SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1Control y medicalización de la infanciaJóvenes en la calle: las manifestaciones en Chile, México y Brasil índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Desidades

versión On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.1  Rio de Janeiro  2013

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Sobre a invisibilidade social das juventudes rurais

 

La invisibilidad social de las juventudes rurales

 

 

 

Nilson WeisheimerI

IUniversidade Federal do Recôncavo da Bahia

 

 


Palavras-chave: Juventudes rurais. Invisibilidade social. Pesquisas acadêmicas.
Palabras-clave: Juventudes rurales; Invisibilidad social; Investigaciones académicas.

 

 

Observamos nas últimas décadas significativos avanços no debate público em torno do tema da “juventude” no Brasil e América Latina. A relevância crescente desta categoria social pode ser verificada tanto pela renovação do interesse e consequente ampliação de estudos, pesquisas e publicações no campo das ciências humanas, quanto pela ampliação das iniciativas destinadas a este segmento por parte de diversos atores governamentais e da sociedade civil em nosso continente.

Esta ampliação do interesse também se faz notar sobre temas relacionados aos jovens rurais, porém com menor intensidade. No caso destes últimos, dois aspectos foram importantes para impulsionar inicialmente o debate. Primeiro, as estatísticas dos processos migratórios demonstraram que o êxodo rural, nas últimas décadas, foi protagonizado principalmente por jovens, entre os quais as mulheres constituíram a maioria. Tal fenômeno contribuiu para um acentuado processo de envelhecimento e masculinização das populações rurais. Outro aspecto, menos explícito, porém não menos importante, tem sido a persistência de uma certa situação de invisibilidade social a que estão submetidos os jovens no meio rural.

Este artigo tem como objetivo problematizar este segundo processo. Pretende-se situar o leitor no que consiste a invisibilidade social. Em seguida, demonstrar como esta invisibilidade social se processa no âmbito dos estudos acadêmicos. Visamos ainda elencar algumas hipóteses para o desinteresse acadêmico sobre o tema. Por fim, argumentaremos que a superação desta situação passa pelo reconhecimento da complexidade do fenômeno juvenil no campo, o que daria vazão à percepção da existência de diversas juventudes rurais.  

 

Definindo o problema da invisibilidade social

A invisibilidade consiste na característica de um objeto de não ser visível aos observadores porque não absorve nem reflete luz. Ao acrescentarmos o termo social, estamos nos referindo a situações em que determinados sujeitos se encontram imperceptíveis nas relações sociais. Trata-se, portanto, de uma ação social que implica em não ver o outro, não enxergar sua existência social e tudo que decorre deste fato. Ou seja, por invisibilidade social entendemos todo um processo de não reconhecimento e indiferença em relação a sujeitos subalternos da sociedade. Esta invisibilidade social nega ao outro o direito ao reconhecimento e à identidade social. Ela se manifesta na vida cotidiana, opera de modo intersubjetivo e objetiva-se nas práticas do senso comum e do campo científico. Particularmente em relação à produção do conhecimento científico, a invisibilidade se processa quando este não abrange tais sujeitos, não reflete sobre eles, não lhes reconhece a existência e nem lhes atribui capacidades reflexivas.

Entre todos os excluídos e marginalizados de nossa sociedade atual, os jovens que vivem em territórios rurais figuram entre os mais vulneráveis. A invisibilidade social a que estes jovens estão submetidos consiste numa das expressões mais cruéis de exclusão social, uma vez que, dessa forma, eles não se tornam sujeitos de direitos sociais ou alvos de políticas públicas, inviabilizando o rompimento da própria condição de exclusão.

