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versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.20 no.spe1 Fortaleza 2020
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v20iesp1.e8734
RELAÇÕES INTERGRUPAIS: PRECONCEITO E EXCLUSÃO SOCIAL
Homofobia e escola: uma revisão sistematizada da literatura
Homophobia and School: A Systematic Literature Review
Homofobia y Escuela: Una Revisión Sistematizada de la Literatura
Homophobie et Ecole: Une Revue Systématique de la Littérature
Jean Jesus SantosI; Elder Cerqueira-SantosII
IMestre do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, bolsista da FAPITEC - UFS
IIProfessor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe - UFS. Pesquisador produtividade do CNPq (Nível 2)
RESUMO
A homofobia no contexto escolar é um problema grave devido aos modos sutis e flagrantes como ocorre e suas consequências. O presente artigo tem como objetivo relatar uma revisão sistemática de literatura científica brasileira que utiliza a expressão homofobia relacionada ao contexto escolar e caracterizar essas produções. Os levantamentos foram feitos utilizando os descritores "homofobia" e "escola" nas bases de dados: Scielo, Pepsic e Lilacs. Os 12 artigos que compõem o corpus da pesquisa têm abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas e as fontes de dados são alunos e professores do ensino básico, livros didáticos e dicionários, vídeos e publicações em sites específicos. Os principais resultados desta revisão confirmam a existência de homofobia nas escolas, manifestando-se principalmente de forma sutil. Indicam que há reprodução de informações que contribuem para manutenção da homofobia em materiais didáticos, por meio de injúrias ou silenciamento em relação à diversidade sexual. Também apontam a necessidade de se refletir sobre temáticas relacionadas à sexualidade nesse contexto e destacam a importância de abordagens mais significativas desses assuntos na formação docente, bem como nas escolas, visto que isso contribui para o combate à homofobia nesse ambiente.
Palavras-chave: homofobia; escola; diversidade sexual; sexualidade; gênero.
ABSTRACT
Homophobia in the school context is a serious problem due to the subtle and blatant ways it occurs and its consequences. This article aims to report a systematic review of Brazilian scientific literature that uses the term homophobia related to the school context and to characterize these productions. The surveys were made using the descriptors "homophobia" and "school" in the databases: Scielo, Pepsic, and Lilacs. The 12 articles that make up the research corpus have quantitative and qualitative methodological approaches, and the data sources are students and teachers of basic education, textbooks and dictionaries, videos, and publications on specific websites. The main results confirm the existence of homophobia in schools, manifesting itself mainly in a subtle way. They indicate that there is a reproduction of information that contributes to the maintenance of homophobia in didactic materials, through injuries or silencing concerning sexual diversity. They also point out the need to reflect on themes related to sexuality in this context and highlight the importance of more significant approaches to these issues in teacher education, as well as in schools, as this contributes to the fight against homophobia in this environment.
Keywords: homophobia; school; sexual diversity; sexuality; gender.
RESUMEN
La homofobia en el ámbito escolar es un problema grave debido a los modos sutiles y flagrantes como ocurre y sus consecuencias. Este trabajo tiene el objetivo de relatar una revisión sistemática de literatura científica brasileña que utiliza la expresión homofobia relacionada al contexto escolar y caracterizar estas producciones. Las búsquedas fueron hechas utilizando "homofobia" y "escuela" en la base de datos: Scielo, Pepsic y Lilacs. Los 12 artículos que componen el corpus de la investigación presentan enfoques metodológicos cuantitativos y cualitativos y las fuentes de datos son alumnos y profesores de la enseñanza primaria, libros didácticos y diccionarios, videos y publicaciones en páginas web específicas. Los principales resultados de esta investigación confirman la existencia de homofobia en las escuelas, manifestándose principalmente de forma sutil. Indican que hay reproducción de informaciones que contribuyen para el mantenimiento de la homofobia en materiales didácticos, por medio de insultos o silenciamiento en relación a la diversidad sexual. También apuntan la necesidad de reflexionar sobre temáticas relacionadas a la sexualidad en este contexto y enfocan la importancia de tratamiento más significativo de estos asuntos en la formación docente, así como en las escuelas, ya que esto contribuye para acabar con la homofobia en este ambiente.
Palabras clave: homofobia; escuela; diversidad sexual; sexualidad; género.
RÉSUMÉ
L'homophobie dans le milieu scolaire est un problème grave à cause de ses subtilités et, donc, de ses conséquences. Cet article vise à rendre compte d'une revue systématique de la littérature scientifique brésilienne qui utilise le terme homophobie lié au milieu scolaire, bien comme à caractériser ces productions. Les recherches ont été réalisées en utilisant les descripteurs «homophobie» et «école» dans les bases de données suivantes : Scielo, Pepsic et Lilas. Les 12 articles qui composent le corpus de cette recherche ont des approches méthodologiques quantitatives et aussi qualitatives ; leurs sources sont des étudiants et des enseignants de l'éducation de base, des manuels, des dictionnaires, des vidéos et des publications sur des sites spécifiques. Les principaux résultats de cette revue confirment l'existence de l'homophobie à l'école. Cela se manifeste, principalement, de manière subtile. Les résultats indiquent aussi qu'il y a reproduction d'informations qui contribuent à maintenir de l'homophobie dans les manuels. En autre, l'homophobie est-elle trouvée dans des injures et dans des silences liés à diversité sexuelle. Ils soulignent également la nécessité de réfléchir sur des thèmes liés à la sexualité. Dans ce contexte, on souligne l'importance des approches plus significatives de ces questions dans la formation des enseignants, et dans les écoles, cela peut contribuer à la lutte contre l'homophobie dans ce milieu.
Mots-clés: homophobie; école; diversité sexuelle; sexualité; genre.
