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Revista Psicologia e Saúde

versión On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.9 no.1 Campo Grande abr. 2017

https://doi.org/10.20435/pssa.v9i1.430 

Caracterização dos Transtornos Psiquiátricos Diagnosticados no CAPS I, em Jaguaré, ES, no período de Janeiro a Outubro de 2014

 

Characterization of Psychiatric Disorders Diagnosed at CAPS I, in Jaguaré City, ES, in the period January to October 2014

 

Caracterización de los Trastornos Psiquiátricos Diagnosticados en el CAPS I , en la Ciudad de Jaguaré, ES, en el período de Enero-Octubre 2014

 

 

Iagor Brum LeitãoI; Dalton Demoner FigueiredoII; Marco Antonio Jonath MarbachIII; Karisten Soares MartinsIV

IPsicólogo, Graduado pela Faculdade Multivix - Nova Venécia, ES. Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGP/UFES). E-mail: leitao.iagor@hotmail.com
IIPsicólogo, Mestre e Doutor em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida (UVA/RJ). Especialista em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RIO). Coordenador do Serviço de Saúde Mental de Jaguaré, ES. E-mail: daltondemoner@gmail.com
IIIPsicólogo, Graduado pela Faculdade Multivix - Nova Venécia, ES. E-mail: marco.marcbach@hotmail.com
IVMédico Psiquiatra. Especialista em Medicina da Família pela Faculdades Integradas Espírito-Santenses (FAESA/ES), ES. E-mail: karistenmartins@gmail.com

Endereço de contato

 

 

 


RESUMO

A pesquisa ilustra os dados quantitativos referentes aos atendimentos de uma unidade de Atenção Psicossocial, localizada no Município de Jaguaré, Norte do Estado do Espírito Santo, realizados de janeiro a outubro, do ano de 2014. Percorreu-se pelo montante das fichas de atendimentos realizados pelo Psiquiatra e Psicólogo da unidade, coletando a classificação diagnóstica (CID-10) de cada consulta, o sexo e idade, tornando possível montar e analisar um quadro com percurso diagnóstico de cada paciente. Objetivou-se, portanto, traçar um primeiro perfil das psicopatologias encontradas no município e uma possível conexão entre as três variáveis, numa tentativa de visualizar possíveis falhas na rede do serviço de saúde mental: Como resultados, contabilizaram-se 416 pacientes atendidos pela unidade, num total de 746 atendimentos e hipóteses diagnósticas, e atribuição de 55 transtornos mentais. Os maiores registros foram para os Episódios Depressivos (F32), com 88 pacientes; Transtorno Misto Ansioso e Depressivo (F41.2), com 82 pacientes; Transtorno Afetivo Bipolar (F31), com 44 pacientes; Esquizofrenia Paranoide (F20.0), com 38 pacientes; Retardo Mental Leve (F70), com 28 pacientes e os Transtornos Hipercinético (F90.0) com 22 pacientes diagnosticados. O trabalho compara os dados coletados a estudos e pesquisas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no que diz respeito às prevalências dos transtornos mentais (sexo e idade), obtendo resultados similares. O trabalho ainda discute sobre a mudança de diagnóstico de uma consulta para outra, identificando a presença ditas comorbidades diagnósticas e patogênicas.

Palavras-chave: epidemiologia, saúde mental, hipótese diagnóstica, loucura


ABSTRACT

The research illustrates the quantitative data relating to the attendances of a unit of Psychosocial Care, located in Jaguaré city, Northern Espírito Santos states'area, developed from January to October, in 2014. it deals with all the medical records performed by the unit psychiatrist and psychologist, recording and assessing the diagnostic classification (ICD-10) from each attendance, sex and age, making it possible to draw and analyze a graphic of each patient diagnosed route. The objective had been trace a first profile of psychopathology found in the city and a possible connection between the three variables in an attempt to visualize possible flaws in the mental health service network. As a result, it was recorded 416 patients served by the unit, a total of 746 attendances and diagnostic hypotheses, assignment of 55 mental disorders. The highest records were for Depressive Episodes (F32) with 88 patients; Mixed anxiety and depressive disorder (F41.2), with 82 patients; Bipolar Affective Disorder (F31) with 44 patients; Paranoid Schizophrenia (F20.0), with 38 patients; Mental Retardation (F70) with 28 patients and Hyperkinetic Disorders (F90.0) with 22 diagnosed patients. This study compares the data collected to studies and researchs conducted by the World Health Organization, regarding the prevalence of mental disorders (sex and age), obtaining similar results. The paper also discusses about changing diagnosis of a meeting to another, identifying the presence of said diagnostic and pathogenic comorbidities.

Keywords: Epidemiology, mental health, diagnostic hypothesis, madness


RESUMEN

La investigación ilustra los datos cuantitativos relacionados con las atenciones de una Unidad de Atención Psicosocial, situada en el municipio de Jaguaré, norte del Estado de Espírito Santo, llevado a cabo de enero a octubre, en el año 2014. Por lo tanto, fueron analizadas las fichas con las historias clínicas realizadas por el psiquiatra y el psicólogo de la unidad, registrando y evaluando la clasificación diagnóstica (CID-10), sexo y edad, haciendo posible crear y analizar un marco con una trayectoria diagnóstica de cada paciente. El objetivo era trazar un primer perfil diagnóstico de la psicopatología que se encuentra en la ciudad y una posible conexión entre las tres variables en un intento de visualizar posibles fallas en la red de servicios de salud mental. Como resultado, fueron contabilizados 416 pacientes atendidos en la unidad, con un total de 746 atenciones e hipótesis dignósticas, y atribución de 55 trastornos mentales. Los mayores registros fueron para los Episodios Depresivos (F32), con 88 pacientes; Ansiedad Mixta y Estado de Ánimo Depressivo (F41.2), con 82 pacientes; el Trastorno Afectivo Bipolar (F31), con 44 pacientes; la Esquizofrenia Paranoide (F20.0), 38 pacientes; la Discapacidad Intelectual Leve (F70), con 28 pacientes; y Trastornos Hipercinéticos (F90.0), con 22 pacientes diagnosticados. El estudio compara los datos recogidos a los estudios e investigaciones llevadas a cabo por la Organización Mundial de la Salud (OMS) en cuanto a la prevalencia de los trastornos mentales (sexo y edad), obteniendo resultados similares. El documento también discute los cambios de diagnóstico de una atención a otra, identificando la presencia de dichas comorbilidades de diagnóstico y patógenos.

