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Revista Psicologia e Saúde
versión On-line ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.4 no.2 Campo Grande dic. 2012
ARTIGOS
Características sociocomportamentais de homens e mulheres portadores de HIV/AIDS com 50 anos ou mais do sul do Brasil
Socio-behavioral characteristics of men and women living with HIV/AIDS with 50 years or more in southern Brazil
Características socio-conductuales de hombres y mujeres portadores del VIH/SIDA con 50 años de edad o más del sur de Brasil
Maria Clara P de Paula CoutoI,1; Laíssa Eschiletti PratiII; Sílvia H KollerIII
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIFaculdades Integradas de Taquara
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Características sociocomportamentais de homens e mulheres portadores de HIV/AIDS com 50 anos ou mais do sul do Brasil são apresentadas. Participaram 104 portadores de HIV/AIDS recrutados em centros de saúde que responderam a um questionário sobre características sociodemográficas, infecção pelo HIV, conhecimentos sobre HIV/AIDS, comportamento sexual e uso de substâncias. Conduziram-se análises bivariadas para verificar associações entre as variáveis estudadas e o sexo. Mulheres reportaram menor renda, menos anos de estudo e status inativo de trabalho do que homens. Homens reportaram mais ser solteiros e mulheres, casadas/viúvas. Relações sexuais foram a principal via de infecção. Homens iniciaram a vida sexual mais cedo, tiveram mais parceiros sexuais casuais no último ano e mais episódios de DSTs. Mulheres reportaram mais não terem usado o preservativo na última relação. Homens e mulheres têm características diferentes que os mantêm vulneráveis à infecção. Mulheres estão mais expostas a fatores sociais e homens, a fatores comportamentais.
Palavras-chave: HIV; AIDS; Saúde do adulto; Comportamento sexual; Características da população.
ABSTRACT
Socio-behavioral characteristics of men and women aged 50 years and older living with HIV/AIDS in Southern Brazil are described. Participants were 104 people living with HIV/AIDS recruited in health centers who answered a questionnaire comprising queries on socio-demographic characteristics; routes of HIV infection; HIV/AIDS knowledge; and sexual behavior/substance use. Bivariate analyses were performed to test for associations between socio-behavioral variables and sex. Women reported lower incomes, less schooling, and an inactive employment status. Men reported more often to be single while women, married or widowed. Sexual relations were the main route of infection. Men reported earlier sexual debut and a greater number of casual partners within the last year. STDs were more prevalent among men. Women reported less condom use with the last partner. Men and women are differently exposed to HIV. Women seem to be more exposed to social factors while men seem to be more vulnerable to behavioral ones.
Key-words: HIV; AIDS; Adult health; Sexual behavior; Population characteristics.
RESUMEN
Características socio-conductuales de hombres y mujeres portadores del VIH/SIDA con 50 años de edad o más, del sur de Brasil son presentadas. Participaron 104 portadores de VIH/SIDA contactados en centros de salud que respondieron a un cuestionario sobre características socio-demográficas, infección por VIH, conocimiento sobre el VIH/SIDA, comportamiento sexual y uso de sustancias. Análisis bivariadas verificaran las asociaciones entre las variables estudiadas y el sexo. Mujeres reportaron menor renta, menos años de estudio y status inactivo de trabajo. Hombres reportaron más ser solteros y mujeres, casadas/viudas. Las relaciones sexuales fueron la principal vía de infección. Hombres iniciaron su vida sexual más temprano y tuvieron más parejas eventuales en el último año y más episodios de ETSs. Mujeres reportaron más no haber usado preservativo en la última relación. Hombres y mujeres tienen características diferentes de vulnerabilidad a la infección. Mujeres están más expuestas a factores sociales y hombres, a factores conductuales.
Palabras-clave: VIH; SIDA; Salud del adulto; Conducta sexual; Características de la población.
