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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

versión On-line ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.9 no.2 Londrina mayo/agosto 2018

 

Resenha

 

Desafios à compreensão da adolescência, da adultez emergente e do relacionamento parental

 

Xênia de Andrade DomithI i; Brenda Castro GomesI ii

IUniversidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ

 

Ponciano, E. L. T., & Seidl-de-Moura, M.L.S. (2016). Quem quer crescer? Relacionamento pais e filhos(as) da adolescência para a vida adulta. Curitiba, PR: CRV

 

Quando um(a) filho(a) inicia a passagem da adolescência para a vida adulta, a família vivencia modificações que impõem novas estratégias para a relação pais e filhos(as). Edna Lúcia Tinoco Ponciano e Maria Lúcia Seidl-de-Moura, professoras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadoras sobre adolescência e a transição para a vida adulta/adultez emergente, tratam desta temática no livro “Quem quer crescer? Relacionamento pais e filhos(as) da adolescência para a vida adulta”. Apresentam como proposta geral do livro tornar a produção científica relativa a esse processo do ciclo de vida, acessível aos profissionais da área da educação, terapeutas, pais e jovens, bem como apresentar conteúdos relativos a esta temática com diversidade e complexidade. Nesse sentido, convidam outras autorias para compor a obra que, ao longo dos 06 capítulos, dissertam sobre o desenvolvimento do vínculo entre pais e filhos(a), desde o nascimento até a adultez emergente, a partir de diferentes questões.

Observa-se que o conteúdo da obra pode dialogar com a Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner (1996), a partir de uma interlocução entre os conteúdos dos estudos realizados e o mencionado arcabouço teórico, contribuindo para a compreensão do desenvolvimento psicológico e da relação entre pais e filhos(as). A bioecologia do desenvolvimento humano baseia-se no Modelo Pessoa-Processo-Contexto-Tempo (PPCT), no qual essas dimensões são estudadas de maneira interdependente (Bronfenbrenner, 1996). Nesse arcabouço teórico, os processos proximais são interações recíprocas entre uma pessoa e outras pessoas, bem como essa pessoa e objetos do seu ambiente imediato, estimulando-se mútua e ativamente. Os contextos apresentam-se como sistemas de influência ambiental e subdividem-se em: microssistema, o qual é o primeiro sistema da pessoa em desenvolvimento e envolve relações face a face; mesossistema, trata-se da interação entre os diversos microssistemas nos quais a pessoa se encontra (casa/escola, família/vizinhos, etc); exossistema: é o contexto de ligação entre dois ou mais ambientes, no qual, em pelo menos um deles, a pessoa estudada não está presente, mas sofre suas influências indiretamente, o que afeta seu desenvolvimento (local de trabalho dos pais, por ex.); e macrossistemas, que abrangem os padrões culturais, os quais são aprendidos ao longo do ciclo de vida (valores, crenças, ideologias, sistemas políticos, etc). O cronossistema acrescenta uma dimensão temporal ao processo de desenvolvimento e considera a influência da mudança ou da estabilidade ao longo do tempo, o qual é subdividido em microtempo, mesotempo e macrotempo; para uma compreensão breve, pode ser identificado como um tempo curto, médio e longo, respectivamente.

No primeiro capítulo, Edna Ponciano apresenta e define a adolescência, como uma fase determinada por influências socioculturais. Discorre sobre a adultez emergente, como própria das sociedades industrializadas, na qual a relativização da hierarquia se inicia e se desdobra para a vida adulta, atentando para a importância de cada etapa do ciclo da vida, para o desenvolvimento da autorregulação emocional. A pesquisadora retrata a importância da família, a qual precisa modificar-se para atender a demandas dos(as) filhos(as) no processo de desenvolvimento do self, bem como as especificidades de cada período na relação entre pais e filhos(as). De conformidade com esses processos, no terceiro capítulo, a autora supracitada, em parceria com Ana Paula Simeão-Faria discute a construção da identidade e do apego, na linha do tempo, afirmando que a busca por mais autonomia e a criação de sua própria identidade são mudanças que ocorrem com a chegada da puberdade. Sendo a autonomia vista como uma meta do(a) jovem, para alcançar a adultez saudável que pode variar conforme o gênero e o contexto cultural, no qual a família está inserida; já a construção da identidade, inscreve-se como um processo complexo, pois o(a) adolescente tanto necessita tomar algumas decisões sozinho quanto precisa do apoio e orientação dos pais, uma vez que sentir medo e incerteza é uma experiência comum nessa etapa.

Verifica-se que a abordagem de Simeão-Faria e Ponciano dialoga com a teoria bioecológica, uma vez que os processos proximais, que ocorrem no microssistema família, e sua qualidade interferem no desenvolvimento da identidade e da autonomia dos(as) filhos(as). O vínculo, estabelecido desde o nascimento da prole, necessita sofrer adequações em sua forma, sua força, seu conteúdo e em sua direção, nas diferentes fases do ciclo da vida, conforme as necessidades biopsicossocias apresentadas pelos(as) filhos(as). Neste sentido, o diálogo teórico, aqui proposto, traz a compreensão da influência do macrossistema (ideologia e cultura da sociedade capitalista industrializada) para evolução e criação de microssistemas com relações específicas ao longo do tempo, e salienta que um sujeito só pode ser caracterizado como adulto a partir da cultura na qual está inserido.

Os microssistemas, na adolescência, são fundamentais para o desenvolvimento da identidade, especialmente aqueles que envolvem os pares e seus familiares. O fator tempo assim se apresenta: no microtempo, no qual as relações entre pais e filhos(as) ocorrem com regularidade, no ambiente estável da família; no mesotempo, em que os efeitos cumulativos dos processos proximais, ocorridos no microtempo, se estabelecem; e no macrotempo, ao sinalizar para a manutenção da qualidade vincular parental, por todos os ciclos da vida dos sujeitos em desenvolvimento (Bronfenbrenner, 2011).

No segundo capítulo, Louise Marques e Maria Lúcia Saidl-de-Moura discutem a importância da autonomia na vida do(a) adolescente e consideram que o relacionamento entre pais e filhos(a) varia conforme o gênero de ambos. Funcionando como determinante social para alguns padrões comportamentais, que interferem direta ou indiretamente no desenvolvimento, o gênero delineia trajetórias. Correlacionado ao desenvolvimento da autonomia, no que se refere a saída dos(as) filhos(as) de casa em direção à vida adulta, Luciana Dutra-Thomé, no quarto capítulo, evidencia as distinções e as semelhanças entre as trajetórias percorridas por jovens brasileiros, conforme seu nível socioeconômico. A fim de compreender o fenômeno da adultez emergente, a pesquisadora avalia os aspectos sociais e históricos, dentre eles: o mercado de trabalho, a globalização e os acontecimentos sociais. Com base em contextos sociais brasileiros distintos, a autora identifica inúmeras diferenças entre os adultos emergentes de nível socioeconômico baixo e alto, seja nos processos proximais, que ocorrem a partir da rede pessoal de apoio, seja nas concepções de vida e de valores pessoais.

Identificadas as conexões entre os processos proximais, que ocorrem no microssistema pais/jovens, e os processos distais (influências externas de ordem complexa e ampla) torna-se possível perceber como cada gênero é reconhecido pela família, a partir da influência dos exossistemas (mercado de trabalho) e do macrossistema (cultura, valores e crenças relativas ao gênero), para serem estabelecidos os padrões de desenvolvimento da autonomia (Bronfenbrenner, 2011). Fazer uma interconexão entre os diferentes sistemas, a partir do modelo PPCT, auxilia a compreender a relação entre o desenvolvimento da autonomia, distinguida pelo gênero dos sujeitos envolvidos nos processos proximais.

Em consonância com as diferenças no desenvolvimento da autonomia, relativas ao gênero, estão as distinções encontradas nos estudos relativos ao contexto social dos(as) jovens. Identifica-se que gênero e níveis socioeconômicos distintos, no contexto brasileiro, necessitam ser considerados como dimensões significativas, para estudos sobre as trajetórias percorridas pelos(as) jovens. Nesse sentido, sugere-se problematizações mais aprofundadas sobre a interferência que os contextos ecológicos (micro, meso, exo e macrossistemas) exercem no cotidiano e ao longo da história dos sujeitos, influenciando as relações e as escolhas realizadas na fase de transição para a idade adulta, conforme o gênero e o nível socioeconômico.

