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Boletim de Psicologia
versión impresa ISSN 0006-5943
Bol. psicol v.59 n.130 São Paulo jun. 2009
ARTIGOS ORIGINAIS
Comparações entre EAP e SDS: Interesses profissionais em alunos do ensino médio
Comparisons between EAP and SDS: Professional interests in middle school students
Fernanda Argentini Sartori; Ana Paula Porto Noronha *; Maiana Farias Oliveira Nunes
Universidade São Francisco
RESUMO
Os instrumentos psicológicos utilizados em Orientação Profissional têm como objetivo auxiliar os indivíduos no autoconhecimento e na comparação entre características pessoais e atividades profissionais. Esse estudo objetivou analisar as diferenças de médias entre os instrumentos Escala de Aconselhamento Profissional (EAP) e o Self- Directed Search Career Explorer (SDS), no que se refere ao sexo e série escolar. Participaram da pesquisa 177 estudantes do Ensino Médio de quatro escolas particulares do Estado de São Paulo, sendo 44,6% homens e 55,4% mulheres, com idade variando de 14 a 19 anos. Verificou-se que as médias de interesses não diferiram significativamente em razão das séries escolares, porém o sexo apresentou diferenças significativas para os dois testes. São discutidas as possibilidades de uso dos testes em orientação profissional.
Palavras-Chave: Orientação profissional, Avaliação psicológica, Testes de interesses.
ABSTRACT
Psychological instruments used in professional guidance aim at helping people in their self-knowledge and to compare personal aspects and professional activities. The purpose of the present research was to analyze mean differences between two instruments: Escala de Aconselhamento Profissional (EAP - Professional Counseling Scale) and Self-Directed Search Career Explorer (SDS), regarding sex and school grade. 177 middle school students from four private schools in the state of São Paulo, 44.6% men and 55.4% women, with ages varying from 14 to 19 years old have taken part in the research. Mean differences did not differ significantly for school grades, but gender showed significant differences in both tests. The potential use of these tests in professional guidance are discussed.
Keywords: Professional guidance, Psychological assessment, Interests tests.
FUNDAMENTAÇÃO
A escolha profissional envolve uma gama de questionamentos, entre eles, a descoberta de campos de interesse, a busca de uma profissão que gere satisfação, a diversidade do mercado de trabalho, que se apresenta em constante transformação e a análise da consonância entre estes elementos e as características do jovem. Considerando a complexidade dos processos de escolha de profissão, a Orientação Profissional (OP) deve problematizar as teorias e as práticas que a constituem, assim como os métodos e testes psicológicos utilizados (Mello-Silva, Oliveira e Coelho, 2002).
Um dos construtos psicológicos importantes no processo de OP são os interesses. Eles são definidos como padrões de gostos, neutralidade ou aversão frente a certas atividades ou características profissionais (Lent, Brown e Hackett, 1994). Em OP, além da análise dos interesses por meio de técnicas não padronizadas, é possível utilizar os inventários ou testes de interesses. Esses instrumentos buscam investigar quão estreitamente os interesses de alguns indivíduos estão relacionados aos de pessoas que estão envolvidas em determinadas ocupações (Anastasi e Urbina, 2000).
Para as autoras, pessoas dedicadas às mesmas ocupações caracterizam-se por interesses comuns, que as diferenciam das pessoas de outras ocupações, de tal forma que essas diferenças se estendem não apenas a questões diretamente ligadas a ocupações profissionais, como também a matérias escolares, passatempos, esportes, tipos de peças de teatro ou leituras que a pessoa aprecia. Em que pesem tais considerações, convém destacar que um instrumento adequado deve respeitar os padrões psicométricos no que diz respeito à fidedignidade, padronização e validação, com vistas a permitir resultados mais confiáveis e precisos.