Embora o impacto da epidemia da AIDS em pessoas com mais de 50 anos seja significativo, esta população ainda tem recebido pouca atenção de pesquisadores, formuladores de políticas públicas e governantes. Todavia, sabe-se que a vida dessas pessoas é afetada de variadas formas em decorrência da infecção pelo HIV e que suas necessidades são diferentes daquelas da população mais jovem. Por esta razão, adultos de meia-idade e idosos merecem destaque e consideração no estudo e na elaboração de políticas de saúde adequadas às demandas específicas desta etapa do ciclo vital (Knodel, Watkins, & Van Landingham, 2003).
Os dados do Boletim Epidemiológico de DST/AIDS do Ministério da Saúde publicado em 2010 (Ministério da Saúde, 2010) indicam que entre 1980 e 2010 foram notificados no Brasil 60.367 casos de AIDS em indivíduos com 50 anos ou mais (sendo 39.155 masculinos e 21.211 femininos). A taxa de incidência (por 100.000 habitantes) nacional para os casos de AIDS na população com idade entre 50 e 59 anos passou de 13,7 para 24,9 entre 1997 e 2009; e entre os que têm 60 anos ou mais, de 4,0 para 8,4 no mesmo período (Ministério da Saúde, 2010). Na região Sul (que apresenta a maior incidência entre as regiões brasileiras - 19,1; Ministério da Saúde, 2008), o número de casos notificados foi de 8.981, sendo o Rio Grande do Sul o estado da região com o maior número de casos, 4.569 (Ministério da Saúde, 2008).
A tendência de expansão da epidemia em pessoas com mais de 50 anos pode continuar em função de dois fatores principais: a) taxa mais elevada de sobrevivência entre os portadores de HIV/AIDS que recebem tratamento, e b) novos casos de infecção pelo HIV em adultos com mais de 50 anos bem como o reconhecimento tardio de indivíduos idosos com HIV (Casau, 2005). Assim, o HIV/AIDS, doença tradicionalmente associada à população jovem, passou também a ser uma preocupação entre os que têm 50 anos ou mais.
Alinhado aos dados sobre o aumento da incidência de HIV em pessoas com 50 anos ou mais no Brasil, bem como ao fato de esta incidência ser maior no sul do país, este estudo foi elaborado com o objetivo de apresentar algumas características de homens e mulheres portadores de HIV/AIDS com mais de 50 anos provenientes desta região.
Foram investigados: a) características sócio-demográficas, b) características da infecção pelo HIV, c) conhecimentos sobre HIV/AIDS, e d) comportamento sexual e uso de substâncias. Trata-se de um estudo descritivo cujo foco foi analisar as variáveis reportadas na literatura como as mais associadas a risco de infecção pelo HIV em adultos com 50 anos ou mais (ver Berquó, 2000; Ferreira, 2008; Knodel et al., 2003; Murrain & Barkes, 1997; UNAIDS, 2002).
Entre os fatores de risco associados ao HIV/AIDS em pessoas com mais de 50 anos, destacam-se os seguintes: relações sexuais heterossexuais, sexo sem proteção, múltiplos parceiros sexuais, infecções sexualmente transmissíveis e uso de drogas (UNAIDS, 2002). Sendo assim, o comportamento e as práticas sexuais são os principais fatores de risco para a infecção por HIV na população com idade superior a 50 anos (Knodel et al., 2003). Entretanto, a concepção arraigada na sociedade de que sexo é prerrogativa da juventude tem contribuído para manter desassistida essa parcela da população. No Brasil, dados do Ministério da Saúde (2008) mostram que 67% da população entre 50 e 59 anos diz-se sexualmente ativa. No grupo acima de 60 anos, o índice também é expressivo: 39%. Atribui-se à difusão dos remédios que melhoram o desempenho sexual parte da responsabilidade por este quadro (Silva & Paiva, 2007). Todavia, um aspecto que gera problemas neste contexto é a falta de educação para o uso de preservativos em pessoas com mais de 50 anos. A UNAIDS (2002) chama a atenção para o fato de que o uso do preservativo tende a ser visto como uma medida contraceptiva pelas mulheres com 50 anos ou mais sendo, por isso, desnecessária a manutenção do seu uso após a menopausa. O Ministério da Saúde apresenta dados de um levantamento realizado em 1998, segundo os quais apenas 8,7% das pessoas com idade entre 41 e 55 anos, e 1,3% daquelas entre 56 e 65 anos usam preservativo (Berquó, 2000). Este mesmo levantamento informou ainda que a porcentagem de homens que utiliza o preservativo é maior do que a de mulheres (41 a 55 anos: 10,7 vs. 6,4; 56 a 65 anos: 1,5 vs. 1,1).