Nesse contexto, a juventude rural aparece como um setor extremamente fragilizado de nossa sociedade. Enquanto eles permanecerem invisíveis ao meio acadêmico e ao sistema político, não sendo socialmente reconhecidos como sujeitos de direitos, dificilmente serão incluídos na agenda governamental. Até que essa inclusão ocorra, o que se tem são “estados de coisas”: situações mais ou menos prolongadas de incômodo, injustiça, insatisfação ou perigo, que atingem os grupos de jovens rurais, sem chegar a compor a agenda governamental ou mobilizar as autoridades políticas (Rua, 1998). O atual “estado de coisas” implica em negação do direito básico de ter tratamento e oportunidades iguais, ou seja, representa a negação da cidadania para a juventude do meio rural. Esse segmento, sob muitos aspectos, não acessa nem usufrui do conjunto de direitos básicos que estruturam a condição de cidadão. Não é exagero dizer que os jovens rurais não gozam do direito à cidadania quando se trata de admiti-los como sujeitos ou atores políticos, com direito de participar das decisões que afetam sua vida e seu futuro. Além disso, da perspectiva dos direitos sociais, mesmo os mais elementares, essa juventude convive com diversas situações de não reconhecimento, preconceitos, estigma, marginalidade e exclusão.

 

A invisibilidade dos jovens rurais nas pesquisas acadêmicas recentes

Ao considerarmos o conjunto da produção acadêmica sobre juventude rural nas duas últimas décadas, verificamos um pequeno crescimento do interesse pelo tema. Os levantamentos bibliográficos realizados por Weisheimer (2005) e Sposito (2009) indicam que se está lentamente processando uma superação desta invisibilidade social.

Em 2004, a pedido do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tive a oportunidade de mapear e sistematizar a produção acadêmica sobre juventude rural realizada no Brasil no período de 1990 a 2004. Foram analisadas a produção de pós-graduação, publicação de artigos em periódicos científicos e de livros. Na ocasião, identificamos 50 trabalhos realizados por 36 pesquisadores. Verificamos que esta produção se concentrava principalmente nas regiões Sul e Sudeste, seguindo-se de Nordeste e Norte do Brasil com participação residual. No entanto, destacava que as pesquisas e publicações apresentavam um crescimento significativo a partir dos anos 2000, o que apontava para a ampliação e consolidação deste campo de estudos (Weisheimer, 2005).

A pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Marília Sposito (2009) realizou um levantamento da produção discente da pós-graduação sobre o tema da juventude no Brasil. Foram identificados 1.427 trabalhos defendidos em programas de pós-graduação nas áreas de Educação, Ciências Sociais e Serviço Social. Deste total, apenas 52 trabalhos se ocupam dos jovens do meio rural, ou seja, aproximadamente 4% de tudo que se estuda sobre juventude no Brasil se refere aos jovens rurais. Conforme salienta a autora:

Há uma nascente produção sobre os jovens e o mundo rural que precisa ser ainda mais incentivada. Os poucos estudos existentes são reveladores das múltiplas temporalidades que articulam as relações sociais em nossa sociedade, das imbricadas relações de complementariedade e das tensões existentes entre cidade e campo, muitas vezes obscurecidas por uma ótica excessivamente urbana (SPOSITO, 2009, p.24).

Este mapeamento demostra categoricamente o desinteresse dos pesquisadores brasileiros sobre os modos de vida e os dilemas que afetam os jovens do campo. A questão que fica posta é por que isto ocorre. Seria o fato de vivermos em sociedades altamente urbanizadas fator explicativo suficiente para justificar esta visão urbanocêntrica sobre o fenômeno social da juventude?


Algumas hipóteses para o desinteresse dos pesquisadores sobre os jovens rurais

Na tentativa de compreender a razão da persistência da invisibilidade social que afeta as juventudes rurais no âmbito acadêmico, somos levados a considerar ao menos três hipóteses: a) a subestimação da existência da juventude no meio rural, marcada principalmente pelas relações de trabalho agrícola; b) a subestimação da importância do meio rural, uma vez que nossas sociedades seriam predominantemente urbanas; c) a incompatibilidade entre os termos juventude e rural. Detemo-nos brevemente sobre cada uma destas possibilidades.