Palabras clave: Epidemiología, salud mental, hipótesis de diagnóstico, locura


 

 

Introdução

As significações da loucura mudaram ao longo da história, sendo esta entendida e desentendida de muitas formas. De lá pra cá, mudaram-se os nomes. Um dia já foi insensatez, em outro, sinônimo de (des)razão.

Hoje, a loucura é nomeada em seus diversos quadros psicopatológicos obtidos por meio de uma descrição, enquanto fenômeno, passando a ser observada e descrita com o máximo de detalhes. Essas observações passam a privilegiar as regularidades e repetições dos ditos sintomas - do grego sin (junção) e tomo (pedaços) -, ou seja, no sentido de juntar todos os pedaços e fenômenos observáveis, orgânicos e/ou psíquicos, classificando-os e nomeando-os. Esse novo saber se baseia, portanto, na observação, estando o diagnóstico muito mais associado às atentas e detalhadas observações dos sintomas do que às causas, sendo, como aponta Renata Udler Cromberg (2002), "essas muito mais ignoradas e obscuras, muitas vezes camufladas por estes sintomas então observáveis" (p. 22). Neste sentido, tratar-se-ia de observar não somente o que aparece e reaparece, mas também no que se esconde e desaparece. É nas formas em que a coisa em si - referência ao termo kantiano númeno, do grego νοούμενo - se expressa, nas regularidades e repetições (não)observáveis.

Nasce, portanto, o modelo atual da classificação da loucura em suas diversas manifestações psicopatológicas, centrado, segundo os critérios dos Manuais de Diagnóstico, como o hegemônico Capítulo V - Classificação de transtornos mentais e de comportamento do CID-10, que se torna a base de todo o percurso do atendimento público em saúde mental. Com essa evolução do modo de se entender e classificar a loucura, se é que assim podemos dizer, consequentemente evoluem as instituições de atendimento e tratamento:

Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas, a qual propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica (...) que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. (...) A Política de Saúde Mental visa garantir o cuidado ao paciente com transtorno mental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, superando assim a lógica das internações de longa permanência que tratam o paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade como um todo (Ministério da Saúde, 2009, p. 09).

Dessa forma, com o fim dos modelos hospitalocêntricos, centrados em uma instituição psiquiátrica - hospícios e manicômios -, nasce uma rede substitutiva que considera a liberdade e o acesso à cidadania aos portadores de transtornos mentais, com uma proposta, agora, totalmente diferente: reabilitação psicossocial. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) vem a ser, portanto, uma instituição de portas abertas, aliada ao Sistema Público de Saúde, tornando-se uma porta de entrada da população ao que diz respeito às questões de saúde mental. Os CAPS se diferenciam por CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad. Mas, aqui nos interessamos no sentido do termo CAPS, o qual tem como, entre outras, a missão de:

Dar um atendimento diuturno às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e suas famílias (Ministério da Saúde, 2004, p. 12).

 

Escopo da pesquisa

Considerando que o CAPS é uma referência no acolhimento e atenção nas questões que dizem respeito à saúde mental, tornando-se uma das portas de entrada da população - carente a essa demanda -, é de grande importância conhecer e identificar o perfil desses usuários bem como as maiores ocorrências de cada unidade. Sendo assim, é exatamente isso que esta pesquisa, que aqui se apresenta, vem a fazer: um levantamento de toda produção de uma dessas unidades, no ano de 2014, localizada no Município de Jaguaré (Norte do estado do Espírito Santo) no que diz respeito ao atendimento da loucura em seu modelo atual de classificação, centrado no CID-10.

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Censo de 2010), o município conta com aproximadamente 24 mil habitantes, sendo 12.468 homens e 12.210 mulheres. A unidade em questão está com aproximadamente um ano de funcionamento, já tendo recebido a primeira verba para custear o investimento para implantação do serviço e solicitado a habilitação e o cadastramento da unidade, para receber, assim, o incentivo mensal. O serviço de saúde mental, rumo ao CAPS I - Jaguaré, funciona dentro das orientações contidas na portaria n. 336/GM/MS, de 19 de fevereiro de 2002, sendo constituído por uma equipe experiente (Secretária Administrativa e de Serviços Gerais; Técnico de Enfermagem; Enfermeiro; Psicólogo; Médico com formação em Saúde Mental; Psiquiatra e Artesão) e atuante na área da saúde mental por cerca de dez anos, profissionais que contribuíram para o projeto de implantação do que vem a ser chamado de CAPS I - Jaguaré. Este artigo presenteia o próprio serviço (novo!) e já com os primeiros frutos dessa caminhada que assim se inicia. Como diria James Joyce: os loucos abrem caminhos que mais tarde percorrem os sábios.

 

Método

Em relação à técnica de pesquisa, esta pode ser caracterizada como sendo de campo quantitativo-descritiva, a qual, segundo Lakatos e Marconi (2003), consiste em investigações empíricas, objetivando o delineamento ou análise das características principais de um fenômeno, a avaliação de programas e/ou ainda o isolamento de variáveis principais ou chave. Quanto à finalidade, classificamos esta pesquisa como aplicada. Para Silva e Menezes (2001), a pesquisa aplicada tem como finalidade gerar conhecimento para aplicação prática dirigida à solução de problemas específicos.

Foi analisado um montante de fichas de usuários atendidos, no período de janeiro a outubro de 2014, pela unidade, em funções das variáveis: código CID-10, sexo e idade. Para Barletta, Paixão, Feitosa, Oliveira, & Santos (2012), o registro em prontuário possibilita o planejamento de uma intervenção adequada, além de ser uma fonte de informações para pesquisas e coleta de dados, como esta.

Após o levantamento das fichas dos usuários, foi elaborado um quadro com o percurso diagnóstico de cada paciente, sendo contabilizado o número de hipóteses diagnósticas (nd) atribuídas em cada consulta - inclusive os diagnósticos repetidos - bem como o número de pacientes (np) diagnosticados com determinado tipo de transtorno, desta vez, sem contar os repetidos. Chegou-se, portanto, ao número total de diagnósticos e o número de transtornos atribuídos.