Outro fator associado ao crescimento dos casos de pessoas com HIV na faixa etária a partir dos 50 anos é o conhecimento que têm sobre o HIV/AIDS. O grau de informação sobre HIV/AIDS não é suficiente para que uma pessoa tome medidas para se prevenir da infecção (Ferreira, 2008). Por outro lado, não possuir informações básicas a respeito da doença pode aumentar significativamente a vulnerabilidade dos indivíduos para se infectarem. A construção desse conhecimento é mediada por questões de gênero, classe social, etnia e outros componentes sociais, aos quais se acrescenta a idade. O estudo desenvolvido por Irffi, Soares, e DeSouza (2010) indicou que as principais fontes de informação sobre o HIV/AIDS são a mídia (e.g., rádio e TV) e os médicos. Enfatiza-se ainda que a baixa percepção de risco pessoal para o HIV/AIDS demonstra que a noção de risco está equivocada, tornando indivíduos de todas as faixas etárias mais vulneráveis (Irffi et al., 2010; Lazzarotto, Kramer, Hädrich, Tonin, Caputo, & Sprinz, 2008).
Demonstrados estes estudos, é necessário obter resultados mais consistentes em relação à infecção por HIV na população com mais de 50 anos, principalmente nas classes menos favorecidas, já que há uma tendência à pauperização da infecção. Além disso, estudos que indiquem características relativas ao sexo podem ampliar a efetividade de práticas públicas. Esse foi o objetivo deste estudo.
Método
Participantes
Participaram 104 portadores de HIV/AIDS (Mdidade = 56 anos; de 50 a 73; 39 homens e 65 mulheres) com diagnóstico previamente estabelecido pelas equipes de saúde. Os participantes foram recrutados em serviços de saúde especializados nos cuidados em HIV/AIDS em três cidades do sul do Brasil: Porto Alegre (n = 52), Rio Grande (n = 25) e Blumenau (n = 27). A escolha por estas três cidades deveu-se ao fato de elas integrarem a lista das 100 cidades brasileiras com maiores taxas de incidência de casos de AIDS. Porto Alegre assume o primeiro lugar no ranking nacional com uma incidência de 172,1 casos em 2009. Rio Grande, na oitava posição, registrou 78,9 casos neste mesmo ano. Já Blumenau está em 85º lugar com uma incidência de 31,7 casos notificados em 2009 (Ministério da Saúde, 2010).
Delineamento
Este é um estudo descritivo transversal que busca caracterizar homens e mulheres portadores de HIV/AIDS com 50 anos ou mais da região Sul do Brasil.
Instrumento
Foi utilizado um questionário estruturado produzido para este estudo. O questionário foi composto por 142 questões de múltipla escolha que englobam os seguintes temas: a) dados sócio-demográficos, b) saúde, c) vida sexual, d) DST's e HIV/AIDS, e) apoio social, f) vulnerabilidade (vivência de preconceito, discriminação e violência, uso de álcool e drogas), e g) satisfação de vida e espiritualidade. Na seção do questionário sobre DST's e HIV/AIDS, foi investigado o nível de conhecimentos sobre HIV/AIDS através das seguintes questões: "Você já ouviu falar em AIDS? Como?"; "Você sabe o que é AIDS?"; "O que você sabe sobre a AIDS?"; "Você já ouviu falar em HIV? Como?"; "Você sabe o que é HIV?"; "O que você sabe sobre o HIV?". Os resultados relativos a estas questões são apresentados detalhadamente na seção de Resultados.