Num período ainda recente, os sociólogos acreditavam que a inserção no universo produtivo conduzia à superação da condição juvenil e da própria existência da juventude no chamado modo de produção camponês. Um exemplo desta posição pode ser encontrado no trabalho do sociólogo José Vicente Tavares dos Santos (1984, p. 46), segundo o qual, no meio rural, “os processos de socialização primária e secundária se confundiam num único momento, visto que ocorrem no âmbito das relações familiares”. Com base nisto, acreditava-se que não haveria jovens no campo, “pois de crianças passam diretamente à condição de adultos”. (Tavares dos Santos, 1984, p. 46). De minha parte, entendo que essa percepção não corresponde aos processos sociais que configuram a situação juvenil na agricultura familiar. Isso porque, embora os jovens exerçam um papel produtivo importante no âmbito do trabalho familiar, isto não chega a configurar a superação da condição juvenil, uma vez que eles permanecem subordinados à autoridade dos pais, não tendo sido superada a sua posição subalterna na hierarquia familiar.

Outra possível razão para o desinteresse pela vida dos jovens rurais residiria na constatação de que o Brasil seria 84% urbano, segundo o censo do IBGE de 2010. Desta maneira, os territórios rurais seriam um mero resíduo do passado prestes a desaparecerem. Porém, se considerarmos o índice de pressão antrópica, como faz José Eli da Veiga (2003), reconheceremos que o Brasil é mais rural do que se imagina, chegando a comportar 30% da população em municípios rurais. Conforme este autor, “para efeitos analíticos não se deveria considerar urbanos os habitantes de municípios pequenos demais, com menos de 20.000 habitantes” (Veiga, 2003, p. 23). Sem considerar o efeito antrópico na distinção entre o rural e o urbano, continuaremos vivendo em “cidades imaginárias”. Além disso, como demostra este autor, ao superar a confusão reinante entre rural (noção espacial) e atividade agropecuária (relações sociais de produção), veremos que nem todo rural é agrícola e que nos territórios rurais existem muitos processos de inserção social, dos quais os jovens participam, que merecem a atenção dos pesquisadores da juventude.

Por fim, o dilema da invisibilidade social deve-se em parte à desatenção dos cientistas sociais. Yanko Gonzáles Cangas (2003) sugere que isso estaria relacionado ao fato de que a juventude e o rural, enquanto construtos teóricos, aparecem como contraditórios e irreconhecíveis nos estudos que dominaram as pautas destes temas ao longo do século XX. A juventude aparece como uma expressão da modernidade que tem no meio urbano e nas classes altas as matrizes de sua caracterização, atribuindo-lhe uma ligação aos processos de transformação e ao futuro na forma de uma sucessão de gerações.

Por sua vez, a carga semântico-teórica acerca do “rural”, estabelecida também desde o ponto de vista da modernização, impôs a este um significado de conservação e passado, algo que precisaria necessariamente ser superado (Cangas, 2003). Entendemos que a reconciliação entre estes termos passa justamente por reconhecer nos jovens os elementos dinâmicos da sociedade com grande potencial para serem os construtores de mudanças sociais significativas. Com efeito, os jovens rurais figuram como agentes estratégicos para qualquer projeto de desenvolvimento rural, principalmente se este se orientar por princípios de sustentabilidade, o que envolve necessariamente importantes relações intergeracionais.

A diversidade das juventudes rurais

Conhecer um fenômeno é diferenciá-lo dos demais e perceber sua complexidade interna. Consequentemente, para superar a situação de invisibilidade, não basta desenvolver estudos que tenham nos jovens os sujeitos investigados. É preciso antes problematizar a própria construção do objeto, ou seja, as relações sociais nas quais os jovens se inserem e que fazem da própria categoria juventude uma construção social em disputa. Com efeito, fazem-se necessárias não apenas uma teoria sobre a juventude e outra sobre os diversos processos sociais agrários, mas também construtos teóricos que sintetizem a complexidade de suas implicações recíprocas. Mas como podemos definir a especificidade dos jovens que nos dedicamos a conhecer?

