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Revista do NUFEN
versión On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.8 no.1 Belém 2016
Artigo
O silêncio na psicoterapia a luz da abordagem centrada na pessoa
Silence in psychotherapy in the light of the person centered approach
Silencio en psicoterapia en la luz del enfoque centrado en la persona
Daiana Meregalli Schütz; Luciara Gervasio Itaqui
Instituto Fernando Pessoa, Brasil
RESUMO
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) refere-se a uma forma específica, desenvolvida por Carl Rogers, de entrar em relação com outro, estando implícito um modo positivo de conceitualizar a pessoa humana. Nessa abordagem, o indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a autocompreensão e para alterar o seu autoconceito, suas atitudes básicas e seu comportamento autodirigido, e estes recursos podem ser liberados se um clima definido de atitudes psicológicas facilitadoras puder ser oferecido. A comunicação em psicoterapia na ACP não diz respeito apenas a conteúdos de cunho cognitivo e intelectual, mas se referea algo mais 'vivencial', algo que abrange a pessoa inteira, tanto as reações viscerais e os sentimentos como os pensamentos e as palavras. O silêncio configura-se como uma forma de comunicação e não como ausência dela, sendo fundamental para o processo psicoterapêutico.
Palavras-chave: Humanismo; Silêncio; Clínica.
ABSTRACT
The Person Centered Approach (PCA) refers to a specific form, developed by Carl Rogers, to enter into relationship with another being implied a positive way of conceptualizing the human person. In this approach, the individual has within himself vast resources for selfunderstanding and to change your self-concept, their basic attitudes and their self-directed behavior, and these resources can be released if a defined climate of facilitative psychological attitudes can be offered. Communication in psychotherapy in the ACP is not just about the cognitive and intellectual nature of content, but refers to something more 'experiential', which covers the whole person, both visceral reactions and feelings and thoughts and words. Silence is configured as a form of communication and not as lack of it, is fundamental to the psychotherapeutic process.
Keywords: Humanism; Silence; Clinic.
RESUMEN
El Enfoque Centrado en la Persona (ECP) se refiere a una forma específica, desarrollada por Carl Rogers, de entrar en relación con otro ser implicaba una forma positiva de la conceptualización de la persona humana. En este enfoque, el individuo tiene dentro de sí vastos recursos para la auto-comprensión y para cambiar su concepto de sí mismo, sus actitudes básicas y su comportamiento autodirigido, y estos recursos puede ser liberado si un clima definido de actitudes psicológicas facilitadoras se puede ofrecer. La comunicación en la psicoterapia en el ACP no se trata sólo de la naturaleza cognitiva e intelectual de los contenidos, sino que se refiere a algo más 'experiencial', que abarca a toda la persona, ambas reacciones y sentimientos y pensamientos y palabras viscerales. El silencio se configura como una forma de comunicación y no como falta de ella, es fundamental para el proceso psicoterapéutico.
Palabras-clave: Humanismo; Silencio; Clínica.
INTRODUÇÃO
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) foi uma expressão utilizada por Carl Rogers para referir uma forma específica de permanecer em relação com outro, estando implícito um modo positivo de conceitualizar a pessoa humana. Esta expressão representa uma evolução no pensamento desse autor e no quadro teórico por ele desenvolvido.
Inicialmente, Rogers a nomeia de Psicologia Não-Diretiva ou aconselhamento Não- Diretivo. Posteriormente, passa a denominá-la de Terapia Centrada no Cliente e, por último, Abordagem Centrada na Pessoa, que segundo ele, é a denominação mais adequada à sua teoria.
O pressuposto fundamental da ACP é que em todo indivíduo existe uma tendência atualizadora, uma tendência inerente ao organismo para crescer, desenvolver e atualizar suas potencialidades numa direção positiva e construtiva. A hipótese central da ACP é a de que o indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a autocompreensão e para alterar o seu autoconceito, suas atitudes básicas e seu comportamento autodirigido, e estes recursos podem ser liberados se um clima definido de atitudes psicológicas facilitadoras puder ser oferecido.