Procedimentos
Os participantes foram contatados e convidados a participar da pesquisa em centros de saúde públicos especializados no atendimento em DST/AIDS. Dentre eles, hospitais da rede pública de saúde, serviços de atendimento especializado e centros de testagem e aconselhamento, e Organizações Não-Governamentais (ONG's). As entrevistas foram individuais e aplicadas por um agente capacitado.
Questões Éticas
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Protocolo n. 2007/014). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes das entrevistas.
Análise de Dados
Estatísticas descritivas, incluindo proporções e frequências, foram estimadas. Análises bivariadas foram realizadas com o objetivo de avaliar associações com o sexo. Para as variáveis categóricas, diferenças em proporção foram calculadas com o teste do qui-quadrado (Pearson). Para as variáveis contínuas, o teste de Mann-Whitney para duas amostras independentes foi realizado porque as variáveis (e.g., anos de educação e idade da primeira relação sexual) não foram distribuídas normalmente. Além disso, foi realizada uma análise de conteúdo das respostas às questões abertas (sobre conhecimento/conceituação de HIV/AIDS e formas de acesso à informação). Agruparam-se os conceitos apresentados em: conhecimento bom, superficial, e impreciso sobre o HIV e a AIDS.
Resultados
Os resultados serão apresentados em três seções: a) características sociodemográficas, b) características da infecção pelo HIV e conhecimento sobre HIV/AIDS, e c) comportamento sexual e uso de substâncias.
Características Demográficas
Na Tabela 1, encontram-se as características sócio-demográficas apresentadas de acordo com o sexo. Quanto a diferenças entre os grupos, salienta-se que existem mais mulheres viúvas (28%) do que homens (8%). Ao mesmo tempo, há mais homens solteiros (33%) do que mulheres (14%). Os homens estudaram por mais tempo (oito anos) do que as mulheres (cinco anos). Há uma diferença significativa quanto à renda mensal. As mulheres recebem menos de um salário mínimo (40%) e os homens quatro ou mais (31%). Quanto à atividade laboral, os homens (51%) estão mais ativos do que as mulheres (31%).
Características da infecção pelo HIV e conhecimento sobre HIV/AIDS
Não foram identificadas diferenças entre os sexos quanto às características da infecção pelo HIV e aos conhecimentos sobre HIV/AIDS (Tabela 2). O diagnóstico de HIV ocorreu após os 50 anos (59%). O modo de infecção predominante foi por via sexual (80%). O nível de conhecimento sobre HIV/AIDS foi avaliado por meio de 16 itens de sim/não que abordavam os seguintes modos de transmissão: relações sexuais desprotegidas, sexo seguro, transfusão de sangue, doação de sangue, partilha de agulhas ou seringas, de mãe para filho, corte sangrando, picada de mosquito, suor/lágrima, beijo, partilha de banheiro, partilha de roupas e toalhas, abraço/aperto de mão, partilha de talheres, saliva e internação. O nível de conhecimento foi calculado da seguinte forma: um baixo nível de conhecimento correspondeu a < 5 de acertos, um nível médio de conhecimento correspondeu a um intervalo de 6-10 acertos, e um alto nível de conhecimento correspondeu a > 11 acertos. Identificou-se que a maioria da amostra apresentou altos níveis de conhecimento sobre os modos de transmissão do HIV (93%).
O conhecimento sobre o HIV e a AIDS foi também avaliado por meio de perguntas abertas. As respostas a estas perguntas foram categorizadas de forma a indicar baixo, médio e alto nível de conhecimento sobre os conceitos. Quanto a informações sobre HIV, quatro participantes afirmaram nunca ter ouvido falar sobre esta sigla e 14 afirmaram não saber o que é o HIV. Quarenta e duas pessoas demonstraram um conhecimento satisfatório sobre o HIV ao descrevê-lo como "o vírus que causa a AIDS", "o vírus que diminui a imunidade", e "pode ser portador do HIV e não ter AIDS". Entretanto, cinco apresentaram conhecimentos superficiais como "ele destrói os anticorpos" e "doença que ainda não se manifestou" e 29 apresentaram conhecimento impreciso ("É tudo a mesma coisa" e "o HIV é a AIDS"). As principais fontes de informação sobre HIV são a mídia (n = 61), centros de saúde (n = 31) e amigos ou conhecidos (n = 10).