No que se refere ao desenvolvimento dos testes para uso em orientação profissional, notou-se um aperfeiçoamento nos últimos anos, especialmente em países estrangeiros. No Brasil, no entanto, ainda há a necessidade de construir instrumentos para mensurar os interesses profissionais, já que poucos atualmente possuem parecer favorável do Conselho Federal de Psicologia (2007), ou seja, possuem os padrões mínimos de excelência, como estudos das propriedades psicométricas e normatização com amostras brasileiras, já mencionados anteriormente.
Ainda nessa direção, outro aspecto relevante é que o diagnóstico em OP tem sido compreendido como uma das competências fundamentais para o orientador profissional, que por sua vez, poderá ter um serviço de melhor qualidade, de acordo com Talavera, Liévano, Soto, Ferrer-Sama e Bryan (2004), caso seja desenvolvido com instrumentos que possuam características psicométricas adequadas e que mostrem sua utilidade para a população específica.
Tendo em vista a necessidade de estudar os instrumentos de interesse no Brasil, a presente pesquisa objetivou analisar diferenças de média em função de características demográficas da amostra em dois instrumentos utilizados no contexto da OP. Um deles possui parecer favorável do Conselho Federal de Psicologia – CFP (2007), a Escala de Aconselhamento Profissional - EAP (Noronha, Sisto e Santos, 2007) e o outro, o Self-Directed Search Career Explorer – SDS (Holland, Fritzsche e Powell, 1994), apesar de ainda não submetido à avaliação do CFP, possui pesquisas realizadas no Brasil (Primi, Moggi e Casellato, 2004; Mansão, 2005; Mansão e Yoshida, 2006; Sartori, 2007; Nunes, 2007). Os instrumentos e algumas pesquisas realizadas com eles são descritos a seguir.
O SDS está estruturado na teoria tipológica de Holland (1963; 1996), que propõe seis tipos de personalidades vocacionais, a saber: Realista (R), Investigativo (I), Artístico (A), Social (S), Empreendedor (E) e Convencional (C), conhecidos pela sigla RIASEC. No que se refere à conceituação dos tipos, o Realista é definido como pouco sociável, com boa coordenação motora e rapidez. Os sujeitos realistas preferem os problemas concretos aos abstratos; percebem-se como agressivos e possuem valores políticos e econômicos convencionais. O Investigativo é hábil para manipular idéias e palavras; é analítico, introvertido e crítico. Já o Artístico utiliza os sentimentos para enfrentar as situações cotidianas e prefere trabalhar com coisas mais abstratas e em que pode utilizar a criatividade.
Por sua vez, o Social é sensível, responsável e costuma agir mais pela intuição do que pela razão. Os indivíduos com preferência por este tipo tendem a possuir maior capacidade verbal e interpessoal. O Empreendedor tende a ser mais ousado nos objetivos profissionais, com características de dominância, de entusiasmo e de extroversão; com boa capacidade verbal para trabalhar com vendas e interesse por política e economia. Por fim, o tipo Convencional prefere tarefas bem organizadas, identifica-se com o poder, valorizando os bens materiais e a posição social; mostra-se inflexível, rígido e com pouca criatividade.
Vale destacar que a teoria de Holland (1963; 1996) pressupõe que os tipos do RIASEC são produto da interação entre uma variedade de forças pessoais e culturais, sendo que a partir dessa experiência, uma pessoa aprende primeiramente a preferir algumas atividades em detrimento de outras. Em conseqüência, essas atividades se transformam em interesses.
O segundo aspecto da teoria refere-se à preferência por alguns tipos de ambiente de trabalho, utilizando para tanto a mesma nomenclatura anteriormente descrita (Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional). Assim, as conceituações dos tipos de ambientes são iguais às de pessoas, o que facilita o trabalho de parear tipos de pessoas e ambientes. O terceiro pressuposto do autor aponta para o fato de que as pessoas procuram ambientes que lhes permitam exercer seus talentos, habilidades, valores e a assumir problemas e papéis compatíveis. Em acréscimo, propõe que o comportamento é determinado pela interação da personalidade com o meio. Fogliatto, Pérez, Olaz e Parodi (2003) afirmam que em face disso, a teoria do RIASEC tem sido descrita como um modelo de congruência entre os interesses e habilidades, de tal sorte que o desenvolvimento da tipologia profissional depende de uma série complexa de acontecimentos familiares, preferências ocupacionais e interações com contextos ambientais específicos.