Em cada atendimento, conforme normas da unidade, é registrada uma hipótese diagnóstica. Para Paulo Dalgalarrondo (2010), o diagnóstico psicopatológico é, em muitos casos, "apenas possível com a observação do curso da doença" (p. 34). Para o autor, o psicopatólogo é muitas vezes obrigado a repensar e refazer continuamente o seu diagnóstico. Para Carvalho, Silva, e Vieira (2010), a definição do diagnóstico em saúde mental é de extrema importância para a definição de um plano terapêutico, além de fornecer dados de epidemiologia fundamentais para (re)avaliações da prevalência dos transtornos mentais na população em questão, em função do sexo e idade, por exemplo.

A pesquisa, para fundamentá-la, fora feito um breve levantamento das seguintes obras literárias, em especial a Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10; Psicodiagnóstico V de Jurema Alcides Cunha; Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais de Paulo Dalgalarrondo, estudos disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) além de artigos que tratam de estudos epidemiológicos em saúde mental e das unidades de atenção psicossociais, indexados na SciELO.

Como problemática, questionou-se: existe uma possível relação entre psicopatologia, idade e sexo? Quanto ao percurso diagnóstico de cada paciente observado, houve alguma variação e/ou repetição do CID-10 atribuído? Qual o valor total de hipóteses diagnósticas atribuídas em todas as consultas e o valor total de pacientes diagnosticados por algum determinado transtorno em alguma consulta? Enfim, estas são algumas das questões que nortearam as reflexões deste trabalho.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta um quadro geral com o número total de hipóteses diagnósticas (nd) atribuídas para as grandes categorias de transtornos, de acordo com CID-10; o percentual que essa categoria representa diante do número total de diagnósticos, e a prevalência (nd e %) da categoria presente no sexo masculino e no sexo feminino.

A Tabela 2 apresenta o quadro com os seis maiores registros (F32, F41.2, F31, F20, F70 e F90), discriminando o número total de hipóteses diagnósticas (nd) atribuídas a cada transtorno e o percentual que ele representa diante do número total de diagnósticos (nd=746). Apresenta, também, a prevalência de cada transtorno (nd e %) para o sexo masculino e o sexo feminino.

A Tabela 3 apresenta a porcentagem (%) de pacientes que foram diagnosticados com os seis transtornos mais recorrentes em função da faixa etária.

Contabilizou-se o valor total de quatrocentos e dezesseis pacientes atendidos (np=416), de janeiro a outubro de 2014. Destes, 63,46% (np=254) são do sexo feminino, e 38,94% (np=162) são do sexo masculino. Alguns foram atendidos somente em uma primeira consulta, outros, em duas, três ou mais, totalizando setecentos e quarenta e seis atendimentos e hipóteses diagnósticas (nd=746). Desse total, 37,26% (nd=278) dos diagnósticos foram para os homens, e 62,73% (nd =468) para as mulheres.

Foram registrados ao todo cinquenta e cinco Transtornos mentais e de comportamento, a saber: F00.1; F03; F06; F06.2; F06.3; F06.7; F06.8; F10; F10.2; F12.2; F14.2; F17; F19; F19.5; F20.0; F20.2; F20.3; F20.5; F20.8; F23; F29; F31; F31.3; F31.5; F32; F32.1; F32.2; F32.3; F33; F40; F41; F41.1; F41.2; F41.4; F41.9; F42.0; F42.1; F43.0; F44.2; F44.5; F45.0; F51; F60; F64; F70; F71; F72; F84; F84.8; F90; F91; F91.1; F91.3; G30 e G40.

Alguns transtornos (n=9) mostraram-se presentes somente no sexo feminino, sendo eles: Demência não especificada (F03); Outros transtornos mentais especificados devidos a uma lesão e disfunção cerebral e a uma doença física (F06.8); Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência (F10.2); Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo (F17); Esquizofrenia residual (F20.5); Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado (F31.3); Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos (F31.5); Episódio depressivo moderado (F32.1) e Episódio depressivo grave sem sintomas psicótico (F32.2).

Já outros transtornos (n=10) mostraram-se presentes somente nos homens, a saber: Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinoides - síndrome de dependência (F12.2); Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína (F14.2); transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (F19.5); Transexualismo (F64.0); Autismo infantil (F84.0); Outros transtornos globais do desenvolvimento (F84.8); Distúrbios de conduta (F91); Distúrbios de conduta não-socializada (F91.1); Distúrbio desafiador e de oposição (F91.3) e Doença de Alzheimer de início precoce (G30).

Transtornos de Mentais Orgânicos, Incluindo Sintomáticos (F00 a F09)

No que diz respeito aos Transtornos de mentais de origem orgânica, classificados no CID-10 entre F00 a F09, identificou-se a atribuição do F00.1 - Demência na doença de Alzheimer de início tardio (np= 5), tendo o sexo masculino (n=2) e sexo feminino (n=3), destacando-se a faixa etária entre 71 e 80 anos com aproximadamente 60% das ocorrências.

Observaram-se as atribuições do F06 - Outros transtornos mentais devidos à lesão e disfunção cerebral e à doença física (np=15), tendo o SM (n=8) e SF (n=7), destacando-se a faixa etária entre 51 e 60 anos, com 43% das ocorrências, e do F06.2 - Transtorno delirante orgânico - tipo esquizofrênico (np=3), tendo o SM (n=1) e SF (n=2). Não houve destaque de faixa etária.

Transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas (F10 a F19)

Já no que diz respeito aos Transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de substâncias psicoativas, classificados no CID-10 entre F10 a F19, encontraram-se as atribuições do F10 - Transtornos mentais e comportamentais ligados ao uso de álcool (np=11), tendo o SM (n=6) e SF (n=5), destacando-se a faixa etária de 31 a 40 anos com 54% das ocorrências; F12.2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinoides - síndrome de dependência (np=2), ambos do SM e com faixas etárias entre 11 e 20 anos; F17 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo (np= 2), ambos do SF e com faixas etárias entre 41 e 60 anos, e do F19 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (np=4), tendo o SM (n=2) e SF (n=2). Destacou-se a faixa etária entre 11 e 20 anos com aproximadamente 50% das ocorrências.