Ao serem questionados sobre se já tinham ouvido falar sobre AIDS, apenas um participante afirmou nunca ter ouvido falar e cinco afirmaram não saber o que é isso. Quarenta e nove apresentaram um bom conhecimento sobre AIDS, conceituando-a como: "doença adquirida pelo HIV", "doença sexualmente transmissível", e "doença que diminui a imunidade do organismo que fica vulnerável a outras doenças". Trinta e oito apresentaram conhecimento superficial ("anos 80 morriam muitas pessoas com AIDS", "doença perigosa, traiçoeira, ruim", e "doença que ainda não tem cura, mas tem tratamento") e 21 conhecimento impreciso ("o que o médico me explicou", "é a mesma coisa que o HIV" e "bicho que circula e suga o sangue"). Assim como o HIV, as principais fontes de informação sobre a AIDS são a mídia (n = 55), serviços de saúde (n = 20) e amigos (n = 16).
Comportamento sexual e uso de substâncias
De forma geral, os homens mostraram-se mais ativos sexualmente do que as mulheres (Tabela 3). Além de iniciar as relações sexuais mais cedo (homens em média com 16 anos e mulheres com 17 anos), a porcentagem de homens (54%) que tiveram mais de dois parceiros sexuais no último ano foi significativamente maior do que a de mulheres (12%). Ao mesmo tempo, 49% das mulheres não mantiveram relações sexuais no último ano e 15% dos homens apresentaram este mesmo comportamento. Além disso, os homens tiveram mais parceiros casuais no último ano (64%) do que as mulheres (24%).
Apesar disso, as mulheres apresentaram um comportamento de maior exposição ao HIV em função do não uso de preservativo. Sobre o uso de preservativo na última relação sexual, 82% dos homens e apenas 47% das mulheres afirmou tê-lo utilizado. Entre os principais motivos para o não uso de preservativo com parceiros fixos foram citados a confiança no parceiro (37,5%), a não aceitação do uso pelo parceiro (13,5%), não achar importante (11,5%) e porque diminui o prazer (10,6%) ou não gosta de fazer uso (10,6%). Quando questionados sobre os motivos do não uso com parceiros casuais, os participantes mencionaram estar sob o efeito de álcool (9,6%), a diminuição do prazer (6,7%) e não gostar de usar (8,7%).
Percebem-se ainda diferenças entre os sexos quanto à preferência sexual. Noventa e sete por cento das mulheres e 72% dos homens declararam-se atraídos somente por pessoas do sexo oposto. Todavia, enquanto 28% dos homens declararam-se atraídos por pessoas do mesmo sexo, apenas 3% das mulheres declararam-se sexualmente atraídas por pessoas do mesmo sexo. O sexo é importante para 74% dos homens e não é considerado importante por 65% das mulheres. O histórico de infecção por outras DSTs ao longo da vida foi mais frequente em homens (41%) do que em mulheres (21,5%).
Quanto ao uso de substâncias psicoativas, não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao uso de tabaco. Entretanto, os homens reportaram mais uso de álcool e de maconha (respectivamente, 100% e 29%) do que as mulheres (86% e 11%).
Discussão
Os achados deste estudo confirmam resultados de outras investigações sobre o HIV/AIDS em adultos com 50 anos e mais. Acredita-se que se trata de uma investigação relevante uma vez que avalia diferenças entre homens e mulheres vivendo com HIV/AIDS a fim de traçar seu perfil sócio-comportamental. Homens e mulheres têm características diferentes que os mantêm vulneráveis à infecção pelo HIV. As mulheres estão mais expostas a fatores sociais (e.g., baixa renda e escolaridade; dificuldade de negociação do uso de preservativo) e homens, a fatores comportamentais (e.g., comportamento sexual desprotegido e uso de substâncias). Além disso, o estudo explora a região sul do Brasil, local onde as taxas de incidência de AIDS em adultos com mais de 50 anos são as maiores do país.
