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Psicologia Ensino & Formação

versión impresa ISSN 2177-2061versión On-line ISSN 2179-5800

Psicol. Ensino & Form. vol.8 no.2 São Paulo jul./dic. 2017

https://doi.org/10.21826/2179-5800201781313 

Artigo

Competências na Avaliação Psicológica de Graduandos em Psicologia: Análise do Ensino e Experiência em Estágios

Psychological Assessment Competences of Undergraduate Students in Psychology: Analysis of Teaching and Internship Practice

Competencias en la Evaluación Psicológica de los Estudiantes de Psicología: Análisis de la Enseñanza y Experiencia en Pasantías

 

 

Rodolfo Augusto Matteo AmbielI, Leonardo de Oliveira BarrosII, Helder Henrique Viana BatistaIII

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, Campinas, São Paulo, Brasil.

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Resumo

Este trabalho teve por objetivo analisar competências para a realização de Avaliação Psicológica (AP) de alunos concluintes do curso de Psicologia, e verificar aspectos formativos, como quais os instrumentos mais ensinados e utilizados durante os estágios e a quantidade de disciplinas ao longo da graduação. Participaram 100 estudantes do nono (19%) e décimo semestres (81%), com maior concentração da região Sudeste (42%) e de universidades particulares (87%). Utilizaram-se um questionário sociodemográfico, o Questionário de Competências para Avaliação Psicológica (QCAP) e quatro questões de conhecimentos em AP. Os resultados indicaram que os alunos têm em média três disciplinas de AP ao longo da formação e que falta conhecimento teórico sobre os instrumentos psicológicos e técnicas complementares do processo avaliativo. Além disso, pôde-se constatar que as maiores dificuldades sobre o domínio para uso dos instrumentos foram relativas aos conhecimentos psicométricos e estatísticos, que subsidiam os testes psicológicos.

Palavras-chave: formação do psicólogo; ensino de psicologia; testes psicológicos; avaliação psicológica.


Abstract

The goal of this study was to analyze competences for the Psychological Assessment (PA) of senior students of Psychology, as well as to assess instructive aspects such as which tools were more frequently taught and used during the internship, and the number of courses during the major. The study included 100 participants from the 9th (19%) and 10th semester (81%), with a higher concentration from the Southeast region (42%) and from private universities (87%). A sociodemographic survey was used, as well as the Competences Survey for Psychological Assessment (QCAP) and four knowledge questions on Psychological Assessment. Results indicated that in average the students have three courses of PA throughout the major. There is also a lack of theoretical knowledge about the psychological tools and complementary techniques of the assessment process. In addition, the greatest difficulties in the ability in using the tools were related to psychometric and statistical knowledge that supports psychological tests.

Keywords: psychologists’ education; teaching psychology; psychological tests; psychological assessment.


Resumen

Este trabajo tuvo por objetivo analizar competencias para la realización de la Evaluación Psicológica (AP) de alumnos concluyentes del curso de Psicología, además de verificar aspectos formativos, como qué instrumentos fueron más enseñados y utilizados durante las etapas e cuál fue el número de disciplinas a lo largo de la graduación. Participaron 100 estudiantes del 9º (19%) y 10º semestre (81%), con mayor concentración de la región sudeste (42%) y de universidades particulares (87%). Se utilizó un cuestionario sociodemográfico, el Cuestionario de Competencias para Evaluación Psicológica (QCAP) y cuatro preguntas de conocimientos en Evaluación Psicológica. Los resultados indicaron que, en media, los alumnos tienen tres disciplinas de AP durante su formación. Hay también una falta de conocimiento teórico sobre los instrumentos psicológicos y las técnicas complementarias del proceso de evaluación. Además, las principales dificultades en el uso de los instrumentos eran los conocimientos psicométricos y estadísticos que subsidian las pruebas psicológicas.

Palabras-clave: formación del psicólogo; enseñanza de psicología; pruebas psicológicas; evaluación psicológica.


A realização de AP e uso de instrumentos psicológicos é a única função privativa dos psicólogos, como determina a Lei nº 4.119 de 1962, que regulamenta os cursos de formação em Psicologia e a profissão de psicólogo (Brasil, 1962). Há mais de uma década, discute-se sobre como utilizar os instrumentais de forma ética, com normativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2003) e com orientações do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica – IBAP (Noronha et al., 2002, Noronha & Reppold, 2010). Além dessas entidades técnicas, demais pesquisadores da área apontam para a importância da formação adequada, que capacite o profissional de Psicologia para realizar este procedimento ( Borsa, 2016; Noronha, 2002; Noronha, 2006; Noronha, Carvalho, Miguel, Souza, & Santos, 2010; Nunes, Muniz, Reppold, Faiad, Bueno, & Noronha, 2012; Primi, 2010).

Especificamente sobre o ensino e a formação em AP, é importante ressaltar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia (Conselho Nacional de Educação, 2011) não fazem menção direta à qualificação neste procedimento. No entanto, o documento afirma que, entre as formações mínimas, o graduando deve ser capacitado em relação aos fundamentos teóricos e metodológicos assegurando uma visão abrangente dos diferentes métodos científicos em Psicologia. Orienta também acerca da capacidade de dominar os procedimentos para a investigação científica e a prática profissional, incluindo o domínio de instrumentos e estratégias de avaliação, com destaque para as competências na seleção de instrumentais coerentes com o objetivo, contexto e intervenção a ser realizada.

A partir da iniciativa do IBAP, foram elaboradas diretrizes específicas para o ensino de AP (Nunes et al., 2012), reforçando a importância da formação visando à utilização deste procedimento, que pode estar presente em todas as áreas de atuação dos profissionais psicólogos. O documento elenca competências que deveriam ser desenvolvidas ao longo da formação, tais como conhecimentos sobre técnicas, instrumentos e os respectivos suportes teóricos e metodológicos; conhecimento sobre legislações vigentes; elaboração de documentos decorrentes dos processos avaliativos, entre outros. Sugere, ainda, a organização do ensino com propostas de conteúdos programáticos, que vão desde o contato básico com histórico da AP e conceitos psicométricos, passando pela avaliação em diferentes contextos, públicos e construtos, e terminando com o estágio supervisionado para a prática das competências na área.

Apesar dos esforços de entidades profissionais e dos pesquisadores em refletir e propor referenciais para uma formação qualificada, verifica-se que a área ainda carece de profissionais qualificados, acarretando em inúmeros problemas éticos decorrentes do mau uso dos testes psicológicos e da condução inadequada de processos de avaliação (Borsa, 2016). Essa constatação tem sido recorrente nas investigações realizadas na área; foi possível identificar dificuldades no uso dos instrumentos, na articulação entre teoria e prática, e formação deficitária tanto de profissionais (Noronha, 2002; Padilha, Noronha,&Fagan, 2007) quanto de estudantes da graduação (Noronha et al., 2002; Noronha, Nunes, & Ambiel, 2007; Paula, Pereira,& Nascimento, 2007; Silva, Brito, Carzola, & Vendramini, 2002).

Com o objetivo de avaliar competências e atribuições de importância para aspectos da AP, Noronha, Nunes, Ambiel, e Barros (2007) desenvolveram o Questionário de Competências para Avaliação Psicológica (QCAP), com base nas especificações do Tests Users Qualification da American Psychological Association (APA, 2000). Estudos de estrutura e consistência interna foram realizados e evidenciaram melhor solução fatorial com dois fatores gerais: Importância (α=0,87) e Domínio (α=0,93) com três dimensões em cada fator (Rueda, Noronha, Raad, & Varandas, 2009).

Utilizando o QCAP, Noronha et al. (2007) conduziram um estudo com 112 estudantes de Psicologia de 11 estados brasileiros, dos cinco anos do curso de graduação. Os resultados indicaram que os participantes atribuíram maior importância para princípios éticos, comunicação dos resultados, conhecimento de psicopatologias e uso e interpretação dos testes. As menores médias foram encontradas para a importância atribuída às noções de Estatística e ao conhecimento de uma ampla gama de testes. Na avaliação dos domínios, as maiores médias foram encontradas em princípios éticos, capacidade de ler manuais na íntegra, identificação das condições adequadas à testagem e interpretação de tabelas de manuais. Os domínios com menores médias foram os relacionados à psicopatologia, elaborar pareceres, ter noções de construção de instrumentos e conhecimentos dos construtos.

Com objetivo semelhante, Noronha, Rueda, Barros, e Raad (2009) realizaram um estudo utilizando o QCAP com 257 universitários de Psicologia do estado de Sergipe, distribuídos entre todos os anos de formação. Como resultado, foi possível verificar que alunos de primeiro ano obtiveram menores médias nos dois fatores gerais, atribuindo menor importância e domínio quando comparados com aqueles que já tiveram contato com a AP em alguma disciplina. Os autores constataram que quanto mais próximo do final do curso, maiores são as pontuações nos aspectos de domínio para uso de AP.

O maior domínio das competências dos concluintes pode estar relacionado não apenas ao contato com as matérias teóricas, como também à experiência prática que ocorre por meio dos estágios, que compõem as grades curriculares. Especificamente sobre a prática da AP durante a graduação, o documento elaborado pelo IBAP (Nunes et al., 2012) sugere a finalização do ensino da temática com a realização de um estágio supervisionado com foco em treinar as competências necessárias nos diversos contextos em que a AP pode ocorrer. Embora haja a discussão da importância dos estágios para a formação do profissional, por permitir integrar conceitos teóricos com experiências práticas (Borsa, 2016), carência de discussões na literatura, mais precisamente ao pensar sua ligação com os cursos de Psicologia (Cury & Neto, 2014).

Assim, entendendo que os estágios têm como escopo integrar práticas com o objetivo de desenvolver habilidades e competências em situações variadas e complexas, de modo a representar o exercício profissional (Ministério da Educação [MEC], 2011), este pode constituir-se como um espaço adequado para o desenvolvimento de domínios para utilização da Avaliação Psicológica. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo geral verificar domínios e competências para realização de AP de alunos concluintes do curso de Psicologia, bem como analisar quais instrumentos são mais ensinados e quais efetivamente são utilizados durante os estágios realizados. Pretendeu-se, ainda, verificar como a formação em AP tem ocorrido, considerando a quantidade de disciplinas sobre a temática ao longo da graduação e em que momento do curso fizeram a primeira disciplina.

Método

Participantes

Participaram do estudo 100 estudantes das cinco regiões do Brasil, concluintes do curso de Psicologia, sendo 81% do décimo semestre e 19% do nono semestre. A faixa etária variou entre 21 e 63 anos (M= 27,97; DP= 9,86), 85% da amostra se declarou do gênero feminino, 13% declarou do gênero masculino, e 2% de outros gêneros não especificados. Quanto à região onde estudavam, 42% era da região Sudeste, 24% da região Sul, 9% do Centro-Oeste, 9% do Nordeste, e 3% da região Norte do Brasil. Sobre o tipo de instituição de ensino, 87% estudavam em universidades particulares, 7% em universidades públicas, e 6% em universidades comunitárias.

Instrumentos

Questionário de identificação: elaborado com o intuito de identificar as características sociodemográficas dos participantes, como idade, gênero, semestre em que se encontravam, estado e tipo de universidade. Além disso, foram identificados aspectos relacionados à AP: semestre da primeira disciplina e quantidade de disciplinas de AP durante a graduação, instrumentos (ou testes) aprendidos, e quais instrumentos (ou testes) foram utilizados nos estágios.

QCAP (Noronha et al., 2007): elaborado com base nas diretrizes do Tests Users Qualification (APA, 2000) e em aspectos relacionados ao contexto brasileiro de ensino de AP, o QCAP possui 40 itens, dos quais o participante analisa 20 aspectos referentes à AP indicando a “Importância” da atividade e o “Domínio” que possui para realizá-la. Os itens são apresentados duas vezes: uma para “Domínio” e outra para “Importância”, além de serem respondidos por meio de uma escala tipo Likert de três pontos (“nada” a “muito importante” e “nenhum” a “muito domínio”).

Os estudos psicométricos indicaram, por meio da análise fatorial, a existência de três fatores tanto para Domínio quanto para Importância. Os três fatores explicaram 57,99% de variância para Domínio, e 44,89% para Importância. Os fatores de Importância foram denominados aplicação da AP (13 itens), correção e interpretação dos testes psicológicos (4 itens) e construção de testes psicológicos (3 itens). Por sua vez, para Domínio os fatores foram nomeados de aplicação da AP (10 itens), construção de testes psicológicos (8 itens) e utilização de um teste em AP (7 itens). Cabe ressaltar que um item do fator aplicação da AP do Domínio foi retirado (“Ter experiência supervisionada em avaliação”), pois indicava um domínio que não se aplicava a estudantes, mas a profissionais. Os índices de precisão do questionário indicaram alfas de Cronbach que variaram entre 0,62 e 0,93 (Rueda et al., 2009).

Questões de conhecimento em AP: questões em formato de múltipla escolha, desenvolvidas pelos autores do presente estudo para avaliar o conhecimento dos respondentes sobre conhecimentos em conceitos práticos e teóricos em AP por meio da leitura de quatro estudos de caso. A questão 1 visava identificar competências para elaboração de uma bateria de testagem a partir de uma situação fictícia da atuação de um profissional sobre a escolha de instrumentos para avaliar uma hipótese diagnóstica de depressão. A questão 2 tratava sobre o documento que uma psicóloga do trânsito deveria fornecer para o cliente, mediante solicitação de algo que comprovasse sua presença para justificar a ausência no trabalho. A questão 3 demandava que os respondentes interpretassem uma tabela de normatização para identificar percentil adequado a partir da informação de escore bruto. Por fim, a questão 4 demandava que os respondentes interpretassem o significado de uma pessoa ser classificada em um percentil 70. Para cada questão havia apenas uma resposta correta dentre as quatro opções possíveis, sendo que o escore total de acertos poderia variar entre 0 e 4 pontos.

Procedimentos

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (CAAE: 65229817.6.0000.5514), a pesquisa foi elaborada em um protocolo do Google Forms e divulgada em redes sociais online, bem como enviada para e-mails de coordenadores de cursos de Psicologia, solicitando que encaminhassem para alunos do nono e décimo semestres. O período de coleta ocorreu entre outubro e novembro de 2017. Para participação na pesquisa, os respondentes deveriam inicialmente concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e posteriormente obtinham acesso ao questionário de identificação, o QCAP e os estudos de caso.

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio do software Statistic Package for Social Sciences (SPSS), versão 21. Foram empregadas estatísticas descritivas para a caracterização da amostra, frequências de respostas dos instrumentos aprendidos e utilizados, quantidade de disciplinas e primeiro contato com a AP, bem como o cálculo de médias e desvios padrão dos participantes no QCAP. Utilizaram-se estatísticas inferenciais como teste t de Student para comparação entre os semestres, correlação de Pearson entre os casos elaborados, e os fatores da QCAP e alfa de Cronbach para verificar a precisão do QCAP na amostra participante deste estudo.

Resultados

Considerando os objetivos deste estudo, inicialmente buscou-se caracterizar o perfil de ensino de AP utilizando-se de estatísticas descritivas. A primeira análise visou identificar quantas disciplinas sobre a temática os alunos tiveram ao longo da formação e em qual semestre foi ministrada a primeira disciplina relativa à AP. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

 

Tabela 1

Quantidade de disciplinas e semestre da primeira disciplina relacionada à avaliação psicológica

 

 

Os resultados indicaram que os graduandos tiveram em média 2,9 disciplinas focadas em AP (DP=0,97), com maior concentração de respondentes para os que tiverem três disciplinas ao longo da graduação. Ao analisar o semestre de início do ensino em AP, percebe-se que apenas não foram encontradas disciplinas no primeiro e no décimo semestre, e que a maior frequência foi para o terceiro semestre, seguido do quarto e quinto semestres. Na sequência, buscou-se identificar os testes aprendidos durante a formação e os utilizados efetivamente nos estágios profissionais.

Em relação aos testes aprendidos no decorrer da formação, foram relatados 108 instrumentos. Desse modo, adotou-se como critério para apresentação dos resultados aqueles com frequência igual ou maior que 10. Para os testes efetivamente utilizados durante os estágios, os participantes mencionaram 89 instrumentos, e para exibição dos resultados adotou-se o mesmo critério de frequência igual ou maior que 10. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2

Testes aprendidos durante a graduação e testes utilizados nos estágios

 

 

Em relação aos testes aprendidos ao longo da graduação, em geral os alunos tiveram mais contato com instrumentos de avaliação de personalidade, inteligência e atenção, bem como com instrumentos psicométricos e projetivos. Os instrumentos mais utilizados na prática durante os estágios correspondem aos três mais ensinados no decorrer dos cursos. Cabe ressaltar que, apesar de a pergunta ter sido direcionada a testes psicológicos, os respondentes citaram técnicas e outros procedimentos como relativos a instrumentos de medida, tais como observação, escuta, recursos lúdicos, triagem, entre outros. Tal fato ocorreu tanto para os testes aprendidos quanto para os testes utilizados; ao se verificar o uso nos estágios, estes procedimentos, que não são efetivamente instrumentos de medida, apareceram com maior frequência, como o caso da observação e entrevista não padronizada.

Quanto aos resultados dos participantes nas questões de conhecimento desenvolvidos para o presente estudo, as questões 2 e 3, referentes à elaboração de documentos e à interpretação de resultados de testes psicológicos respectivamente, foram as que a maioria dos participantes acertou (81% cada), seguidos da questão 1 (72% de acertos) referente ao planejamento de um processo de AP e da questão 4 (59% de acertos), que também se referia à interpretação de resultados de testes psicológicos com foco nos conceitos estatísticos. No que diz respeito à pontuação total das questões, todos os participantes responderam pelo menos um desses corretamente, sendo que 41% (n= 41) acertaram três casos, 28% (n= 28) acertaram todos os casos, 27% (n= 27) responderam corretamente dois casos, e 4% (n= 4) dos participantes responderam apenas um caso corretamente.

Na sequência, foram analisadas as respostas do QCAP, sendo que as médias dos participantes em cada item estão dispostas na Tabela 3. Em relação à importância que os estudantes atribuem aos aspectos da AP, destacam-se os itens de parecer psicológico, princípios éticos e comunicar resultados, pois apresentaram as maiores médias. Quanto ao domínio que os estudantes possuem dos aspectos avaliativos, as maiores médias foram nos itens relacionados à comunicação de resultados, princípios éticos e condições adequadas para a testagem. Tanto em Domínio como em Importância dos aspectos da AP, as menores médias foram encontradas nos itens relacionados ao conhecimento de uma ampla gama de testes, construção de instrumentos e noções de Estatística.

 

Tabela 3

Médias das questões do QCAP para Importância e Domínio

 

 

Considerando as respostas do QCAP e do escore geral nas questões de conhecimento, foram realizadas comparações entre os participantes quanto ao semestre que cursavam por meio do teste t de Student. Encontrou-se diferença estatisticamente significativa somente para a questão 2 relativa, à elaboração de documentos psicológicos (t[98]= 1,704; p=0,019), sendo que os participantes do nono semestre (M=0,95) apresentaram maiores médias que os alunos do décimo semestre (M= 0,78). Por fim, a relação entre as questões que avaliavam aspectos da AP e o QCAP foi investigada por meio da correlação de Pearson. Os resultados indicaram a existência de 22 correlações significativas, todas positivas, com magnitudes que variaram de 0,21 a 0,94. Os dados são apresentados na Tabela 4.

 

Tabela 4

Correlações entre os casos em avaliação e o QCAP – médias, desvios padrão e precisão da QCAP

 

 

* p <0,05; ** correlação significativa a nível de p <0,01; 1- Caso 1; 2- Caso 2; 3- Caso 3; 4- Caso 4; 5- Pontuação Total Casos; 6- Aplicação da Avaliação Psicológica (Importância); 7- Correção e Interpretação de Testes  (Importância); 8- Construção de Testes (Importância); 9- Importância Total; 10- Aplicação da Avaliação Psicológica (Domínio); 11- Construção de Testes  (Domínio); 12- Utilização de um Teste  em Avaliação Psicológica (Domínio); 13- Domínio Total.

 

Conforme apresentado na Tabela 4, o caso 3, referente à interpretação de resultados de testes psicológicos, apresentou correlações significativas com o fator de Importância “Aplicação da AP” (r=0,28) e com a Escala Total de Importância (r=0,24). O fator Construção de Testes (Importância) apresentou correlações significativas com dois fatores de Domínio e a Escala Total de Domínio (r entre 0,21 e 0,27) e com dois fatores de Importância e a Escala Total de Importância (r entre 0,84 e 0,89). Quanto à precisão do QCAP, os níveis variaram de 0,43 a 0,93. No fator Importância, a precisão teve alfa de Cronbach de 0,80, e no fator Domínio o alfa encontrado foi de 0,93.

Discussão

Tendo em vista que o período formativo de um graduando em Psicologia e o impacto de tal formação em sua capacidade de utilizar os recursos próprios de um processo avaliativo, o presente estudo teve por objetivo avaliar as competências para a realização de AP de graduandos concluintes, de forma que fossem identificados quais os instrumentos mais ensinados e utilizados. Ainda, pretendeu-se identificar quantas disciplinas sobre a temática os participantes tiveram ao longo da graduação e em que semestre do curso foi a primeira disciplina.

Em relação à quantidade de disciplinas de AP ao longo da formação, identificou-se que 73% dos participantes tiveram no máximo três disciplinas voltadas para a temática. Apesar das discussões feitas há mais de uma década (Noronha, 2002; Padilha et al., 2007) e das recomendações de diretrizes curriculares por parte do IBAP (Nunes et al., 2012), parece que o ensino de AP ainda está focado para elementos básicos e generalistas, com uma quantidade mínima de disciplinas na grade curricular, tal como verificado por outros autores (Freires, Silva-Filho, Monteiro, Loureto,& Gouveia, 2017; Paula et al., 2007). Nesse sentido, ao considerar que esta é a única área privativa da profissão, seria de fundamental importância que o investimento na formação ocorresse de forma mais ampla ao longo de todo o curso, capacitando os alunos para seleção e uso ético dos instrumentos psicológicos.

A ausência de formação adequada fica evidente ao investigar os testes utilizados efetivamente durante os estágios. Destaca-se a confusão técnica acerca dos instrumentos padronizados e técnicas complementares dos processos avaliativos, tais como observação, entrevista e abordagens teóricas e suas respectivas técnicas, citadas como instrumentos de medida. Resultados semelhantes, sobre a falta de conhecimento para diferenciação de instrumentos de medida, técnicas e abordagens, foram encontrados por Mendes, Nakano, Silva, e Sampaio (2015), reforçando a necessidade de investimentos na formação teórica, técnica e metodológica na área.

Quanto às questões de conhecimento desenvolvidas para o presente estudo, os resultados são coerentes com as médias do QCAP, tendo em vista que a maior parte dos acertos foram nos casos de elaboração de documentos e interpretação de resultados de testes psicológicos, itens que apresentaram médias altas no QCAP (parecer e tabelas dos manuais). Os resultados encontrados nos itens do QCAP corroboram outros estudos com o instrumento em relação aos fatores Importância e Domínio (Noronha et al., 2007). Os participantes consideraram importante saber comunicar resultados decorrentes da AP e agir de acordo com os princípios éticos; porém, consideram menos importante conhecer uma ampla gama de testes e ter noções a respeito de Estatística. Sobre este último aspecto, Silva et al. (2002) identificaram que alunos de graduação em Psicologia podem apresentar uma aversão a conteúdos ligados à Estatística e à Matemática, sendo necessário ensinar tais conteúdos de forma que os alunos se interessem, considerando a importância desses conteúdos para a formação.

Em relação às comparações entre semestres, apenas a questão 2 indicou diferença estatisticamente significativa, revelando maior conhecimento dos alunos do nono semestre em relação à elaboração de documentos adequados, quando comparados aos do décimo semestre. Os resultados divergem do que foi encontrado na literatura (Noronha et al., 2009), uma vez que os alunos concluintes tendem a possuir maior domínio dos conteúdos da graduação do que aqueles que estão em outros momentos do curso. Ainda, há de se considerar que as diferenças entre os participantes no presente estudo, quanto ao momento da graduação em que se encontravam, foi de apenas um semestre, o que pode indicar que estão quase no mesmo momento do curso, e talvez explique o motivo de não terem sido encontradas tantas diferenças. Todavia, é importante que discussões éticas ocorram ao longo de toda a formação, uma vez que as falhas quanto aos testes aplicados e à elaboração de documentos psicológicos são frequentemente as maiores causas de infrações éticas cometidas por psicólogos (Noronha & Reppold, 2010)

As correlações encontradas entre o caso 3 e os fatores de Importância, sobretudo a Escala Total, foram baixas, possivelmente por ainda existir a necessidade de articular a teoria e a prática no ensino de AP (Noronha et al., 2007; Paula et al., 2007), de forma que muitas vezes os estudantes não conseguem compreender a importância de absorver conteúdos relacionados à Estatística, nem como tais conteúdos podem ser utilizados na prática em diversos contextos (Silva et al., 2002). Destaca-se que as correlações encontradas entre Construção de Testes (Importância) com os fatores de Importância foram altas; entretanto, as correlações do mesmo fator com Domínio foram baixas, o que pode indicar que os participantes consideram importante compreender como se constroem os testes psicológicos, mas não se sentem aptos para realizar aplicações de processos avaliativos por meio do conteúdo aprendido nessa temática, fato que pode levar os futuros profissionais a escolherem instrumentos psicológicos somente por gostos pessoais ou por conhecer minimamente um teste (Noronha et al., 2007). No que diz respeito à precisão do QCAP, os resultados encontrados no presente estudo para Importância e Domínio são semelhantes aos níveis de precisão encontrados por Rueda et al. (2009), indicando que os níveis são muito bons.
O presente estudo permite avançar nas discussões sobre a formação em Psicologia com foco nas competências para o uso dos instrumentos de AP. Cabe ressaltar o distanciamento entre o que é aprendido e sua utilização prática durante os estágios, sugerindo que o momento de treino das habilidades e competências não se constituído como um espaço para aprimoramento e uso dos instrumentos de AP. Sugere-se que pesquisas futuras sejam realizadas considerando variáveis ainda mais específicas da área, como os conceitos psicométricos e estatísticos, bem como uma amostra mais diversificada em termos regionais e com comparações com profissionais atuantes. De modo geral, é necessário que as competências teóricas e práticas em AP sejam desenvolvidas durante a formação de Psicologia, e que após a conclusão da graduação os alunos sejam incentivados a procurar formação especializada para uso dos instrumentos.

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Submissão: 20/10/2017

Aceite: 28/11/2018


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