SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número2A dimensão ético-política da humanização no discurso de egressos da formação de apoiadores institucionais de Santa CatarinaCogestão e processo de intervenção de apoiadores da Política Nacional de Humanização em Santa Catarina índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Saúde & Transformação Social

versión On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.5 no.2 Florianopolis nov. 2014

 

Resenha - Dissertação de Mestrado

 

Potencialidades e limitações das práticas de saúde desenvolvidas por apoiadores institucionais da Política Nacional de Humanização

 

 

Sabrina Blasius Faust*; Marta Verdi**

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 

A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH), do Ministério da Saúde, surgiu em 2003, como diretriz transversal do Sistema Único de Saúde para fortalecer diversos princípios conquistados na Constituição Federal de 1988 e implantados, desde então, no campo da saúde.

A PNH acredita na parceria com pessoas que atuam na prática das Instituições de Saúde diariamente; denomina essas pessoas de apoiadores e deseja prepará-las para que fomentem a capacidade de análise da equipe de saúde. É na perspectiva de qualificar e potencializar ações e estratégias da PNH que se insere o curso de formação de apoiadores, sendo uma estratégia para apoiar as experiências e inovações das práticas de saúde concretizando o SUS.

Em Santa Catarina, o curso aconteceu no ano de 2009, em parceria com a Escola de Saúde Pública Prof. Osvaldo Maciel/SESSC, o Ministério da Saúde/SAS/PNH e a Universidade Federal de Santa Catarina. O referido curso teve duração de sete meses e os apoiadores eram profissionais de saúde que trabalhavam em instituições vinculadas ao SUS, que demonstraram interesse ou envolvimento com a Política Nacional de Humanização.

A obra é fruto da dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O estudo estrutura-se com revisão de literatura, percurso metodológico e resultados e discussões em que estes têm como produto um artigo científico. Trata-se de uma pesquisa documental, que teve autorização da Escola de Saúde Pública de Santa Catarina, instituição responsável pelo curso de formação, para acontecer. A autora analisou o trabalho de conclusão de curso (TCC) elaborado pelos sessenta participantes que concluíram o curso de formação de apoiadores institucionais da PNH em Santa Catarina. Neste TCC havia o plano de intervenção (PI) desenvolvido pelo profissional durante o curso.

A partir da análise de conteúdo temática1, surgiram três categorias analíticas. A autora problematizou o contexto descrito pelos apoiadores no processo de trabalho e a finalidade da produção científica foi avaliar se o processo de formação-intervenção desenvolvido possibilitou novas experiências e melhorias no processo de trabalho e na produção de saúde. Os documentos foram organizados, codificados e reagrupados em categorias analíticas com o auxílio do software de análise de dados qualitativos Atlas.ti®. E a análise revelou três categorias: "Dispositivos e ações da PNH"; "Dificuldades enfrentadas"; e "Intervenção para transformação".

A categoria "Dispositivos e ações da PNH" aponta o Método da Roda como potencialidade para discussão nos serviços de saúde; a diretriz cogestão mostrou-se foco de intervenção em 29 planos, indicando uma fragilidade percebida pelos apoiadores na análise do reconhecimento do território local. Pode-se associar que o principal motivo para a escolha desta diretriz foi a dificuldade de comunicação entre os profissionais e as relações de poder entre gestores e trabalhadores.

Na categoria "Dificuldades enfrentadas", são descritas fragilidades relativas à gestão e às relações de trabalho. Os Planos de Intervenção (PI) foram elaborados para promover reflexão, com base no marco teórico-político-operativo da PNH, e também propor mudanças nas práticas de atenção e de gestão. É importante salientar que o PI poderia ser desenvolvido de modo coletivo, envolvendo os trabalhadores e parcerias com instituições estratégicas para a consolidação da Política. Alguns apoiadores propuseram rodas de conversa nos serviços de saúde, outros primeiramente apresentaram a PNH para a gestão.

As relações e as mudanças nos serviços de saúde são concretizadas através da escuta qualificada, a saúde do trabalhador, a saúde no trabalho. Mas para que mudanças ocorressem, os apoiadores precisavam sensibilizar os outros profissionais e gestores, e os determinantes externos e internos, como organização do tempo e dos meios e colaboração da comunidade.

Nesta categoria foi assinalado como dificuldade o exercício da função apoio. É esperado o estranhamento no início do curso e da nova "função". É importante entender que o apoio é a busca pela ampliação dos graus de autonomia e protagonismo de todos de modo a fomentar redes cada vez mais abrangentes e conectadas aos princípios do SUS2. Desta forma, é necessário vínculo com a equipe técnica do curso para apoiar o apoiador durante e após o curso e estimular os trabalhadores a buscarem informações e aprender sempre mais sobre e com a Política.

Assim, o agir do apoiador não pode ser solitário, não somente é necessário melhorar a informação, mas também assegurar capacidade de compreensão e decisão aos vários setores envolvidos em um projeto e preocupar-se com a construção de novos padrões de relação entre as pessoas. As informações sobre novas propostas, sobre o andamento dos serviços precisam circular entre os profissionais e a comunidade, precisa-se divulgar a PNH para conquistar novos apoios. Segundo Campos3, dos profissionais espera-se conhecimento e o uso dos indicadores, modelos de intervenção, ações com base técnica e apoio da legislação. Dos usuários espera-se iniciativa e mobilização de recursos políticos, culturais e comunitários. E somente com o tempo é que será possível construir uma mistura progressiva dessas potencialidades.

E na categoria "Intervenção para transformação", apresentam-se as formações de redes, vínculos, mudança pessoal, inclusão e valorização de todos como transformações ocorridas. Nesta categoria temática, são retomadas as duas categorias anteriores, uma vez que os processos de conhecimento, as dificuldades, a análise e os avanços ocorreram interligados a fim de buscar mudanças significativas.

Elaborar um plano de intervenção que pudesse contribuir com alguma mudança nos processos de trabalho trouxe desafios e os apoiadores declaram como potencialidade o apoio que receberam da equipe pedagógica do curso, de outras instituições envolvidas com o curso, como a universidade parceira, além do apoio dos colegas de curso. Tal situação mostrou-se fundamental durante o processo do curso quando quatro apoiadores vivenciaram conflitos institucionais e foram demitidos, os outros apoiadores mostraram-se solidários disponibilizando espaços para o desenvolvimento dos planos de intervenção dos colegas.

A proposta do curso de formação de apoiadores almejava a ampliação dos espaços de negociação nas gestões municipais e estaduais do SUS, com ênfase no cumprimento do Pacto pela Saúde, bem como uma maior integração dos serviços com as instituições formadoras, através da produção de conhecimentos desencadeada a partir desta formação e da inserção de conteúdos relativos à humanização nos cursos de graduação e pós-graduação da Instituição de Ensino Superior parceira4. A referida instituição atuou junto aos apoiadores nos Planos de intervenção, demonstrando compromisso com a proposta não somente da PNH, mas de formação de cidadãos éticos, reflexivos e comprometidos com seu processo de trabalho e com o Sistema Único de Saúde.

As mudanças nos ambientes de trabalho e nas práticas iniciaram timidamente, desenvolveram-se aos poucos, mas aconteceram. Alguns apoiadores fizeram uma sensibilização com as equipes, planejaram futuras ações, divulgaram em jornais a PNH e sua proposta, e outros avançaram com ações que provocaram atitudes de terceiros envolvidos no processo de trabalho, na formação de redes e na articulação entre serviços.

A inclusão e valorização de todos os envolvidos no trabalho foram uma intervenção experimentada por muitos apoiadores em suas práticas de saúde e que deram certo nesses processos de PI.

Outro ponto que aparece no estudo como importante no desenvolvimento de ações é o contágio pela PNH; os apoiadores entenderam que somente com informações os trabalhadores vão compreender o que cada nova ação tem de desafio, de avanço, potencialidade e fragilidade e os usuários poderão entender também a necessidade de, por algumas horas, o serviço de atendimento básico estar fechado para reunião interna.

Podemos ainda levantar como potencialidade as mudanças ocorridas em cada apoiador formado no curso. Podemos afirmar que a humanização efetiva-se nas práticas em saúde e a partir delas5 e ainda reconhecer a importância das pequenas mudanças ocorridas nos processos de trabalho, principalmente pelo pouco tempo disponível para formação e intervenção.

Por meio das análises pode-se considerar que os planos de intervenção foram focados em ações de relações interpessoais, e como potencialidade podemos exaltar o apoio da equipe técnica do curso, o estabelecimento de parcerias com instituições estratégicas para a consolidação da Política, a sensibilização de muitos gestores, trabalhadores. A autora destaca o encantamento pelo SUS percebido nos documentos. As fragilidades foram o pouco tempo de curso, em que os apoiadores vivenciaram conflitos, resistências das equipes, falta de apoio e desconhecimento da gestão, mas também vivenciaram um processo de implicação com a realidade local, os princípios e diretrizes da PNH e do SUS e os desafios por mudanças.

É impossível não considerarmos o método da roda como grande aliado da PNH e importante método para garantir valores, direitos e princípios como equidade, transversalidade, protagonismo, corresponsabilidade.

Podemos reconhecer neste processo que as mudanças foram acontecendo com os apoiadores vivenciando conflitos e resistências. Nem todos os gestores apoiaram, nem todos nas equipes concordaram sequer a escutar, porém a transformação vem com o tempo, com o amadurecimento.

As respostas esperadas pelo curso, cujo objetivo era formar apoiadores da Política Nacional de Humanização, deram-se a partir de algumas mudanças ocorridas no cotidiano das instituições, mas principalmente no interior de cada profissional formado. O curso proporcionou a sensibilização dos apoiadores para a valorização de todos os profissionais e a descoberta de possíveis modos de agir que podem dar certo com suas equipes de trabalho.

Os diversos conflitos apontados nos dados não estão destinados a desaparecer. Todavia, em muitos casos eles podem ser evitados ou reduzidos nas suas dimensões mediante a comunicação.

A PNH conseguiu, através do curso de Apoiadores em Santa Catarina, criar espaços de construção e trocas de saberes, investindo em modos de trabalho em equipe. Este estudo pode contribuir para incentivar novos cursos de formação e afirmar que, para ocorrer mudanças, o apoio, a valorização, a informação e o conhecimento devem estar sempre ao lado do trabalhador.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2010.         [ Links ]

2. Paulon S, et al. Método da inclusão e processo seletivo de apoiadores institucionais: uma combinação possível? In: Brasil. Ministério da Saúde. Caderno HumanizaSUS: formação e intervenção. Série B. Textos básicos de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. p. 157-68.         [ Links ]

3. Campos GWS. Um método para análise e cogestão de coletivos. Hucitec: São Paulo; 2000.         [ Links ]

4. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto do curso de formação de apoiadores institucionais para a humanização da atenção e gestão do sistema único de saúde - modalidade aperfeiçoamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.         [ Links ]

5. Santos Filho SB, Barros MEB, Gomes RS. A Política Nacional de Humanização como política que se faz no processo de trabalho em saúde. Interface Comunic Saúde Educ 2009; 13(Suppl. 1): 603-13.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Sabrina Blasius Faust
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências da Saúde
Campus Universitário - Trindade
CEP: 88040-900. Florianópolis, SC – Brasil
Email: sabrinafaust@hotmail.com
Tel.: (48) 9921-6647

 

Artigo encaminhado 05/10/2014
Aceito para publicação em 13/11/2014

 

 

Notas

* Mestre em Saúde Coletiva
** Professora Adjunta