O psicoterapeuta deve trabalhar a consideração positiva incondicional frente ao seu cliente, aceitando calorosamente cada aspecto da experiência da pessoa, não colocando condições para a aceitação do cliente.
Nesse contexto, a comunicação em psicoterapia na ACP não diz respeito apenas a conteúdos de cunho cognitivo e intelectual, mas se refere, segundo Rogers (1983), "a algo mais 'vivencial', algo que abrange a pessoa inteira, tanto as reações viscerais e os sentimentos como os pensamentos e as palavras." (p.4).
Podemos verificar o silêncio em todas as experiências da nossa vida. Por vezes, concebemos o silêncio como algo desagradável, como ausência de relação, no entanto, podemos entender o silêncio como um tipo de relação, podendo ser algo muito significativo durante um processo psicoterapêutico. Apesar de exercer uma relação estreita com a empatia, o silêncio ultrapassa seus limites ao proporcionar ao cliente uma abertura na sua própria experiência.
Nesse sentido, o silêncio, pausa no discurso e nas verbalizações, somente é construtivo quando compartilhado na presença calorosa do psicoterapeuta. Assim, o psicoterapeuta orientado pela Abordagem Centrada na Pessoa deve refletir para o seu cliente suas expressões verbais e não verbais a partir de um quadro de referência interna do próprio cliente. Segundo Rogers, o terapeuta à luz da ACP deve, a partir de atitudes psicológicas facilitadoras. promover a liberação da tendência atualizadora são:
• Ser congruente em uma relação: significa ser uma pessoa integrada, com a sua experiência real acuradamente representada em sua consciência. A pessoa está congruente quando ela está sendo livre e profundamente ela mesma, quando está vivenciando abertamente os sentimentos e atitudes que estão fluindo de dentro dela. Ser congruente, portanto, significa ser real e genuíno.
• Ter uma experiência de consideração positiva incondicional em relação a outra pessoa: significa aceitar calorosamente cada aspecto da experiência desta pessoa. Significa não colocar condições para a aceitação ou para a apreciação desta pessoa. A consideração positiva incondicional implica um cuidado nãopossessivo, uma forma de apreciar o outro como uma pessoa individualizada a quem se permite ter os seus próprios sentimentos, suas próprias experiências.
• Compreender empaticamente: significa perceber acuradamente o quadro interno de referência da outra pessoa como se fosse o seu próprio, com os seus significados e componentes emocionais, sem, contudo, perder a condição de "como se".
Assim, cabe ao psicoterapeuta um papel semelhante, ao de um espelho convexo, que concentra e sintetiza o que é expresso pelo cliente e em seguida emite-os de volta, em direção ao mesmo, mas de forma que ele se identifique com o que lhe é retransmitido. O objetivo do presente artigo é realizar uma breve revisão da literatura acerca da comunicação e do silêncio na ACP para, posteriormente, refletir e discutir a teoria através de quatro trechos de relatos em psicoterapia na ACP.
A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA E O SILÊNCIO
Camilo (1994) explica que o essencial na comunicação entre o psicoterapeuta e o cliente é a abertura que leva a um diálogo que promove o encontro de um com o outro, que a palavra é verdadeira quando cumpre reciprocidade da relação; o primeiro obtém uma correspondência recíproca do segundo, não existindo entre eles somente o diálogo na forma verbal. Um diálogo genuíno suscita respostas que instauram a pessoa singular, única. O silêncio possui um sentido e, portanto, é uma resposta. Uma forma de diálogo capaz de dar respostas não sendo expresso apenas em palavras.
Para Rogers e Kinget (1977), a tarefa do psicoterapeuta da Abordagem Centrada na Pessoa reside não somente em sustentar o discurso do cliente, mas consta da tentativa de avaliar separadamente suas características intelectivas e afetivas que, de fato, são determinantes na elaboração das respostas reflexivas. Esta atividade requer do psicoterapeuta a condição de atuar como se fosse o outro, momentaneamente no contexto estritamente experienciado pelo indivíduo, respeitando seus momentos de reflexão que podem se traduzir por manifestações de silêncio.