Esquizofrenias, Transtornos Esquizotípico e Delirantes (F20 A F29)

Por sua vez, nas Esquizofrenias, classificadas no CID-10 em F20, foram identificados o F20.0 - Esquizofrenia paranoide (np=38) tendo o SM (n=25) e SF (n=13), destacando-se a faixa etária entre 21-40 anos com aproximadamente 68% das ocorrências; o F20.2 - Esquizofrenia catatônica (np=2), ambos do SM e com idades entre 41-50 anos e 71-80 anos, respectivamente; o F23.3 - Esquizofrenia indiferenciada (np=6), tendo o SM (n=2) e SF (n=4), destacando-se a faixa etária entre 31 e 40 anos com aproximadamente 83% das ocorrências, e o F20.8 - Outras esquizofrenias (np=18), tendo o SM (n=10) e SF (n=8). Destacou-se a faixa etária entre 31-50 anos com aproximadamente 55% das ocorrências.

Tratando-se dos Transtornos psicóticos agudos e transitórios, classificados no CID-10 em F23, observou-se o registro do F23.0 - Transtorno psicótico agudo polimorfo, sem sintomas esquizofrênicos (np=6), tendo o SM (n=3) e SF (n=3). Não houve destaque de nenhuma faixa etária.

Por último, identificou-se o F29 - Psicoses não orgânicas não especificadas (np=22), tendo o SM (n=14) e SF (n=8). Destacou-se a faixa etária entre 51 e 60 anos, com aproximadamente 54% das ocorrências.

Transtornos de Humor (F30 a F39)

Os Transtornos de humor (afetivos) classificados no CID-10 em F30 a F39, possuem como perturbação fundamental a alteração do humor ou do afeto. A Organização Mundial da Saúde (1993) aponta que a maioria desses transtornos "tende a ser recorrente, e o início dos episódios individuais é frequentemente relacionado com eventos ou situações estressantes" (p. 110).

Dentro os transtornos do espectro bipolar, foram identificados os registros do F31 - Transtorno afetivo bipolar (np=44), tendo o SM (n=35) e SF (n=9), destacando-se a faixa etária entre 31-50 anos com aproximadamente 63% das ocorrências, e do F31.3 - Transtorno afetivo bipolar - episódio atual depressivo leve ou moderado (np=2), ambos do SF, com idades entre 31-40 anos e 51-60 anos.

Dentre os quadros de depressão, foram observados os registros do F32 - Episódio depressivo (np=88), tendo o SM (n=21) e SF (n=67), destacando-se a faixa etária de 41-50 anos com aproximadamente 26% dos registros e as faixas etárias entre 31-40 anos e 51-60 anos, as quais somaram 32% das ocorrências; d o F32.2 - Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (np=3), tendo todos do SF e com faixa etária entre 51 e 60 anos, e do F32.3 - Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos (np=5), tendo o SM (n=1) e SF (n=4), destacando-se as faixas etárias entre 31-40 e 51-60 anos com 40% das ocorrências, respectivamente.

Por último, observou-se o F33 - Transtorno depressivo recorrente (np=14), tendo o SM (n=1) e SF (n=13), destacando-se a faixa etária entre 51-60 anos, com aproximadamente 50% dos registros.

Transtornos Neuróticos, Relacionados ao Estresse e Somatoformes (F40 e F48)

Nos Transtornos fóbico-ansiosos (F40 e F41), observaram-se as atribuições do F40.0 - Agorafobia (np=3), tendo o SM (n=1) e SF (n=2). Todos com faixa etária entre 11 e 30 anos.

Já em Outros transtornos ansiosos foram identificados o F41.0 - Transtorno do pânico (np=9), tendo o SM (n=4) e SF (n=5), destacando-se faixa etária entre 31 e 40 anos com aproximadamente 33% das ocorrências; do F41.1 - Ansiedade generalizada (np=22), tendo o SM (n=6) e SF (n=16), destacando-se a faixa etária entre 31 e 40 anos com aproximadamente 45% das ocorrências; do F41.2 - Transtorno misto ansioso e depressivo (np=82), tendo o SM (n=18) e SF (n=64), tendo as faixas etárias entre 31-40, 41-50 e 51-60 anos com 23%, 30% e 17% das ocorrências, respectivamente, e do F41.9 - Transtorno ansioso não-especificado (np=23), tendo o SM (n=7) e SF (n=16), estando presente em diversas faixas etárias, com destaque para as entre 31-40, 41-50 e 51-60 anos com aproximadamente 17%, 22% e 22%, respectivamente.

Dentre as Reações a estresse grave e transtornos do ajustamento, classificadas em F43, foi identificado o F43.0 - Reação aguda a estresse (np=18), tendo o SM (n=8) e SF (n=10), destacando-se a faixa de etária entre 41-50 anos com 50% dos registros.

Por último, sobre os Transtornos dissociativo (ou conversivos), classificados em F44, identificou-se o F44.2 - Estupor dissociativo (np=9), tendo o SM (n=1) e SF (n=8). Prevaleceram as faixas etárias de 31-40 anos e 51-60 anos, ambas com aproximadamente 37% dos registros.

Síndromes Comportamentais Associadas a Perturbações Fisiológicas e Fatores Físicos (F50 a F59) e de Personalidade e do Comportamento em Adultos (F60 a F69)

Dentre os Transtornos não orgânicos do sono devidos a fatores emocionais (F51), identificou-se o F51.0 - Insônia não-orgânica (np=5), tendo o SM (n=2) e SF (n=5), destacando-se as faixas etárias entre 41-50 anos e 51-60 anos, ambas com 40% das ocorrências.

No que diz respeito aos Transtornos específicos da personalidade (F60), identificou-se o Personalidade paranoica (np=4), tendo o SM (n=3) e SF (n=1). Prevaleceu a faixa etária entre 21-30 anos com 75% dos registros.

Retardo Mental (F70 e F79)

Dentre os Retardos mentais, classificados em F70 a F79, observaram-se os registros do F70 - Retardo mental leve (np=28), tendo o SM (n=22) e SF (n=4), com prevalência nas faixas etárias de 21-30 e 31-40 anos, com aproximadamente 21% e 28% dos registros, respectivamente; do F71- Retardo mental moderado (np=5), tendo o SM (n=3) e SF (n=2), destacando-se a faixa etária entre 21 e 30 anos com 40% das ocorrências, e do F72 - Retardo mental grave (np=3), tendo o SM (n=2) e SF (n=1). Não houve prevalência em nenhuma faixa etária.

