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Revista do NUFEN

versión On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.11 no.3 Belém sept./dic. 2019

https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº03ensaio53 

Ensaio

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.nº03ensaio53

 

A dignidade da pessoa humana como um valor absoluto no Brasil

 

Human Dignity as an Absolute Value and Constitutionally Established

 

La Dignidad de la Persona Humana como un Valor Absoluto y Constitucionalmente Consagrado

 

 

Ricardo dos Santos Souto

Ministério Público Federal

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a dignidade da pessoa humana, que significa o respeito à condição mínima de existência humana, um valor absoluto e constitucionalmente consagrado que consolida o respeito à pessoa humana. O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica. O Princípio da Dignidade Humana é significativo no ordenamento jurídico brasileiro, porque se refere a um critério de valor obrigatório, legitimado e legalizado; que o art. 1º e inciso III da Constituição Federal de 1988 regem que o direito à cidadania reconhece o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Brasileira; que o direito a uma existência íntegra e digna tem como principal vertente o princípio da dignidade da pessoa humana e como um basilar direito contido e garantido na Constituição Federal de 1988; que o princípio da dignidade humana é o alicerce dos direitos humanos, estes considerados condição fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Constituição Federal de 1988; Princípio da Dignidade Humana.


ABSTRACT

This article aims to discuss human dignity, meaning respect to a minimum condition for human existence, an absolute value and constitutionally established which consolidates respect to the human being. The study was developed through a bibliographical research. The Principle of Human Dignity is significant in the Brazilian legal order, because it refers to a criteria of compulsory value, legitimated and legalized; Article 1st, item II of the 1988 Federal Constitution establishes that the right to citizenship recognizes the principle of human dignity as one of the Brazilian Republic fundaments; that the right to an integrated and dignified life has as its main focus the principle of human dignity and as a fundamental right within and guaranteed by the 1988 Federal Constitution; that the principle of human dignity is the foundation of human rights considered fundamental conditions for the existence of the democratic state that is governed by the rule of law

Keywords: Human Rights; 1988 Federal Constitution; Principle of Human Dignity.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo conversar sobre la dignidad de la persona humana, que significa el respeto de la condición mínima de existencia humana, un valor absoluto y constitucionalmente consagrado, que consolida el respeto de la persona humana. El estudio fue desarrollándose por medio de una pesquisa bibliográfica. El Princípio de la Dignidad Humana es significativo al ordenamiento jurídico brasileiro, ya que se refiere a un criterio de valor obligatorio, legitimado y legalizado; en el art. 1º e inciso III de la Constitución Federal de 1988, régimen que lo decretó a la ciudadanía, reconociendo el principio de la dignidad de la persona humana como derechos fundamentales de la República Brasileira; que va en directa relación con a una existencia íntegra y digna, teniendo como principal vertiente el principio de la dignidad de la persona humana y como un pilar de los derechos, contenido y garantizado en la Constitución Federal de 1988; donde el principio de la dignidad humana es el enlace de los derechos humanos, debido a que están considerados como condición fundamental para la existencia de Estado Democrático de Derechos.

Palabras-clave: Derechos Humanos; Constitución Federal de 1988; Princípio de la Dignidad Humana.


 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é refletir sobre a dignidade da pessoa humana, que significa o respeito à condição mínima de existência dos cidadãos, um valor absoluto e constitucionalmente consagrado, que consolida o respeito à pessoa, devendo estar acima de qualquer outro valor ou direito estabelecido pelo homem. Conforme Perez Luño (2010), os valores personalíssimos representam a maior expressão da dignidade, sendo essa um direito que deve ser resguardado para a integração somática e psíquica da pessoa e seu direito a uma existência saudável e digna.

Conceitualmente, a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que implica respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (Sarlet, 2009).

 

MÉTODO

Para tanto, este artigo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica que, segundo Santos (2013) abrange "o conjunto de materiais escritos/gravados, mecânica ou eletronicamente, que contêm informações já elaboradas e publicadas por outros autores", constituindo-se em uma bibliografia, cuja "utilização total ou parcial caracteriza uma pesquisa bibliográfica" (p. 29).