Segundo Gendlin (1987) o psicoterapeuta deve responder empaticamente não apenas ao conteúdo do que é falado, mas à significação, à experiência sentida, à vivência presente, seja a partir do silêncio quase absoluto, seja a partir de outras formas de expressão.
À luz da Abordagem Centrada na Pessoa temos diversos tipos de silêncio que veremos a seguir.
OS TIPOS DE SILÊNCIO
O silêncio parado, no qual o cliente não fala e quase não se movimenta; o silêncio movimentado, no qual o cliente pode se expressar de diversas formas como: chorar, rir, torcer as mãos, respirar de maneira profunda sem dizer uma palavra, dando assim, inúmeros sinais cada um com um significado e uma mensagem diferente; e o silêncio ligado à relação consigo mesmo, com o outro e entre outros (Feldmann & Miranda, 2002).
Através do silêncio parado, não há expressão verbal. Há poucos movimentos corporais do cliente. No entanto, podemos observar a sua aparência, como está vestido, penteado e sua postura. (Feldmann & Miranda, 2002). Neste caso, temos que aceitar o silêncio do cliente, aceitá-lo incondicionalmente sem julgamentos ou interpretações.
Segundo Feldmann e Miranda (2002), no silêncio movimentado temos apenas a expressão corporal do cliente para entender o que ele está querendo nos falar. O cliente pode chorar, rir, torcer as mãos, mexer as pernas, os braços, a cabeça, respirar de maneira ofegante, suspirar, andar de um lado para o outro e, por vezes, agredir o psicoterapeuta. Cada um desses movimentos tem um significado e uma mensagem diferente. Para que possamos compreender tais atitudes, temos que observar e seguir as "instruções" que o cliente passa através dos seus movimentos e expressões.
O terceiro tipo de silêncio, ligado à relação consigo mesmo, com o outro e entre outros, será analisado de forma mais específica por se tratar de um silêncio mais subjetivo.
O SILÊNCIO LIGADO À RELAÇÃO CONSIGO MESMO
Quando o silêncio está ligado à relação consigo mesmo o cliente não tem a intenção de usar o silêncio para transmitir qualquer mensagem ao psicoterapeuta (Feldmann & Miranda, 2002). Neste caso temos sete tipos diferentes de silêncio. Vamos analisá-los a partir de Feldmann e Miranda (2002). O primeiro dá-se pelo receio que o cliente, em um primeiro contato, tem em falar com o psicoterapeuta. A pessoa que busca ajuda pela primeira vez não sabe o que esperar desse contato e não sabe se deve falar primeiro ou se deve esperar que o psicoterapeuta fale ou se apenas deve responder às perguntas do psicoterapeuta. Com medo de errar o cliente se cala e espera que o psicoterapeuta lhe diga o que fazer.
Um segundo tipo de silêncio observado, segundo Feldmann e Miranda (2002), é quando o cliente está totalmente voltado para si mesmo. Ele não está interessado em interagir com o psicoterapeuta ou com qualquer pessoa a sua volta. O cliente está tão absorvido consigo mesmo que se comporta como se estivesse sozinho, está olhando para si mesmo, para o seu interior de modo que só vê a si mesmo e mais ninguém.
Outra maneira de vermos o silêncio, segundo Feldmann e Miranda (2002), é quando o cliente está deprimido. Por vezes, no pico da crise depressiva o nível de energia do cliente está tão baixo que ele não tem força alguma para fazer qualquer coisa, nem mesmo se expressar verbalmente. Vamos notar o seu desânimo através de suas expressões faciais, que normalmente, expressam tristeza.
Geralmente, quando o cliente está confuso na sua experiência, está muito desordenado podendo perder-se em seus pensamentos e podendo, com isso, não saber por onde começar a falar, ficando em silêncio (Feldmann & Miranda, 2002). Como o que ocorreu com uma cliente que no processo de triagem não conseguiu contar de forma efetiva como o irmão havia se suicidado e se calou. Neste momento, a única coisa que podemos fazer é aceitar o cliente, deixar que ele reviva os seus medos e suas lembranças sentindo-se, então, aceito e compreendido.
Feldmann e Miranda (2002) afirmam que o silêncio do cliente pode ocorrer por ele estar organizando os seus pensamentos e, por vezes, algumas pessoas não querem falar das suas confusões. Preferem, então, organizar as suas ideias antes de expressá-las. Como que se estivessem colocando em ordem cronológica ou em tópicos para somente então, começar a falar.
O silêncio pode manifestar-se, de acordo com Feldmann e Miranda (2002), quando o cliente está sentindo algo com muita intensidade. Está experimentando sentimentos muito intensos e nem sempre encontra palavras para expressá-los.
O fato de não ter palavras para expressar seus sentimentos, contribui para que tais sentimentos sejam expressos de outras maneiras a sua fala como, por exemplo, chorando ou através do próprio silêncio. É um momento muito rico e produtivo de auto-exploração do cliente.
Segundo Tambara e Freire (2007), isso ocorre quando existe um clima de grande segurança na relação terapêutica. Esses momentos de silêncio são oportunidades muito valiosas para que o cliente se aproxime de si mesmo, para entrar em um contato mais profundo com sua própria experiência.
O último tipo de silêncio ocorre quando o cliente está ligado à sua relação consigo mesmo como citado por Feldmann & Miranda (2002). É quando ele está com uma "ressaca de entrega". O cliente coloca um limite para a sua própria fala. Quando ele acha que já entregou o que queria ou quando falou demasiado, ele prefere calar-se. Segundo Powell, apud Feldmann & Miranda (2002) ele prefere seguir por passos a sua entrega "Eu quero seguir a prescrição inteira, mas em pequenas doses. Eu quero a história inteira, mas só posso ler um capítulo de cada vez. Não me sinto forte o bastante, nem me amo o bastante para me defrontar com tudo de uma só vez." (Powell, 1985, apud Feldmann & Miranda, 2002, p. 189).
O SILÊNCIO LIGADO À RELAÇÃO COM O OUTRO E ENTRE OUTROS
Outra forma que verificamos o silêncio é quando ele está ligado à relação do cliente com o psicoterapeuta, onde, por vezes, pode ser usado para enviar-lhe mensagens específicas. Neste silêncio temos quatro tipos de relação cliente-psicoterapeuta (Feldmann & Miranda, 2002).
O primeiro dá-se quando o cliente está com medo do psicoterapeuta (Tambara & Freire, 2007). Isso ocorre quando ainda não foi estabelecido um clima de inteira confiança na relação, quando o vínculo ainda não foi estabelecido de forma plena. O cliente pode ter medo do psicoterapeuta diante do seu relato. Esse medo pode ser do julgamento do outro, da devolução que irá receber, podendo, inclusive haver medo em que não seja mantido o sigilo absoluto do que está sendo dito ao psicoterapeuta. Quando esse medo torna-se maior que o desejo de falar o cliente acaba por calar-se.
O segundo modo de silêncio que vamos encontrar é quando o cliente sente-se envergonhado diante do psicoterapeuta. Quando o cliente não aceita o que está vivenciando, ele sente vergonha de sua própria experiência e de sua pessoa. Com isso, ele sente-se temeroso em relatar as suas vivências com medo do julgamento do psicoterapeuta. Medo de que o psicoterapeuta julgue-o como ele mesmo o faz. Esse medo acaba por causar-lhe ansiedade e, atrapalhado com essas dúvidas, o cliente não consegue relatar as suas experiências. (Feldmann & Miranda, 2002).
Durante os atendimentos, pode acontecer de o cliente ficar com raiva do psicoterapeuta. Isso faz com que ele volte-se contra o psicoterapeuta usando o silêncio como punição. Esse é o terceiro modo de silêncio abordado por Feldmann e Miranda (2002). É a maneira que o cliente encontra de rejeitar o psicoterapeuta, mostrando, desta forma, que ele está magoado, descontente ou irritado. O psicoterapeuta, neste caso, não correspondeu às expectativas do cliente e por isso é castigado.
O último silêncio que está ligado à relação do cliente com o psicoterapeuta, é quando o cliente está testando o psicoterapeuta (Tambara & Freire, 2007). Este silêncio faz parte do início do processo de ajuda. Nesta fase o cliente testa o psicoterapeuta para ver se ele pode confiar se entregando ao relato. Neste caso, o cliente está perguntando ao psicoterapeuta "você é capaz de me aceitar incondicionalmente?" (Feldmann & Miranda, 2002. p. 191).
Segundo Feldmann e Miranda (2002) o psicoterapeuta tem a capacidade de observar, então, não tem dificuldade em perceber quando o silêncio tem haver com o próprio cliente e quando tem haver com a relação dos dois. Quando o silêncio está relacionado com a relação do cliente consigo mesmo ele não tem a intenção de manter contato e revela isso com a sua postura. Já no silêncio que está relacionado à sua ligação com o psicoterapeuta, o cliente mesmo quando olha para outro lugar ou fica de costas, mantém pequenos contatos visuais esporádicos para verificar qual a reação do psicoterapeuta. Se a sua intenção é incomodar o psicoterapeuta ele quer ver qual o efeito que isso está causando ao mesmo, então ele verifica para ver se está atingindo o seu objetivo.
Segundo Tambara & Freire (2007) o silêncio pode ser uma defesa do psicoterapeuta, pois o processo do cliente pode mobilizar algum sentimento ou experiência interna do psicoterapeuta com o qual ele não consegue lidar durante uma sessão fazendo com que não sabia o que dizer e por se sentir ameaçado ele silencia.
MÉTODO
O presente artigo, através da revisão narrativa de autores da ACT sobre a comunicação e o silêncio em psicoterapia, tem como objetivo compreender o significado e a importância do silêncio em psicoterapia.
A revisão narrativa é caracterizada como um processo de descrição do estado da arte de um assunto específico, sob o ponto de vista teórico ou contextual. Constitui-se, basicamente, da análise da literatura, da interpretação e análise crítica pessoal do pesquisador. A revisão narrativa possibilita a aquisição e atualização de conhecimento sobre um determinado tema em curto período de tempo. (Gomes & Caminha, 2014).
De acordo com Gomes e Caminha (2014), a revisão narrativa pode ser utilizada tanto com o delineamento qualitativo, delineamento do presente artigo, quanto com o quantitativo. Posteriormente, serão apresentadas quatro situações clínicas nas quais o tema silêncio tem um papel importante. Tais situações clínicas são referentes a pacientes atendidos no serviço de psicologia de uma clínica-escola de uma universidade privada de Porto Alegre, sendo os atendimentos realizados pela mesma psicoterapeuta. É importante salientar que o comitê de ética da instituição aprovou a utilização de tais situações. Com o objetivo de preservar o sigilo dos pacientes, optou-se por usar nomes fictícios apresentar apenas os aspectos de sua história relevantes para o presente artigo. A discussão do tema será realizada a partir do referencial da ACT.
PRIMEIRO RELATO DE EXPERIÊNCIA
Arthur de 16 anos procurou atendimento após encaminhamento da escola por apresentar dificuldades de aprendizagem e interação com os colegas de classe. O cliente foi atendido uma vez por semana pelo período de dois meses. Em um dos atendimentos após a realização de algumas perguntas com respostas curtas e sem continuidade, agimos de forma diferente. Respeitamos o seu silêncio.
Não foi lhe dirigida mais nenhuma pergunta. O adolescente mexe no celular e começa a jogar um jogo. Logo depois faz uma ligação para alguém. Após, dez minutos de atendimento, ele coloca a mochila nas costas e sai da sala de atendimento. Porém, antes de sair da sala, olha para a psicoterapeuta com olhar questionador. A psicoterapeuta não diz nada e não o segue com o olhar. Neste momento, o pensamento da psicoterapeuta é de que o cliente foi embora e não retornará. Como o horário é do cliente, a psicoterapeuta aguarda na sala o fim do horário de atendimento. Logo depois, Arthur retorna acompanhado de sua mãe que lhe aguardava na recepção. O adolescente faz alguns desenhos no caderno, indicando para mãe que estava fumando, algo que a genitora repudiava.
Podemos observar que o silêncio está relacionado ao constrangimento do cliente para com a psicoterapeuta. O silêncio diz respeito à relação com o outro. Arthur não aceita o fato de estar fazendo uso do tabaco, já que sua mãe não aceita tal condição. Ele está sentindo vergonha da experiência que vem realizando. Receoso que a psicoterapeuta lhe julgasse, assim como sua genitora, não consegue expor seus atos, em um primeiro momento. A ansiedade lhe atrapalha e a forma que ele encontra de comunicar aquilo que lhe aflige é através do desenho. Ele acaba confiando na psicoterapeuta para lhe ajudar a expressar seu segredo a sua mãe.
SEGUNDO RELATO DE EXPERIÊNCIA
Maicon, 13 anos, buscou atendimento por conflitos junto ao novo companheiro da genitora.
Foi atendido semanalmente por três meses. Durante os atendimentos, Maicon não se mostrava disposto a se comunicar. Foi lhe explicado o funcionamento do processo terapêutico como sendo um espaço para que ele pudesse usar para se conhecer melhor. A psicoterapeuta valida o fato de o adolescente não lhe conhecer, e que isso pode ser desenvolvido com o conhecimento mútuo de ambos, ou seja, os dois iriam se conhecer durante os atendimentos. Maicon não responde, nem olha para a psicoterapeuta. Ficam em silêncio.
Após algum tempo foi lhe dito que, a genitora queria falar com a psicoterapeuta, mas que a profissional gostaria de ouvir as suas histórias, o seu relato, antes de conversas com a mãe. Foram dadas duas alternativas para iniciar o desenvolvimento do relacionamento. A primeira foi imaginar uma linha no chão com respostas sim e não. Seriam feitas perguntas e o adolescente iria respondendo se movendo de um lado para o outro da linha. A segunda alternativa seria realizar recortes em revistas de algo que Maicon gostasse. Ele não aceita nenhuma das propostas.
Quando questionado sobre a conversa que a genitora quer ter com a psicoterapeuta, Maicon não se opõe. Também afirma não saber o que a mãe gostaria de falar. Ambos ficam em silêncio por mais um tempo.
A psicoterapeuta retoma o atendimento com uma tentativa de empatia para com o cliente relatando um pouco das vivências do adolescente e validando seu sofrimento. Maicon continua em silêncio. Após essa interação a psicoterapeuta coloca-se à disposição do cliente e fica em silêncio.
Depois de muito tempo, o cliente questiona o tempo restante do atendimento. Pede que o tempo restante seja utilizado para conversar com a mãe. A psicoterapeuta esclarece que irá conversar com ela nos últimos minutos do atendimento. O silêncio permanece. Quando questionado o motivo de ter vindo para atendimento revela que a genitora o obrigou.
Ocorre uma tentativa de combinar a vinda de Maicon por quatro semanas e que após esse tempo seria reavaliada a permanência da psicoterapia. O menino assente, mas sem muita convicção. Parecendo concordar para encerrar a fala. O restante do tempo se passa em silêncio.
Nesta experiência podemos identificar o silêncio em forma de medo do psicoterapeuta (Tambara & Freire, 2007). Novamente, um exemplo da relação cliente com o outro. Este tipo de silêncio ocorre quando ainda não foi constituída a inteira confiança entre psicoterapeuta e cliente, quando o vínculo não foi consolidado plenamente. Maicon está confuso e tímido com todos os seus medos e angústias, não conseguindo comunicar pela fala.
O cliente pode ter medo do julgamento da psicoterapeuta sobre o que está sendo relatado. De como isso irá ser recebido e devolvido para ele. Quando o medo tem proporções elevadas, o cliente opta pelo silêncio, ao invés da fala.
TERCEIRO RELATO DE EXPERIÊNCIA
Maysa, 26 anos, em um processo de triagem no serviço de atendimento. Maysa buscou atendimento após o falecimento da mãe e suicídio de seu irmão. Ela relata que acharam estranho o irmão não comparecer à missa de sétimo dia da mãe, que foi realizada em um domingo. Relata que o irmão era segurança numa instituição da cidade. Diz que ele era alcoolista e que todos acabaram se distanciando dele, sendo que ela era a única que mantinha contato com o irmão.
Maysa ficou sabendo da morte do irmão por um colega, que na troca de turno, o encontrou. Ela fica em silêncio. Num primeiro momento Maysa passa a impressão de ter ocorrido um acidente, mas quando questionada, eleva o tom de voz dizendo não ser um acidente e sim um suicídio. Ele havia dado um tiro na cabeça após ter ingerido bebida alcoólica, uma garrafa foi encontrada nas suas coisas. Ela pensa que ele fez isso por não ter aceitado a morte da genitora que era quem lhe apoiava. A cliente fica em silêncio por algum tempo. Neste momento parece relembrar a cena da morte do irmão como se estivesse ocorrendo naquele momento. Os pensamentos são tão perturbadores que ela fica introspectiva.
Neste caso podemos identifica o silêncio de duas formas que dizem relação à si mesmo. A cliente pode estar confusa com a sua experiência, com pensamentos desordenados, perdendo-se nas suas lembranças, podendo não saber como continuar a sua narração, fazendo com que fique em silêncio (Feldmann & Miranda, 2002). A partir desse "calar-se", devemos aceitar e compreender o cliente deixando com que reviva suas angústias e medos.
Outra forma de leitura que pode ser realizada sobre este silêncio é quando o cliente sente algo com muita intensidade como Maysa expressa, onde os sentimentos e pensamentos são muito intensos, de tal forma que ela não consegue verbalizá-los, ficando silente. A intensidade dos sentimentos e a vivência, neste caso, pode ser expressa, pelo choro.
QUARTO RELATO DE EXPERIÊNCIA
Veremos a experiência com Daniel, menino de 12 anos que participou de triagem junto com sua genitora. Esse relato dá-se no início do atendimento.
No início do atendimento ocorre um pequeno impasse para ver quem começava a falar. A mãe do menino se manifesta dizendo para que ele fale. Daniel diz ter vergonha. A psicoterapeuta intervém de forma empática de forma que ele se sinta mais à vontade. A mãe retoma a palavra e fala pelo menino. Logo após, todos ficam em silêncio.
Depois de algum tempo Daniel sente-se mais à vontade, começa a falar e continua se colocando até o final do atendimento. Este silêncio traz a preocupação que o cliente, neste primeiro contato, demonstra em se comunicar com a psicoterapeuta. Daniel está buscando atendimento pela primeira vez, e não sabe como se comportar e o que esperar dessa nova experiência. Resolve então, esperar pelas orientações da psicoterapeuta, silenciando.
O psicoterapeuta deve expressar o que é comunicado explícita ou implicitamente, a partir da escuta empática efetiva de si e do cliente (Miranda & Freire, 2012). Segundo Amatuzzi (1989), uma escuta efetiva seria estar atendo ao que está sendo dito nas entrelinhas do que foi expresso, através da palavra, do silêncio ou do gesto, criando novos significados para aquilo que foi expresso.
DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Messias (2006), é possível compreender com maior precisão todas as formas de manifestação psicológica que não se exprimem primordialmente através da verbalização através da ACP.
Podemos perceber que o silêncio também "fala" e não somente cala. Através do silêncio também podemos interagir com o cliente e ele conosco podendo haver uma troca entre olhares, gestos, sorrisos e por que não, cumplicidade? Trata-se, portanto, de uma importante ferramenta de trabalho que deve ser explorada e trabalhada.
O silêncio durante os atendimentos contribuiu para que fosse colocada em prática a capacidade de observação, aceitação e empatia do psicoterapeuta. O tempo do atendimento pertence ao cliente e ele vai interagir quando se sentir à vontade para tal.
Desde o início dos atendimentos o silêncio nos chamou bastante atenção. Talvez pelos adolescentes atendidos que não queriam se comunicar verbalmente ou por aqueles clientes que falavam sem parar, sem conseguir se ouvir, não conseguindo se escutar.
Acreditamos que este silêncio falado faz com que, por muitas vezes, os clientes desistam dos atendimentos e daqueles que estão aptos a ajudá-los psiquicamente. Porém, entendemos que este seja o primeiro contato que eles estão tendo com eles mesmos.
Com o tempo, o cliente conseguirá escutar o que relata e com isso, após muitas repetições, elaborar e obter uma consciência aberta para o seu autoconhecimento. Obtendo, com isso, a conhecimento daquilo que se passa com ele, tanto dentro como fora de si, no momento presente, em nível mental, corporal e emocional.
Essa consciência trará autoconhecimento ajudando-o a escolher dentre as alternativas possíveis, a melhor para aquele momento. Esta escolha consciente dar-se-á através da consideração positiva incondicional que o cliente viverá tanto no atendimento psicoterapêutico, quanto dentro de si mesmo, aceitando-se assim como é, e tendo confiança em si próprio para, então, poder ir calando o seu silêncio falado e abrindo-se para experiências mais vivenciais com a sua escuta presente e o seu desenvolvimento pleno.
Referências
Amatuzzi, M. M. (1989). O Resgate da Fala Autêntica: filosofia da psicoterapia e da educação. Campinas: Papirus. [ Links ]
Camilo, F. (1994). A verdade num diálogo Martin Buber. Lorena: Biblioteca do Centro UNISAL. Monografia. [ Links ]
Feldmann, C. & Miranda, M. L.(2002). Construindo a relação de ajuda. Belo Horizonte: Ed. Crescer. [ Links ]
Gendlin, E. T. (1987). Comunicação subverbal e expressividade do terapeuta: tendências da terapia centrada no cliente no caso de esquizofrênicos. In: Rogers, C. R; Stevens, B. De pessoa para pessoa. O problema de ser humano: uma nova tendência na Psicologia. (pp.137-148). São Paulo: Pioneira, 1987. (Original publicado em 1967). [ Links ]
Gomes, I. S. & Caminha, I. O. (2014). Guia para estudos de revisão sistemática: uma opção metodológica para as Ciências do Movimento Humano. Movimento, 20(01), pp. 395-41. [ Links ]
Messias, J. C. C. (2006). Psicoterapia Centrada na Pessoa e o Impacto do Conceito de Experienciação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19 (3), pp. 355-361. [ Links ]
Miranda, C. S. N. & Freire, J. C. (2012). A comunicação terapêutica na abordagem centrada na pessoa. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Centro de Filosofia e Ciências Humanas - Instituto de Psicologia, 64(1). [ Links ]
Rogers, C. R. (1983). Um jeito de ser. São Paulo: EPU. [ Links ]
Rogers, C. & Kinget, G. M. (1977). Psicoterapia e Relações Humanas. vol. II. Belo Horizonte: Ed. Interlivros. [ Links ]
Tambara, N. & Freire, E. (2007). Terapia Centrada no Cliente: teoria e prática: caminho sem volta. Porto Alegre: Ed. Delphos. [ Links ]
Nota sobre as autoras
Daiana Meregalli Schütz: Psicóloga, psicoterapeuta, perita judicial e especialista em psicologia clínica pelo Instituto Fernando Pessoa. E-mail: daischutz@gmail.com
Luciara Gervasio Itaqui: Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em psicologia clínica pelo Instituto Fernando Pessoa e mestra em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora e supervisora clínica do curso de especialização em psicologia clínica Instituto Fernando Pessoa/ IBGEN. E-mail: luciaraitaqui@gmail.com
Recebido em: 03/08/2016.
Aprovado em: 05/10/2016