Transtornos Emocionais e de Comportamento com Início Usualmente na Infância e Adolescência (F90 e F98)

Dentro dos transtornos do comportamento na infância e adolescência, identificou-se a atribuição do F90 - Transtornos hipercinéticos (np=22), tendo o SM (n=21) e SF (n=1). Todos os pacientes possuíam entre 05-20 anos, com destaque na faixa etária entre 11-20 anos, com aproximadamente 63% das ocorrências.

Já dentre os Transtornos de conduta, classificados no CID-10 em F91, identificou-se o F91.0 - Distúrbios de conduta restrita ao contexto familiar (np=2), ambos do SM e com idades entre 05-20 anos.

Doenças do Sistema Nervoso (G00 a G99)

Dentre as Doenças degenerativas do sistema nervoso, identificou-se o registro G30 - Doença de Alzheimer (np=2), ambos do SM e com idades entre 61-80 anos.

Por fim, em relação aos Transtornosepisódicos e paroxísticos, foi observado o registro do G40 - Epilepsia (np=7), tendo o SM (n=4) e SF (n=3. Destacou-se a faixa etária entre 21-30 anos com aproximadamente 57% das ocorrências.

Transtornos que não Tiveram Dados Significativos

Alguns transtornos (n=16) não tiveram dados significativos, pois só houve um paciente diagnosticado e em somente uma consulta, a saber: Demência não especificada (F03); Transtorno delirante orgânico - tipo esquizofrênico (F06.2); Transtorno do humor - afetivos - orgânicos (F06.3); Transtorno cognitivo leve (F06.7); Outros transtornos mentais especificados devidos a uma lesão e disfunção cerebral e a uma doença física (F06.8); Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool - síndrome de dependência (F10.22); Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de cocaína - síndrome de dependência (F14.2); Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (F19.5); Esquizofrenia residual (F20.5); Transtorno afetivo bipolar - episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos (F31.5); Episódio depressivo moderado (F32.1); Transtorno obsessivo-compulsivopredominante pensamentos obsessivos e ruminações (F42.0); Transtorno obsessivo-compulsivopredominante atos compulsivos (F42.1); Convulsões dissociativas (F44.5); Transexualismo (F64.0); Transtorno autista (F84.0); Outros transtornos globais do desenvolvimento (F84.8); Distúrbio de conduta não socializada (F91.1) e Distúrbio desafiador e de oposição (F91.3).

 

Discussão

Segundo a OMS (2001, p. 57) a prevalência geral das perturbações mentais é aproximadamente a mesma tanto para homens e mulheres. As diferenças, quando existentes, são aplicadas pela distribuição diferencial das perturbações. Nesse sentido, é exatamente isso que se pretende ilustrar nesta seção.

Dentre todos os CID-10 atribuídos, destacaram-se em maior número: Episódios depressivos (F32) ; Transtorno misto ansioso e depressivo (F41.2); Esquizofrenia paranoide (F20.0); Transtorno afetivo bipolar (F31);Retardo mental (F70) e os Transtornos hipercinéticos (F90). De fato, mais da metade (55,74%) de todos os diagnósticos realizados foram para esses transtornos (nd=416), os quais se mostraram como as maiores demandas do município estudado.

Os transtornos F32, F41.2 e F31 mostraram-se não só mais presentes no sexo feminino, como também representam mais da metade dos registros para esse gênero (np=196 e nd=292). Ao final, os três transtornos juntos representam uma parcela de quase 40% de todos os diagnósticos.

Os transtornos depressivos são considerados um grande problema de saúde pública pela OMS (2001), podendo afetar as pessoas em qualquer fase da vida, entretanto "a incidência é mais alta nas idades médias" (p. 28). Ainda segundo a OMS, a depressão é mais comum no sexo feminino do que no masculino. A CGD 20001 estima a prevalência de que 5,8% dos homens e 9,5% das mulheres passarão por um episódio depressivo num período de 12 meses (OMS, 2001, p. 28). Nesse sentido, os dados aqui apresentados corroboram com essa afirmação, afinal, o Episódio Depressivo (F32) mostrou-se predominante nas mulheres (np=88 e nd=110) e nas idades médias, afinal, quase 32% (np=21) das mulheres diagnosticadas alguma vez com F32 possuíam faixa etária entre 41 e 50 anos. De fato, somente o F32 corresponde a uma parcela de quase 15% (nd=110) de todos os setecentos e quarenta e seis diagnósticos. Sem exagero, poderíamos considerar a depressão ao lado da toxicomania o mal-estar na civilização na contemporaneidade.

Do ponto de vista psicopatológico, os quadros depressivos têm como elementos centrais o humor triste e desânimo. Entretanto, Dalgalarrondo (2000) adverte que os quadros depressivos caracterizam-se por uma multiplicidade de sintomas afetivos, ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à volição e à psicomotricidade. O Episódio depressivo é caracterizado em leve, moderado, ou grave, de acordo com o número, a intensidade e importância clínica dos sintomas. Nesse sentido, são utilizados alguns instrumentos de avaliação para estimar sintomas de depressão, como o Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory [BDI]), por exemplo.

Assim como Dalgalarrondo, recorremos ao escritor Otto Lara Resende, quem descreve de forma muito verossímil a experiência de vivenciar um Episódio depressivo:

Caí naquela depressão que me assalta de vez em quando - por que, Santo Deus? Sei lá! Depressão neurastênica, vontade de ficar quieto, alado, macambúzio. Me custa até a simples locomoção doméstica. Para sair de casa é como arrancar uma tonelada inerte e sem rodas ladeira a cima (como citado por Dalgalarrondo, 2000, p. 192).

O transtornomisto ansioso e depressivo (F41.2) foi identificado como a segunda maior ocorrência da região (np= 82 e nd=107), representando uma parcela de aproximadamente 14% de todos os diagnósticos. Nesse transtorno, há sintomas maníacos (agitação, irritabilidade, logorreia, expansão do eu) e sintomas depressivos (desânimo, tristeza) coexistindo, ocorrendo ao mesmo tempo ou alternando-se rapidamente. Segundo Dalgalarrondo (2000), é um diagnóstico difícil, "tendo a ser mais frequentemente observado em adolescentes e indivíduos idosos" (p. 194).