Fatores de risco como gênero, renda, escolaridade, conhecimentos sobre HIV/AIDS, comportamento sexual e uso de substâncias são indicados por este estudo como relevantes ao se investigar o HIV em pessoas com mais de 50 anos. Os homens reportaram com mais frequência ser solteiros, e as mulheres, casadas ou viúvas, concordando com achados de outros estudos brasileiros (Sousa, Suassuna, & Costa, 2009; Toledo, Maciel, Rodrigues, Tristão-Sá, & Fregona, 2010). A análise comparativa entre os sexos indicou que homens têm mais anos de estudo do que mulheres, apresentam renda superior e se mantêm mais ativos no contexto laboral. A pobreza vem sendo discutida como uma variável relacionada à infecção pelo HIV, representando um fator de risco para a infecção (Krueger, Wood, Diehr, & Maxwell, 1990; Murrain & Barkes, 1997). Neste sentido, mulheres podem estar em situação mais vulnerável do que homens.
Como também demonstram os resultados do Ministério da Saúde (Berquó, 2000; Ministério da Saúde, 2008), a amostra deste estudo mantém-se sexualmente ativa. O comportamento sexual heterossexual, como indicado em estudos anteriores (Knodel et al., 2003; UNAIDS, 2002), surge como principal fator de risco para a transmissão do HIV. O padrão de comportamento sexual diferenciou-se entre homens e mulheres. Os homens tiveram sua primeira relação sexual mais cedo e tiveram mais parceiros sexuais (e casuais) no último ano. Mais mulheres declaram abstinência sexual no último ano. Há bastante resistência ao uso do preservativo entre esta população, 40% dos participantes não utilizaram o preservativo na última relação. O estudo de Bertoncini, Moraes, e Kulkamp (2007) apresentou resultados similares em pessoas com 50 anos ou mais portadoras de HIV/AIDS. O uso do preservativo foi mais frequente entre homens do que entre mulheres. Assim, novamente as mulheres podem estar em maior vulnerabilidade para a infecção pelo HIV mesmo que relatem menos atividade sexual e menor número de parceiros eventuais. Este fenômeno pode ser um reflexo de questões culturais e de gênero (Silva & Paiva, 2007, Silva, Lopes, & Vargens, 2010). Mulheres tendem a apresentar mais dificuldade de negociar o uso do preservativo com o parceiro. É possível que este fenômeno também se relacione ao fato de elas se perceberem em menos risco e confiarem na fidelidade do parceiro (Rodrigues & Praça, 2010; Silva et al., 2010).
Apesar de estarem cientes da severidade da AIDS, as mulheres não colocam em prática comportamentos de prevenção (Praça, Souza, & Rodrigues, 2010). Isto pode ser o resultado de uma construção social segundo a qual a mulher (se comparada ao homem) com o decorrer do tempo se torna sexualmente inativa e sem desejo. Este resultado indica a importância da elaboração de uma política de reeducação sexual que seja adequada à faixa etária dos 50 anos ou mais. Neste caso, seria relevante explorar questões da sexualidade após os 50 anos e desvincular o uso do preservativo à anticoncepção, destruindo mitos sobre a dificuldade de seu uso.
Um aspecto que deixa homens mais vulneráveis do que mulheres, diz respeito ao uso de substâncias: eles declararam mais uso de álcool e maconha do que mulheres. O uso de substâncias entre idosos é um problema multifatorial e complexo pouco explorado pela literatura científica brasileira (Pillon, Cardoso, Pereira, & Mello, 2010). A dificuldade de investigação do tema está relacionada tanto com dificuldades do próprio idoso (e.g., isolamento, negação do consumo) quanto com a imagem estereotipada que os profissionais da saúde têm sobre eles (O'Connell, Chin, Cunningham, & Lawlor, 2003; Pillon et al., 2010). Outro aspecto é a questão de que sintomas de uso de drogas são semelhantes a sintomas de outros quadros diagnósticos mais esperados nesta população (O'Connell et al., 2003; Pillon et al., 2010). No estudo de Pillon et al. (2010) realizado em um Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e outras drogas (CAPS-AD) de São Paulo, identificou-se que entre os pacientes com 60 anos ou mais, 83,8% usavam álcool, 2% maconha e 1% maconha e álcool. O estudo de O'Connell et al. (2003) indicou que entre idosos, os fatores associados ao uso de álcool são: ser homem, manter-se isolado socialmente, ser solteiro, separado ou divorciado. Todas estas características foram encontradas entre os homens deste estudo.