Para Richardson (2010), a pesquisa bibliográfica "tem o objetivo de circunscrever um dado tema ou problema de pesquisa dentro de um quadro de referência teórica" (p. 42). Nesse sentido, a metodologia utilizada para a elaboração deste estudo envolverá também uma abordagem teórico-reflexiva, a partir da pesquisa bibliográfica.

 

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-FILOSÓFICA DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Rabenhorst (2008) explica que se deve à filosofia humanista moderna a tomada de consciência da unidade e dignidade de todos os homens que, em Kant se constitui em um imperativo categórico: "Aja de tal maneira que tu trates a humanidade (Mensehheit), tanto em tua pessoa como na pessoa dos demais, sempre como um fim e nunca apenas como um meio" (p. 81).

Segundo o autor, originado do latim dignitas, o termo dignidade designa tudo aquilo que merece respeito, consideração ou estima, representando uma categoria moral da condição humana, sendo, portanto, um conceito, historicamente, construído a partir de uma consciência humanista da dignidade humana que foi sedimentada desde os filósofos da Antiguidade. Nesse sentido, nos estudos de Ribeiro Neto (2012) há referências a dignidade humana que datam desde a Antiguidade em menção aos filósofos estóicos, além disso sendo também verificadas nas referências bíblicas.

Liguori (2010) afirma que a ideia de dignidade era uma qualidade intrínseca ao homem para os filósofos estoicistas na medida em que permitia sua "distinção perante os demais seres vivos" (p. 106), contudo segundo Blanco (2010), essa visão de dignidade da pessoa humana era avaliada de acordo com a posição do indivíduo na sociedade, dependendo também da forma como ela o reconhecia. O que Liguori (2010) qualifica como "uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais ou menos dignas" (p. 106).

Por sua vez, Ribeiro Neto (2012) pontua que na obra de Marco Túlio Cícero, filósofo romano fortemente influenciado pela Escola Estoicista, considerado como precursor da dignidade humana atual, o termo "dignitas", apesar de denotar o status elevado de alguns indivíduos, já apontava para o sentido de honra. Em Liguori (2010) observamos que:

Cícero conseguiu desenvolver um entendimento de dignidade diferenciado, pois desvinculou a referida ideia de uma noção de "status" social, tornando possível a identificação da "coexistência de um sentido moral e sociopolítico de dignidade". Assim, entendia esse "sentido moral" da dignidade como sendo aquele inato, que todo ser humano traz consigo desde seu nascimento, pelo motivo de ser o único ser racional existente na natureza. E, já no que se pode dizer de um "sentido sociopolítico", admitia a existência de uma vinculação da dignidade à posição social do indivíduo, sendo que esta poderia sofrer modificações ao longo da vida (p.107).

Em tal contexto, Parente & Rebouças (2013) avaliam que:

O cerne da noção clássica de dignidade não residia, [...], no valor individual do homem, em sua autonomia subjetiva; tratava-se de uma espécie de dignidade publicizada ou socializada, cotada, sobretudo, em referência ao papel social na consecução do bem comum e do progresso comunitário e à participação política do cidadão na vivência e nos destinos coletivos da pátria (p.11).

Ribeiro Neto (2012), já no século XV, menciona o surgimento de outro possível precursor da dignidade humana, o filósofo humanista italiano Giovanni Pico Della Mirandola, cuja obra de 1486, "De dignitate hominis oratio" (Discurso sobre a Dignidade do Homem) é um texto predominantemente teológico, mas que faz referência à dignidade humana.

Outro filósofo referido por Ribeiro Neto (2012), é Immanuel Kant (1724-1804), que tem inspiração na obra de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), cuja Ética Universalista é fundada na razão, que é a base para a manifestação ética. Logo, então, a razão orienta a vida moral, com o domínio da vontade livre (autonomia) sobre a vontade psicológica, em que nas considerações de Kant cada ser tem uma dignidade e não um preço e cada ser humano é um fim em si mesmo.

Conforme refere Camargo (2007), é nesse período que ocorre a mudança de paradigma do Direito Natural - de Direito divino para racional, a partir dos preceitos do Iluminismo, corrente que substituiu a religião pelo homem, colocando-o no centro do sistema de pensamento, em que se destaca a filosofia de Immanuel Kant, pioneiro na formulação da concepção moderna de dignidade humana.

Kant desenvolve a ideia de que todos os seres humanos, quaisquer que sejam, são igualmente dignos de respeito, sendo o traço distintivo do homem, como ser racional, está no fato de existir como um fim em si mesmo. Por esta razão ele não pode ser usado como simples meio, o que limita, nessa medida, o uso arbitrário desta ou daquela vontade (p. 115).

Considerando o contexto desse período histórico, Hunt (2009) avalia que para que a dignidade se tornasse um direito humano auto evidente, as pessoas comuns precisavam ter novas compreensões humanísticas, que nasceram de novos tipos de sentimentos vinculados ao humanismo. Assim, pelo que essa autora explica esses novos sentimentos tiveram a ajuda da leitura de romances, como por exemplo, o romance "Júlia", de Rousseau - em que os leitores sentiam empatia pelos heróis do romance – fato que ajudou a fixar os fundamentos de uma nova política social que despertou o sentimento contra a tortura, uma prática comum na época para a obtenção de confissões, surgindo sentimentos humanitários associados à defesa da dignidade humana dos indivíduos.

Do mesmo modo, Parente & Rebouças (2013) pontuam que "a concepção kantiana baseada na vontade livre e na autonomia do homem é a raiz do conceito moderno de dignidade da pessoa humana" (p. 11). Comparato (2004), fundamentando-se na teoria de Kant, nos relata que a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente, das coisas um ser considerado e tratado em si mesmo, como um fim em si, e nunca como meio para consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como um ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. O autor complementa este conceito dizendo que tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem, pois sendo um sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam considerados também pelo outro como dele.

Parente & Rebouças (2013) apontam que é a partir dos postulados filosóficos de Kant que se assenta a ideia universalista de dignidade humana, essencialmente, baseada na evolução do Estado como Estado Moderno até o Estado Democrático de Direito e as tragédias resultantes da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, em que a dignidade humana foi alçada como conceito fundamental para a universalização dos direitos humanos. A

 

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA BASEADA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Hunt (2009) expõe sobre a crescente importância e alcance dos direitos humanos universais, principalmente, depois das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, evento que culminou com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos no ano de 1948, que até os dias atuais possibilita o constante processo de ampliação e universalização dos direitos humanos e a luta contra regimes políticos que desrespeitam direitos civis e políticos, bem como contra situações que ameaçam a paz mundial, a luta contra a fome e a miséria, tornando-se um tema de interesse internacional que impulsionou o processo de internacionalização desses direitos resultando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, impondo-se como um código de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional e, além disso, consolidando um parâmetro internacional para a proteção desses direitos.

Nesse diapasão, Nunes (2009) elucida que "a dignidade da pessoa humana é uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades, que marcou a experiência do homem" (p. 50-51). Dessa forma, tendo como base o princípio da dignidade, os direitos humanos têm sido incorporados em Constituições nacionais servindo de fonte para decisões judiciais nacionais, em que o termo ‘direitos fundamentais' significa os direitos positivados em nível interno, ao passo que o termo ‘direitos humanos' designa os direitos naturais positivados nas declarações e convenções internacionais, relacionados à dignidade, liberdade e a igualdade de todos, assumindo assim, um caráter supra estatal, uma vez que são direitos positivados.

Para Souto Maior (2011), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, obteve grande expressão devido às repercussões da Revolução Francesa, tanto que a Constituição Francesa de 1791 a incorpora e, a partir daí os direitos do homem ingressam no constitucionalismo moderno, expressos nos direitos do cidadão. Nesse sentido, é ressaltado o perfil liberal dos direitos consagrados nas constituições burguesas, iniciando assim a fase histórica contemporânea de preocupação formal com os direitos e liberdades individuais.

Mello (2011) conceitua, historicamente, os Direitos Humanos como um conjunto de faculdades e instituições que em determinado momento histórico concretiza as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos sistemas jurídicos em nível nacional e internacional, sendo paulatinamente incluídos na legislação internacional como resultado dos avanços políticos e sociais dos Estados, observando-se que os governos incluem, gradativamente, as normas de proteção à pessoa humana expandindo-os como normas internacionais e estabelecendo assim como uma necessidade de criação de uma legislação que proteja os direitos fundamentais da pessoa humana em nível internacional, e instintivamente originando vários documentos legais e jurídicos que asseguram e garantem a dignidade da pessoa humana, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948); a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948); a Convenção Americana dos Direitos do Homem (1969); e a Anistia Internacional e a Comissão Internacional dos Juristas, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.

Blanco (2010) expõe que a conquista dos direitos humanos associados ao princípio da dignidade humana permite, evolutivamente, o reconhecimento atual da diversidade humana e social como uma premissa básica de qualquer sociedade e em respeito aos direitos humanos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual preceitua que "todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos".

De acordo com Blanco (2010), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, é um documento constituído como um dos mais importantes da história da humanidade, pois institui "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os componentes da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis" e, ainda enfatiza que "todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos" objetiva delinear uma ordem política mundial baseada no respeito à dignidade humana e consagra valores básicos universais (p. 57). Esse autor pondera que a dignidade é o respeito inerente a toda pessoa humana, que é titular de direitos iguais e inalienáveis, indivisíveis e conjugados ao valor da liberdade e da igualdade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 objetiva delinear uma ordem política mundial que é baseada no respeito à dignidade humana, sendo assim consagra valores básicos universais; afirma que a dignidade é inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis; introduz a indivisibilidade desses direitos; conjuga aos direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais; e une o valor da liberdade com o valor da igualdade (Piovesan, 2012). Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo Piovesan (2012), se impõe como um código de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional e consolida um parâmetro internacional para a proteção desses direitos, que têm sido incorporados em Constituições nacionais, servindo de fonte para decisões judiciais nacionais e servindo de parâmetro para o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito.

 

 

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Streck & Morais (2013) ensinam que o Estado Democrático de Direito faz uma síntese dos modelos anteriores (Estado Liberal e Estado Moderno) e acrescenta as condições de possibilidades para cumprir as promessas da modernidade, com o claro objetivo de transformar a realidade buscando estabelecer a democracia como a realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana.

A noção de Estado Democrático de Direito apresenta-se indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais. É dessa ligação indissolúvel que emerge o que pode ser denominado de plus normativo do Estado Democrático de Direito. Portanto, mais do que uma classificação de Estado ou de uma variante de sua evolução histórica, o Estado Democrático de Direito apresenta uma síntese das fases anteriores, agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da modernidade, como por exemplo: igualdade, justiça social e a garantia dos direitos humanos fundamentais.

Na visão de Reale (2013), o Estado Democrático se caracteriza e se fundamenta no princípio da soberania popular (uma ideia de Rousseau), que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se limita à simples formação das instituições representativas que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, e no cumprimento dos ideais de igualdade e liberdade. Portanto, a igualdade no Estado de Direito se funda na generalidade das leis (todos são iguais perante as leis – princípio da igualdade) e na realização do princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado Democrático é

Baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa (Reale, 2013, p.99).

A essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições, através do ideal de vida baseado nos princípios que apontam para uma mudança no status quo da sociedade. Assim, no Estado Democrático de Direito, a lei (Constituição) passa a ser um instrumento de ação do Estado na busca do alvo apontado pelo texto constitucional. Para Streck & Morais (2013), o Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido que ele é um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito.