Para testar essas proposições teóricas, Holland e Gati (2002) examinaram a aplicabilidade dos modelos de interesse profissional em 438 estudantes universitários, com idade média de 24 anos, que responderam o SDS. Os resultados foram considerados favoráveis no sentido de confirmar a coerência do modelo do RIASEC que aborda questões referentes a carreiras, atividades ocupacionais, habilidades, profissões e auto-avaliação.
Com relação aos estudos com amostras nacionais, Primi, Moggi e Casellato (2004) investigaram as correlações da versão brasileira do SDS com o Inventário Fatorial de Personalidade (IFP) em 81 adolescentes que participavam de um programa de Orientação Profissional, 76,8% mulheres, sendo a maioria com idade entre 16-17 anos. Foram observadas algumas correlações significativas entre interesses e personalidade, variando entre 0,22 e 0,39. Os coeficientes de consistência interna das escalas do SDS estiveram entre 0,86 e 0,94, sendo que estes resultados foram discutidos fazendo referência à validade e à precisão do instrumento.
Estudos de validade e precisão foram conduzidos no Brasil por Mansão (2005) e por Mansão e Yoshida (2006), com 1162 estudantes das 2ª e 3ª séries do Ensino Médio. A consistência interna do SDS, obtida pelo coeficiente alfa de Cronbach, apresentou variação entre 0,87 e 0,90. Já os resultados dos coeficientes da precisão por teste-reteste demonstraram coeficientes entre 0,82 e 0,91. Procedeu-se a diferentes estudos de validade: de construto, discriminante e concorrente, sendo que a primeira foi feita por Análise Fatorial, a segunda pela correlação com a Bateria de Provas de Raciocínio (Primi e Almeida, 2000) e a última, por meio da correlação com outros três instrumentos de interesses (QVI, LIP e Teste de Angelini). Os estudos foram favoráveis no sentido de fornecer evidências de validade para o SDS.
Mais recentemente, Nunes (2007) investigou características associadas a gênero e série escolar no SDS em uma amostra de 333 jovens de Ensino Médio, sendo 54,8% do sexo feminino, com idade média de 15,9 anos. Entre os resultados, no que diz respeito aos escores gerais do SDS, os tipos Realista, Social e Convencional apresentaram diferenças de média significativas no que diz respeito ao gênero, sendo que os homens obtiveram médias mais altas para o Realista e as mulheres, para o Social e o Convencional. Quanto a diferenças nos padrões de interesses em função das séries escolares, o tipo Empreendedor e o Convencional apresentaram médias significativamente diferentes ao longo das séries. Em relação ao tipo Empreendedor, as médias decresceram ao longo das séries, demonstrando um padrão de diminuição dos interesses por essas ocupações com o passar do tempo; já no Convencional, a média mais alta ocorreu na 2ª série, seguida de maneira decrescente pela 1ª e 3ª séries. A discussão desses dados torna-se relevante para a comparação com a presente pesquisa, que também analisará diferenças em função das características da amostra (sexo e série escolar). Em especial, no que diz respeito à última análise, Balbinotti, Wiethaeuper e Barbosa (2004), ao analisarem a cristalização das preferências profissionais intra-sujeito, justificam que é previsível que os jovens apresentem alterações nos padrões de interesse ao longo do tempo.
O outro instrumento investigado nesse estudo foi a Escala de Aconselhamento Profissional – EAP (Noronha, Sisto e Santos, 2007), construída sob o pressuposto de que as profissões são escolhidas em razão das preferências que as pessoas possuem por algumas características das ocupações, e não por outras, de tal modo que a reunião de várias delas configura um determinado campo de interesse. Ainda de acordo com os autores do instrumento, é possível que algumas preferências estejam presentes em ocupações distintas, já que uma única atividade não é capaz de determinar a ocupação a ser seguida.
Inicialmente, foram construídos 220 itens a partir das descrições das várias profissões, tomando-se como referência, para tanto, diferentes guias de profissões, assim como descrições dos perfis profissionais fornecidos por universidades brasileiras. Em um segundo momento, procedeu-se à análise heurística dos itens, sendo que foram agrupados aqueles que eram semelhantes, ainda que representassem profissões distintas. Com esta redução, chegou-se a uma escala de 61 itens, mais representativos das várias possibilidades profissionais, de tal modo que se conseguiu abranger um amplo espectro de atividades.
Trata-se de um instrumento construído com base em dados empíricos, que é passível de comparação com outros que avaliam interesses profissionais. A Escala foi validada com 762 estudantes universitários e possui sete dimensões ou áreas de preferência, a saber: Ciências Exatas; Artes e Comunicação; Ciências Biológicas e da Saúde; Ciências Agrárias e Ambientais; Atividades Burocráticas; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Entretenimento. No que diz respeito aos estudos de validade, foi conduzida a análise fatorial, que indicou as sete áreas recém-mencionadas e um estudo de validade de critério, no qual os estudantes de diferentes cursos de Graduação foram comparados de modo a verificar a existência de perfis diferenciados. Desse modo, para investigar em que medida as dimensões encontradas se ajustariam às carreiras universitárias freqüentadas pelos estudantes, comparou-se as médias obtidas pelos participantes em cada dimensão em relação ao curso de cada um. A ANOVA identificou diferenças significativas (p<0,001) para todas as dimensões. Os cursos universitários, estudados pelos autores, associados às dimensões serão descritos a seguir.
Nas Ciências Exatas, as Engenharias obtiveram a maior média e Fisioterapia, a mais baixa; em Artes e Comunicação, os alunos de Educação Artística se destacaram em contraposição aos de Veterinária e Medicina; nas Ciências Biológicas e da Saúde, a menor média foi obtida pela Educação Artística e as maiores, por Medicina e Fisioterapia. Quanto à dimensão Ciências Agrárias e Ambientais, as carreiras de Veterinária e Turismo obtiveram as maiores médias, enquanto Educação Artística, Jornalismo, Engenharias, Fisioterapia, Educação Física e Psicologia, as menores. Já em relação às Atividades Burocráticas, Educação Artística, Medicina e Fisioterapia tiveram as menores médias, enquanto o curso de Administração teve a média mais alta. Quanto às Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Pedagogia apresentou a maior média e Veterinária, a mais baixa. Por fim, para a dimensão Entretenimento, o curso de Turismo teve destaque e o de Medicina, os resultados mais baixos.
Adicionalmente, foi realizada uma análise por Rasch para avaliar as características das dimensões, na qual foram analisados índices de ajuste de infit e outfit, para pessoas e itens. Foram verificadas médias de ajuste dos itens considerados adequados, de acordo com a literatura especializada, de modo que se reafirmou a justificativa da escolha pelos itens que compõem a escala.
A precisão dos fatores foi investigada de diferentes formas; quando avaliada pelo Modelo de Rasch, variou entre 0,97 e 0,99, pelo alfa de Cronbach variou entre 0,79 e 0,94. Já a correlação entre as duas metades esteve entre 0,75 e 0,91.
Sartori (2007) realizou um estudo correlacional entre o EAP e o SDS com 131 estudantes do Ensino Médio, sendo 50% do sexo feminino, com idade variando de 15 a 19 anos, de escolas particulares do interior de São Paulo. O EAP apresentou correlações significativas com o SDS. Especificamente, a dimensão Ciências Exatas apresentou correlações significativas e positivas com os tipos Realista, Investigativo e Convencional. Já Artes e Comunicação apresentou correlação positiva e significativa com os tipos Artístico, Social e Empreendedor. As Ciências Biológicas e da Saúde tiveram resultado positivo e significativo com os tipos Social e Investigativo. As Ciências Agrárias e Ambientais tiveram o mesmo padrão de correlação que o das Ciências Biológicas e da Saúde. As Atividades Burocráticas apresentaram correlações positivas e significativas com Realista, Investigativo e Convencional, enquanto as Ciências Humanas e Sociais aplicadas apresentaram correlações significativas e positivas com o Investigativo, Artístico, Social e Empreendedor. Por fim, a dimensão Entretenimento apresentou correlações positivas e significativas com os perfis Artístico, Social e Empreendedor. Os resultados apontam para a convergência entre os construtos avaliados no EAP e no SDS.
No que diz respeito à associação entre interesses profissionais e gênero, pode-se citar a pesquisa de Santos e Silva (2005). Os autores investigaram diferenças nas preferências por cursos de graduação, tendo realizado um levantamento sobre os alunos matriculados em cursos variados da Universidade de São Paulo, no ano de 2003. Os achados revelaram que os cursos de Economia, Contabilidade, Administração, Informática, Biomédica e Medicina são os que concentram mais homens, enquanto em Enfermagem, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Farmácia, Psicologia, Pedagogia, Fisioterapia e Química predominam as mulheres. Os autores sugerem que pesquisas dessa natureza deveriam ser divulgadas com maior periodicidade, de modo a auxiliar os pesquisadores a acompanharem as tendências estaduais e nacionais quanto à opção por cursos específicos.
O acesso ao Ensino Superior em Portugal quanto ao gênero e ao nível sócio-econômico foi investigado por Almeida, Guisande, Soares e Saavedra (2006). Fizeram parte da amostra 1407 alunos da Universidade do Minho, sendo 59% mulheres, com a média de idade de 18,4 anos. Para destacar o perfil sócio-cultural das famílias de origem, os autores os classificaram de acordo com o grau máximo de escolaridade dos pais, tendo três categorias, a saber, baixo (equivalente ao Ensino Fundamental, Ciclo I), médio (equivalente ao Ensino Fundamental, Ciclo II até Ensino Médio) e alto (pais com cursos de graduação). Quanto aos cursos, foram divididos em quatro grandes áreas, quais sejam, Ciências Naturais (CN), Econômicas (CE), Sociais (CS) e Engenharias (E). Quanto à distribuição por sexo, as CN, CE e CS tiveram maior participação feminina, em todas as classes, sendo que a menor freqüência nesses casos foi de 58,3% para CE na origem sócio-cultural alta. Já na Engenharia, houve uma predominância masculina, em todas as classes. Esses resultados contribuem para a análise de diferenças nos padrões de interesses em função de características específicas da amostra.
No que se refere à presente pesquisa, o objetivo foi comparar diferenças entre as médias dos dois instrumentos, EAP e SDS, em relação ao gênero e série escolar. Apesar do EAP e SDS não possuírem o mesmo referencial teórico, outro estudo já apontou para a relação empírica entre eles, sugerindo que avaliam construtos correlacionados (Sartori, 2007), de modo que se torna possível a comparação entre os resultados nos dois testes.
MÉTODO
Participantes
Participaram do estudo 177 alunos do Ensino Médio de quatro escolas particulares do Estado de São Paulo, sendo três em cidade do interior e uma na capital. A idade variou entre 14 e 19 anos, com média de 15,77 e desvio-padrão de 0,95, sendo 57,6% da 1ª série, 28,2% da 2ª e 13,6% da 3ª. Um participante não informou a série. Quanto ao sexo, 44,6% eram homens e 55,4%, mulheres.
Instrumentos
Foram utilizados dois instrumentos de avaliação dos interesses, a Escala de Aconselhamento Profissional (EAP) de Noronha, Sisto e Santos (2007) e o Self-Directed Search (SDS) de autoria de Holland, Fritzsche e Powell (1994), traduzido e adaptado por Primi et al. (2000). Todos os participantes responderam a EAP, porém apenas 132 responderam o SDS, o que ocorreu por limitações nas concessões de tempo das escolas. Para a análise de dados serão respeitados os números de participantes em cada instrumento.
O EAP avalia as preferências profissionais por meio de 61 itens, que são respondidos em uma escala likert de 1 a 5, indicando as atividades profissionais que o sujeito gostaria de realizar. O tempo de aplicação é de cerca de 20 minutos.
O outro instrumento utilizado, o SDS, é um teste fundamentado na teoria dos seis tipos de personalidade vocacional de Holland (1963), que avalia os tipos do RIASEC, conforme descrito anteriormente. O SDS é composto por quatro seções, sendo que as três primeiras avaliam os seis tipos ocupacionais em termos de Atividades, Competências e Carreiras, que devem ser respondidos com “sim” ou “não”, quanto às atividades que o sujeito gosta ou gostaria de fazer, das competências para as quais o sujeito se considera bom ou que gostaria de aprender e, por fim, das carreiras que a pessoa gostaria de seguir. A última seção trata das Habilidades, na qual o participante deve se avaliar com relação a 12 habilidades, empregando uma escala likert de sete pontos, de baixa a alta percepção de habilidade. A escala completa possui 216 itens e o tempo de aplicação é de 40 minutos, em média. Para o presente estudo, foi considerado o escore geral, obtido por meio da soma das pontuações dos tipos em cada uma seções, sendo que a seção Habilidades não foi avaliada.
Procedimento
Essa pesquisa inicialmente foi submetida e aprovada por um Comitê de Ética de uma Universidade. Posteriormente, foi feito o contato com as instituições, solicitando a autorização para o contato com os alunos. Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE) foram enviados aos responsáveis pelos alunos e só participaram da pesquisa aqueles que devolveram assinado. As aplicações foram realizadas coletivamente em sala de aula, em horário cedido pelas escolas, com aproximadamente 20 alunos por aplicação, sendo que, no caso da aplicação dos dois testes, a mesma era iniciada pelo EAP. As instruções para preenchimento dos testes foram dadas oralmente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dois testes foram avaliados quanto à existência de possíveis diferenças de média em função das variáveis sexo e série escolar, utilizando-se o teste t de Student e a ANOVA. Para as análises com o EAP foram consideradas as médias ponderadas nas dimensões, uma vez que a quantidade de itens por fator é desigual. Para o SDS, foi considerado o escore geral nos tipos, que é gerado a partir da somatória dos pontos em cada tipo, para cada seção. Vale lembrar que todos os tipos possuem a mesma quantidade de itens no SDS. A Tabela 1 apresenta o resultado da análise de diferenças por sexo para a EAP.
Tabela 1. Médias, desvios padrão e diferenças entre médias por sexo nas dimensões da EAP (Amostra masculina = 79; Amostra feminina = 98)
Como se pode observar, as áreas de Ciências Exatas e de Ciências Biológicas e da Saúde apresentaram diferenças estatisticamente significativas em função do sexo do participante. Ainda, a dimensão Entretenimento apresentou uma diferença marginalmente significativa, assim como Artes e Comunicação. A Tabela 1 detalha essa informação, apresentando as médias e os desvios padrão por sexo em cada dimensão.
Na dimensão de Ciências Exatas os homens exibiram médias mais elevadas e nas Ciências Biológicas e da Saúde, Artes e Comunicação e em Entretenimento, as mulheres tiveram médias mais altas. As Ciências Exatas possuem itens que versam sobre o trabalho minucioso com números, bancos de dados, atividades associadas à informática e ações de planejamento de produção para fábricas.
Estes resultados parecem coerentes com o observado por Santos e Silva (2005), ao analisarem as atividades desenvolvidas nos cursos de Economia, Contabilidade, Administração, Informática, nos quais os homens também tiveram maiores médias. Ao lado disso, no estudo de Almeida et al. (2006) os autores encontraram preferência masculina pelos cursos da área da Engenharia, que, na EAP, estão incluídos na dimensão Ciências Exatas.
No que diz respeito à dimensão das Ciências Biológicas e da Saúde, estão incluídas as atividades que dizem respeito à orientação da população sobre prevenção de doenças, trabalhos de campo para salvamento, reabilitação e prevenção de lesões e pesquisas médicas e biológicas. Assim, parece haver coerência com os dados de Santos e Silva (2005), nos quais a presença das mulheres destacouse em cursos como Enfermagem, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Farmácia, Fisioterapia e Química, que envolvem o cuidado de outras pessoas nos aspectos físicos, além da possível atuação em pesquisas para o desenvolvimento de opções de cura e tratamento de doenças. A pesquisa de Almeida et al. (2006) também corrobora o presente achado, no sentido da maior participação feminina nas Ciências Naturais.
Quanto à dimensão Entretenimento, o conteúdo dos itens versa sobre assuntos associados à moda, publicidade e gerenciamento de atividades de lazer. Assim, destacam-se características associadas à sensibilidade artística, assim como ao contato social como forma de trabalho. Já Artes e Comunicação tratam de questões tais como, recuperar obras e objetos de arte, o que está em concordância com o estudo de Santos e Silva (2005).
De maneira semelhante, observou-se diferenças significativas em alguns tipos do SDS, conforme pode ser observado na Tabela 2.
Tabela 2. Médias, desvios padrão e diferenças entre médias nos tipos do RIASEC em função do sexo (Amostra masculina= 60; Amostra feminina= 72)
Os tipos Realista, Social e Empreendedor apresentaram diferenças de média estatisticamente significativas. Além disso, o tipo Investigativo apresentou diferenças marginalmente significativas. Também um detalhamento das médias para homens e mulheres é exibido na Tabela 2.
No tipo Realista, Investigativo e Empreendedor os homens apresentaram médias significativamente mais elevadas que as mulheres. Já no Social, as mulheres obtiveram as maiores médias. Esses resultados corroboram parcialmente os achados de Nunes (2007), no que diz respeito à concordância dos resultados com os tipos Realista e Social, porém o mesmo não se verificou com o tipo Investigativo e Empreendedor, que presentemente evidenciaram diferenças significativas. Ainda, a diferença no tipo Convencional observada por Nunes (2007) não se replicou nesse estudo, tanto no sentido da significância estatística como pelo fato das mulheres apresentarem médias menores que os homens na presente amostra.
Essa comparação, no entanto, deve ser feita considerando as diferenças entre as amostras dos dois estudos. A maior diferença entre elas refere-se ao fato de que o presente utilizou apenas alunos de escola particular, enquanto o de Nunes (2007), teve uma participação de 66,2% de alunos de escolas públicas. É possível que condições culturais e sociais exerçam influência nos resultados referentes aos interesses, conforme proposto por Almeida et al. (2006), o que sugere a importância de realização de estudos que detalhem mais informações sobre esses aspectos. Adicionalmente, destaca-se que os resultados aqui encontrados devem ser mais investigados no futuro, com amostras maiores e mais representativas do contexto nacional, de modo a tentar fornecer resultados mais estáveis para populações com características semelhantes.
O outro objetivo desse artigo era verificar a existência de diferenças entre as médias em função da série escolar, o que será exposto a seguir. A análise de diferenças por série da EAP é apresentada na Tabela 3.
Tabela 3. Análise de variância da EAP em função da série escolar
Nesta análise, observou-se diferença significativa apenas na dimensão 2, que envolve o conteúdo da área de Artes e Comunicação. Essa dimensão traz itens que avaliam o interesse por estudar a origem e evolução do homem e da cultura, outras atividades mais artísticas como desenho, escrita e produção de vídeos, além de itens sobre o gerenciamento de atividades de lazer e organização de eventos de arte, música, teatro ou cinema. Neste caso específico, as médias foram crescentes entre a 1a e 3a séries. Já a ANOVA por série para o SDS não apresentou nenhuma diferença significativa, conforme exposto na Tabela 4.
Tabela 4. ANOVA por série para os tipos do SDS
Especificamente quanto ao estudo de mudanças nos padrões de interesse ao longo do tempo, seja por meio do EAP ou do SDS, espera-se que haja maior cristalização das preferências profissionais intra-sujeito (Balbinotti, Wiethaeuper e Barbosa, 2004), porém o presente resultado parece coerente ao analisar a perspectiva inter-individual, ou seja, não é esperado que tipos específicos apresentem alterações nos padrões de interesse ao longo do tempo, considerando grupos de jovens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que se refere aos objetivos desse estudo, quais sejam, comparar diferenças de médias entre o EAP e o SDS no que se refere ao sexo e série escolar, vale destacar que os resultados são consoantes com o esperado teoricamente, uma vez que os interesses não deveriam sofrer influência mais substancial em função das séries escolares, de modo distinto de outros construtos, como a indecisão para escolha profissional. Assim, corrobora-se considerações de outros autores de que os interesses costumam variar mais em função do sexo que de outras características específicas da população (Leitão e Miguel 2001; 2004). A discussão de Almeida et al. (2006) sobre características sócio-econômicas dos jovens influenciando a escolha de profissões sugere que o ingresso em certas áreas de atuação tendem a perpetuar as configurações existentes em termos de estratos sócioeconômicos. Desse modo, estudos futuros poderiam estudar em maior profundidade os aspectos culturais, sociais e econômicos de amostras brasileiras, no que diz respeito à escolha de profissões.
Ainda, pode-se pensar sobre a coerência das diferenças entre as médias em função do sexo entre os resultados da EAP e do SDS. No EAP, as Ciências Exatas e Ciências Biológicas e da Saúde apresentaram médias mais altas, para homens e mulheres, respectivamente. No SDS os tipos Realista, Social e Empreendedor apresentaram diferenças significativas, observando-se escores mais altos para as mulheres no tipo Social e para os homens, nos outros dois tipos supracitados. Assim, as mulheres apresentaram um padrão de interesses, ao comparar os dois instrumentos, mais voltados para o cuidado físico e psicológico de outras pessoas, além do caráter assistencial. Por outro lado, os homens interessaram-se mais por atividades que exigem precisão, o trabalho com coisas (números, bancos de dados), em contraposição ao trabalho com pessoas, mais característico das mulheres. A coerência com o SDS revela-se com as atividades mais concretas do tipo Realista e acrescenta-se o aspecto do convencimento e argumentação, predominantes no tipo Empreendedor.
Esses resultados podem ser aproveitados no sentido de conhecer características de amostras que poderão se beneficiar de processos de orientação profissional, que é o caso de jovens de Ensino Médio. O EAP, enquanto instrumento aprovado pelo CFP (2007), de fácil aplicação e interpretação, pode se apresentar como uma ferramenta útil para psicólogos, que devem tentar conhecer apropriadamente características da sua clientela, de modo a prover serviços de excelência. O SDS, por ser um teste estudado sistematicamente no Brasil desde 2004, também apresenta grande potencial para uso em pesquisa e, futuramente, após submissão e possível aprovação do CFP, como mais um instrumento para o diagnóstico em OP. Destaca-se ainda que, para o psicólogo, essa é uma área importante e em expansão, que envolve a interface entre a avaliação psicológica e a orientação profissional.
À guisa de conclusão, destaca-se a importância de realizar outros estudos com instrumentos de avaliação dos interesses em outras regiões do país, de modo a verificar o possível efeito de diferenças culturais, além de um detalhamento sobre o nível sócio-cultural dos alunos, o que permitirá análises e discussões mais embasadas.
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Recebido em 11/09/07
Revisto em 17/12/07
Aceito em 20/12/07
* Endereço para correspondência: Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro. Itatiba - SP. CEP: 13.253-231. E-mail: ana.noronha@saofrancisco.edu.br.