Homens e mulheres infectaram-se no mesmo período do ciclo vital, sendo que 59% dos participantes se infectaram após os 50 anos. As relações sexuais foram a principal forma de infecção corroborando o estudo de Bertoncini et al. (2007). Homens e mulheres apresentaram o mesmo nível de conhecimentos sobre a doença. Chama a atenção que, mesmo que os médicos sejam listados como uma das principais fontes de conhecimentos sobre HIV/AIDS, um número significativo de pacientes ainda apresenta um conhecimento incorreto sobre a doença. Este pode ser um reflexo de que as equipes de saúde ainda não tenham encontrado uma forma adequada de passar informações para esse público, sintam dificuldade de abordar determinados aspectos do seu comportamento sexual ou, ainda, não o considerem relevante.
Embora as campanhas transmitidas pela mídia sejam indicadas como a principal via de conhecimentos sobre o HIV/AIDS, elas parecem não resultar em uma alteração efetiva no comportamento de adultos mais velhos. Como os portadores estão inseridos na rede de atendimento de saúde pública, acredita-se que uma boa forma de divulgação e educação sobre novas possibilidades de sexo mais seguro seja através do fortalecimento e capacitação desta rede. Além de pacientes, também pessoas não infectadas pelo HIV poderiam se beneficiar de um serviço de saúde multidisciplinar caracterizado por um enfoque de prevenção e educação a respeito de comportamentos de proteção para o HIV.
Algumas limitações deste estudo podem ser indicadas: o alcance dos resultados é limitado à região Sul do Brasil, os resultados são descritivos e foram incluídas na amostra pessoas infectadas pelo HIV antes e depois dos 50 anos. Além disso, acredita-se que análises multivariadas possam ser importantes para o estabelecimento dos fatores associados ao HIV/AIDS em pessoas com 50 anos ou mais, auxiliando ainda mais na promoção de ações preventivas para esse público. Em investigações futuras, será relevante investigar características do HIV/AIDS especificamente em pessoas infectadas após os 50 anos. Deste modo, será possível compreender com mais clareza os fatores específicos associados à infecção pelo HIV em adultos maiores.
Percebe-se um grande aumento da expectativa de vida do brasileiro. Segundo o censo demográfico de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010), no Brasil, a população com 50 anos ou mais representa atualmente 20,6% da população, e a expectativa de vida no país é de 73,1 anos de idade. Com o alongamento dos anos de vida, pesquisas sobre a faixa etária a partir dos 50 anos se tornam ainda mais importantes, já que haverá cada vez mais necessidade de políticas públicas de saúde específicas para esse público. Neste sentido, este estudo oferece informações que podem orientar pesquisadores e profissionais da área da saúde em suas práticas cotidianas e em possíveis intervenções cujo objetivo seja reduzir a vulnerabilidade de pessoas mais velhas ao HIV.
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Recebido: 23/11/2011
Última revisão: 24/09/2012
Aceite final: 23/10/2012
Sobre os autores:
Maria Clara P. de Paula Couto - Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: mc.depaulacouto@ufrgs.br
Sílvia H. Koller - Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Laíssa Eschiletti Prati - Faculdade de Psicologia, Faculdades Integradas de Taquara.
Nota do autor: Este estudo foi realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Centro de Estudos de AIDS/DST do Rio Grande do Sul, com o apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (MS/SVS/PN-DST/AIDS), por meio do Projeto de Cooperação Técnica Internacional AD/BRA/03/H34 firmado entre o Governo brasileiro e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime - UNODC (Projeto: TC284/07).
1 Endereço 1: Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ramiro Barcelos, 2600, Sala 104, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil.