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Saúde & Transformação Social
versión On-line ISSN 2178-7085
Saúde Transform. Soc. vol.3 no.1 Florianopolis ene. 2012
METASSÍNTESES QUALITATIVAS E REVISÕES INTEGRATIVAS
Avaliação da Atenção em Saúde Bucal no Brasil: uma revisão da literatura
Evaluation in Oral Health Care in Brazil: a review of the literature
Claudia Flemming Colussi*; Maria Cristina Marino Calvo**
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) - Brasil
RESUMO
A avaliação dos serviços de saúde pode ser considerada como um meio de promover a melhoria contínua da atenção, propiciando ao usuário um atendimento de qualidade. A avaliação da atenção em saúde bucal tem Chaves (1986) como um dos pioneiros a conceituar, classificar e propor sua aplicação no Brasil. Desde então, poucas iniciativas foram realizadas nesse âmbito, ainda sendo escassos os estudos referentes ao tema. Desse modo, o objetivo desse estudo foi revisar a literatura sobre a avaliação da atenção odontológica em serviços de saúde no Brasil, identificando-se os aspectos que tem sido avaliados, de forma a caracterizar a avaliação da atenção em saúde bucal no país. Encontrou-se grande diversidade metodológica, sendo os trabalhos provenientes de pesquisas acadêmicas, desvinculadas do serviço, com resultados muitas vezes desprovidos de juízo de valor referente ao objeto "avaliado". Ressalta-se a necessidade da realização de tais pesquisas com maior rigor metodológico e com maior vinculação aos serviços, para que seus resultados contribuam para a melhoria da qualidade dos mesmos no país.
Palavras-chave: Avaliação em Saúde; Estudos de Avaliação; Avaliação de Serviços de Saúde.
ABSTRACT
Health services evaluation can be considered as a means to promote continuous improvement of care, providing the user a quality service. Evaluation in oral health care has Chaves (1986) as one of the first to conceptualize, classify, and propose its application in Brazil. Since then, few initiatives were taken in that context, and there is still lack of studies in this area. The aim of this study was to review the literature on the evaluation of dental care in health services in Brazil, identifying the aspects that have been assessed. It was found great methodological diversity, most studies coming from academic research unrelated to the service, often devoid of value judgments for the "evaluated" object. The article highlights the necessity of conducting such studies with greater methodological accuracy and greater linkage to health services, so that their results can better contribute to the improvement of its quality in the country.
Keywords: Health Evaluation; Evaluation Studies; Health Services Evaluation.
1. Introdução
As discussões teóricas no campo da avaliação em saúde no Brasil têm mostrado que não há definição clara dos conceitos da área, resultando numa diversidade terminológica que, assim como indica a riqueza desse campo, gera dificuldades à comunicação sobre o tema1. De acordo com Felisberto2, sob o rótulo de "avaliação" reúnem-se diversas atividades, desde um julgamento subjetivo de determinada prática social, até a chamada pesquisa avaliativa, que busca responder a perguntas semelhantes recorrendo a métodos e técnicas possuidoras de maior objetividade.
Em âmbito nacional, os principais instrumentos de acompanhamento e avaliação da atenção básica são o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o Pacto de Indicadores da Atenção Básica. Além destes, a proposta institucional de auto-avaliação das equipes de saúde da família através da AMQ – Avaliação para Melhoria da Qualidade da EstratégiaSaúde da Família3 - também integra um conjunto de ações que visam a institucionalização da avalição no país, com o objetivo de incorporar a avaliação à prática de gestão e articulá-la com os processos de programação2.
Em se tratando da avaliação da atenção em saúde bucal, Chaves4 foi um dos pioneiros a conceituar, classificar e propor sua aplicação no Brasil. Ele propôs a avaliação em seis diferentes níveis, com diferentes graus de importância, que são avaliação do esforço, da eficácia, de eficiência, da propriedade, da adequação e da qualidade. A avaliação de esforço seria o nível mais elementar, medindo a quantidade de inputs utilizados por um programa odontológico, ou seja, recursos humanos, materiais e financeiros alocados ao programa; a avaliação da eficácia mede a extensão na qual objetivos predeterminados são efetivamente atingidos; a avaliação da eficiência é medida através das variáveis tempo, custo e trabalho realizado; a avaliação da conveniência está relacionada a importância de problemas específicos selecionados para a programação e à ênfase relativa ou à prioridade alocada a cada um; a avaliação da adequação mede a extensão na qual o problema total, motivo das atividades do programa, foi solucionado, e por fim, a avaliação da qualidade seria o nível de maior importância em programas odontológicos, e consiste em utilizar experts para examinar, direta ou indiretamente, os trabalhos realmente executados e contrastá-los com padrões de desempenho aceitáveis. Pode ter três abordagens de operacionalização: análise dos registros clínicos (auditoria), observação direta de um profissional por um colega bem qualificado, e estudos de comportamentos e opiniões.
Desde então, poucas iniciativas foram realizadas nesse âmbito, ainda sendo escassos os estudos na literatura referentes à avaliação da atenção em saúde bucal. A tímida participação dos indicadores de saúde bucal no rol de indicadores do Pacto denota essa incipiente ou quase inexistente utilização da avaliação no planejamento e programação das ações no país, de modo que nem foram incluídos na Portaria no 2.669 de 3 de novembro de 20095 que estabelece os indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto para o biênio 2010-2011.
2. Objetivo
O objetivo desse estudo foi revisar a literatura sobre a avaliação da atenção odontológica em serviços de saúde no Brasil, identificando-se os aspectos que tem sido avaliados, a forma como esse processo vem sendo conduzido, de forma a caracterizar a avaliação da atenção em saúde bucal no país.
3. Percurso metodológico
Para identificar os estudos publicados e indexados sobre a avaliação da atenção odontológica, foram pesquisadas as bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BBO, Lilacs e Medline) e Scielo, no mês de outubro de 2009. Foram utilizados os descritores de assunto "avaliação", "avaliação de desempenho", "avaliação da qualidade dos cuidados em saúde", "qualidade da assistência à saúde", "avaliação dos serviços", "indicadores de qualidade", sempre associados à palavra "odontologia" ou "saúde bucal", sem restrição de data de publicação. No mês de junho de 2010 as mesmas bases de dados foram consultadas para identificar se havia alguma publicação mais recente, não incluída na primeira busca. Além disso, trabalhos relevantes citados nas bibliografias dos textos selecionados também foram incluídos na análise.
Dos estudos encontrados, foram selecionados apenas os artigos em língua portuguesa. A seleção daqueles que fariam parte da análise foi realizada em três etapas. Na etapa inicial, foram analisados todos os resumos para identificar os estudos de avaliação propriamente ditos. Foram considerados estudos de avaliação aqueles que apresentavam a palavra "avaliação" no título do trabalho, nas palavras-chave, ou aqueles que utilizaram o verbo "avaliar" nos objetivos ou metodologia do trabalho. Na etapa seguinte, os trabalhos foram classificados conforme a natureza do objeto avaliado, sendo agrupados em três categorias: artigos de avaliação clínica, estudos de avaliação voltados ao ensino ou relacionados ao serviço prestado nas faculdades de odontologia, e estudos de avaliação do serviço ou assistência em saúde bucal fora do âmbito acadêmico. Na terceira e última etapa, foram analisados na íntegra os trabalhos que tratavam da avaliação do serviço ou da assistência em saúde bucal.
Após a seleção e análise, procedeu-se a sistematização dos seguintes aspectos dos trabalhos, que serviram como base para discussão dos resultados dessa revisão de literatura: objeto de avaliação; abordagem e natureza dos dados; unidades de análise; atores envolvidos, procedência dos avaliadores; critérios, indicadores e parâmetros utilizados; juízo de valor emitido; conclusões dos autores diante dos resultados da avaliação.
4. Resultados
Foram encontrados 89 trabalhos a partir dos descritores de assunto utilizados, dos quais 62 foram considerados estudos de avaliação, conforme os critérios especificados na metodologia. Destes, 62 estudos, 28 foram classificados como estudos de avaliação clínica, 11 como estudos de avaliação voltados ao ensino ou relacionados ao serviço prestado nas faculdades de odontologia, e 23 como estudos de avaliação do serviço ou da assistência em saúde bucal, que foram objeto dessa revisão bibliográfica.
No quadro 1 encontra-se uma relação dos estudos selecionados para análise nesta revisão, com informações sobre a autoria, ano, natureza da publicação, objeto de avaliação, abordagem e natureza dos dados.
Quadro 1 – Estudos de avaliação do serviço ou da assistência em saúde bucal.
4.1 - Quanto ao objeto de avaliação
Os objetos da avaliação em saúde são diversos, desde um procedimento específico até um sistema de saúde, cada um com diferentes características, objetivos e estratégias, exigindo diferentes processos de avaliação.
Observa-se que a maioria dos objetos de avaliação encontra-se no contexto da atenção básica, sendo alguns especificamente relacionados à implantação, inserção, ou incorporação da saúde bucal na Estratégia Saúde da Família10,11,17-21. As avaliações sob a ótica do usuário foram utilizadas em oito estudos8,13,14,16,17,20,21,27. A qualidade da atenção à saúde bucal foi o enfoque de quatro trabalhos6,7,11,24, e três enfocaram o acesso (ou acessibilidade) aos serviços8,15,16. Quatro estudos tiveram enfoque na atenção especializada em saúde bucal, avaliando aspectos relativos aos Centros de Especialidades Odontológicas12,13,25,28.
4.2 - Quanto à abordagem e natureza dos dados
As pesquisas de avaliação podem adotar metodologias qualitativas e/ou quantitativas. A utilização de uma ou outra abordagem depende do objeto a ser avaliado, sendo que a combinação das duas abordagens vem sendo reconhecida como a maneira mais adequada de avaliar objetos mais amplos29.
Mais da metade dos 23 estudos utilizou predominantemente a abordagem quantitativa na análise dos resultados, dos quais apenas 2 realizaram suas avaliações somente a partir de dados secundários, obtidos no IBGE (PNAD/98)15 e nos bancos de dados da Polícia Militar da Bahia23.
Na tabela 1 encontra-se a distribuição de estudos de acordo com a abordagem e o tipo de dados utilizado para análise.
Tabela 1 – Distribuição de estudos segundo abordagem e tipo de dados utilizados.
4.3 - Quanto às unidades de análise
Unidades de análise são os objetos ou eventos aos quais as pesquisas se referem, o que ou quem será descrito, analisado ou comparado.
Nos 4 estudos em que a unidade de análise era o serviço de saúde bucal municipal, foram avaliados 21 municípios de Santa Catarina24, 19 municípios do Rio Grande do Norte18, 9 municípios de Pernambuco22, e 2 municípios da Bahia19.
Em quatro trabalhos, a unidade de análise foi a Unidade Básica de Saúde (UBS)7,10,21,27, dos quais três tinham abordagens na satisfação do usuário .
Outras unidades de análise foram os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO)12,13,25,28, distritos rurais20, e equipes de saúde bucal da estratégia saúde da família9,17.
4.4 - Quanto aos atores envolvidos
Nas pesquisas em que houve coleta de dados primários, seja por meio de questionários ou por entrevistas semi-estruturadas, observou-se que os principais atores envolvidos foram os usuários, que apareceram em doze estudos8,9,13,14,16,17,19,20,21,26,27,28.
Outros atores foram os profissionais (cirurgiões-dentistas)6,7,8,10,11,13,18,19, os coordenadores de saúde bucal7,11,12,13,18,19,22,24, os gestores8,11,12e os agentes comunitários de saúde19,26.
4.5 - Quanto à procedência dos avaliadores
Aguilar e Ander-Egg30 definem quatro tipos de avaliação, conforme a procedência dos avaliadores: avaliação externa, interna, mista e auto-avaliação. A avaliação externa é aquela em que os avaliadores não pertencem nem são vinculados à instituição executora do programa ou projeto em avaliação, enquanto que a avaliação interna é feita com a participação de pessoas que pertencem a essa instituição, mas que não são diretamente responsáveis pela execução do objeto avaliado. A avaliação mista é uma combinação das anteriores, e a auto-avaliação é aquela realizada pelas próprias pessoas implicadas na execução do programa ou projeto.
Nas publicações analisadas, os autores são de procedência acadêmica em sua quase totalidade, e sua posição com relação ao objeto avaliado nem sempre foi declarada, fatos estes que remetem ao entendimento de que as avaliações foram realizadas por avaliadores externos. Em dois trabalhos20,23 foram identificados autores sem vínculo acadêmico explicitado, estando vinculados apenas à instituição na qual o serviço de saúde bucal foi avaliado, o que poderia caracterizar uma avaliação mista. No estudo de Abreu10, a autora se posiciona como "avaliador interno".
Ao analisar a metodologia dos trabalhos, observou-se que em alguns casos houve participação (direta ou indireta) de outras instituições além das de ensino. Foi o caso do estudo de Nickel, Calvo, Caetano24, onde foi referida a realização de oficinas de consenso com a participação da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina para definição dos indicadores utilizados na avaliação. Nos estudos de Abreu10 e Mendes7, uma parte dos dados foi coletada utilizando-se instrumentos criados e usados pelo próprio serviço avaliado.
De acordo com Felisberto2, a avaliação de políticas e programas de saúde deve contemplar ampla participação e o uso de múltiplos focos e métodos, permitindo que a visão de diferentes grupos seja considerada no objeto de estudo.
4.6 - Quanto aos critérios, indicadores e parâmetros utilizados
Segundo Costa e Castanhar31, uma metodologia de avaliação envolve a escolha de um conjunto de critérios e o uso de um elenco de indicadores consistentes com os critérios escolhidos, que permitam efetuar um julgamento continuado e eficaz acerca do desempenho desses programas, mediante o confronto com parâmetros anteriormente estabelecidos.
Uma das principais dificuldades existentes na construção de bons indicadores está relacionada com a disponibilidade e qualidade dos dados necessários para o cálculo dos mesmos, fato constatado por Nickel, Calvo e Caetano24.
O parâmetro é uma referência adotada por quem está avaliando, e pode estar baseado na situação que se quer modificar, no objetivo da avaliação (metas quantitativas ou mudanças na qualidade dos serviços prestados) ou no conhecimento científico prévio, a partir de um padrão técnico identificado na literatura32.
Poucos autores especificaram os critérios, indicadores e parâmetros utilizados na avaliação. Em vários estudos, essas três palavras sequer são mencionadas no texto.
Os principais critérios identificados nos estudos foram efetividade, eficácia, e acessibilidade. Quando especificados, os parâmetros utilizados foram baseados em metas locais do serviço, em metas de desempenho do Ministério da Saúde, ou foram estabelecidos pelos autores, se inexistentes.
Um dos trabalhos utilizou em sua metodologia os critérios, indicadores e parâmetros da Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família AMQ11. O uso dos indicadores do pacto referentes à saúde bucal também foi identificado em um dos estudos analisados10.
Alguns autores, além de utilizarem os indicadores específicos para avaliar o seu objeto, utilizaram indicadores sócio-econômicos e demográficos na interpretação dos resultados da avaliação18,19,25,28.
4.7 - Quanto ao juízo de valor emitido
A despeito de toda a diversidade na conceituação dos vários aspectos e elementos da avaliação, existe consenso com relação ao fato de que avaliar significa emitir um juízo de valor sobre um determinado objeto, seja ele uma ação, um programa, um serviço ou mesmo um sistema de saúde1. A palavra avaliar deriva de valia, que significa valor. Portanto, sem juízo de valor não há avaliação.
O juízo de valor "significa uma afirmação qualitativa, sobre um dado objeto, a partir de critérios preestabelecidos". é um julgamento fundado nos conhecimentos necessários sobre o objeto de estudo. Desse modo, o juízo de valor está sujeito à especificidade ao que se destina o processo avaliativo e seu objeto33.
O quadro 2 apresenta os estudos nos quais os autores emitiram juízo de valor, ou os estudos em que esse juízo de valor foi explicitado, onde essa especificidade com relação ao objeto avaliado pode ser observada.
Quadro 2 – Autores, objetos e julgamentos nos estudos analisados.
4.8 - Quanto às conclusões dos autores diante dos resultados da avaliação
Apesar dos estudos analisados terem diferentes objetos de avaliação, algumas conclusões foram semelhantes, e outras contribuem para a reflexão de alguns aspectos relativos à atenção em saúde bucal.
A aplicabilidade do modelo de avaliação desenvolvido foi destacada em dois trabalhos19,24. Nas avaliações sob a ótica dos usuários, apenas um estudo concluiu que os usuários encontravam-se insatisfeitos com o serviço avaliado17.
Dois trabalhos apontaram que melhores desempenhos foram observados em municípios com melhores condições de vida da população18,25, o que segundo os autores, pode ser reflexo de políticas públicas, dentre elas as de saúde, menos excludentes e mais integradas.
Vários trabalhos abordaram a questão do acesso em suas conclusões, onde foram destacadas as desigualdades no acesso e na utilização dos serviços e a necessidade de se organizar e esclarecer a forma de acesso a esses serviços8,17,28. De acordo com os estudos, a satisfação dos usuários com relação ao serviço aponta o acesso como fator fundamental. A acessibilidade aos serviços de saúde bucal encontrou-se prejudicada por fatores relacionados à organização das políticas públicas desenvolvidas, principalmente no que se refere ao processo de trabalho.
Silva11 concluiu que o grau de qualidade da saúde bucal no âmbito da gestão demonstrou um melhor desempenho do que no âmbito das equipes, sinalizando um maior desenvolvimento em relação aos aspectos técnico-gerenciais do que técnico-assistenciais.
No quadro 3, são destacados os principais problemas detectados nos serviços de saúde bucal, apontados pelos estudos de avaliação.
Quadro 3 – Principais problemas dos serviços de saúde bucal avaliados.
5. Discussão
Ao buscar-se na literatura estudos publicados e indexados nas bases de dados que tratam da avaliação em saúde bucal voltada ao serviço e sua qualidade, depara-se com algumas dificuldades. Além de escassos, esses estudos encontram-se em meio a uma vasta gama de trabalhos que possuem descritores de assunto relacionados à avaliação, uma vez que essa palavra é utilizada em diferentes contextos e situações. Outro fator é a diversidade metodológica em que o tema é abordado, o que dificulta uma classificação desses trabalhos. Essas dificuldades não são inerentes aos estudos de avaliação em saúde bucal. Em 1994, Silva e Formigli34 já apontavam a diversidade terminológica de enfoques teóricos como primeiro problema na análise sistemática da avaliação "tanto no que diz respeito às possíveis abordagens quanto no que concerne aos seus atributos ou componentes". Mesmo nos trabalhos onde programas ou serviços de saúde são efetivamente avaliados, não existe evidência de preocupação com a definição dos termos empregados. As mesmas autoras citadas destacavam que "essa variedade de definições relaciona-se com a complexidade do objeto – avaliação em saúde –, que pode desdobrar-se em tantas quantas forem as concepções sobre saúde e práticas de saúde"34.
Assim como ocorre na saúde como um todo, a avaliação da qualidade de serviços e ações em saúde bucal é objeto recente de pesquisas, o que se confirmou pelas datas observadas nas publicações encontradas. A reorganização das ações em saúde bucal, operacionalizada através da inclusão da equipe de saúde bucal no PSF, tem sido motivo de inúmeros questionamentos por parte de pesquisadores, gestores, profissionais, ou mesmo usuários, quanto aos impactos promovidos por essa mudança e quanto aos caminhos a seguir a partir daí. Considerando-se que os estudos de avaliação podem trazer as respostas a esses questionamentos, pode ser esse um dos motivos do recente interesse pela avaliação de ações e serviços em saúde bucal.
A afirmação de Conill35, de que "embora a avaliação implique na emissão de um juízo de valor, a questão operacional continua predominante nos estudos de avaliação, fazendo com que seja a medida e não o juízo a questão mais desenvolvida", foi constatada nessa revisão. Verificou-se que, dos 23 trabalhos analisados, classificados pelos autores como estudos de avaliação, apenas 8 explicitaram o juízo de valor emitido referente ao processo de avaliação realizado.
Os estudos cujo enfoque avaliativo centrou-se na percepção ou satisfação de usuários são bastante freqüentes, de modo que mais da metade dos estudos aqui analisados envolveram como atores na avaliação os usuários dos serviços avaliados. Porém, muitos se distanciaram metodologicamente da avaliação propriamente dita, fato constatado pela ausência de critérios, indicadores, parâmetros e principalmente emissão de juízo de valor. Os resultados apontam fatores que influenciam sua satisfação, sendo o acesso o principal deles, e as conclusões por vezes estão limitadas a afirmações de que a maioria dos entrevistados mostra-se satisfeita com o serviço avaliado. A satisfação do usuário geralmente é caracterizada como uma avaliação de resultados, na perspectiva de avaliação da qualidade dos serviços de saúde, sendo considerada como uma meta a ser alcançada pelos serviços.
Esperidião e Trad36 fizeram uma análise crítica da produção científica sobre o tema da satisfação de usuários de serviços de saúde, identificando uma fragilidade teórico-conceitual do termo "satisfação" e problematizando a questão da expectativa do usuário em detrimento das suas necessidades. Além disso, os autores lembram que a elaboração de escalas para medição do grau de satisfação é um fator importante a se considerar quando a abordagem quantitativa é utilizada, pois elas servem para mensurar a resposta obtida, atribuindo pesos e valores para cada item. Embora alguns estudos objetivassem medir o "grau" de satisfação dos mesmos, utilizando abordagem quantitativa, este tipo de avaliação das respostas dos usuários aos questionários aplicados não foi encontrada.
Nesse contexto de avaliação sob a perspectiva do usuário, Fadel37 discutiu a questão da existência de diferenças nos critérios e na percepção de usuários e de profissionais sobre a qualidade do atendimento odontológico no serviço público. A autora realizou um estudo no município de Florianópolis, e observou que para os profissionais, a qualidade técnica dos serviços teve grande relevância, enquanto que para os clientes, a qualidade foi observada através das condições sob as quais o cuidado é prestado e pela maneira como estes são tratados pelos profissionais.
Quando o objeto de avaliação dos estudos esteve relacionado com algum aspecto da Estratégia Saúde da Família, os resultados predominantemente apontaram problemas, mesmo quando essa avaliação foi realizada com enfoque em usuários. Os municípios avaliados, em sua maioria, apresentam dificuldades na estruturação da saúde bucal à luz da Estratégia de Saúde da Família, sendo que seus princípios ficam perdidos pela grande demanda reprimida e dificuldades administrativas, distanciando o serviço da proposta de melhoria da qualidade de vida da população17,22. Desse modo, não são detectados avanços no modelo assistencial em saúde bucal após a sua incorporação na ESF18. Os usuários, por sua vez, desconhecem a Estratégia Saúde da Família e a inclusão da odontologia, de forma que seus anseios ainda remetem às mesmas questões do sistema tradicional de atenção em saúde bucal17,20. Outros problemas detectados foram a falta de capacitação das ESB, a demanda excessiva, a precarização das relações de trabalho com baixos salários e contratações instáveis e a falta de envolvimento entre ESB e ESF. Talvez devido à sua recente inclusão nas equipes de Saúde da Família, as equipes de saúde bucal ainda não contemplem todas as atividades propostas para esse novo modelo de atenção20.
As avaliações relativas à atenção especializada em saúde bucal, tendo como objeto de estudo os Centros de Especialidades Odontológicas, indicam satisfação dos usuários com relação ao atendimento, embora haja dificuldade de acesso em alguns casos. A necessidade de maior integração entre os CEOs e a Atenção Básica, e a dificuldade de atingir as metas de produção, principalmente na especialidade de cirurgia oral, são alguns dos problemas apontados nos trabalhos.
Embora a avaliação possa ser considerada como um "poderoso e indispensável instrumento de transformação", conforme define Narvai38 no texto "Avaliação de Ações de Saúde Bucal", observa-se que os poucos trabalhos publicados sobre esse tema constituem-se em pesquisas cuja iniciativa parte de pesquisadores (avaliadores externos), caracterizadas por Novaes39 como "pesquisas de avaliação", em que o objetivo principal é a "produção de um conhecimento que seja reconhecido como tal pela comunidade científica". Esse conhecimento, quando levado ao alcance dos gestores, nem sempre é utilizado para subsidiar a tomada de decisão. Além disso, não há retro-alimentação dessas informações do nível central para os profissionais responsáveis pela assistência, que acabam sem informações sobre seu desempenho e sobre o impacto que suas ações estão tendo sobre a situação de saúde da população acompanhada. Quando as equipes avaliam seu desempenho, o fazem sobre quantidades e tipos de procedimentos que realizam, não tendo uma visão crítica sobre a necessidade de manutenção daqueles serviços ou de reorientação das suas práticas40. Andrade e Ferreira17 demonstraram preocupação com esse aspecto, ao declararem que os resultados de sua pesquisa "foram apresentados à equipe, a fim de contribuir para a reorientação dos profissionais e para uma possível discussão juntamente com os gestores sobre as mudanças que geraram a descontinuidade aos serviços". Abreu10 manifestou uma expectativa de que a devolutiva dos dados de sua avaliação para as UBS e equipes pudesse no mínimo instigá-las a utilizar a avaliação em suas rotinas de trabalho. Mendes7 também se comprometeu a fornecer os resultados da pesquisa aos órgãos gestores e às unidades de saúde incluídas na amostra, com o intuito de contribuir para a melhora da qualidade da assistência odontológica.
Para que ocorra a institucionalização da avaliação, que seria a sua incorporação à rotina dos serviços, como subsidiária ou intrínseca ao planejamento e à gestão, dando suporte à formulação de políticas e aos processos decisórios, é necessário que os sujeitos envolvidos (gestores, usuários do sistema de saúde e profissionais dos serviços) sejam co-autores na construção dos instrumentos de avaliação2. Para tanto, são necessárias parcerias institucionais, entre instituições da administração pública e centros de ensino e pesquisa, o que enriqueceria a dinâmica dos processos avaliativos24.
6. Considerações finais
A avaliação da qualidade de serviços e ações em saúde bucal é objeto recente de pesquisas, que se caracterizam por uma grande diversidade metodológica, sendo provenientes de pesquisas acadêmicas desvinculadas do serviço, e com resultados muitas vezes desprovidos de juízo de valor referente ao objeto "avaliado".
Como limitação desse estudo, pode-se citar a falta de informações sobre outros tipos de avaliação que possam estar sendo realizadas nos serviços, às quais não se tem acesso em bases de dados oficiais. Talvez a prática de avaliar os serviços partindo dos próprios profissionais nele envolvidos seja um pouco diferente do que encontrado na literatura, pois normalmente não há interesse por parte dos mesmos em divulgar esses resultados em publicações acadêmicas. De qualquer forma, sabe-se que, nesse caso, trata-se de iniciativas pontuais, uma vez que a avaliação não é uma prática rotineira e institucionalizada nos serviços de saúde no país.
Sem negar a importância da perspectiva do usuário na avaliação dos serviços de saúde, destaca-se o excessivo enfoque dado a esse aspecto nos estudos de avaliação dos serviços de saúde bucal, em detrimento a outros aspectos relativos a gestão dos serviços que precisam ser avaliados, com o objetivo de identificar fragilidades e fortalezas dos serviços e principalmente com o objetivo de subsidiar tomadas de decisão em prol de sua melhoria. Ressalta-se ainda a necessidade da realização de tais pesquisas com maior rigor metodológico e com maior vinculação aos serviços, para que seus resultados contribuam para a melhoria da qualidade dos mesmos no país.
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Maria Cristina Marino Calvo
Departamento de Saúde Pública – Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis – SC
CEP: 88040-900 – Brasil.
e-mail: cristina.clv@gmail.com
Artigo encaminhado 19/11/2011
Aceito para publicação em 20/01/2012
Notas
*Professora Voluntária, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) - Brasil
**Professora Adjunta, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) - Brasil