O F41.2 mostrou-se afetar predominantemente as mulheres, afinal, quase 89% (np=64 e nd=87) dos diagnósticos de F41.2 foram para elas, principalmente na faixa etária entre 41 e 50 anos, tendo quase 30% (np=19) dessas mulheres diagnosticadas alguma vez com esse transtorno. Logo após, aparece o Transtorno afetivo bipolar (F31) como a terceira maior ocorrência, representando uma parcela 10% de todos os diagnósticos (np=44 e nd=75). Mostrou-se predominante também predominante no sexo feminino, tendo aproximadamente 55% dos diagnósticos (np=35 e nd=63), prevalecendo nas idades médias, afinal, quase 63% (np=26) das pacientes diagnosticadas possuíam faixa etária entre 31 e 50 anos.

Têm sido admitidas várias razões para a maior prevalência de perturbações depressivas e de ansiedade, aponta a OMS, como: os fatores genéticos e biológicos (particularmente as alterações hormonais); os fatores psicológicos, e os socioculturais. Sobre as alterações hormonais, "estas são mais abruptas nas mulheres, devido ao ciclo menstrual e o pós-parto" (OMS, 2001, p. 86). O mesmo pode ser relacionado nos fatores psicológicos e sociais. Afinal, o papel tradicional desempenhado pelas mulheres na sociedade, expõe as elas a um stress maior, tornando-as, também, menos capazes de mudar o seu ambiente gerador de stress (OMS, 2001). Além disso, soma-se uma elevada taxa de violência doméstica e sexual às quais estão sujeitas, gerando consequências psicológicas, dentre elas: as perturbações depressivas e de ansiedade.

Os outros três transtornos mais recorrentes - F20, F70 e F90 - mostram-se afetarem mais os homens, formando uma parcela de aproximadamente 21% do total de diagnósticos (np=110 e nd =161).

A esquizofrenia é uma perturbação grave que começa, geralmente, perto do fim da adolescência ou no início da idade adulta, afetando tanto homens quanto mulheres. Ressalva seja feita, o primeiro surto psicótico esquizofrênico acontece, geralmente, no início da fase adulta e, na maioria dos casos, a procura pelo atendimento em saúde mental acaba por se dar após o surto psicótico, o que talvez justifique os maiores registros nas faixas etárias entre 21 e 30 anos.

Os transtornos esquizofrênicos (np= 60 e nd=90) mostraram-se bem mais presentes nos homens. Ao todo, trinta e quatro pacientes masculinos foram diagnosticadas alguma vez com algum tipo Esquizofrenia. Sendo vinte e cinco com Esquizofrenia paranoide (F20.0); uma Catatônica (F20.2), dois com Indiferenciada (F20.3) e oito com Outras esquizofrenias (F20.8).

A Esquizofrenia paranoide (F20.0) se mostrou como a quarta maior prevalência (np=38 e nd=53), tendo 68% dos afetados com idades entre 21 e 40 anos, mostrando-se mais presente nos homens mais jovens. Esse é o tipo de esquizofrenia mais comum em muitas partes do mundo, na qual, segundo a OMS (1993, p. 88), "o quadro clínico é dominado por delírios relativamente estáveis, com frequência paranoides, usualmente acompanhado por alucinações, particularmente as auditivas e perturbações da percepção".

Em seguida, aparece o Retardo mental leve (F70) como a quinta maior ocorrência, ocupando uma parcela de aproximadamente 6% de todos os diagnósticos (np=28 e nd=39). Para definir o grau do retardo mental, (leve, moderado e grave) são utilizados testes de QI padronizados, como o Teste de Wilson e o Teste de Kent. Cabe ressaltar que os testes são administrados individualmente e são selecionados de acordo com o nível de funcionamento do indivíduo, bem como de suas condições adicionais específicas de prejuízo, como problemas de linguagem expressiva, comprometimento auditivo, entre outros.

O registro do transtorno foi predominantemente nos homens (np=24), especialmente os jovens, dos quais 37% possuem faixa etária entre 11 e 30 anos. Em relação a maior presença do Retardo mental nos homens, recorremos à pesquisa do Dr. Marcio Moacyr de Vasconcelos sobre Retardo mental, na qual ele aponta "que há um consenso geral de que o RM é mais comum no sexo masculino, um achado atribuído às numerosas mutações dos genes encontrados no cromossomo X6" (Vasconcelos, 2004, p. 71).

Por fim, observou-se o Transtorno hipercinético (F90) como a sexta maior prevalência (np=22 e nd=32). Todos os diagnosticados possuem entre 11-20 anos e são do sexo masculino, revelando-se um transtorno característico em meninos, inclusive.

Oscilação de Hipótese Diagnóstica

Em um contexto clínico, sabemos que é comum haver mudança da hipótese diagnóstica durante todo o processo, principalmente em casos mais graves, quando é desconhecida a história clínica do paciente. Para chegar à inferência clínica, como ressalta Jurema Alcides Cunha, no renomado Psicodiagnóstico V, o psicólogo "deve examinar os dados de que dispõe, em função de determinados critérios, podendo considerar, assim, várias alternativas diagnósticas" (Cunha, 2000, p. 118). Além disso, segue-se a regra geral, a qual o próprio CID-10 recomenda: "os clínicos devem seguir a regra geral de registrar tantos diagnósticos quantos forem necessários para cobrir o quadro clínico" (OMS, 1993, p. 06).

Admitido esse contexto, perceberam-se, contudo, alguns padrões de oscilações de hipóteses diagnósticas referentes a alguns tipos específicos de transtornos.

Transtorno Esquizotípico e Transtorno Afetivo

Observou-se que não é raro (np=8) o paciente ser diagnosticado inicialmente com Transtorno afetivo bipolar e, posteriormente, com Esquizofrenia. Por exemplo, uma paciente feminina com 49 anos, na qual teve os seguintes quadros diagnósticos: F31→ F31→ F31→ F31→ F20.0. Ou, a paciente com 50 anos, na qual foram encontrados os seguintes quadros diagnósticos: F31→ F31→ F20.0→ F31→ F31. Nesse contexto, as oscilações diagnósticas foram mais presentes nas mulheres, com 75% (np=6) das ocorrências.

De acordo com a Classificação de transtornos mentais e do comportamento da CID-10, na Esquizofrenia paranoide, F20.0:

O afeto está usualmente menos embotado do que em outras variedades de esquizofrenia, porém em grau menor de incongruência é comum, assim como o são perturbações do humor, tais como irritabilidade, raiva repentina, receio e suspeita. Sintomas como embotamento afetivo e comprometimento da volição estão frequentemente presentes [...] (OMS, 1993, p. 88).

Nesse sentido, como estão presentes, no Transtorno afetivo bipolar, perturbações do humor bem como o embotamento afetivo - muitas vezes confundido como indiferença afetiva, característica da psicose -, pode ser comum confundir os dois quadros em sua nosografia. A grande característica da psicose são as ideias delirantes, as quais, segundo Jaspers (1979), "são juízos patologicamente falseados" (como citado em Dalgalarrondo, 2000, p. 133). Nesse sentido, nos casos mais graves de F31, pode haver sintomas psicóticos, como delírios de grandeza, de poder ou persecutórios e até mesmo alucinações, causando, muitas vezes, dúvidas diagnósticas nos quadros esquizofrênicos. Tratar-se-ia de uma comorbidade diagnóstica, ou seja, quando as manifestações da doença associada forem similares às da doença primária.

Os efeitos da esquizofrenia "podem variar de acordo com o sexo, mostrando maior comprometimento nos homens quando comparado às mulheres" (Cardoso et al., 2006, p. 1303). Nesse sentido, como há um menor comprometimento nas mulheres, é possível ser mais difícil ou levar mais tempo para o diagnóstico conclusivo de esquizofrenia, o que explicaria traçar um percurso diagnóstico mais oscilante para elas do que para os homens. Isso pode ser ilustrado em nossa pesquisa, afinal, a maior parte das oscilações diagnósticas de esquizofrenias foram mais presentes nas mulheres, além de todos os pacientes que mantiveram o diagnóstico F20.0 foram do sexo masculino.

Transtornos de Humor e Fóbico-ansiosos

No que diz respeito às oscilações diagnósticas entre Episódios depressivos e Transtornos de ansiedade generalizada, notou-se frequente variação diagnóstica (n=15) entre os dois transtornos tanto em homens (np=5) quanto em mulheres (np=10). É o caso, por exemplo, de um paciente do sexo feminino com 40 anos, o qual apresentou as seguintes hipóteses diagnósticas: F41.1→ F32→ F41.2. Ou, paciente masculino com 53 anos que teve as seguintes hipóteses diagnósticas: F41.1→ F32→ F31 → F33.

A ansiedade fóbica frequentemente coexiste com a depressão, um é o inverso do outro. A associação entre ansiedade e depressão vem sendo descrita na literatura desde o século XIX. Freud (2006), no artigo Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada "neurose de angústia", de 1895, já afirmava que embora os casos puros fossem mais marcantes, os sintomas de ansiedade ocorriam mais frequentemente em combinação com aqueles de neurastenia, histeria, obsessão e melancolia. É comum, por exemplo, o caso em que o paciente queixa-se de uma angústia intensa associada aos sintomas depressivos, que não para quieto, anda de um lado para o outro. Além disso, o próprio CID-10 aponta que "alguns episódios são acompanhados por ansiedade fóbica e temporária, e o humor depressivo frequentemente acompanha algumas fobias, particularmente a Agorafobia" (OMS, 1993, p. 133). Tratar-se-ia de uma comorbidade patogênica, ou seja, quando duas ou mais doenças estariam etiologicamente relacionadas.

Transtornos de Humor e Toxicomanias

Por último, foi encontrada oscilação diagnóstica entre Episódios depressivos e Transtornos decorrentes ao uso de substâncias psicoativas (n=6). Foi possível notar que, não raro, pacientes foram diagnosticados na primeira consulta com F32, já na segunda, com F10 e vice versa. Por exemplo, um paciente feminino com 42 anos, o qual teve os seguintes quadros diagnósticos: F32→ F19→ F32. Ou, paciente feminino com 47 anos, com os seguintes quadros diagnósticos: F32→ F10→ F10→ F32. Nesse contexto, observou-se a prevalência de oscilações no sexo feminino com (np=4).

Sabe-se que, embora as drogas de abuso apresentem diferentes perfis neurofarmacológicos, todas, de alguma forma, ativam o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico (Di Chiara & Imperato, 1988), o que acarretará um imperativo para escapar do desprazer e, com isso, o indivíduo jamais voltará a usufruir daquelas condições do seu cérebro anteriores ao processo de dependência, e por isso será comum ter recaídas. Nesse sentido, a presença de episódios depressivos associados ao abuso de substâncias psicoativas e vice-versa é bastante comum.

Segundo um estudo feito por Castro, Nunes, Faria, Rocha, e Bacchi (2008), os pacientes depressivos, por exemplo, têm maiores riscos de fumar e usar outras substâncias psicoativas, e isto está associado a maiores incapacidades e piores resultados de tratamento, pois a depressão pode agravar os afetos negativos encontrados durante a tentativa de abster-se de uma ou ambas drogas (Ait-Daoud et al., 2006). Além disso, Dalgalarrondo (2000) aponta que essa obsessão pela droga leva o indivíduo a negligenciar outros aspectos da vida e a se desinteressar por assuntos ou pessoas que antes lhe despertavam atenção, levando a uma diminuição da autoestima, o que se pode relacionar também "à perda do auto-respeito, sentimentos de vazio, de solidão e depressão" (p. 213).

O clínico, perante essa oscilação diagnóstica, geralmente se questiona: um é causa ou consequência do outro? Quem surgiu primeiro da vida do sujeito: a depressão ou a substância fantasmagoria? Remetemos, portanto, novamente à afirmação de Cromberg a respeito das causas dos sintomas, sendo essas muito mais ignoradas e obscuras, muitas vezes camufladas por esses sintomas então observáveis. Ressalva seja feita, a mudança do diagnóstico não sugere que um transtorno deixou de existir ou que houve de fato a mudança de um para o outro, mas que, no contexto atual, este ou aquele é mais emergente.

Ainda em relação às Toxicomanias, como o uso de substâncias psicoativas (fumo, álcool, cocaína, maconha, dentre outros), observou-se que, no geral, homens e mulheres utilizam drogas igualmente, desmitificando a tese de que homens utilizam mais drogas do que as mulheres. De fato, o uso do tabaco (F17), por exemplo, foi mais exclusivo nelas.

 

Considerações Finais

Salienta-se que os resultados e as análises deste estudo não esgotam as discussões a respeito do tema - o qual é bastante rico e complexo - tanto no que diz respeito às reflexões em Saúde Mental no geral, como às reflexões e às práticas da Unidade de Atenção Psicossocial em questão. Nada mais é do que o início para se ilustrar e se pensar em tal temática que ainda é pouco discutida e publicada. Justifica-se, portanto, a importância de novas pesquisas para comparação de dados e inclusão de outros além do sexo, idade e psicopatologia, como, por exemplo, a escolaridade, os encaminhamentos, e outros dados relativos a região (zona rural, zorna urbana), incluindo-se, assim, novos fatores e olhares, principalmente os socioculturais.

O atendimento da loucura em seu modelo atual, no sentido de observar, descrever e classificar detalhadamente os sinais e sintomas observáveis, pode produzir um material riquíssimo tanto para (re)avaliações e (re)construções para o âmbito da Saúde Mental quanto para as práticas psicossociais de cada Unidade. Afinal, são dados epidemiológicos, muitas vezes, desperdiçados por faltar oportunidades e interesse em dar-lhes a devida atenção e empenho. Cabe lembrar que OMS preconiza que, para melhorar a saúde mental, deve-se investir na produção de dados concretos sobre os serviços e recursos existentes; definir estratégia de avaliação contínua de toda nova atividade, tornando pesquisas como esta ferramentas supervaliosas para direcionar atitudes e atividades específicas correlacionadas a suas demandas locais, e possibilidades de implantar um sistema de informação mais sofisticado, reduzindo os prontuários de papel; fazer o fluxo de pacientes ser mais bem orientado e justificar compras de medicamentos em quantidades eficientes, pois os dados permitem uma estimativa desse perfil psicopatológico, além de intervenções direcionadas como grupos temáticos, atividades de prevenção nas escolas, oficinas terapêuticas, treinamentos dos profissionais, entre outros. Em suma, são dados que permitem adaptar e desenvolver uma gestão com qualidade, tornando possível pensar na implantação de políticas públicas em saúde mental, ampliando quantitativa e qualitativamente a clientela assistida.

Conforme as informações abordadas, percebe-se que as perturbações mentais, em geral, não são exclusivas deste ou daquele grupo especial, elas são verdadeiramente universais, estando presentes em homens e mulheres e em todas as fases da vida. Contudo, ao que tange a suas especificidades, pode-se perceber que existem grupos nos quais há a prevalência desta ou daquela perturbação em questão.

Nesse sentido, foi observado que as síndromes depressivas e ansiosas se mostraram mais presentes nas mulheres, principalmente nas idades médias, enquanto os transtornos mais severos, como esquizofrenias e retardos mentais, mostraram-se mais presentes nos homens, principalmente no início da idade adulta. Foi observado, por exemplo, que o fluxo de pacientes com transtornos neuróticos foi muito maior do que no dos com psicose, estes de competência do CAPS, indicando a necessidade de uma melhor articulação entre a atenção primária e a secundária, no que diz respeito à saúde mental.

Os dados aqui apresentados, quanto às prevalências, foram similares aos dados de pesquisa e estudos apresentados pela OMS. No entanto ressalta-se a importância de investigar mais a fundo essas prevalências, no que diz respeito aos sexos. Ficam, pois, os questionamentos: será que as mulheres são realmente as mais "afetadas" ou será que, culturalmente, elas são as que mais procuram ajuda?

Quanto aos transtornos que não tiveram dados significativos, como Transtorno mentais e comportamentais devido ao uso de álcool - síndrome de dependência (F10.22), por exemplo, é necessário se atentar que muitos pacientes podem não frequentar o Serviço, exigindo-se, assim, não somente uma melhor captação da população em questão, como também a utilização de ferramentas - CAGE e ASSIT, por exemplo - que nos auxiliem no diagnóstico do uso de álcool além de outras drogas.

Por fim, quanto à nosografia, cabe lembrar, como afirma Dalgalarrondo (2000) no clássico Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, que "a identificação de entidades nosológicas específicas não tem apenas um interesse científico ou acadêmico (valor teórico); ela geralmente viabiliza ou facilita o desenvolvimento de procedimentos terapêuticos e preventivos mais eficazes (valor pragmático)" (p. 21). E, quanto mais conceitualiza, aponta Karl Jaspers (1979, p. 23), "quanto mais reconhece e caracteriza o típico, o que se acha de acordo com os princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, oculta-se algo que não pode conhecer". Dito de outra forma, não se pode compreender ou explicar tudo que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos. Afinal, sempre restará algo que transcende à psicopatologia e/ou a ciência, sempre existirá a coisa em si.

 

Nota dos Autores

Os autores agradecem à Psicóloga e Secretária de Saúde de Jaguaré, Dayana Mara dos Santos Silva Bizi, o apoio e incentivo para realização desta pesquisa. Os autores, Iagor Brum Leitão e Marco Antonio Jonath Marbach agradecem, também, ao Coordenador do Serviço de Saúde Mental de Jaguaré, Prof. Dr. Dalton Demoner Figueiredo e ao Psiquiatra da Unidade, Karisten Soares Martins (produtores dos dados e também autores desta pesquisa) todas as orientações e os ensinamentos transmitidos.

 

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Iagor Brum Leitão
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Recebido: 05/11/2015
Última revisão: 13/05/2016
Aceite final: 30/09/2016

 

 

1 Em 1993, a Escola de Saúde Publica de Harvard, em colaboração com o Banco Mundial e a OMS, avaliou a Carga Global de Doença (CGD). A OMS empreendeu uma nova avaliação da Carga Global de Doença para o ano 2000, a CGD 2000, publicados em 2002.

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