como a maioria dos pesquisadores são homens, isso enviesaria os resultados das pesquisas na direção da inferiorização feminina. Por exemplo, o próprio Charles Darwin teria imaginado que o processo de evolução biológica tornou as mulheres inferiores intelectualmente (e moralmente superiores) em relação aos homens (cap. 1). Segundo Saini, principalmente a teoria da seleção sexual de Darwin teria sido mais influenciada pelos rígidos papéis de gênero da época do que por evidências objetivas.
Um indício dessa ausência de objetividade que permaneceria até hoje seria a crença popular da mulher como "sexo frágil". Segundo o livro, os homens apresentam mais motivos para ser o "sexo frágil" do que as mulheres (cap. 2 e 3). Por exemplo, as mulheres vivem mais e são mais resistentes a doenças. Elas também apresentam níveis de escolaridade superiores aos dos homens (o que não se reflete em maiores salários). Mas, se não existem motivos para considerar as mulheres inferiores aos homens, haveria motivos para considerá-las apenas diferentes? Homens e mulheres poderiam ter cérebros diferentes, mas Saini descarta as pesquisas de neuroimagem que verificam tais diferenças (cap. 4). Segundo a jornalista e a "neurocientista feminista" entrevistada por ela, tais estudos não são objetivos o bastante porque as imagens do cérebro são pouco precisas, apresentando muita margem para subjetividade na interpretação dos resultados.
Mas Saini não está totalmente disposta a descartar a biologia. Por exemplo, ela concede que possa haver associação entre a biologia de homens e mulheres e preferências profissionais e amorosas (cap. 5 e 6). Entretanto, essas diferenças biológicas seriam reflexos do condicionamento sócio-cultural dos papéis de gênero. Por exemplo, mulheres preferem mais áreas associadas à empatia e à linguagem, enquanto homens optam por áreas que envolvem maior sistematização porque tais preferências foram moldadas pelo ambiente desde a infância. Do mesmo jeito, as mulheres podem apresentar menos atração por sexo casual do que os homens por aprendizado cultural. De fato, Saini explica que estratégias sexuais "menos castas" podem ter suas razões adaptativas tanto para mulheres quanto para homens, e que isso pode explicar as táticas culturais de dominação masculina da sexualidade feminina (p. ex.: mutilação genital) (cap. 7). Isso abre caminho para pensar o papel da mulher na evolução humana (especialmente na seleção sexual) como mais ativo do que se pensava (cap. 1). Mulheres não teriam evoluído como meras selecionadoras passivas de machos ativos e exibicionistas. As mulheres teriam desenvolvido suas próprias táticas de escolha e aproximação do sexo oposto ao longo da história evolutiva.
Finalmente, no capítulo 8, a jornalista britânica completa a argumentação sobre a importância feminina na história da espécie humana expondo a hipótese da avó. Segundo essa hipótese, mulheres se tornam inférteis ao atingirem idade avançada porque assim podem ajudar a cuidar de seus netos. Isso é vital para a espécie humana, cujos bebês nascem mais frágeis e suscetíveis ao aprendizado.
Considerações Finais
O livro oferece um panorama dos estudos das diferenças de gênero repleto de referências clássicas, bem como entrevistas com expoentes de diversas áreas (p. ex.: Robert Trivers, Sarah Hrdy, dentre outros). No entanto, o livro peca por excessiva parcialidade em alguns pontos.
Por exemplo, parece arriscado classificar os méritos de uma teoria científica com base no contexto histórico em que ela foi elaborada. Logo no primeiro capítulo, Saini questiona os méritos da teoria da evolução, especialmente da teoria da seleção sexual, com base na sua suposta inspiração em papéis de gênero vitorianos. Isso seria o mesmo que questionar o status científico da mecânica quântica por ter sido desenvolvida com interesses bélicos durante a Segunda Guerra Mundial. Além disso, alega-se que pesquisas sobre diferenças de gênero são parciais por apresentarem uma maioria masculina de pesquisadores, e que estudos de neuroimagem são imprecisos demais para confiar quando revelam diferenças entre cérebros. Logo após essa argumentação, Saini menciona estudos de neuroimagem que não encontram tais diferenças de gênero. Isso parece indicar que Saini só está disposta a considerar confiáveis os achados científicos que concordam com sua agenda.