No penúltimo capítulo, Katia Campos apresenta a escolha da profissão que, em sua maioria, ocorre na adolescência, em uma fase que o jovem e a família vivenciam uma série de transformações. Esse estudo aponta diversos fatores que influenciam a escolha profissional do(a) adolescente, especialmente: políticos; econômicos; sociais; educacionais; familiares; psicológicos; pares e instituição de ensino. O fator familiar é destacado, assinalando que, desde o nascimento, o(a) filho(a) está marcado(a) pelo olhar dos pais, pelos ideais e pelos mitos familiares. Desse modo, a escolha profissional é um processo contínuo e composto por uma série de decisões, tomadas ao longo da vida. A autora assinala a importância de serem realizadas intervenções em encontros com os pais, por meio de técnicas facilitadoras ao diálogo familiar. Assim sendo, o orientador profissional é apresentado como elemento facilitador no processo de escolha profissional.

No Modelo Bioecológico, a relação casa/orientação encontra-se situada no mesossistema, uma vez que se constitui como um novo ambiente, no qual novas interrelações se estabelecem. Nesse contexto, as pessoas envolvidas, pais, orientador e adolescente interagem num processo proximal específico, no qual a relação entre esses sujeitos contribui para o processo de escolha profissional, fundamental para o desenvolvimento do(a) jovem. A autora enfatiza que as influências recebidas desde a infância e os eventos marcantes ocorridos expressam a importância das relações, ao longo do curso da vida, o que na bioecologia do desenvolvimento humano se identifica como vivências ocorridas no tempo micro, meso e macro (Bronfenbrenner, 1996).

No último capítulo, Aline Mussumessi e Edna Ponciano discutem a relação entre conjugalidade e parentalidade, contribuindo para a saúde familiar. Assinalam que para refletir sobre os efeitos dos conflitos parentais no desenvolvimento dos(as) filhos(as) é necessário avaliar como os pais conduzem seus conflitos e quais estratégias de coping utilizam. Propõem a Psicologia Positiva como construto de intervenção e análise da capacidade adaptativa, que define a promoção de bem-estar e de felicidade. As autoras apresentam algumas propostas de intervenção familiar para o desenvolvimento de habilidades que favoreçam estratégias para solução de problemas conjugais e parentais, visando o bem-estar da família como um todo, a partir da ênfase na conjugalidade. Dessa forma, o contexto familiar se apresenta como microssistema essencial, onde as relações originais se estabelecem e se configuram antes mesmo do nascimento dos(as) filhos(as). Por conseguinte, define-se uma proposta de análise da qualidade das relações ocorridas durante o tempo micro, meso e macro, para a compreensão e intervenção tanto na relação conjugal quanto parental, além de criar condições para uma análise das características de disposição das pessoas envolvidas (geradoras ou inibidoras dos processos proximais) e das demandas pessoais e de diferentes subsistemas no interior da família (que estimulam ou inibem esses processos) (Bronfenbrenner, 1996).

O conteúdo apresentado relativo às fases do desenvolvimento, suas especificidades e demandas, cumpre com o objetivo apresentado pelas organizadoras no prefácio desta obra, pois pode contribuir como fonte de informação para orientar pais, jovens, educadores, terapeutas e outros interessados no tema. Especialmente, ao elucidar sobre a adultez emergente, o livro favorece o conhecimento e a reflexão para que sejam promovidas relações saudáveis entre pais e filhos(as) adultos emergentes, bem como estimula pesquisas que lancem luz sobre esta etapa do ciclo de vida, ainda pouco estudada nos contextos brasileiros.

A questão que o livro apresenta, “quem quer crescer?”, funciona como um disparador para a problematização sobre o papel parental, identificado em nossa sociedade adultocêntrica, baseada no paradigma da descontinuidade do desenvolvimento. Na perspectiva adultocêntrica, ser adulto é estar pronto, ser inquestionável em seu papel parental, fora de uma condição de desenvolvimento contínuo. De outro modo, o desenvolvimento é visto como ocorrendo ao longo do ciclo de vida e não termina com a entrada na vida adulta. A questão que intitula e propõe o livro apresenta a necessidade de pensar a parentalidade como um processo contínuo de aprendizado constante, rompendo com o paradigma adultocêntrico, e indica o diálogo intergeracional para o desenvolvimento e crescimento mútuo na relação entre pais e filhos(as).

 

Referências

Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.         [ Links ]

Bronfenbrenner, U. (2011). Bioecologia do desenvolvimento humano: Tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

 

 

 

 

Endereço para correspondência
Xênia de Andrade Domith

e-mail: xeniadomith@gmail.com

Endereço para correspondência
Jena Hanay Araújo de Oliveira

e-mail: raphaeligor948@gmail.com


Recebido em: 14/07/2017
Aceito em: 24/07/2017

 

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