Observamos, pois, que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição, emanada da vontade popular que, dotada de supremacia, vincula todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre da jurisdição constitucional. Dessa forma, é possível apontar alguns princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, que de acordo com Streck & Morais são:

Constitucionalidade: tendo por base a supremacia da constituição, vinculando o legislador e, todos os atos estatais à constituição, estabelecendo o princípio da reserva da constituição e, revigorando a força normativa da constituição, instrumento básico da garantia jurídica; Organização Democrática da Sociedade; Sistema de direitos fundamentais, tanto individuais como coletivos seja como Estado de Distância, por que os direitos fundamentais asseguram ao homem a autonomia frente aos poderes públicos, seja como um Estado antropologicamente amigo, pois respeita a dignidade da pessoa humana e empenha-se na defesa e garantia da liberdade, da justiça e solidariedade; Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades; Igualdade não apenas como possibilidade formal, mas, também, como articulação de uma sociedade justa; Divisão dos poderes ou de funções; Legalidade que aparece como medida de direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescrito, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência; Segurança e certeza jurídicas (p.93).

Para Reale (2013), é a Constituição de um Estado que abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social fundado na dignidade da pessoa humana.

 

A EFICÁCIA JURÍDICA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO BRASIL

Historicamente, a primeira Constituição Brasileira a fazer referência à dignidade da pessoa humana foi a Constituição de 1934 (art. 115), instituindo que a ordem econômica deveria ser organizada de modo a possibilitar a todos existência digna e, assim, evolutivamente, a atual Constituição Federal (1988) lhe atribuiu caráter supralegal, de eficácia normativa e superior sobre todos os microssistemas jurídicos da esfera infraconstitucional, assim afirmando sua unidade e coerência como princípio fundamental consagrado logo no artigo primeiro da CF/88:

 

TÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político (CF/88) (Grifos Nossos).

 

Sarlet (2009) afirma que se deve entender o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos, havendo de ser interpretado como individual e universal e a cada homem como se autônomo fosse estando, ainda, na base de todos os direitos constitucionalmente consagrados: direitos e liberdades tradicionais, de participação política, direitos dos trabalhadores e de participação social. Mas, essencialmente, alguns direitos assumem, segundo o autor, valoração de primeiro grau da ideia de dignidade: o direito à vida, à liberdade física ou de consciência, a generalidade dos direitos pessoais e que se constituem em atributos jurídicos essenciais da dignidade dos homens concretos, assim possuindo o objetivo de proteger a dignidade essencial da pessoa humana.

Para Barcellos (2012), a Constituição, ao partir do princípio mais fundamental exposto no art. 1º, III, "a República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana", utiliza na construção desse quadro temático várias modalidades de normas jurídicas: princípios e subprincípios de variados níveis de determinação e regras.

A dignidade humana, observa Bobbio (2002, p. 54), "é um princípio que possui características de irrenunciabilidade e intransmissibilidade e retrata o reconhecimento de que o indivíduo há de constituir o "objetivo primacial da ordem jurídica". Pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é um conjunto de valores que exprime os direitos individuais, sociais e políticos de todos os cidadãos. Expõe Piovesan:

Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro, destaca-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art.1º, incisos II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exerce uma função democratizadora. Os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito são indissociáveis, assim como os direitos fundamentais e a dignidade humana são indissociáveis também (Piovesan, 2012, p. 26).

Têm-se, assim, os direitos fundamentais que têm como valor a dignidade da pessoa humana na qual o Estado Democrático de Direito se baseia e é através da efetivação desses direitos, constitucionalmente protegidos, que se tem um Estado garantidor da justiça social.

 

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL

Compreendemos que o Princípio da Dignidade Humana possui força normativa autônoma, partindo do entendimento de que é parte elementar do constitucionalismo elevado à condição de Princípio Fundamental, ocupando assim estágio de "relevância ímpar no ordenamento jurídico", pois se revela decisivo aos intérpretes e aplicadores da Constituição (ALVES, 2010, p. 118).

Nesse sentido, observamos que Sarlet (2009) afirma que a atual Constituição Federal de 1988 tutela os direitos do cidadão brasileiro, dispondo uma infinidade de dispositivos sobre garantias que compõem o conceito de direitos humanos, haja vista que, nos termos da Constituição, o Brasil há de constituir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art.1o); e um sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais (Títs. II, VII e VIII). Assim, esclarece em seu preâmbulo a intenção de:

[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito (Brasil, 1988).