A autora dedica uma boa parte do livro a discutir que as preferências acadêmicas e profissionais típicas de homens e de mulheres não são influenciadas pela biologia, mas sim pela pressão da sociedade. As pesquisas mostram que homens são mais altos em sistematização, o que explicaria a escolha por profissões como matemática, engenharia e física. Já mulheres são mais altas em empatia, o que justificaria a escolha de profissões como enfermagem, psicologia e línguas. São citados estudos clássicos de mulheres com hiperplasia adrenal, que produzem testosterona como homens, que possuem preferências mais típicas dos homens. Saini também cita um estudo clássico em que bebês masculinos apresentaram maior preferência por objetos, enquanto bebês femininos, por rostos.
Mas o argumento do livro é que essas tendências são produzidas pela cultura, não pela biologia. Em vez de apresentar resultados de estudos que mostrem outros resultados, Saini mostra defeitos nos estudos citados. Por exemplo, a amostra pequena, ou a diferença entre os bebês masculinos e femininos que, embora existente, seria muito pequena e irrelevante para a vida real. Ela também alega que o estudo apresenta problemas metodológicos e que de alguma forma houve influência de expectativas sexistas sobre a interpretação dos pesquisadores sobre o comportamento dos bebês. No entanto, o livro não menciona estudos mais recentes que encontram diferenças quanto aos níveis de empatia e sistematização em mulheres e homens, e diferentes tendências de escolha acadêmica e profissional entre eles (Jungert, Hubbard, Dedic, & Rosenfield, 2019). Por exemplo, o livro não cita que as menores discrepâncias de gênero entre essas áreas não ocorrem em países com maior equidade de gênero, mas nos países com menor equidade. Isso pode sugerir que nos ambientes onde homens e mulheres são mais livres para escolher suas carreiras, suas escolham se tornam ainda mais diferentes que em países com maior nível de desigualdade de gênero e de riqueza (Jiang, Schenke, Eccles, Xu, & Warschauer, 2018).
Em suma, Inferior é um livro bem escrito, com boas referências, e que toca num tema relevante. Mas é possível que Saini tenha realizado uma defesa um tanto parcial do problema das diferenças de gênero. Assim, além da leitura desse livro, sugere-se também a leitura de outros livros para que o leitor tenha uma visão plural sobre o tema (p. ex.: Natividade, Silvano, & Fernandes, 2014; Pinker, 2010).
Referências
Buss, D. M., & Schmitt, D. P. (2018). Mate preferences and their behavioral manifestations. Annual Review of Psychology, 70, 23-34. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103408 [ Links ]
Jiang, S., Schenke, K., Eccles, J. S., Xu, D., & Warschauer, M. (2018). Cross-national comparison of gender differences in the enrollment in and completion of science, technology, engineering, and mathematics Massive Open Online Courses. PloS One, 13(9), e0202463. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0202463 [ Links ]
Jungert, T., Hubbard, K., Dedic, H., & Rosenfield, S. (2019). Systemizing and the gender gap: Examining academic achievement and perseverance in STEM. European Journal of Psychology of Education, 1-22. https://doi.org/10.1007/s10212-018-0390-0 [ Links ]
Natividade, J. C., Silvano, M. B., & Fernandes, H. B. F. (2014). Diferenças entre homens e mulheres: Desvendando o paradoxo. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 14(1),119-122. [ Links ]
Pinker, S. (2010). O paradoxo sexual: Hormônios, genes e carreira. Rio de Janeiro: BestSeller. [ Links ]
Saini, A. (2017). Inferior: The true power of women and the science that shows it. 4th Estate. [ Links ]
Saini, A. (2018). Inferior é o caralho: Eles sempre estiveram errados sobre nós. Rio de Janeiro: Darkside Books. [ Links ]
Zhu, N., & Chang, L. (2019). Evolved but not fixed: A life history account of gender roles and gender inequality. Frontiers in Psychology, 10, 1709. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01709 [ Links ]
Informações sobre o autor:
Felipe Carvalho Novaes
R. Marquês de São Vicente, 225 - Casa XV - Gávea
22541-041 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: felipecarvalho.n@gmail.com
Submissão: 09/03/2020
Primeira decisão editorial: 06/10/2020
Versão final: 19/10/2020
Aceite: 27/10/2020