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Revista de Psicologia da UNESP
versión On-line ISSN 1984-9044
Rev. Psicol. UNESP vol.18 no.1 Assis enero/jun. 2019
RESENHA
Freud, Mais Ainda!
Érico Bruno Viana Campos
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
RESUMO
Esta resenha tem como objetivo apresentar e criticar a edição em brochura das Cinco Lições de Psicanálise de Sigmund Freud, de 1905, primeiro número de novo projeto editorial das obras do fundador da psicanálise, traduzida diretamente do alemão, pelo selo Cienbook da Editora Edipro, em 2019. Trata-se de um projeto editorial bem feito, com tradução criteriosa, atualizada e consistente. Destaca-se a proposta de editar os livros de forma separada, dando destaque às obras mais importantes e de sistematização, começando pelo seu texto mais clássico de divulgação. A editoração é bem-feita em termos de design de capa e miolo, com preço acessível. O prefácio apresenta bem o escopo do texto na obra do autor e na história da psicanálise. É indicada para leigos e iniciantes tomarem conhecimento das ideias de Freud, principalmente para estudantes de graduação.
Palavras-chave: Psicologia. Psicanálise. Livros Didáticos. Freud, Sigmund, 1856-1939.
ABSTRACT
This review aims to present and criticize Sigmund Freud's Five Lessons in Psychoanalysis, 1905, the first issue of a n ew editorial project of the founder of psychoanalysis, translated directly from German, by the Cienbook stamp of Edipro Publishing House in 2019. This is a well - designed editorial project, with careful, up-to-date and consistent translation. Of particular note is the proposal to edit the books separately, highlighting the most important and systematization works , starting with its more classic text of dissemination. The p ublishing is well done in terms of cover design and core, with affordable price. The pr eface presents well the scope of the text in the work of the author and in the history of psychoanalysis. It is designed for lay people and beginners to learn about Freud's ideas, especially for undergraduates.
Keywords: Psychology. Psychoanalysis. Didactic books. Freud, Sigmund, 1856 - 1939.
Resenha
Desde a queda em domínio público das obras de Freud no Brasil, em meados de 2009, uma série de projetos editoriais têm sido lançados, quebrando a soberania que a Editora Imago tinha com sua onipresente e já clássica Edição Standard Brasileira, que vinha sendo publicada continuamente e sem significativas alterações desde 1974. Tirando os projetos mais conhecidos de obras completas da própria Imago e de sua rival Companhia das Letras, hoje contamos com outras iniciativas bem estabelecidas de publicação de textos avulsos ou compilações, tendo começado com a LP&M, do Rio Grande do Sul, e depois com a Autêntica, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Outras editoras também tentaram suas apostas, algumas mais conhecidas (Cosac & Naif e Nova Fronteira), outras nem tanto (LeBooks). Dentre as iniciantes no segmento, agora neste ano a Editora paulista Edipro lança suas apostas com a publicação do texto mais clássico de divulgação de Psicanálise: as "Cinco Lições", conferências introdutórias que Freud proferiu em sua visita à Universidade de Clark, em Worcester, nos EUA, em 1909. Primeiro reconhecimento internacional do fundador da Psicanálise, publicadas integralmente em 1910 no American Journal of Psychology.
Nos quase 40 anos em que a Imago esteve de posse exclusiva do legado bibliográfico freudiano no nosso país muito pouco foi feito no sentido de valorizar editorialmente a obra fundamental da Psicanálise. A história é bem conhecida: uma tradução mal-feita em cima da versão inglesa, que nunca foi reeditada ou corrigida, só ganhando novas capas e diagramações, com a persistência dos mesmos erros grosseiros. Com as mudanças tecnológicas no campo da informática, no final dos anos 1990 veio uma tímida tentativa de publicar as obras em versão eletrônica e algumas edições em brochura com novos ensaios de tradução. Algumas tentativas infrutíferas depois, a aposta finalmente em um projeto editorial completamente novo, com organização temática baseada e traduzida da edição de estudos alemã, sustentado em uma equipe de tradução altamente capacitada, encabeçada pelo psicanalista e germanista Luiz Hanns (1995). A realização demora, sai já após a liberação dos direitos e morre na praia, com apenas três livros editados, sendo atropelada pelo projeto concorrente da Companhia das Letras, também traduzido diretamente do alemão por uma equipe rival igualmente competente, capitaneada pelo historiador e tradutor Paulo César Souza (1999), trazendo novas e ousadas opções terminológicas, estilísticas e de organização. Logo ganha ares de edição definitiva e se torna padrão e referência nacional. As reedições da Imago continuam acontecendo, agora exclusivamente em coleções de capa mole, alternativa barata para bibliotecas e alunos. Virou edição ultrapassada e de segunda linha, que ainda mantém a falida editora que fora originalmente fundada para divulgar a psicanálise nestas terras. A edição da Companhia das Letras reina soberana como sonho de consumo dos novos psicanalistas e simpatizantes, avançando agora para edições mais baratas e isoladas de textos clássicos em seus selos de divulgação.
Nos últimos anos surgem outros projetos, que não vêm abalar o seu prestígio. Tirando a proposta da Editora Autêntica das Obras Incompletas de Freud, que tem uma proposta bem mais ousada, mas também bem mais acadêmica, os outros projetos se caracterizam mesmo como propostas de divulgação e popularização de uma obra clássica que caiu em domínio público. Nesse sentido, temos visto mais e mais novas edições de textos de Freud no Brasil. Pois bem, neste contexto, em que o livro aqui resenhado se destaca?
Em primeiro lugar, trata-se de uma proposta editorial séria e consistente de divulgação científica. A escolha é por publicar textos avulsos de maior interesse do público geral e principalmente para os estudantes que se introduzem no assunto. O segundo lançamento, também ocorrido neste ano é do Esboço de Psicanálise, obra de sistematização póstuma e incompleta (Freud, 1940/2019), que também não havia sido ainda lançada em edição avulsa. O projeto editorial propriamente dito é muito bem-feito, a diagramação de capa e de miolo são elegantes e a impressão e encadernação de qualidade padrão no mercado nacional (15x20cm, papel amarelado, capa fosca e orelhas). A tradução também tem bom gabarito e respaldo institucional, com tradutores e revisores do ramo e também com sólida formação acadêmica na área da filosofia. A tradução destas Cinco Lições ficou a cargo de Saulo Krieger, doutorando pela UNIFESP, com supervisão técnica e prefácio de Guilherme Germer, doutor pela UNICAMP e pós-doutorando pela USP, direto da versão alemã. Chama a atenção a vertente filosófica dos tradutores, considerando que tradicionalmente a Psicanálise transitou da medicina para a psicologia, mas cabe lembrar que no campo do trabalho mais propriamente acadêmico de cunho histórico e epistemológico sempre se destacaram no Brasil os filósofos, que foram responsáveis, desde a geração de Prado Junior, Garcia-Roza, Mezan e Monzani pelo desenvolvimento da área de Filosofia da Psicanálise.
É justamente essa vertente da Psicanálise tomada em perspectiva pela tradição filosófica em sua amplitude na história das ideias, mas também no rigor e clareza conceitual, que se insere a proposta, o que se nota no estilo e nas escolhas terminológicas, mas também no prefácio que apresenta e contextualiza a contribuição freudiana de 1910. Nele, Germer (2019), além de circunstanciar brevemente o histórico das lições, apresenta os passos iniciais de Charcot e Breuer que depois Freud continua em um caminho original na compreensão das neuroses, levando à proposição do conceito de inconsciente, centrado na hipótese da repressão. Em vez de dialogar na sequência com os campos mais conexos, a Psicologia e a Psiquiatria, o comentador segue diretamente para a raiz filosófica da tradição ocidental, buscando aproximar a descoberta freudiana com as noções de catarse e maiêutica em Platão e de autoconhecimento pleno em Schopenhauer e Nietzsche. De fato, a tendência nas cinco lições, por seu caráter de apresentação geral das ideias centrais da psicanálise, é mostrar as implicações éticas dessa teoria e prática para a concepção geral de homem e, portanto, noções de como lidar com o conflito que nos habita. É no resgate desse fio ao longo do texto freudiano, perspectivado, por um lado, pela tradição filosófica clássica e moderna, e, por outro, pelo recrudescimento contemporâneo da crítica cientificista, marcada pelo pragmatismo técnico, que o comentador faz uma ótima introdução à importância humanística da invenção psicanalítica.
Já ao longo do texto propriamente dito das lições, notamos uma opção estilística coloquial, mas culta, mantendo o tom da linguagem da época. Do ponto de vista das escolhas terminológicas para os conceitos principais da psicanálise, temos opções bastante acertadas, dentro do leque de opções do nosso jargão nacional contemporâneo, sem se vincular estreitamente a nenhuma das tendências do campo. Nota-se também uma certa prevalência por termos mais próximos de uma tradição filosófica e humanista do que médico-psiquiátrica ou psicológica. Assim, para ficar nos exemplos mais axiais, optou-se por: pulsão em vez de instinto (seguindo Hanns), repressão em vez de recalque (seguindo Souza), eu em vez de ego (seguindo ambos) e angústia em vez de ansiedade (seguindo ambos também). As notas são poucas, sem pesar demais no texto, mas precisas. Também são fornecidas as devidas traduções das referências quando existem em português e também de eventuais citações em outras línguas.
Esse pequeno livro é uma ótima introdução às ideias fundamentais da psicanálise, sendo ainda uma referência básica utilizada em muitas disciplinas de introdução ao tema, principalmente em cursos de graduação. Deve, portanto, interessar ao leitor culto das áreas de humanidades, educação e saúde, bem como estudantes de graduação e pós-graduação das mesmas áreas. Seu principal atrativo é que é uma edição bem-feita e acessível, de texto isolado em forma de pequeno livro. Nesse sentido, é uma opção que vem ocupar o lugar das antigas edições avulsas da Editora Imago, que faziam bastante sucesso entre os estudantes da área de Psicologia e Medicina. Muitas pessoas ainda preferem ter o texto ou uma versão eletrônica de boa visualização do que uma cópia xerox ou digitalização ruim. Um livrinho destes, principalmente em sua versão eletrônica (a editora disponibiliza e-book pela loja do Kindle e do Google Livros), sai por um valor bastante acessível, considerando os preços do mercado editorial nacional.
Portanto, ainda há um nicho de mercado em potencial, que pode explorar entre a edição da obra completa em capa dura e a edição em formato de livreto de bolso. Assim, que este novo projeto, que começa com as cinco lições, possa se espelhar no pioneiro e esperançoso fundador da psicanálise conquistando a América em 1910. A experiência contemporânea nos mostra que seu legado é ainda atual e pertinente. Neste sentido, mais Freud nunca será demais.
Referências:
Freud, S. (2019). Cinco lições de psicanálise. Trad. Saulo Krieger. 1. ed. São Paulo: Cienbook. (Originalmente publicado em 1910). [ Links ]
Germer, G. M. (2019). Prefácio. In S. Freud, Cinco lições de psicanálise (pp. 5-25). São Paulo: Cienbook. [ Links ]
Freud, S. (2019). Esboço de psicanálise. Trad. Saulo Krieger. 1. ed. São Paulo: Cienbook. (Originalmente publicado em 1940). [ Links ]
Hanns, L. A. (1996). Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro, Imago. [ Links ]
Souza, P. C. (1999). As palavras de Freud: o vocabulário freudiano e suas versões. São Paulo: Ática. [ Links ]
Recebido em: 22/06 /2019
Aprovado em: 06/12/2019