O termo homofobia foi criado pelo psicólogo Weinberg (1972) e definido conceitualmente por Herek (2000), que o explora na sua dimensão social, abordando-o como um tipo de preconceito caracterizado por discriminação relacionada à sexualidade. Esse conceito foi atualizado por Borrillo (2009), que refere a homofobia como um fenômeno psicológico e social de base complexa, estabelecida em uma relação entre estrutura psíquica e organização de uma norma social que sustenta a hegemonia da heterossexualidade. Envolve formas de preconceito e discriminação expressas por meio de violências psicológicas e físicas, e acarreta a suas vítimas restrições no exercício da cidadania e dos direitos humanos (Mello Neto & Agnoleti, 2014).
Um levantamento sobre o tema (Costa, Peroni, Bandeira, & Nardi, 2013) mostra que este é um campo de estudos recente no Brasil, cujas publicações foram impulsionadas a partir da implantação do Programa Brasil sem Homofobia. O foco desses estudos está nas expressões antiquadas e manifestas do preconceito, ao invés das versões modernas e sutis de homofobia. Os resultados do levantamento demonstraram que esse preconceito está relacionado ao sexismo expressado na discriminação contra expressões de sexualidade e de gênero que fogem do padrão heteronormativo de masculinidade e feminilidade. Não se refere à rejeição exclusiva dos homossexuais, mas também à discriminação e exclusão de indivíduos que são julgados por serem bissexuais, travestis e transexuais (Tosso, 2012). Sua abrangência conceitual inclui a lesbofobia, gayfobia, transfobia e bifobia (Brasil, 2013).
Preconceito diz respeito a representações mentais negativas em relação a indivíduos ou grupos socialmente inferiorizados, envolvendo representações sociais e julgamentos prévios com a presença de componentes cognitivos (relacionados às crenças e estereótipos), afetivos (relacionados às antipatias e aversões) e disposicionais (relacionados às atitudes), o que culmina na discriminação (Lima, 2011; Rios, 2009).
Homofobia é um tema que tem despertado interesse como fenômeno devido aos níveis em que se apresenta e impactos na vida das pessoas no dia a dia. Segundo o "Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: Ano de 2012", o Brasil apresentou taxas muito preocupantes de crimes contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) naquele ano (Brasil, 2013). De acordo com Junqueira (2007), o país já apresentava esses resultados em 2007, e se manteve nos últimos anos. Só em 2017 foram registradas um total de 1.720 denúncias de violações de direitos humanos de pessoas LGBT, das quais 193 são homicídios1. Quando ela ocorre na escola, expressa por palavras e ações, corre o risco de se tornar bullying homofóbico, o qual corresponde a ações físicas e sociais negativas cometidas intencionalmente e de forma repetitiva contra uma pessoa que não pode se defender facilmente (Bekaert, 2010). Nesses casos, elas são motivadas por características de orientação sexual e/ou identidade de gênero dissidentes do modelo hegemônico.
A literatura revela altos índices de pessoas vítimas desse tipo de violência na escola, por exemplo: no Chile, 68%; na Guatemala, 53%; no México, 61% e no Peru, 66%, de acordo com pesquisas envolvendo relatos de alunos (Caceres et al., 2011). Um estudo retrospectivo, que investigou a vivência de bullying homofóbico em uma amostra de 119 jovens ingleses autodeclarados gays, lésbicas e bissexuais, demonstrou que todos os participantes informaram ter sido vítima desse tipo de violência no contexto escolar (Rivers, 2004). Em pesquisa com jovens norte-americanos com idade entre 14 e 22 anos, ao serem examinadas associações entre orientação sexual e bullying, identificou-se que jovens homossexuais tinham maior probabilidade de relatar ter sofrido esse tipo de violência ao serem comparados com os heterossexuais (Berlan, Corliss, Field, Goodman, & Austin, 2010). Outro estudo, que avaliou o impacto da vitimização homofóbica e do clima escolar negativo no bem-estar de lésbicas, gays e bissexuais (LGB) no ensino médio, encontrou maior probabilidade de relatos de bullying homofóbico e impactos negativos, como uso de drogas, depressão e ideias suicidas, nos estudantes LGB (Birkett, Espelage, & Koenig, 2009).
No Brasil, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2013), mais de 40% de homens gays afirmaram ter sido agredidos fisicamente em algum momento da vida escolar. Pesquisa realizada na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro também demonstrou que 40% dos adolescentes homossexuais entrevistados já sofreram discriminação dentro da escola, e 31% dos jovens entre 19 e 21 anos se referiram à discriminação na escola ou faculdade (Bortolini, 2008). Segundo Bortolini (2008), no contexto dessas pesquisas, a escola aparece como o terceiro lugar onde as pessoas mais sofrem discriminação.
Outro estudo, proposto pela UNESCO (Castro, Abramovay, & Silva, 2004) e realizado em 14 capitais brasileiras, 241 escolas, envolvendo mais de 16 mil estudantes, 3.000 professores e 4.500 pais, com objetivo de investigar as relações existentes entre sexualidade e jovens na escola a partir das percepções de agentes que compõem a comunidade escolar, indicou uma grande rejeição à homossexualidade, principalmente por parte de pais e alunos. Dos alunos, 27% informaram que não gostariam de ter homossexuais como colegas de classe, e 34% dos pais não gostariam que homossexuais fossem colegas de classe dos filhos. Apenas 3,5% dos professores não gostariam de ter homossexuais como alunos. Além disso, demonstrou que a discriminação contra homossexuais é mais facilmente assumida do que outras formas de discriminação, como o racismo, e que os grupos dissidentes da sexualidade hegemônica estão mais suscetíveis a um conjunto de vulnerabilidades resultantes de articulações de componentes de gênero, sexualidade, marcas de classe e aspectos étnicos. Esses dados são preocupantes, pois a discriminação na escola pode acarretar a violação do direito à educação de qualidade de suas vítimas, além de contribuir para o aumento de riscos e vulnerabilidades em outros contextos, como trabalho, família, saúde e segurança.
A Constituição Federal (1988) prevê o acesso à educação como um direito fundamental. Também está previsto na Lei n.° 9.349/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (1996), o direito de todas as pessoas à escola sem discriminação. Entretanto, estudos revelam que o ambiente escolar pode se caracterizar como espaço de discriminação, com consequências que geram prejuízos para o bem-estar e o desenvolvimento. Ao passo que esses indivíduos são discriminados e violentados, eles têm esses direitos ameaçados ou violados, o que contribui para a evasão escolar, também resultante da exclusão que sofrem nesses ambientes. Consequentemente, isto pode gerar despreparo técnico e profissional, maior discriminação no trabalho, e violências sociais e institucionais das pessoas que fazem parte desses grupos vítimas de preconceito (Bortolini, 2008; Junqueira, 2009), o que ganha contornos de um problema estrutural dentro das instituições. Sendo a homofobia um problema presente nesse contexto, pode-se destacar que a pressuposição de garantia da educação básica como um direito fundamental convida a escola a se apresentar como um ambiente de combate à discriminação que dá base à violência homofóbica.
Nesse contexto, é importante destacar tentativas governamentais de combater esse problema, como a proposta do programa Brasil sem Homofobia, lançado em 2004. Esse consistiu no primeiro programa específico para população LGBT que buscou contribuir para a diminuição de problemas decorrentes da homofobia, o que se somou à proeminência de manifestações do movimento LGBT, com significativas mudanças nos últimos anos, e contribuiu para a denúncia de índices de violência letal e da necessidade de leis e políticas públicas (Irineu, 2014). A proposta do Programa Escola sem Homofobia consistiu em um conjunto de materiais didáticos e orientações para agentes educacionais trabalharem com questões relacionadas a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Entretanto essa proposta foi proibida de chegar às escolas em 2011 e, em contrapartida, observa-se o crescimento do movimento chamado Escola Sem Partido, fundado em 2004 e que ganhou força nos últimos anos, como movimento de resistência a essas políticas públicas. Quanto aos acontecimentos nesse cenário, é importante destacar também que o Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado em 2014, retira do corpo do seu texto os termos orientação sexual e gênero, o que contribui para a supressão da abordagem de tais questões nas escolas (Nascimento & Chiaradia, 2017).
Diante da incidência da homofobia e de suas consequências quando ocorre no contexto escolar, este artigo tem como objetivo relatar uma revisão sistemática da literatura científica brasileira que utiliza a expressão homofobia relacionada ao contexto escolar e caracterizar essas produções. Com os dados da revisão será possível ter uma visão panorâmica dos estudos sobre o assunto a fim de contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas na área e para a implementação de ações de combate à violência e superação dos problemas causados pela homofobia, compreendida como um fenômeno de ordem psicológica e social.
Método
Esta pesquisa de revisão sistematizada da literatura científica nacional foi realizada de acordo com orientações do PRISMA [Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análise] (Galvão, Pansani, & Harrad, 2015). O levantamento dos estudos foi feito por meio de buscas nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - Scielo e Periódico Eletrônico de Psicologia - Pepsic, além da plataforma de indexamento Lilacs, que também faz parte da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS Psi - Brasil). Essas bases de dados foram escolhidas por serem as principais fontes eletrônicas de publicações nacionais na área. Os critérios de inclusão dos estudos para composição da amostra foram: (a) ser artigo indexado; (b) estar completo na internet, em acesso aberto e disponível para download; (c) ter sido estudo realizado no Brasil e publicado em qualquer língua; (d) ter como objetivo principal utilizar a expressão homofobia relacionada ao contexto escolar. Não fizeram parte dessa revisão livros, capítulos, teses, dissertações, monografias, resumos, anais de congressos, resenhas, ou outros estudos que não foram publicados como artigos científicos (gray literature), e os que não atendiam os demais critérios de inclusão para o estudo. Foram feitas buscas de artigos publicados nos últimos 20 anos, por corresponder ao período de surgimento da base de dados mais antiga no Brasil, Scielo, considerando as bases escolhidas para esse levantamento. Esse critério foi adotado para o recorte cronológico devido ao interesse em realizar um levantamento de todas as publicações disponibilizadas desde o surgimento dessas bibliotecas eletrônicas no contexto nacional, a partir do emprego dos métodos de busca adotados nessa revisão.
O levantamento dos estudos aconteceu entre agosto e outubro de 2018. Foi selecionada a opção de busca por artigos nas bases de dados informadas, utilizou-se os descritores homofobia e escola, empregados de forma combinada com o uso do operador booleano "and" no processo de pesquisa, e foi realizada a busca avançada em todos os índices (palavras-chave, resumo, título e corpo do texto). É válido destacar que, como o termo "homofobia" refere-se a um conceito específico consolidado, legitimamente utilizado em áreas como das ciências sociais, jurídicas e da saúde, e tem sido estudado desde a segunda metade do século XX, o mesmo não pôde ser substituído por sinônimo. Para o termo "escola", devido a sua generalidade, também não foi encontrado sinônimo amplo o suficiente para usar nas buscas. Por isso, optou-se por se restringir a esses dois descritores para o levantamento. Não foram delimitadas as áreas nas quais os artigos foram publicados, porque buscou-se valorizar o diálogo inter e multidisciplinar, visto que a temática é de interesse e objeto de investigação de outros campos do saber além da Psicologia, como a Educação e o Direito.
Inicialmente, foram localizados somente resumos de artigos, conforme seleção de filtro para buscar especificamente esse tipo de produção, os quais foram lidos minuciosamente, excluindo-se os que não se enquadravam nos critérios de inclusão. Após essa seleção, os artigos foram recuperados, lidos na íntegra e analisados para saber se atendiam os demais critérios de inclusão em função da maior ou menor proximidade com o tema proposto, restringindo-se à seleção de artigos com maior correspondência ao uso da expressão homofobia relacionada ao contexto escolar nos seus objetivos, os quais compuseram a amostra final.
A Figura 1 mostra que as buscas possibilitaram a localização, inicialmente, de 38 resumos de artigos, dos quais dez foram desconsiderados por serem duplicados. Dos 28 resumos selecionados, quatro foram excluídos por não atenderem ao critério de serem estudos realizados no Brasil. Dentre os 24 artigos elegidos para serem lidos na íntegra e analisados se atendiam ao próximo critério de inclusão, 12 foram excluídos por não se enquadrarem no critério de ter como objetivo principal abordar a expressão homofobia relacionada ao contexto escolar. Sendo assim, foram excluídos artigos com objetivos de abordar assuntos diversos: discursos de patologização da homofobia a partir da psicanálise; produção de subjetividade e políticas públicas; relacionamentos afetivos e relações sexuais na adolescência; situações de violência, vulnerabilidade e descriminação de jovens e crianças; estudos sobre discursos de produção do corpo e de vivências e violências contra travestis; direito à educação e diversidade na escola; perspectivas sobre diversidade sexual e heteronormatividade na escola. A amostra final foi composta por12 artigos que atendiam aos critérios de inclusão após pesquisa sistematizada nas bases de dados.
Para a extração dos dados dos estudos incluídos nesse estudo foi desenvolvida uma planilha para registrar informações rastreadas que correspondiam a: título do estudo, autor(es), ano de publicação, periódico, objetivo do estudo, classificação metodológica (para identificação do desenho do estudo), participantes/amostras (para caracterização dos participantes dos estudos empíricos, amostras documentais ou diversas que caracterizassem estudos que não fossem teóricos), resultados e conclusões/considerações gerais (incluindo sugestões que os autores apontavam a partir dos achados).
Foi investigado se os estudos apresentavam índices de manifestação de homofobia na escola por parte dos participantes, como eles caracterizavam esse problema, se apresentavam indicadores de causas e consequências, vivências de homofobia e soluções ou sugestões perante seus resultados. Isto subsidiou as análises qualitativas dos conteúdos dos artigos. As informações obtidas foram analisadas empregando-se a análise de conteúdo categorial temática, sendo feita a discriminação de unidades de sentido do texto a partir da organização dos principais assuntos da amostra em categorias de análise (Bardin, 2011).
Os resultados e discussão dessa revisão foram organizados em: objetivos e características das amostras (com apresentação dos objetivos e participantes/amostras dos estudos revisados); estratégias metodológicas e instrumentos (com descrição dos tipos de estudos, de pesquisa, instrumentos de coleta e tipo de análise de dados); principais achados dos estudos: índices e manifestações de homofobia na escola; e vivências de homofobia na escola (com discussão desses achados dos estudos).
Resultados e Discussão
Dos doze artigos desse corpus, dois estudos são documentais e os demais são de cunho empírico. Em relação ao período de publicação, 2011 foi o ano com maior número de publicações (n = 4), os outros foram publicados em 2008, 2015, 2016 e 2017, sendo dois artigos em cada ano e em periódicos diversos. Três artigos foram veiculados no periódico Educar em Revista; dois foram na Revista Psicologia Política e dois, na revista Temas em Psicologia. Os demais foram publicados nos periódicos: Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação; Educação e Pesquisa; Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud; Psicologia USP; e Revista Estudos Feministas. Os estudos adotaram diferentes fontes para coletas de dados: entre as dez pesquisas empíricas, cinco tiveram estudantes como participantes, quatro tiveram professores e uma teve a amostra composta por vídeos do YouTube. Dos dois estudos que realizaram a pesquisa documental, um teve como fonte livros didáticos e dicionários, e o outro, publicações de sites de instituições de Psicologia no Brasil.
A Tabela 1 apresenta as características dos estudos selecionados quanto aos dados bibliométricos: autor e ano de publicação, títulos, periódico em que foi publicado, tipo de estudo e quantidade de participantes/amostras dos artigos revisados.
Objetivos e Caracterização das Amostras
O corpus desta revisão é composto de produções diversificadas no que se refere aos objetivos e fontes de dados, que incluem: analisar a qualidade discursiva de materiais didáticos em relação à abordagem da diversidade sexual e discutir o fenômeno sociológico da homofobia em 67 livros didáticos e 25 dicionários em uso nas escolas públicas entre os anos de 2007 e 2008 (Lionço & Diniz, 2008); investigar quais as possíveis contribuições da Psicologia para o enfrentamento da homofobia, principalmente quando ocorre no contexto escolar, a partir de textos divulgados online entre 2010 e 2015, nas páginas de cinco instituições representativas da Psicologia - CFP, ABRAPSO, ABRAPEE, ABPD e SBP (Almeida, Maia, & Chaves, 2016); analisar relações de poder implicadas na produção de verdades sobre homossexualidade por meio da análise do discurso e seus efeitos em uma amostra de vídeos do site YouTube com pronunciamento, pregação, debate ou preleção sobre políticas públicas educacionais de combate à homofobia de três líderes políticos e religiosos (contrários a essas políticas) em exercício do mandato Legislativo (Oliveira, Alberto, & Bittencourt, 2016).
Os objetivos dos estudos empíricos que tiveram como participantes estudantes foram: analisar o uso do palavrão como meio de ofensa no contexto escolar e a conotação expressa e entendida, especificamente referente a mecanismos de homofobia, tendo como amostra 52 alunos do sexo masculino com idades ente 9 e 14 anos (Roselli-Cruz, 2011); levantar a incidência da homofobia relacionando sexo e localização (Unidade da Federação), além de comparar a percepção dos participantes quanto a educação recebida no ensino médio em relação ao fato de terem sofrido discriminação homofóbica, em uma amostra de 6.414.302 estudantes concludentes do ensino médio entre os anos 2004 e 2008 (Asinelli-Luz & Cunha, 2011); apresentar discursos e estereótipos homofóbicos reproduzidos por alunos e as possíveis consequências disso para aqueles/as que se assumiram como LGBT, tendo como amostra 2.282 discentes do ensino médio (Teixeira-Filho, Rondini, & Bessa, 2011); conhecer opiniões de estudantes sobre homossexualidade para analisar quais as bases que sustentam a emissão das opiniões homofóbicas, extraídas de uma amostra composta por 2.159 alunos do ensino médio (Rondini, Teixeira-Filho, & Toledo, 2017); e descrever relatos retrospectivos sobre piores experiências escolares motivadas por homofobia, apresentando dados da duração, os principais agressores e os sintomas resultantes dessas experiências, tendo como amostra 21 estudantes universitários (Albuquerque & Williams, 2015).
Os estudos que tiveram como fonte de dados os professores objetivaram: compreender o que professores percebem como dificuldades e problemas relacionados à sexualidade e à homofobia que os motivou a participar de um curso de capacitação e os efeitos desse nas atividades escolares desses docentes, com uma amostra de 20 professores participantes de um curso de formação sobre diversidade sexual (Borges & Meyer, 2008); identificar valores culturais que possibilitam silenciamento e reação a discriminações dentro da escola e analisar as percepções de docentes sobre o compromisso e responsabilidade no enfrentamento de discriminações, como a homofóbica, nesse ambiente, contando com a participação de 20 professoras de escolas estaduais do município de Santa Maria-RS (Borges, Passamani, Ohlweiler, & Bulsing, 2011); analisar representações sociais de professores sobre a homofobia, com a participação de sete docentes do ensino fundamental II (Souza, Silva, & Santos, 2015), e representações sociais de professores sobre diversidade sexual e homofobia, contando com uma amostra de 17 docentes da educação básica - ensino fundamental II e ensino médio (Souza, Silva, & Santos, 2017).
Estratégias Metodológicas e Instrumentos
A maioria dos estudos adotaram abordagem qualitativa (n = 8). Dois estudos realizaram pesquisa documental em: livros didáticos e dicionários, acessados por meio de visitas a acervos específicos, bibliotecas e solicitações a editoras, com coleta feita utilizando-se de uma ficha de registro de evidências a partir de categorias preestabelecidas para indexação, análises dos dados baseadas na teoria fundamentada e organizados em categorias de análise (Lionço & Diniz, 2008); e textos online que guardam registro de publicações oficiais de instituições de Psicologia no Brasil, realizando-se levantamento por meio de consultas em links dos sites institucionais, utilizando-se os descritores homofobia e homofobia na escola, materiais selecionados salvos com indicação das fontes e realização de análises de conteúdos por categorias (Almeida et al., 2016).
Há também estudos exploratórios que abrangeram seleção de vídeos a partir de critérios de inclusão definidos pelos autores e análise de conteúdo por meio da técnica de análise de discurso, baseando-se em categorias preestabelecidas (Oliveira et al., 2016); uso de entrevistas semiestruturadas (Borges et al., 2011; Souza et al., 2015, e questionários com análise das informações obtidas, empregando-se também a análise de conteúdo categorial temática (. Em um dos estudos ( não foi definida a técnica adotada para análise de dados. O modelo etnográfico foi identificado em um estudo descritivo em que foi realizada observação participante e utilizou-se questionários, entrevistas e grupos focais para a coleta de dados (. Outro estudo ( também seguiu esse modelo ao coletar dados por meio de grupos focais e realização de entrevistas, entretanto no artigo também não estava definida claramente a classificação do método de investigação e de análise de dados que foi utilizado.
A abordagem quantitativa também foi adotada em algumas das pesquisas relatadas nos artigos resgatados (n= 3). Esses incluem estudos transversais que utilizaram questionário autoaplicável anônimo (Rondini et al., 2017; Teixeira-Filho et al., 2011), com análises estatísticas descritivas para analisar as respostas (Teixeira-Filho et al., 2011) e técnica estatística multivariada, com análise fatorial, para explorar possíveis correlações entre concepções homofóbicas apresentadas nas repostas dos itens de uma escala Likert (Rondini et al., 2017). Incluem também estudo descritivo com dados dos itens de relatos de discriminação homofóbica do questionário sociodemográfico do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que realizou análises descritivas e inferenciais (Asinelli-Luz & Cunha, 2011).
Uma das pesquisas que compuseram essa amostra utilizou a abordagem mista: quantitativa e qualitativa. Trata-se de estudo descritivo cujos dados foram coletados por meio de um questionário com perguntas fechadas e abertas, e foram realizadas análises descritivas de conteúdo das informações levantadas (Albuquerque & Williams, 2015).
Principais Achados dos Estudos
Os resultados obtidos nessa categoria foram organizados em dois tópicos: "Incidência e manifestações de homofobia na escola", que engloba questões sobre índices e modos como a homofobia ocorre na escola; e "Vivências da homofobia na escola", que aborda questões relacionadas às vivências dos indivíduos em relação à problemática em questão.
Incidência e manifestações de homofobia na escola
O preconceito e a discriminação homofóbica têm implicações em nível psicológico, no indivíduo, e social, nas coletividades orientadas pela normatização de um modelo heterossexual. Quanto a isso é importante considerar que os discursos produzem manutenção da heteronormatividade até mesmo quando são silenciados em níveis institucionais no contexto escolar. E a omissão de um assunto tão importante como esse, que precisa ser abordado e debatido nesse ambiente, pode ocasionar práticas preconceituosas e discriminatórias que resultam na violência homofóbica (Cavaleiro, 2009; Louro, 2009).
Os achados de Lionço e Diniz (2008) identificaram essa forma de preconceito e suas implicações. Segundo as autoras, os materiais didáticos como dicionários escolares apresentam expressões discursivas características da homofobia, como injúrias, contribuindo para depreciação da diversidade sexual, já os livros didáticos silenciam discursos sobre diversidade sexual à medida que promovem a naturalização da heterossexualidade e binarismo de gênero. Embora livros didáticos no geral, ou os específicos de educação sexual, não apresentem expressões de conteúdo explicitamente homofóbico, o silenciamento dos discursos sobre diversidade sexual e gênero pode funcionar como estratégia para manter obscuras as fronteiras entre a heteronormatividade e essa diversidade (Lionço & Diniz, 2008; Roselli-Cruz, 2011). A análise dos discursos presentes em tais materiais merece relevância, porque manifestações explícitas e silenciamentos podem promover manutenção de padrões de sexo e gênero, que produzem homofobia ao se considerar que a base do preconceito é diretamente influenciada pela ausência da experiência e da reflexão (Crochik, 2006), o que pode ocorrer quando materiais didáticos promovem isso de forma depreciativa ou se omitem de abordar assuntos relacionados a temas como esse.
O estudo sobre a incidência de homofobia entre os concludentes do ensino médio, no período de 2004 a 2008, demonstrou que o ano de 2004 foi o que apresentou menor frequência de declarações de discriminação sofrida (1,6%). Nos quatro anos seguintes não se verificou variações expressivas entre os resultados (3,7%; 3,8%; 3,8% e 4,0%). Nesse estudo, o percentual de participantes que relataram ter presenciado discriminação homofóbica teve acentuado aumento (9,7%) entre os anos de 2004 e 2006, e uma tendência de queda nesse percentual proporcionalmente menor nos dois anos seguintes (2,5%). No que diz respeito à porcentagem de participantes que concordaram com as assertivas que admitiam homofobia, observou-se um decréscimo expressivo dentre os anos analisados, 2005 e 2008 (Asinelli-Luz & Cunha, 2011). A análise desses resultados, conforme destacam os autores, deve considerar que em 2004 foi lançado o Programa Brasil sem Homofobia, do governo federal, com o objetivo de combater a homofobia, e isso é analisado como fator que pode ter contribuído para diminuição da invisibilidade desse tipo de preconceito nos ambientes em que ocorre.
Os autores também destacam a possibilidade de viés na amostra dessa pesquisa, porque a autosseleção dos participantes constituiu-se a partir da adesão voluntária ao exame do Enem. Diante disso, análises críticas desses dados devem ser admitidas, visto que eles destoam, significativamente, dos resultados de pesquisa mais recente da UNESCO, na qual mais de 40% dos gays relataram ter sido agredidos fisicamente em algum momento da vida escolar e a literatura apresenta altas taxas de relatos de vitimização de bullying homofóbico, com índices acima dos 50% em alguns países da América Latina, segundo pesquisas feitas com alunos vítimas desse tipo de violência (.
No que diz respeito ao sexo, houve expressividade para o sexo masculino dentre as declarações de ter sido alvo de discriminação homofóbica, assim como participantes desse sexo também indicaram maior prevalência em admitir homofobia, ao passo que participantes do sexo feminino tiveram percentuais mais altos ao relatarem observar episódios de discriminação homofóbica (Asinelli-Luz & Cunha, 2011). Outros estudos também indicaram que esses índices de maior rejeição a convivência com pessoas não heterossexuais na escola têm sido mais frequentes entre rapazes, bem como esses são os mais reportados como agentes agressores (Albuquerque & Williams, 2015; Rondini et al., 2017; Teixeira-Filho et al., 2011).
Quanto a essa maior incidência de homofobia entre indivíduos do sexo masculino (agentes e vítimas), Rondini et al. (2017) tecem explicações a partir da lógica do machismo, que pressupõe uma suposta superioridade do sexo masculino, por isso quando os homens rompem os supostos limites de correspondência de sexo, orientação sexual e principalmente de gênero, tendem a ser discriminados e violentados, principalmente por outros homens, por migrar para a posição social do feminino, simbolizado como lugar de submissão e inferioridade.
Achados dos estudos de Albuquerque e Williams (2015) e Rondini et al. (2017) confirmaram que a discriminação homofóbica está presente no contexto escolar, o que corrobora resultados dos estudos de Castro, Abramovay, e Silva (2004) e da UNESCO. Essa discriminação pode ser exemplificada pelas situações de vitimização verbal, identificadas por meio de comentários maldosos e de isolamento social por parte dos colegas, tidas como descrições mais presentes no relato das piores experiências homofóbicas escolares vivenciadas por universitários, com a maioria das respostas indicando duração entre dois e oito anos, e idade média de 11,4 anos na época da pior experiência (. Isso se aproxima dos achados de , que apontaram idade média para início aos 10,5 anos e tempo médio de duração de cinco anos em uma amostra de jovens LGB ingleses, o que indica que é comum que tais práticas aconteçam durante o ensino fundamental II e sua duração pode se estender por anos do período escolar. Destaca-se, nesses achados, a reprodução de concepções negativas sobre a diversidade sexual e de gênero em afirmações como as que se referem à dissidência da sexualidade hegemônica como doença incapacitante que impossibilita a vivência da parentalidade de forma natural para os casais homoafetivos (. Outra forma de reprodução dessa discriminação se dá pelo uso de palavrões como manifestações ofensivas, visto que esses, no geral, guardam relação com a sexualidade do ofendido ou de pessoas próximas por quem se tem afeto (.
No compromisso com a superação desse problema, instituições que representam a Psicologia no Brasil manifestam apoio à diversidade sexual e de gênero e ao combate à homofobia nos mais diversos segmentos da população, inclusive no campo da educação (Almeida et al., 2016). O estudo desses autores destaca que tais entidades demonstram suas contribuições no combate à homofobia por meio do acompanhamento de discussões e proposições que buscam ampliar a criticidade da categoria profissional da Psicologia ao se posicionarem frente aos direitos das pessoas LGBT e ao emitirem publicamente repúdio a posicionamentos homofóbicos, o que deve ser ampliado.
A Resolução 001/99, que orienta a atuação do profissional de Psicologia para uma atuação com respeito à diversidade sexual, regulamentando que não se exerça qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, é um exemplo de medida de combate à homofobia (Conselho Federal de Psicologia, 1999). Essas instituições manifestam apoio ao combate da homofobia, especificamente na escola, quando se posicionam favoráveis às iniciativas do governo federal, ao apoiarem o projeto Escola sem Homofobia, bem como quando se opuseram à retirada do trecho "igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual" do atual Plano Nacional de Educação - PNE (Almeida et al., 2016).