Leal (2012), em seu posicionamento sobre o Estado Democrático de Direito no Brasil, ressalta que a Constituição de 1988 em seu Título 1º elenca:

Os princípios fundamentais que pautam a organização do Estado e da Sociedade brasileira, deduzindo como fundamentos da República, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, etc. Essa mesma República tem, como objetivos, a construção de uma Sociedade livre, justa e solidária: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (p. 94)

Dessa forma, a previsão observada na Carta Política Brasileira revela que o constitucionalismo moderno-contemporâneo contemplou duas fases: uma caracterizada pelo Estado Liberal e a outra pela emergência e consolidação dos direitos sociais, oriundo da necessidade de se identificar um novo papel para o Estado. A partir daí consolida-se uma noção mais consistente de cidadania, valendo registrar que a cidadania é composta pelos:

Direitos civis e políticos, direitos de primeira geração, e os direitos sociais, direitos de segunda geração. Os direitos civis, conquistados no século XVIII, são os direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, de ir e vir, direito à vida, segurança, etc. São os direitos que embasam a concepção liberal clássica. Com relação aos direitos políticos, alcançados no século XIX, concernem à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio universal etc. São também chamados direitos individuais exercidos coletivamente e acabaram se incorporando à tradição liberal (Leal, 2012, p. 96).

Nesse contexto, é clara a vinculação direta entre a concepção de Estado Democrático de Direito e o dever de concretizar os direitos fundamentais, os direitos de cidadania, uma realidade que repercute de forma direta na esfera do direito administrativo, porquanto a Administração Pública Brasileira deve pautar seus atos no sentido de viabilizar a consecução de tais direitos.

Ainda a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º § 2º, determina que os direitos e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (Brasil, 1988). Desse modo, a Constituição Federal de 1988, além de oferecer formalmente todas as garantias, as quais qualquer cidadão de um país mais desenvolvido possa desejar, incorpora ainda outros meios de tutela que integram tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Assim, os direitos enunciados em tratados internacionais passaram a ser também constitucionalmente protegidos, o que faz com que o "legislador ordinário não possa criar normas que de algum modo os viole, já que estes só poderão deixar de integrar a ordem jurídica nacional se o referido tratado for objeto de denúncia, sendo então subtraído do sistema" (Piovesan, 2012, p. 201). Portanto, a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), a Constituição Cidadã, assim chamada porque é clara a concepção de que o Estado existe para servir o homem, e não o homem servir o Estado. Nesta, são valorizados os Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão, e confirmada a ideia de igualdade, conforme reza o Artigo 5º "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". E ainda, o que esse artigo 5º expressa no seu inciso I sobre os direitos individuais e coletivos, "I- Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (Brasil, 1988, p. 5).

Logo, o cidadão, independentemente da nacionalidade, tem assegurados os seus direitos e garantias individuais, que são afiançados e protegidos pela Constituição Federal brasileira. E são importantes porque confirmam direitos individuais da verdadeira democracia, do Estado Democrático de Direito e, portanto, inerentes à dignidade da pessoa humana, ou seja, são considerados o respeito à criatura humana e os limites do poder através dos direitos inerentes ao cidadão (Sarlet, 2009).

Nesse sentido, cabe ressaltar que todos os direitos individuais garantidos e protegidos pela Constituição Federal incorporam-se imediatamente no ordenamento interno brasileiro (CF/1988, art. 5º, § 1º), e por serem normas também definidoras dos direitos e garantias fundamentais passam a ser cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos nem mesmo por emenda à Constituição (CF/1988, art. 60, § 1º, IV).

Assim, os direitos inseridos nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos passam a ser cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos por emenda à Constituição, nos termos do artigo § 4º, IV, do artigo 60, da Carta de 1988, que diz: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir […] os direitos e garantias individuais".

Para Sarlet (2009), a função jurisdicional do Estado é considerada instituto fundamental do Direito. A jurisdição é o mais importante entre todos os institutos da ciência processual e o exercício da função jurisdicional deve obedecer ao Estado Democrático de Direito. Portanto, o órgão estatal representa o Estado e deve se comportar como um microcosmo do Estado Democrático de Direito para fins de garantia constitucional dos direitos do cidadão, dos direitos fundamentais e do Princípio da Dignidade Humana.

Observamos também que, conforme consta dos estudos de Dallari (2010), que a Dignidade Humana é calcada nos princípios de todos os direitos fundamentais (civis, políticos ou sociais), em que cada indivíduo possui sua liberdade e, especificamente, o princípio da dignidade estabelece não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural, reconhecido pelo Estado Democrático de Direito que, segundo o autor, constrói-se em torno de três pontos fundamentais: a) a supremacia da vontade; b) a preservação da liberdade; e c) a igualdade de direitos.

A dignidade humana, observa-se, é um princípio que possui características de irrenunciabilidade e intransmissibilidade e retrata, segundo Bobbio (2002), o reconhecimento de que o indivíduo há de constituir o "objetivo primacial da ordem jurídica" (p. 54). Assim, o Princípio da Dignidade Humana, estando na base da normatividade constitucional brasileira, possui, de acordo com Alves (2010), eficácia hermenêutica e normativa decisiva, sendo, portanto:

Eficaz não só para dirimir dúvidas interpretativas ou auxiliar no esclarecimento de preceitos normativos intra e extra constitucionais, especialmente no caso de colisão ou conflitos de direitos fundamentais, mas também para servir de fundamento autônomo para decisões no âmbito da jurisdição constitucional, especialmente no controle da constitucionalidade dos atos normativos infraconstitucionais (p. 106).

Entende-se que o Princípio da Dignidade Humana possui força normativa autônoma a partir do entendimento de que é parte elementar do constitucionalismo, elevado à condição de Princípio Fundamental, assim ocupando estágio de "relevância ímpar no ordenamento jurídico", pois se revela decisivo aos intérpretes e aplicadores da Constituição (ALVES, 2010, p. 118).

Sarlet (2009) afirma que se deve entender o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio que está na base do estatuto jurídico dos indivíduos, havendo de ser interpretado como individual e universal e a cada homem como se autônomo fosse estando, ainda, na base de todos os direitos constitucionalmente consagrados: direitos e liberdades tradicionais, de participação política, direitos dos trabalhadores e de participação social.

O autor também evidencia que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e, na medida em que este a reconhece, pois, essa qualidade está em cada pessoa e não depende do direito para existir, mas não se pode esquecer que o direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção. Para o autor, a dignidade da pessoa humana tem caráter multidimensional em condição de princípio e norma embasadora de direitos fundamentais:

Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direito e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e essa (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças (Sarlet, 2009, p. 61).

Portanto, o Princípio da Dignidade Humana é significativo porque se refere a um critério de valor obrigatório, juridicamente legitimado pela Constituição Federal. Assim, todos os direitos e garantias estabelecidos pela Constituição devem ser efetivados, haja vista que "devido à sua intangível dignidade, o homem tem direito ao respeito" (Maurer, 2011, p. 80). "Respeitar o próximo enquanto ser humano significa valorizá-lo em razão da dignidade que lhe é intrínseca. A dignidade jamais deve ser esquecida ou colocada em segundo plano" (Costa, 2012, p. 91).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Princípio da Dignidade Humana, positivado no art. 1º e inciso III da Constituição Federal de 1988, é pedra angular dentro do ordenamento jurídico brasileiro porque se refere a um valor de cunho obrigatório, bem como se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil materializando os direitos fundamentais espraiado por toda nossa constituição e por todo nosso ordenamento jurídico.

Conclui-se, acima de tudo, que a vigência do princípio da dignidade humana alicerça os direitos humanos, orientando os tratados internacionais (Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica e o Protocolo de San Salvador), atribuindo força de norma supralegal a proteger os direitos da pessoa humana, condição fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito.

 

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Nota sobre a autora:

Ricardo dos Santos Souto - Bacharel em Matemática pela UFPA. Licenciado em Matemática pela UFPa. Bacharel em Direito pela Faculdade Ideal. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco. Mestre em Psicologia pela UFPA. Professor de Direito na Escola Superior Madre Celeste - ESMAC. Servidor do Ministério Público Federal.

 

Recebido: 22/10/2019
Aprovado: 26/11/2019

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