Entendemos que a especificidade dos jovens resulta dos processos de socialização nos quais eles estão inseridos. Ou seja, em termos sociológicos, é a socialização que define o jovem, ou de qual jovem falamos. Para conferir maior precisão analítica à juventude como categoria social e aos jovens como sujeitos históricos, é importante considerar os processos de socialização nos quais eles se inserem, buscando identificar a agência socializadora predominante, o que lhes confere uma posição determinada no espaço social. Este posicionamento, categorizar os jovens por sua socialização principal, rompe com as definições de caráter substancialista sobre a juventude, possibilitando construir a categoria analítica de modo relacional, isto é, em termos de sua posição num espaço de relações sociais. Com efeito, a reconstrução sociológica da situação juvenil, com base no processo de socialização, confere maior coerência à proposta de privilegiar as noções de juventudes e jovens no plural.

Entendemos que a superação da invisibilidade social das juventudes rurais não se efetivará por meio da reprodução dos recortes demográficos ou critérios normativos que demarcam os limites etários. Tampouco pela aplicação, sem por à prova, das categorias prestabelecidas a partir da dicotomia rural-urbano, mesmo que fixadas no senso comum, nos discursos políticos ou no campo acadêmico. Este é o caso da categoria “juventude rural”, que é forjada a partir de uma ótica urbana que percebe o rural como um espaço da precariedade social, reforçando, mesmo que involuntariamente, o estigma sobre este segmento. Desta maneira, a homogeneização das diferenças no interior de uma categoria mais ampla, como a de “juventude rural”, acaba contribuindo para perpetuar a invisibilidade sobre a diversidade dos modos de vida e processos de socialização no campo e que produzem categorias juvenis diversas no meio rural. Isto porque tal procedimento dificulta o reconhecimento das especificidades que emergem de diferentes situações juvenis no meio rural, gerando tipos sociais distintos, tais como os jovens agricultores familiares, os jovens assalariados rurais, os jovens quilombolas, os jovens extrativistas, jovens pescadores, jovens indígenas e tantos outros. Ou seja, queremos chamar a atenção para o fato de que não existe uma juventude rural, mas muitas juventudes rurais. Superar a invisibilidade das juventudes rurais implica em reconhecer que ela não é simplesmente um elemento da diversidade, mas que contém, ela mesma, toda uma diversidade de tipos sociais.

Referências

CANGAS, Yanco Gonzáles. Juventud Rural: trayectorias teóricas y dilemas identitários. Revista Nueva Antropologia, México, v. 19, n. 63, p. 153-75, 2003. Disponível em: http://www.iica.org.ur/redlat/index.html. Acesso em 4 de junho de 2006.         [ Links ]

RUA, Maria da Graça. As Políticas Públicas e a Juventude dos anos 90. In: RUA, M.G. (Org.). Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília: CNPD, 1998. p. 731-752.         [ Links ]

SPOSITO, Marília. A Pesquisa sobre Jovens na Pós-Graduação: um balanço da produção discente em Educação, Serviço Social e Ciências Sociais (1999 – 2006). In: SPOSITO, M.P. (Coord.) Estado da arte sobre juventude: Educação, Serviço Social e Ciências Sociais. (1999 – 2006). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.         [ Links ]

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente. Colonos do vinho (Estudo sobre a subordinação do trabalho camponês ao capital). São Paulo: Hucitec, 1984.         [ Links ]

VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias. O Brasil é mais rural do que calcula. Campinas: Editora Autores Associados, 2003.         [ Links ]

WEISHEIMER, Nilson. Juventudes rurais: mapas de estudos recentes. Brasília: MDA, 2005.         [ Links ] 

 

I Doutor em Sociologia (UFRGS). Professor Adjunto de Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL/UFRB). Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS/UFRB). Coordenador do Núcleo de Estudos em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural (NEAF/UFRB) e do Observatório Social da Juventude (OSJ/UFRB). Vencedor do Prêmio Capes de Teses 2010 com o trabalho "A Situação Juvenil na Agricultra Familiar". E-mail: weisheimer@pq.cnpq.br

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons