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Revista de Psicologia da UNESP
versión On-line ISSN 1984-9044
Rev. Psicol. UNESP vol.18 no.spe Assis 2019
ARTIGOS
Carta de fundação do Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e "Subjetividadessaúde" (LATIPPSS)1
Abílio da Costa-Rosa
Psicanalista e Analista Institucional, Professor Livre-Docente do departamento de Psicologia Clínica da UNESP/Assis, SP. Foi um importante trabalhador, teórico e militante do campo da Saúde Mental Coletiva. Nos últimos vinte anos de vida, dedicou-se, apaixonadamente, à formação de trabalhadores para esse campo, atuando como professor nos cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia na Universidade Estadual Paulista (UNESP) - campus de Assis. Fundador do "Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e 'Subjetividadessaúde'" (LATIPPSS) - associado ao Grupo de Pesquisa "Saúde Mental e Saúde Coletiva" inscrito no diretório de grupos do CNPq
Pretendemos2 reunir trabalhadores-pesquisadores num coletivo de trabalho denominado Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de Subjetivação e "Subjetividadessaúde" (LATIPPSS). O LATIPPSS é associado ao Grupo de Pesquisa "Saúde Mental e Saúde Coletiva" inscrito no diretório de grupos do CNPq, à Linha de Pesquisa "Subjetividade e Saúde Coletiva" do Curso de Pós-graduação "Psicologia e Sociedade", e à Ênfase "Políticas Publicas e Clínica Crítica" do Curso de Graduação em Psicologia da UNESP-Assis.
Há algum tempo venho discutindo com alguns colegas, e com os orientandos e demais alunos, o objetivo de introduzir na nossa Universidade um trabalho mais sistemático tomando como referência a subjetividade. É um fato fácil de constatar que esse tema transversaliza muitas de nossas práticas e construções teóricas, justamente pelo prisma ético-político em que as realizamos. Por outro lado, embora haja diversidade em nossos modos de considerar a questão, também fica evidente que o campo humano que nos concerne como trabalhadores "psi" - nas diferentes áreas da "Saúde", "Educação", "Trabalho", e nas demais "problemáticas e práticas institucionais e sociais" - inclui a subjetividade e os processos de subjetivação.
Todas essas razões e o fato de nos inserirmos na Universidade Pública (a quem cabe o objetivo da produção do saber e não apenas o da reprodução do conhecimento) nos convidam de modo determinado à tarefa de produção de práticas e saberes sobre a subjetividade, apropriados à singularidade ética de nossa práxis.
O termo "laboratório" é utilizado por nós em sentido figurado, como atividade que envolve intercessões no campo das subjetividades concretas, estudos e exames críticos dos conceitos já produzidos sobre o tema, e, eventualmente, a produção de novos conceitos; sempre na perspectiva de que qualquer ação que pretenda afirmar-se como práxis envolve necessariamente o tratamento do real com as ferramentas do simbólico.
O termo "transdisciplinar" será considerado, a princípio, nas condições em que é apresentado pelos autores estudados. Porém nosso horizonte teórico e ético inclui a perspectiva de superação da atitude "disciplinar" tal como definida e criticada por Foucault; ao mesmo tempo procuraremos balizar nossas intercessões-pesquisas nos paradigmas da psicanálise de Freud e Lacan, nos estudos iniciais de Marx e nas contribuições das Filosofias da Diferença, paradigmas nos quais identificamos outra origem que não o princípio sujeito-objeto tão caro às Disciplinas.
A locução "intercessão-pesquisa" 3 pretende ser um dos principais eixos de articulação de nossa práxis tanto de ação nos processos concretos, quanto na produção de conhecimento. Em primeiro lugar partimos da noção de "intercessor" tal como presente nas bases da Análise Institucional de Lourau e Lapassade e nas posteriores reflexões filosóficas de Deleuze. A tese central consiste em perceber que no campo humano social e subjetivo sempre estamos na presença de campos de intercessão (realidades estratificadas em termos de pulsações relativas a interesses e valores, processos instituídos e instituintes interpenetrados, multiplicidades em devir constante de articulação). Disso, e de nossa ética, deduzimos que em qualquer relação direta com os sujeitos da práxis só cabe interceder, nunca intervir4.
Quanto à produção de saber, distinguimos a produção de saber na práxis pelos próprios sujeitos da práxis, momento a que nomeamos intercessão. Nesse momento, nós que estamos lidados à Universidade podemos vir a estar incluídos, tanto como "mais um", ocasião em que podemos ser chamados a interceder momentaneamente em impasses experimentados pelo coletivo em questão; ou podemos nos engajar simplesmente como um a mais, a partir do reconhecimento de que as "questões" em jogo são também nossas. Distinguimos dessa produção de saber, aquela ainda espelhada no velho lugar do pesquisador que reproduz a divisão social do trabalho do Modo Capitalista de Produção, expressa na divisão entre os que fazem e os que pensam. No caso da Universidade em que nos incluímos diretamente, tal divisão é expressa, por um lado, na produção de técnicos para o mercado e, por outro, na produção de pesquisadores para a Universidade, apenas aos últimos caberia à produção de saber para a prática. No âmbito de nossa prática de produtores de conhecimento procuramos sustentar a crítica, no sentido clínico de pôr em crise e de divergir para superar, da referida divisão do trabalho. No lugar do saber apartado da prática, e junto ao saber produzido na práxis acima referido, alinhamos a produção de um novo saber, não mais com a pretensão de iluminar as práticas dos técnicos ou mesmo dos indivíduos comuns, mas um saber sobre os campos de intercessão e, sobretudo, sobre os modos de interceder, quando isso se mostrar relevante, nos processos de produção do saber na práxis pelos próprios sujeitos da práxis. Dito de outro modo, essa forma de ação que definimos como "intercessão-pesquisa" será nosso modo de tentar contribuir com a transformação da subjetividade e do saber sobre ela aproveitando as brechas abertas no laço social de produção ainda dominante na Universidade, não por acaso situável a partir do Discurso Universitário proposto por Jacques Lacan.
Quanto aos termos "processos de subjetivação" estamos em companhia de termos mais conhecidos. Nosso percurso inicial pretende incluir de Freud e Lacan a Deleuze e Guattari, passando por Foucault, entre outros. Finalmente, o neologismo "subjetividadessaúde" (ou saúdessubjetividade) pretende grafar, traduzir, a hipótese da inextricabilidade saúde-subjetividade no campo dos acontecimentos "psi". Isso significa que consideramos a impossibilidade da produção de qualquer estado da saúde que não seja através da produção de um modo da subjetividade. Quanto à saúde psíquica, falando de forma direta, esta se traduz nos próprios modos da subjetividade e dos processos de subjetivação. A pluralização dos termos subjetividade e saúde incluídos nesse novo significante pretende indicar a pertinência da simultaneidade de diferentes modos da subjetividade e, portanto, de diferentes modos da saúde. Indica também a consideração de processos em constante transformação.
O Modo de funcionar de nosso Laboratório visará a operatividade do grupo de trabalho (que poderá ser múltiplo) e se atualizará, entre outras atividades, em encontros quinzenais de (2) duas horas5.
Primeira reunião: quinta-feira, dia 4 de março de 2010. Local: Prédio da Psicologia-UNESP. Pauta: esclarecimentos gerais, definição das primeiras leituras e demais trabalhos6.
Recebido em: 13/09/2019
Aprovado em: 15/11/2019
1 Publicação póstuma do texto escrito pelo Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa em 2010. Editoração do "manuscrito": Maico Fernando Costa (Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela UNESP-Assis); Dr. Silvio José Benelli, Psicólogo e Mestre em Psicologia pela UNESP-Assis, Doutor em Psicologia Social pela USP e Waldir Périco, Psicólogo e Mestre em Psicologia pela UNESP-Assis, Doutorando em Psicanálise pela UERJ.
2 [Nota dos editores]: Carta enviada por e-mail, no dia 28 de fevereiro de 2010, àqueles que integraram a primeira formação desse coletivo de trabalho.
3 [Nota dos editores]: Também referida como Dispositivo Intercessor.
4 [Nota dos editores]: Quando o autor contrapõe os termos "Intercessão" e "Intervenção [disciplinar]", temos que deixar claro que esta última não se confunde com a noção de "Intervenção" presente na perspectiva cartográfica, que estaria mais próxima da ideia de "Intercessão". Mais recentemente, para evitar essa confusão, ao se referir ao avesso dialético da "Intercessão", nosso coletivo de trabalho tem preferido falar em "intromissão".
5 [Nota dos editores]: Nossas reuniões foram realizadas duas vezes por mês, sempre na primeira e na terceira quinta-feira do mês (mesmo quando mês tem 5 semanas), para trabalhar e discutir sobre o tema do sujeito, da subjetividade e dos processos de subjetivação nas diferentes vertentes: Foucault, Sócio-histórica, Materialismo Histórico, Psicanálise Lacaniana, Deleuze e Guattari (Filosofia da Diferença).
6 [Nota dos editores]: Desde essa época, temos realizado encontros, para darmos andamento aos trabalhos de discussão e de escrita. As reuniões de trabalho do LATIPPSS foram realizadas regularmente entre os anos de 2010 a 2018, sempre com a presença inspiradora do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa. O Dr. Silvio José Benelli participou do LATIPPSS desde o início e em 2011, tendo ingressado como docente no Departamento de Psicologia Clínica da FCL/Unesp de Assis, também passou a colaborar com o Prof. Abílio em suas aulas na Graduação e na Pós-Graduação. Esse coletivo foi constituído por diversos orientandos de Iniciação Científica, de Mestrado e de Doutorando de ambos os docentes. Foi e continua sendo muito fecundo para uma elaboração permanente do Dispositivo Intercessor e para a formação de trabalhadores públicos transdisciplinares.