Ao se considerar que a homofobia constitui um problema social sobre o qual a Psicologia precisa fortalecer a presença nas políticas públicas para seu enfrentamento, é necessária a identificação e compreensão desse tipo de violência, principalmente no contexto da escola, para que seja possível contextualizar melhor as problemáticas envolvidas e elaborar ações mais efetivas para seu enfrentamento (Almeida et al., 2016). Além da importância da Psicologia nesse enfrentamento, esses autores destacaram a potência da educação no contexto político, social e econômico ao discutirem sua promoção de lugar comum para todos e também produzir articulação dos processos de ensino em consonância com a diversidade nas instituições de educação. Essa discussão pode acontecer considerando as propostas das políticas sociais e educacionais, como as que implementaram apoio a cursos de capacitação de docentes sobre diversidade sexual (Ministério da Educação, 2007), relacionadas à necessidade de a Psicologia ampliar e implementar novas intervenções que contribuam para essa valorização do respeito à diversidade nas escolas brasileiras.
Embora tenha-se o apoio de outras instituições, como as de Psicologia, a transformação da escola em espaço de superação de preconceitos e desigualdades é um dos desafios da Política Nacional de Direitos Humanos (Mercado & Neves, 2012). É importante levar em conta que líderes que estão à frente da aprovação e manutenção dessas políticas públicas, como as educacionais, muitas vezes influenciam negativamente boa parte da sociedade com sua rejeição em relação às políticas de combate à homofobia. Isto foi observado na análise dos discursos de três líderes políticos e religiosos no Brasil (Oliveira et al., 2016), cujas discussões sobre diversidade sexual na escola foram abordadas com desconforto, indignação e repúdio por esses representantes políticos. Os autores desse estudo ressaltam que, embora a pesquisa tenha contemplado uma amostra pequena do grupo que representa e legisla no Estado brasileiro, essas posturas e atitudes precisam ser questionadas, pois os significados e práticas homofóbicas identificadas em tais discursos têm reflexos na qualidade das práticas desenvolvidas no contexto escolar.
No que se refere à qualidade da educação nas escolas, é importante destacar que jovens, heterossexuais e não heterossexuais, encontram nesses estabelecimentos fontes de informação sobre sexualidade e que os professores são agentes indispensáveis para a condução de metodologias que favoreçam a construção de conhecimentos sobre esse assunto (Teixeira-Filho et al., 2011). Teixeira-Filho et al. (2011) destacam que, para a maioria dos participantes, independente de sexo e orientação sexual, os amigos são a primeira fonte de informação sobre sexualidade. Com isso, ressaltam a importância da valorização da diversidade para o protagonismo dos jovens, que aprendem tanto com as trocas entre os pares, e destacam que isso depende demasiadamente da metodologia e orientação do professor, que precisa ter uma formação adequada sobre o assunto para abordá-lo com qualidade.
Vivências da homofobia na escola
Situações de homofobia na escola costumam passar despercebidas ou ser reproduzidas de forma velada por agentes escolares (Costa et al., 2013), e nem sempre são identificados ou questionados pelos professores. Sendo que, às vezes, até mesmo eles reproduzem atitudes e ações homofóbicas ou contribuem de forma indireta para sua manutenção (Albuquerque & Williams, 2015; Souza et al., 2015.
Em pesquisas realizadas com docentes, quando eles relataram ter presenciado situações de preconceito e agressões psicológicas, observou-se um eufemismo sobre expressões de homofobia, visto que alguns não mensuram a real gravidade de insultos e apelidos pejorativos que expressam essa discriminação. Às vezes, eles banalizam essas práticas de violência, chegando até a participar das agressões a partir do julgamento de que são consideradas "brincadeirinhas" (Souza et al., 2015. também observaram que as representações dos/as docentes sobre a homofobia são contraditórias, pois nas pesquisas informaram concepções mais amplas e outras reducionistas sobre o termo, além de demonstrarem não conhecer a amplitude do conceito, limitando seu direcionamento somente contra os homossexuais.
Mas é importante destacar que, em outras pesquisas, professores indicaram sentir falta de materiais didáticos que abordem amplamente questões relacionadas à diversidade sexual, em especial aqueles que trabalham com educação sexual (Borges & Meyer, 2008), além de criticarem a abordagem biologicista e heteronormativa presente nas escolas (Borges & Meyer, 2008; Lionço & Diniz, 2008). Devido a essas lacunas na abordagem da sexualidade em materiais didáticos, é destacada a importância dos autores de livros como os de educação sexual dedicarem-se mais a temas como diversidade sexual, orientação sexual e identidade de gênero (Roselli-Cruz, 2011).
Alguns agentes escolares resistem em reconhecer questões relacionadas à diversidade sexual para também não terem que se responsabilizar em acolher e discutir questões de discriminação sexual e homofobia. Isto está relacionado com a dimensão institucional da homofobia na escola a partir do distanciamento e silenciamento que se mantém sobre esse assunto (Borges & Meyer, 2008). Segundo Borges e Meyer (2008), isso inclui a omissão dos diretores e professores em participar de ações como as de formação e intervenção sobre sexualidade e diversidade sexual, o que ainda pode colocar aqueles que participam em situação de vulnerabilidade, ao ponto de poderem ter sua heterossexualidade questionada e torná-los vítimas da homofobia.
Esse distanciamento da escola em abordar temas relacionados à sexualidade e promover ações de combate à homofobia pode estar relacionado com a inexistência de uma preocupação formal e institucional com as questões sobre sexualidade por parte dessa instituição e da família (inclusive para o combate de violência homofóbica e abuso sexual), o que faz com que essa aproximação fique sob a responsabilidade dos professores que, voluntariamente, se interessam em abordar o assunto no contexto escolar (Borges et al., 2011). Porém o acúmulo das atribuições dos professores, somado às expectativas que a sociedade e os pais têm sobre a escola e sobre o educador, aparece como uma sobrecarga que também os levam a escolher os assuntos que julgam mais importantes, os conteúdos das disciplinas tradicionais, para serem tratados em sala de aula, ao invés de temas transversais, como o de Orientação Sexual. Entretanto, é importante ressaltar que, de acordo com os PCN, esses outros assuntos também devem integrar os conteúdos previstos para serem trabalhados na escola, dada a relevância dessas temáticas serem abordadas transversalmente na educação básica (Brasil, 1998).
Em relação aos reflexos da vivência de vitimização homofóbica na escola, alguns participantes da pesquisa de Albuquerque e Williams (2015) apresentaram relatos que indicaram problemas com a autoestima, a aceitação social e a sensação de pertencimento à escola, além de dificuldades para estabelecer e permanecer em relacionamentos. Achados dessa pesquisa também apontam indícios de impacto sobre o bem-estar e saúde mental preocupantes devido à relação com risco de depressão e suicídio. Os resultados dessa pesquisa corroboram os de Birkett et al. (2009), que encontraram maior probabilidade de bullying homofóbico e impactos negativos em jovens LGB. Destaca-se a importância de estudos como esse devido às contribuições para a investigação das consequências da homofobia, a qual gera sofrimento e coloca a vítima em posições marginalizadas e de vulnerabilidade.
Dimensões mais amplas do fenômeno da homofobia podem ser observadas na relação entre a violência simbólica e violência física em situações em que a discriminação por atitudes ou palavras resultam em agressões físicas, privações e exclusão (Roselli-Cruz, 2011). Resultados do estudo de Roselli-Cruz (2011) demonstram tal relação com a violência homofóbica ao constatar que grande parte dos palavrões usados no contexto escolar, por exemplo, ofendem por se referirem à sexualidade do próprio sujeito envolvido no conflito ou de pessoas da família a quem se dedica muito carinho, afeição e amor. O palavrão que remete à homossexualidade pode levar o ofendido - que não é homossexual - a criar uma rejeição que se manifesta através da descriminação de quem é identificado como homossexual ou dissidente da heteronormatividade.
Essa ideia também é discutida por Castro et al. (2004) e analisada dentro da visão semiolinguística e da teoria da argumentação, como é descrito por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), quando se reduz o preconceito à figura do "outro" que, nesse caso, será discriminado por não ser heterossexual. De forma geral, Roselli-Cruz (2011) chama a atenção para o fato de que aquilo que às vezes parece ser um simples palavrão, que insinue orientação sexual diferente da tida como hegemônica, pode contribuir para produção de medos, repostas agressivas e o aumento da violência, além de baixo desempenho, reprovação e evasão escolar ancorados em prejuízos causados pela homofobia.
Considerações Finais
Achados dessa revisão confirmaram que a homofobia é um fenômeno presente em instituições de educação e a manutenção das violências promovidas por ela se dá a partir das representações negativas que se tem das pessoas não heterossexuais. Considerando-se a possibilidade de transformação dessas representações, é importante refletir e ampliar o conhecimento sobre o que contribui para manutenção dessa problemática nas suas dimensões individuais e institucionais.
Materiais e livros didáticos que subsidiam as práticas educativas nas escolas são caracterizados por considerável ausência de abordagem da diversidade sexual e de gênero. Assim, destaca-se a importância dos autores de livros como os de educação sexual questionarem-se mais sobre a abordagem de temas como diversidade sexual, orientação sexual e identidade de gênero, que também são silenciados no currículo de formação dos professores, os quais informaram pouco ou nenhum contato com as temáticas relacionadas à sexualidade a serem abordadas na escola como tema transversal.
O reflexo disso é observado nos estudos em que os professores demonstraram pouco conhecimento ao falarem sobre o assunto nas escolas ou quando eles mesmos relataram essa carência na sua formação, o que sugere análise crítica do currículo proposto para o docente do ensino básico. É válido ressaltar que, nos estudos que envolveram intervenção ou observação, é possível notar a relevância de se investir em intervenções com agentes escolares, professores, alunos e seus familiares envolvendo tais questões, visto que essa abordagem, especialmente nos anos finais do ensino fundamental, pode se mostrar importante para o combate e prevenção da homofobia. Abordagens mais eficientes desses assuntos nas escolas refletem na diminuição dos índices de homofobia manifestados nesses ambientes e podem contribuir para minimizar os efeitos negativos dessa violência sobre suas vítimas.
Os artigos resgatados que compuseram a amostra final desta revisão abordaram estudos empíricos, documentais e exploratórios que possuem amostras limitadas ou oriundas de regiões ou grupos específicos, o que impossibilita análises mais profundas e a generalização dos dados acerca do fenômeno da homofobia no contexto escolar brasileiro. Além disso, esta revisão não é exaustiva, porque estudos que abordam o assunto e não usam especificamente o termo homofobia podem ter ficado de fora devido às restrições dos descritores e dos critérios de inclusão. Entretanto, os resultados apresentados e discutidos possibilitam um panorama dos estudos desenvolvidos nesse contexto, considerando-se as características dos públicos representados pelas respectivas pesquisas. O fato dessa revisão ter privilegiado apenas estudos nacionais também denota uma limitação em relação às comparações que podem ser feitas no contexto mundial. Sugere-se ampliar a análise dessa problemática através do desenvolvimento de outras pesquisas, com metodologias e sistematizações complementares, para que se possa conhecer outros aspectos dessa problemática no Brasil e em outros países, bem como o perfil das publicações científicas internacionais.
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Endereço para correspondência:
Jean Jesus Santos
E-mail: psijeanjesus@gmail.com
Elder Cerqueira-Santos
E-mail: eldercerqueira@gmail.com
Recebido em: 12/12/2018
Revisado em: 21/02/2019
Aceito em: 13/03/2019
Publicado online: 20/05/2020
1 As denúncias fornecidas não são apuradas, porém são subnotificadas pelo Ministério dos Direitos Humanos. Link.