Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.11 no.1 Belo Horizonte jan./jun. 2018
https://doi.org/10.36298/gerais2019110110
ARTIGOS
Possibilidades de intervenção do psicólogo escolar na educação inclusiva
Possibilities for intervention of the school psychologist in inclusive education
Paula Costa de AndradaI; Paulo Henrique MacedoII; Thalita Camargo GasparelliIII; Flávia Camile de Oliveira CantonIV; Marina Brandão RovidaV; Pâmela Suelen Gama da CruzVI
IUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: p.andrada@uol.com.br
IIUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: paulo-h-macedo@hotmail.com
IIIUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: thalita.camargogasparelli@gmail.com
IVUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: cantonflavia@gmail.com
VUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: marinabrandao07@gmail.com
VIUNIFAAT Faculdades, São Paulo, Brasil. E-mail: gamacruz@outlook.com
RESUMO
Este artigo resulta de uma pesquisa de Iniciação Científica que objetivou fazer um mapeamento de ações na área da Psicologia Escolar Educacional de práticas inclusivas dentro das escolas e que, efetivamente, promovam o desenvolvimento dos sujeitos. Investigamos as práticas realizadas nas escolas com base nos conhecimentos da Psicologia e que se mostram efetivas no que concerne à promoção da inclusão na perspectiva teórico-metodológica da Psicologia Histórico-cultural. A pesquisa é de natureza bibliográfica e abordagem qualitativa, se propondo a fazer um mapeamento com análise crítica de práticas de inclusão objetivando a comparação de informações. Os resultados apontam que apesar da importância das ações mapeadas estas são ainda incipientes, com muitas lacunas a serem preenchidas por educadores e psicólogos para práticas realmente inclusivas.
Palavras-chave: Inclusão escolar. Psicólogo escolar. Psicologia histórico-cultural.
ABSTRACT
This paper presents a scientific initiation study aimed at mapping actions in the area of Educational School Psychology for inclusive practices that can effectively promote the development of the subjects. We investigate the practices adopted in schools based on the knowledge and principles of psychology and that are effective in promoting the inclusion within the theoretical-methodological perspective of Historical-Cultural Psychology. The research has a bibliographic and a qualitative approach proposing to make a roadmap and a critical analysis of inclusion practices in order to compare the information obtained. The results point out that, despite the importance of such actions, they are still incipient, with many gaps to be filled by educators and psychologists for truly inclusive practices.
Keywords: School inclusion. School psychology. Historical-cultural psychology.
Introdução
Este artigo apresenta uma pesquisa realizada no âmbito da Iniciação Científica que objetivou fazer um mapeamento de ações na área da Psicologia Escolar Educacional favorecedoras das práticas inclusivas dentro das escolas e que, efetivamente, promovam o desenvolvimento dos sujeitos. Destacamos que a Psicologia, como ciência de fundamentos da educação, tem papel relevante na inclusão justamente pela compreensão do desenvolvimento humano e do sujeito. Porém, interessa-nos sobremaneira refletir sobre as práticas realizadas nas escolas com base nos conhecimentos e princípios da Psicologia e que se mostram efetivas no que concerne à promoção da inclusão. Essas práticas, inspiradas nos princípios e conceitos da Psicologia Histórico-cultural, focalizam o sujeito inserido em seu contexto, envolvendo, portanto, todos os atores que participam das interações que se pretendem inclusivas, e compreendendo que o meio físico e social é fonte de desenvolvimento, tal como postula Vigotski (1935/2010).
O motivo de nos centrarmos em tal objeto de estudo é a relevância social, acadêmica e educacional do tema proposto, tão necessário à Escola da atualidade. Ressaltamos o caráter de mapeamento que esta reflexão assume com vista a oferecer um rol de possibilidades de atuação do psicólogo, haja vista a escassez de referências de tal temática voltada à intervenção nas escolas (Barbosa & Souza V., 2010; Barroco & Souza M. 2012; Gomes &Souza V., 2011; Leonardo, Bray & Rossato, 2009; Souza, V. Petroni, Dugnani, Barbosa & Andrada, 2014).
Pesquisas indicam que, apesar de termos no Brasil, uma política que garanta o direito à inclusãoi o que se vivencia na prática difere do que é garantido pelas leis: as escolas comumente não têm condições físicas, pedagógicas e sociais para assegurar a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais (NEE), incluindo seus profissionais que usualmente não sabem ao certo como lidar com tais questões (Barbosa & Souza V., 2010; Braz-Aquino, Ferreira & Cavalcante, 2016; Gomes & Souza V., 2011; Leonardo et al., 2009; Teodoro, Godinho, & Hachimine, 2016). As referidas pesquisas revelam o quanto a tarefa de se incluir os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) é complexa para os integrantes da escola e o quanto ainda se tem que avançar em tal questão.
As discussões sobre inclusão não são recentes, sobretudo no meio educacional, uma vez que, a partir de 1994, o tema ganhou repercussão mundial pela ação da Declaração Mundial de Salamanca (Unesco, 1994), um importante documento que potencializou as discussões sobre a construção de uma sociedade inclusiva. Esse documento inspirou, mundialmente, a criação de políticas e práticas relativas ao aprimoramento do sistema educacional, objetivando a inclusão de todos os estudantes, independentemente de suas diferenças ou dificuldades (Gomes & Souza V., 2011). Mas o fato de haver documentos que respaldam tal questão não legitima o viver em uma sociedade e escola inclusivas. De acordo com levantamento bibliográfico (Barbosa & Souza V., 2010; Gomes &Souza V., 2011; 2012; Leonardo et al., 2009; Martinez, 2005), as controvérsias da inclusão escolar são ainda muito relevantes, uma vez que tem se falado frequentemente sobre o tema, mas percebe-se que ainda há muito a ser feito para se combater a dicotomia inclusão/exclusão presente nas escolas, tanto pela complexidade da questão como pelo volume de demandas de nossa Educação.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2013) aponta caminhos para a superação de tal demanda e coloca o psicólogo escolar em construção conjunta com os integrantes da escola como possibilidade de desenvolver ações que contribuam com práticas humanizadas de inclusão enfatizando a dimensão afetiva das experiências educacionais. Seriam elas: o acompanhamento do aluno de inclusão observando sua subjetividade, peculiaridades e necessidades especiais; participação na articulação de serviços para o atendimento do estudante com deficiência; a busca de garantia de atendimento em outras áreas; a adequação dos processos de avaliação psicopedagógica; auxílio aos professores e colegas; aprimoramento de programas de inclusão na escola que privilegiem a potencialidade dos sujeitos e não as suas "deficiências". Porém, segundo Leonardo et al. (2009), estamos longe de construir formas igualitárias de oportunidades quando se pensa na escola regular, uma vez que nem sua infraestrutura física e nem seus integrantes estão sendo preparados para lidar com as diferenças, com a singularidade e a diversidade de todos.
Discutir a inclusão escolar implica em trazer à tona questões muito amplas, como: o pouco investimento no sistema educacional brasileiro; a falta de infraestrutura no tocante a recursos físicos para atender a todos os alunos, sejam eles especiais ou não; o preconceito; a discriminação; e a falta de credibilidade que ainda impera em relação às pessoas diferentes, principalmente as que possuem algum tipo de deficiência. (Leonardo et al., 2009, p. 291)
Assim, nos colocamos diante de alguns questionamentos: como a Psicologia, área que privilegia as relações humanas, tem contribuído ou pode contribuir para transformar tal realidade? Quais práticas da Psicologia Escolar têm sido implantadas e que, realmente, se mostram eficazes no desenvolvimento de uma inclusão mais humanizada? Essas e outras perguntas apontam nosso problema de pesquisa, que foi verificar o que nós, psicólogos que atuamos na Educação, estamos fazendo e podemos fazer para uma mudança tão relevante à sociedade como um todo: humanizar os processos de exclusão/inclusão? Diante disso, pretendemos discutir intervenções da Psicologia Escolar Educacional que possam fomentar atuações que sejam legitimamente inclusivas.
Método
Esta pesquisa, de perspectiva qualitativa e de natureza bibliográfica, se propõe a fazer um mapeamento e a apresentar uma análise crítica de práticas de inclusão tomando como objeto de investigação artigos que se referem ao nosso problema de pesquisa, descrito no parágrafo anterior. Tem um enfoque descritivo por se tratar de análise de trabalhos já realizados, objetivando a comparação de informações. De acordo com Prodanov e Freitas (2013), a pesquisa bibliográfica busca examinar um tema específico sob determinada abordagem, mas pensando em inter-relações, e não apenas repetindo os dados coletados. Para tanto, utilizamos os pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia Histórico-cultural, sobretudo Vigotski e seus leitores, uma vez que tal perspectiva investiga os fenômenos psicológicos de forma complexa, pois lançam um olhar para além do aparente na busca de explicações do dito e não dito, abrangendo as contradições de um fenômeno como um todo.
Como nosso objetivo é o de circunscrever as práticas dos psicólogos nas escolas, não foram incluídas publicações que se reportavam apenas às práticas pedagógicas, pois havia a necessidade de um recorte de pesquisa para cumprir com os objetivos propostos.
Procedimentos
Foram realizadas buscas no Google Acadêmico por ser uma plataforma que abarca outras bases de dados de pesquisa e também no portal Capes. A intenção era pesquisar primeiramente artigos. Mas quando uma dissertação ou tese encontrada não tivesse originado produção de artigo, foi lida e sintetizada. As palavras usadas para a primeira busca foram: Psicologia + inclusão escolar; Psicologia + educação inclusiva; Psicologia + Educação Especial. Em seguida, fizemos uma segunda busca refinada e excluímos artigos que se referiam apenas a questões teóricas e nos ativemos aos resumos que tratavam de temas como: intervenção, prática, atuação do psicólogo escolar, pesquisa-intervenção.
Como delimitação da pesquisa, nos detivemos nas produções entre os anos de 2011 e 2016. Foram excluídas as abordagens: Comportamental Cognitiva, Psicanálise e indefinidos (sem abordagem especificada). Fizemos nova triagem apenas nos reportando à Psicologia Histórico-cultural (ou sócio-histórica), visando atingir as principais queixas escolares que se referiam às Necessidades Educacionais Especiais (NEE): dificuldades cognitivas, emocionais, comportamentais, socioeconômicas e necessidades físicas especiais.
Subsequentemente, fizemos nova triagem elegendo os materiais para leitura que se referiam apenas ao nosso objeto de pesquisa; essa nova triagem foi importante, pois algumas pesquisas se circunscreviam ao plano teórico. Porém, nos defrontamos com nova necessidade de recorte e optamos por nos atermos àquelas que se revelam mais desafiadoras para a inclusão: as deficiências intelectuais e eliminamos as queixas comportamentais, socioeconômicas e necessidades físicas especiais, uma vez que a maioria dos artigos se referia à deficiência intelectual e transtornos do espectro autista.
Pretendemos, a partir das leituras realizadas, pensar em uma forma de organizar os dados. Ao lermos juntos as sínteses feitas, percebemos que as estratégias de atuação do psicólogo escolar enfocavam quatro dimensões estabelecidas a posteriori: Intervenções macrossociais; Intervenções institucionais; Intervenções entre os atores escolares; Intervenções direcionadas ao sujeito. Essas dimensões nortearam a organização e análise dos dados e, por meio delas, entendemos que pudemos delimitar nosso objeto de pesquisa captando todas as nuances necessárias para uma coleta de dados contextualizada à luz de uma perspectiva histórico-cultural.
Resultados
A pesquisa bibliográfica realizada por nosso projeto objetivou conhecer concepções e práticas de psicólogos escolares nos processos inclusivos junto a alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE). Algumas pesquisas apontam como o processo inclusivo ainda é incipiente nas escolas e descrevem os principais impedimentos para seu desenvolvimento. Entre eles, poucos investimentos na educação por parte do Governo ou das Secretarias, falta de condições de infraestrutura física dos prédios escolares e de condições materiais, pedagógicas e subjetivas para garantir os direitos dos alunos com deficiência ao desenvolvimento e aprendizagem. Os autores ainda destacam a manutenção de práticas excludentes e da não aceitação das diferenças entre os discentes (Braz-Aquino et al., 2016; Leonardo et al., 2009; Neves & Leite, 2013). Nesse contexto intervêm como fato o que Cavalcante e Aquino (2013) apontam: os movimentos inclusivos que acontecem se configuram em ações isoladas e práticas restritas de orientação aos professores e o habitual é encontrarmos uma postura voltada à cura, remedição e encaminhamentos.
Em contrapartida, buscamos em nossas leituras investigar o que tem sido feito nos últimos seis anos pelos psicólogos nas escolas. Nosso interesse foi aprofundar e enfocar o papel do psicólogo como agente para desenvolver ações que ajudem na diversificação de práticas promotoras do desenvolvimento e aprendizagem. Para organização dessas ações, conforme mencionado, as dividimos em quatro grandes dimensões, partindo da mais ampla, envolvendo um contexto abrangente, para a mais singular, voltadas aos sujeitos.
- Intervenções macrossociais são as ações do psicólogo nas Secretarias de Educação, de Saúde, órgãos de Assistência Social, Prefeituras, Organizações não Governamentais.
- Intervenções institucionais são as ações entre a escola (e seus integrantes) em intercâmbio com outros profissionais e setores da sociedade de forma contextualizada.
- Intervenções entre os atores escolares são as ações entre integrantes específicos da escola: equipe pedagógica; família; colegas.
- Intervenções direcionadas ao sujeito (ações individualizadas) são as ações voltadas ao acompanhamento particularizado do aluno.
Discussão
A partir dessas dimensões elegidas e de todas as leituras realizadas, os dados deste estudo apontam que já se destaca o papel do psicólogo escolar no acompanhamento e participação na articulação de serviços com equipe interdisciplinar de apoio ao aluno com necessidades especiais. Isso assinala que já há uma preocupação com práticas emergentes da Psicologia na busca de garantia de atendimento em outras áreas e da troca de informações entre os profissionais que atendam esses alunos para além de meras intervenções clínicas e encaminhamentos descontextualizados. Porém, a demanda pela inclusão nas escolas se mostra maior do que as ações que vêm sendo empreendidas, uma vez que foram encontrados poucos artigos se propondo à apresentação de tal temática, sabidamente volumosa. Elencamos a seguir os principais achados de nosso mapeamento.
1 Intervenções Macrossociais
Em uma intervenção institucional na escola, Marinho-Araújo (2015) destaca a relevância de se conhecer suas reais demandas por meio de um mapeamento institucional e análise dos contextos escolares para uma adequada compreensão da realidade. A autora declara que não é somente como um levantamento de necessidades ou um diagnóstico prévio, mas é algo que está em permanente construção e ressignificação por meio de constantes direcionamentos do planejamento e das práticas dos psicólogos. Parte-se de uma análise da conjuntura que permeia a escola, que engloba seus aspectos históricos, econômicos, políticos, geográficos, sociais, na qual a escola e seus participantes estão inseridos. Aspectos esses também citados por Barroco e Souza (2012).
Uma das ações pesquisadas que apontam o psicólogo como articulador entre as várias esferas sociopolíticas e a Educação foi a de Luz (2016), que, ao ingressar como psicóloga na rede pública de uma cidade do interior do Ceará, iniciou um processo de desconstrução da Psicologia dentro das escolas, uma vez que, histórica e culturalmente, esta se ampara na psicologia clínica. Para romper com esse viés, a psicóloga se reuniu com vários profissionais (da Secretaria de Educação, equipe interdisciplinar, gestores de escolas, supervisores escolares e professores) objetivando expor práticas emergentes defendidas pelo CFP (2013).
Luz (2016) destaca como importante ação do psicólogo escolar a realização de uma ampla investigação da rede pública para se identificar a quantidade de alunos com NEE, em quais escolas estudam, o nível da escolaridade, leitura e escrita, a existência de tecnologias inclusivas e o intercâmbio com as famílias desses alunos. Essa investigação deve ser discutida com a Secretaria de Educação do município para a construção de um trabalho conjunto de desenvolvimento educacional da população e melhor delineamento da atuação do profissional de Psicologia, em se tratando das necessidades de cada escola. A partir disso, a autora sugere a realização de reuniões formativas multissetoriais para ampliar o conhecimento de profissionais envolvidos com a educação sobre o processo de inclusão, principalmente para romper com padrões patologizantes de qualquer tipo de NEE. Luz (2016) aponta também a importância de serem realizadas intervenções com os técnicos da Secretaria de Educação, com os pais, com os alunos e setores da saúde, assistência e também com organizações não governamentais (ONGs) para um apoio amplo desses alunos, tanto no rompimento de rótulos quanto no conhecimento de estratégias de inclusão e abertura de espaços para que tenham uma vida social mais inclusiva (como exemplo, frequentar outros espaços de convivência no contraturno escolar). Para isso, sugere as parcerias com ONGs que oferecem diferentes oficinas objetivando o convívio e interação com outras pessoas.
Apesar de a atuação contextualizada do psicólogo escolar dialogando com outros setores da sociedade ser uma das principais premissas da Psicologia Escolar Crítica (Barroco & Souza M., 2012; CFP, 2013; Souza M., 2009; Souza V. et al. 2014), o envolvimento do psicólogo escolar em uma macrodimensão foi pouco citada nos artigos pesquisados. A maioria das práticas não aborda essas questões como possibilidades de ação do psicólogo escolar, mas sim questões mais voltadas aos atores da escola. Esse fato aponta uma interface importante: a lacuna entre o ideal e o real. O que significa dizer que há estudos que assinalam a necessidade de se ampliar o foco investigativo-interventivo das práticas inclusivas, mas elas ainda são incipientes para podermos considerar como uma prática emergente validada pelos pressupostos da Psicologia Escolar Crítica.
2 Intervenções Institucionais
Pelas pesquisas levantadas, o papel do psicólogo nas intervenções institucionais pode ser desempenhado de diversas formas: como mediador entre a escola e outras instâncias da sociedade e poder público, como interlocutor entre a escola e outros profissionais que acompanham o discente com NEE e como agregador dentro da própria instituição escola. Nóbrega, Ferro e Rocha (2015) se dedicaram à realização de um mapeamento institucional objetivando observar a instituição e suas relações, além de levantar informações sobre demandas a serem enfocadas no que diz respeito ao tema inclusão. O foco das ações foram os alunos com NEE, mas "considerando não somente os fatores orgânicos e individuais, como também o contexto escolar, familiar, as relações na sala de aula, recursos e formas de avaliação, entre outros" (p. 84).
O trabalho articulado entre os integrantes da escola, não focado apenas no indivíduo, que proporcione ações integradas e construídas conjuntamente, também é citado por autores como Barroco e Souza M.(2012); Braz-Aquino et al. (2016); Nóbrega et al. (2015); Turetta (2012). No trabalho de Braunstein (2012), os psicólogos escolares relataram a importância de receber o apoio de outros profissionais como fonoaudiólogos, psicopedagogos e até mesmo outros psicólogos, esses profissionais podem contribuir com a reflexão acerca de ações que favoreçam o processo de inclusão de alunos com NEE e não meramente por meio de encaminhamentos.
Luz (2016) sugere a necessidade de o psicólogo escolar fazer um trabalho de redefinir o seu lócus de ação, uma vez que para apoiar o processo de desenvolvimento de alunos com NEE os espaços devem se estender para além dos muros da escola. Assim sendo, a autora descreve a relevância de atividades interdisciplinares e possibilidades de atuação conjunta e também um trabalho em redes dialogando com as áreas da saúde e assistência social que atuam também no atendimento desse público. Braz-Aquino, et al. (2016) também expõem a relevância de um trabalho articulado entre profissionais das escolas e secretarias, no qual o psicólogo pode atuar fazendo a ponte entre escola e municipalidade.
3 Intervenções entre os atores escolares
Para Mattos e Nuernberg, (2011), o psicólogo escolar tem como foco auxiliar a superação das barreiras vivenciadas pelo aluno de inclusão em seu contexto escolar por meio de apoio na interação e na comunicação. Braz-Aquino et al. (2016) destacam que a ação do psicólogo escolar deve embasar-se na premissa de romper estigmas, trabalhar as resistências e acolher as diferenças por meio do trabalho coletivo com demais integrantes da escola: professores, alunos e gestores em direção a um trabalho que realmente seja promotor de reflexões e mudanças e que delimite ações inclusivas efetivas. O trabalho coletivo entre os integrantes da escola foi uma temática comumente citada e apresentamos a seguir uma relação das principais práticas.
3.1 Equipe Pedagógica
3.1.1 Romper com estigmas sobre inclusão.
Buscar provocar reflexões com a equipe escolar, professores, gestores e estudantes, assim como familiares, sobre inclusão é uma das ações mais frequentes entre os psicólogos inseridos na educação. O foco desse processo é romper com estigmas e generalizações referentes aos alunos com NEE (Barroco &Souza M., 2012; Braz-Aquino et al., 2016; Luz, 2016; Oliveira & Leite, 2011; Mattos & Nuernberg, 2011; Nóbrega et al., 2015).
Oliveira e Dias (2016), assim como Oliveira e Leite (2011), descrevem que, para além de ações práticas, também a discussão teórica sobre a temática inclusão pode converter-se em experiências inclusivas por meio do trabalho de discussão coletiva com gestores, professores e alunos a fim de se rever práticas discriminatórias. Barbosa e Souza V. (2010) também assinalam como tarefa do psicólogo escolar propor reflexões com integrantes da escola sobre suas representações dos processos de inclusão/exclusão construídos no cotidiano escolar visando entender e romper estigmas e construções adaptativas/normatizadoras sobre os alunos com necessidades especiais. As autoras destacam que muitos educadores acreditam na incapacidade dos sujeitos para frequentar o ensino regular, visto necessitarem de atendimento de especialistas ou mesmo de medicação. Luz (2016) também destaca que a desmitificação de que "aluno de inclusão não aprende" é relevante, pois, com os mediadores pedagógicos adequados, muitas vezes ele se desenvolve para além das expectativas.
Do mesmo modo, Oliveira e Dias (2016) explicitam que ao nos referirmos sobre a inclusão escolar de pessoas com deficiência intelectual os problemas e desafios são bastante complexos. Apesar das mudanças que houve em relação à inclusão escolar e profissional dessa parcela da população no Brasil nas últimas décadas, ainda vemos que a representação social de alunos com NEE, principalmente os que têm deficiência intelectual, está permeada pela interpretação de incapacidade de aprendizagem e de desenvolvimento psicológico. Concernente a isso, Vigotski (1929/1997) aponta que devemos enfocar o desenvolvimento da criança especial como um tipo diferente de desenvolvimento e não como uma debilidade.
Para apreendermos esse processo, temos que entender o conceito de Funções Psicológicas Superiores (FPS) para Vigotski (1930/2004). Diz o autor que as Funções Psicológicas evoluem de Elementares a Superiores como resultado do desenvolvimento histórico-social do homem e sua consequente evolução psíquica, culminando no que o autor denomina Funções Psicológicas Superiores. A formação dessas funções se vincula às trocas e experiências do sujeito a partir de seu nascimento, mediadas pela cultura, uma vez que o sujeito, pela mediação do outro, converte as relações sociais em funções psicológicas (Souza V. et al. 2014).
Assim como a criança apresenta peculiaridades em seu desenvolvimento orgânico e psicológico a partir de suas vivências com o meio (Vigotski, 1929/1997, 1935/2010), a criança deficiente também apresenta um desenvolvimento peculiar: "a criança cujo desenvolvimento é comprometido pelo defeitoii não é simplesmente uma criança menos desenvolvida do que seus pares normais, mas que se desenvolveu de forma diferente" (Vigotski, 1929/1997, p. 12, trad. nossa). Vigotski afirma que todo defeito gera uma compensação e as investigações da criança deficiente não devem se limitar no que ela não pode fazer, mas sim considerando-se os seus processos compensatórios que podem ser estimulados para equilibrar o desenvolvimento de suas Funções Psicológicas Superiores (FPS). Afirma que essa compensação não pode ser vista apenas de um ponto de vista biológico, mas como uma compensação social - não é uma habilidade inata, orgânica, mas adquirida. Mas ressalta o autor que seria reducionista supor que sempre os processos de compensação serão exitosos; como toda superação, pode haver a vitória e a derrota em diferentes graduações entre um extremo e outro, já que o nível de compensação dependerá de diversas variáveis, porém, sempre haverá algum progresso das Funções Psicológicas Superiores, novos nexos tendendo a um novo equilíbrio do sistema psicológico.
Mas seja qual for o resultado esperado do processo de compensação sempre e em todas as circunstânciasiii o desenvolvimento agravado por um defeito é um processo (orgânico e psicológico) da criação e recriação da personalidade da criança, com base na reorganização de todas as funções de adaptação, de formação de novos processos sobre-estruturados, substitutos, niveladores, que são gerados pelo defeito, abrindo novos atalhos para o desenvolvimento. Um mundo de formas e novas vias de desenvolvimento, ilimitadamente diversificadas, se abrem ante a defectologia. (Vigotski, 1929/1997, p. 16, trad. nossa)
O quanto exitoso será o desenvolvimento depende do quanto soubermos reconduzir a criança a novos caminhos fundamentados na compensação e não no defeito. A compensação como resposta do sistema psicológico a uma limitação dá início a novos processos de desenvolvimento, tendendo a um equilíbrio das FPS. Encontrar meios para que essas peculiaridades adaptativas de cada criança se desenvolvam deve ser o foco da educação. São necessários instrumentos culturais diversos, criados especialmente para provocar o desenvolvimento da criança com NEE. Porém, adverte Vigotski (1929/1997), muitas vezes é o próprio meio social que impõe limites ao potencial da criança na criação de novas trajetórias de desenvolvimento, uma vez que os parâmetros de desenvolvimento estão condicionados a critérios de normalidade, construindo na criança um senso de diferença em relação a esses padrões, mas essa representação de "defeito" é uma construção social e necessária de ser questionada. Doravante, propomos que romper os estigmas do aluno com NEE perante a escola é uma das ações mais relevantes para o desenvolvimento do trabalho do psicólogo na Educação Inclusiva.
3.1.2 Processos de ensino e aprendizagem.
O trabalho do psicólogo escolar no apoio à construção conjunta de estratégias que favoreçam os processos de ensino e aprendizagem dos alunos com NEE foi apontado por alguns autores (Barroco & Souza M., 2012; Braz-Aquino et al., 2016; Mattos & Nuernberg, 2011; Monteiro & Freitas, 2014; Nóbrega et al., 2015; Oliveira & Leite, 2011), que destacam a reflexão com professores e coordenadores pedagógicos sobre o seu papel e suas práticas e a necessidade de mudanças de estratégias com vistas a estimular o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem, uma vez que, como postula Santos (2014), é importante ao docente depreender a influência da relação existente entre seu trabalho e o desenvolvimento psíquico dos alunos de inclusão no ambiente escolar. Por meio dessa interação, o educando perceberá que seu desenvolvimento é importante e de total significação (Monteiro & Freitas, 2014).
As pesquisas apontam também, como Nóbrega et al. (2015), a necessidade de o psicólogo escolar respaldar a equipe pedagógica na exploração do potencial dos alunos, e a teoria de Vigotski (1929/1997) nos ajuda nesse processo. Postula o autor que, em vez de tomarmos uma deficiência como tal, devemos pensar nas suas possibilidades de compensação, e, para tanto, é necessário ver as possibilidades do deficiente acessar os instrumentos da cultura. O uso de instrumentos psicológicos adequados modifica o percurso estrutural das FPS, provocando novos nexos, novas configurações. A principal questão no desenvolvimento cultural da criança deficiente é a inadequação da estrutura da nossa cultura, construída em torno de critérios de normalidade e não o contrário. Afirma o autor que "precisamos criar instrumentos culturais especiais, adaptados à estrutura psicológica dessa criança para que ela domine as formas culturais gerais com a ajuda de procedimentos pedagógicos especiais" (Vigotski, 1929/1997, p. 32, trad. nossa).
O que o autor quer dizer é que os instrumentos psicológicos regulam o processo de desenvolvimento humano modificando e reorganizando as Funções Psicológicas Superiores. Com isto, Vigotski nos mostra que qualquer problema que se apresente como uma anormalidade de desenvolvimento é, na verdade, uma dificuldade do sujeito na utilização ou de acessibilidade a esses instrumentos. Nos achados desse estudo, podemos apontar que o correto acesso e uso das ferramentas de ensino e aprendizagem são ações favorecedoras dos processos inclusivos e apoiar tal tarefa, de acordo com Marinho-Araújo (2015), é uma das funções do psicólogo escolar que pode ser das mais relevantes.
Outra ação inclusiva do psicólogo escolar no processo de ensino e aprendizagem possível e subestimada é o brincar, como aponta Turetta (2012). O brincar colabora para que o aluno com NEE transponha seus próprios recursos e seja desafiado a ir além de seu funcionamento imaginativo, aprimorando sua capacidade de abstração e criação e ampliando suas formas de pensamento.
Também foi citado o apoio do psicólogo ao planejamento pedagógico do professor para os estudantes com NEE (Braz-Aquino et al., 2016; Mattos & Nuernberg, 2011; Monteiro & Freitas, 2014; Nóbrega et al., 2015; Oliveira & Leite, 2011). Braz-Aquino et al. (2016) concluem que é necessário que a escola crie condições favoráveis para os alunos com NEE e que isso ocorra não apenas pela "convivência do estudante com NEE com os demais, mas que promova a educação inclusiva, em que não é a criança que deve se adaptar à vida escolar, mas é a escola que deve ser alterada" (p. 262).
O apoio do psicólogo escolar em ações que visam à capacitação da equipe pedagógica a lidar com alunos com NEE por meio de formação continuada dos agentes escolares aparece em alguns trabalhos, como a pesquisa de Braz-Aquino et al. (2016), que cita ser este o principal profissional dessa parceria. Teodoro et al. (2016) também apontam o trabalho do psicólogo na formação continuada dos professores no sentido de pensar a inclusão para além da inserção do aluno em sala de aula regular. É necessário preparar e capacitar o professor, além de conhecimento das especificidades do aluno e acolhimento das subjetividades. Enfim, tarefas essas que o psicólogo tem respaldo em sua formação, não para fazê-lo sozinho, mas interdisciplinarmente, contribuindo para a formação da equipe pedagógica no que se refere às questões relativas ao desenvolvimento psicossocial dos discentes.
Luz (2016) propõe formações embasadas no conhecimento do psicólogo para que os professores planejem suas aulas e também para que a escola acolha as necessidades desses alunos de forma coletiva, para além da sala de aula, considerando outros projetos dentro da instituição. Turetta (2012) sinaliza a necessidade de ações conjuntas para que esse professor não se sinta sozinho diante da demanda que se coloca, além disso, a autora destaca que os docentes revelam um ressentimento com a falta de conhecimento básico sobre a deficiência, assim como a necessidade de se ter um interlocutor que contribua com reflexões acerca de formas de trabalhar com esses alunos. De encontro a isso, os autores Oliveira e Leite (2011), bem como a pesquisa de Braunstein (2012), destacam as dificuldades que os professores têm em operacionalizar estratégias didáticas para atender os alunos com deficiências. Entendemos que reside aí uma das principais tarefas do psicólogo que atua na escola: criar momentos de pausa, escuta, troca, reflexão e construção calcada em múltiplos saberes e experiências no apoio às práticas inclusivas por meio de encontros reflexivos em que se pensem as práticas pedagógicas, analisando as já existentes e repensando a eficácia destas. Mas também, como assinala Barbosa & Souza (2010), um espaço em que professores possam expor seus afetos e no qual suas angústias e limitações sejam acolhidas. Com isso, se possibilita ao professor desenvolver outros olhares e estratégias acerca do ensino e aprendizagem dos alunos com NEE.
3.2 Família
Conforme já citado, alguns autores (Braz-Aquino et al., 2016; Luz, 2016) apontam a relevância do psicólogo na escola em provocar reflexões sobre inclusão, buscando romper com estigmas e generalizações. Mas esses autores trazem também a importância de se fazer isso com os familiares dos alunos com NEE, objetivando romper com o rótulo de serem incapacitados, coitados, sem autonomia e, em sua maioria, infantilizados. Vigotski (1929/1997) já criticava o tratamento especial que se dá à criança com deficiência dentro de sua casa. Isso acontece tanto naquela família em que a criança é vista como um fardo quanto naquela em que a superprotegem ou têm pena; a rejeição à criança ou a superproteção não faz bem a nenhum dos envolvidos nessa dinâmica. Para o autor essa é uma das principais dificuldades de se transpor a questão da deficiência, pois se trata de um problema de inadaptação e articulação social, cultural, educacional para inserir essa criança. O autor afirma que "A anormalidade da criança, na maioria dos casos, é produto de condições sociais anormais" (p. 78). Toda deficiência só se converte como tal por um feito social.
Para transpor tal quadro, Vigotski (1929/1997) descreve que é a dificuldade que converte em desenvolvimento algo que poderia ser tomado como obstáculo, pois é todo um complexo aparato sociopsicológico a verdadeira força motriz da superação. Descreve que as consequências sociais (pressões, necessidade de inserção, aceitação, estímulos ditos "normais") podem impor um direcionamento para a superação das deficiências, "Assim como o curso de um rio é delimitado pelas suas margens, a linha de orientação psicológica, o propósito da vida do homem no desenvolvimento e crescimento, estão delimitados pela necessidade objetiva e delimitação social imposta à personalidade" (Vigotski, 1929/1997, p. 45, trad. nossa).
O autor enfoca que a própria criança já tem um potencial para se tornar um sujeito ativo na vida social, mas o estigma de "deficiente" o coloca em condições sociais limitantes e desvantajosas que podem ser definitivas para interferir negativamente na sua formação, e a família tem um peso nisso. Com essa proposta de se romper com as limitações e estigmas, Luz (2016) sugere que a ação deve se voltar para uma escuta e acolhimento dos familiares, mas também com informações que desconstruam esse rótulo de incapacitados para a vida. Propõe a autora fornecer "informações de pessoas com deficiência inseridas na sociedade: na universidade, trabalhando, viajando, praticando esportes, namorando, casando, tendo filhos, através de slides e vídeos" (p. 106). Tal perspectiva vai ao encontro do que aponta a pesquisa de Braunstein (2012) que endossa a escuta e a orientação à família e à escola como um meio para a sustentação da inclusão, já que todos expressam emoções e sentimentos acerca da situação. O trabalho conjunto com a família também é citado por Teodoro et al. (2016) na busca por unir experiências e informações que ambos constroem sobre o convívio e a melhor forma de acolher o aluno de NEE, pois para ambos é uma tarefa complexa. O trabalho conjunto pode facilitar estratégias de desenvolvimento do aluno, além de potencializar seu processo de adaptação dentro da escola.
3.3 Colegas
São poucos os trabalhos que trazem ações com os colegas dos alunos com NEE, mas em todos eles a ação deve se voltar a favorecer as inter-relações. Sugerem provocar reflexões com os colegas da escola sobre bullying, preconceito, possibilidades e dificuldades em direção à inclusão dos alunos com NEE (Braz-Aquino et al., 2016; CFP, 2013; Luz, 2016; Mattos & Nuernberg, 2011).
Braz-Aquino et al. (2016) propõem ações integradoras entre todos os alunos (e não apenas os com NEE), buscando potencializar as inter-relações dentro da escola que priorizem a diversidade. Mattos e Nuernberg (2011) desenvolveram modos alternativos de comunicação, como cartões, jogos e bonecos que simbolizavam práticas cotidianas realizadas pelos alunos da sala do educando com autismo, para facilitar sua interação com as demais crianças. As crianças da turma auxiliaram ativamente nos processos de comunicação, colaborando para o desenvolvimento das relações sociais e dos processos psicológicos superiores do aluno com NEE. A partir do interesse do educando com autismo, fotografias da turma nos diversos espaços da instituição, história com desenhos, construção de bonecos com fotos dos rostos dos alunos e miniaturas dos brinquedos dos parques, visando possibilitar ao educando um entendimento das tarefas realizadas no cotidiano escolar e a utilização desses meios para desenvolver comunicações com a turma.
A proposta de Neves & Leite (2013) destaca a implantação de ações intencionais de ensino que objetivem contribuir com o desenvolvimento gradativo da atenção voluntária. Os autores pontuam a oferta de atividades lúdicas coletivas, como a construção de maquetes, que demanda seleção de informações, motivo, finalidade, planejamento, organização da ação. Também sugerem histórias com fantoches apresentadas por todos os alunos, pois envolve atenção voluntária, construção conjunta e o trabalho com temas do cotidiano, como a diversidade humana.
Vigotski (1929/1997) nos ajuda a entender essas práticas descritas ao falar da importância da coletividade na inclusão dos alunos com deficiência. Como já relatado, o problema não está no defeito, mas no acesso à cultura. Diz o autor que podemos transformar o meio em direção a melhores relações com o aluno deficiente. Ele enfoca que o desenvolvimento incompleto das FPS não tem uma causa primária (ligada ao transtorno de origem), mas secundária: as FPS na criança deficiente evoluem de forma insuficiente pela não inserção dessa criança na coletividade. Em decorrência de seu problema de origem, surge uma série de fatores que dificultam o desenvolvimento normal dessa criança no meio social: comunicação, colaboração e interação com as pessoas ao seu redor, por exemplo. É a dificuldade de inserção social que provoca o desenvolvimento incompleto das FPS, e não o contrário. É dessa perspectiva que as ações pedagógicas podem atuar por meio do incentivo à atividade coletiva da criança com NEE. Portanto é dessa perspectiva que devem ser orientados todos os esforços dos profissionais envolvidos com a educação, incluindo o psicólogo. Para tanto, Vigotski (1929/1997) ressalta a importância de não se organizar as salas de aula por níveis iguais de desenvolvimento, mas sim mesclar: a criança com maior habilidade intelectual com aquela com dificuldades maiores; aprende-se o convívio social mais igualitário com as diferenças para a primeira e novos desafios para a segunda. A heterogeneidade é mais interessante justamente pela compensação das diferenças e aprendizado mútuo que ela provoca.
Sintetizando, Vigotski (1929/1997) delineia a ligação e a importância que tem a coletividade e o desenvolvimento das FPS das crianças com NEE enfocando que esse é o ponto de apoio principal e básico para toda ação inclusiva na escola. É por meio da inserção na multiplicidade de experiências do meio (e de seus desafios) que a criança pode construir novos nexos, formar novos conceitos, expandir sua vontade e potencial. Considera-se que construir ações calcadas na coletividade para explorar uma maior convivência provocadora de compensações mostra-se recurso interessante de trabalho do psicólogo em parceria com os outros integrantes da escola.
4 Intervenções Direcionadas ao Sujeito (Ações Individualizadas)
Mesmo que tenhamos apontado a relevância de se trabalhar a escola como espaço coletivo, para efeito da organização dos dados, os apresentamos subdivididos em várias formas de se olhar e intervir nas questões relativas à inclusão, entre elas as ações direcionadas, de forma individual, ao aluno com NEE. Entre algumas pesquisas com suas principais ações voltadas ao acompanhamento individual, temos o trabalho de Oliveira e Dias (2016) que expõe as estratégias que podem ser adotadas no espaço escolar para promover o desenvolvimento afetivo-cognitivo-social de pessoas com NEE. Os dados das autoras revelam que a inserção do aluno especial no processo de escolarização por si só auxilia na ressignificação das autoimagens, da autonomia e maior independência nas relações e atividades cotidianas; além disso, abre novas perspectivas de um futuro educacional e profissional onde antes não havia muito espaço de desenvolvimento. Dentre as propostas de ação destacamos algumas a seguir.
4.1 Apoio Psicopedagógico
O apoio psicopedagógico oferecido pelo psicólogo escolar pode ocorrer por meio de atendimentos complementares e especializados aos alunos e escuta de suas dificuldades, afetos e conflitos (Braz-Aquino et al., 2016). Outros trabalhos trazem ações individuais facilitadoras do processo ensino-aprendizagem, como o de Santos (2014), que utilizou um programa educacionaliv que traz meios para auxiliar o desenvolvimento das FPS do aluno com NEE, com destaque para a importância da linguagem e do pensamento. Com os instrumentos psicológicos adequados e a mediação para a realização das atividades, foi possível observar como um meio facilitador das experiências passa a ter significado para o aluno. O que amparará o indivíduo na construção de sua personalidade e consciência é o modo como essas experiências refletirão social e individualmente.
Embasando-se no trabalho de Schwartzman (1995, conforme citado por Teodoro et al., 2016), as autoras descrevem sequências de ações que podem ser desenvolvidas pelo psicólogo pela mediação da linguagem: apresentar, por exemplo, "Sequência de objetos concretos, cartões com fotos ou desenhos das atividades por períodos, cartões com fotos ou símbolos de toda a rotina, cartões com símbolos ou palavra escrita, indicação de toda a rotina por escrito" (p.135). Essa mediação pelo uso adaptado da linguagem reforça o que Vigotski propõe (1929/1997), que é a modificação dos instrumentos da cultura para facilitar o acesso ao conhecimento e aprendizado.
Outra forma de apoio psicopedagógico é citado por Teodoro et al. (2016) por meio do Atendimento Educacional Especializado (AEE), cujos objetivos se circunscrevem na promoção de acesso aos alunos com NEE no ensino regular, tanto pelo trabalho interdisciplinar quanto pelo desenvolvimento de recursos didático-pedagógicos favorecedores da aprendizagem e da continuidade nos demais níveis de ensino. Busca o AEE não tirar o aluno da sala de aula regular, mas de incluí-lo ao trabalhar em conjunto com o professor, favorecendo recursos que ajudarão no processo ensino-aprendizagem.
Braunstein (2012), Oliveira e Leite (2011) e Teodoro et al. (2016) enfocam a necessidade de se trabalhar com adaptações curriculares e avaliações diferenciadas visando à integração escolar, pois muitos alunos com NEE não têm o mesmo ritmo de aprendizagem de seus colegas de ensino regular. Porém aqui se encontra um ponto que Vigotski debate em sua obra Fundamentos de Defectologia (1929/1997): há uma relação dialética na qual a insuficiência é um superestímulo ao desenvolvimento do psiquismo; funciona como uma força motriz levando à transformação do deficit em capacidade ampliada de outros sistemas por meio de atalhos e vantagens da região que não apresenta debilidade - o deficit, por meio do sentimento de inferioridade, pode transformar-se em compensação, por exemplo, na memória, sensibilidade, atenção, intuição, novos talentos. O sistema psíquico cria uma superestrutura que pode facilitar e aumentar a eficiência das FPS. Ao referir-se à pedagogia, explica o autor que a educação deve buscar possibilidades compensatórias como força motriz, ou seja, a dificuldade vista como fonte de motivação e não de debilidade. Diz o autor:
Construir todo o processo educativo seguindo as tendências naturais da supercompensação, significa não atenuar as dificuldades que derivam do defeito, senão tencionar todas as forças para compensá-lo, aumentar tais tarefas e fazer de tal forma que respondam ao processo gradual de formação da personalidade a partir de um novo ângulo. Que verdade libertadora para um pedagogo! (Vigotski, 1929/1997, p. 47, trad. nossa)
O autor adverte sobre os perigos da resignação ao defeito e reforça que se deve rebelar contra ele. Os defeitos não são superados automaticamente; é necessário que lhe coloquemos desafios. E acreditamos ser esse também um desafio aos psicólogos e educadores - provocar nexos, interconexões das FPS, e isso só pode se efetivar com um trabalho coletivo de soma de saberes (Souza, V. et al. 2014).
4.2 Trabalho com os Laudos
Oliveira e Dias (2016) destacam a importância de se questionar os laudos que conferem um diagnóstico ao estudante, sugerindo que ele deve ser construído e utilizado com cautela. Esse instrumento tem duas faces: pode ser uma conquista que confere ao sujeito benefícios sociais, cotas de emprego; mas também pode rotulá-lo e isso tanto pode limitar a crença em seu potencial quanto restringir "as trajetórias desenvolvimentais aquém de suas potencialidades" (p. 93).
A pedagogia não deve se orientar pela insuficiência ou doença, mas pela saúde e potencial que se conserva na criança. Ressalta Vigotski (1929/1997) que quanto mais a criança especial tiver uma participação ativa e dinâmica na vida, melhor será seu desenvolvimento. Para a criança com algum tipo de deficiência, esse estado é o seu normal e o que a torna "deficiente" é o juízo que fazem dela socialmente. Sendo assim, sugere o autor que não se aponte os aspectos patológicos, mas que se investiguem as relações mantidas entre o sujeito e os atos instrumentais e que se promova o acesso a eles de forma diferenciada, não padronizada. O que Vigotski (1930/2004) propõe é que questões tidas como patológicas estão diretamente ligadas à dificuldade de domínio dos instrumentos simbólicos mediados. Sabiamente, o autor não enfoca a doença, mas a forma como o psicólogo, educador e familiares podem transpô-la: oferecer-lhes acesso diferenciado aos instrumentos da cultura e de aprendizagem, tratar a criança como todas as outras, incluí-la nas atividades comuns nas quais possa compartilhar experiências com seus colegas. Assim sendo, o psicólogo escolar deve ter cautela ao avaliar custos e benefícios de fundamentar sua prática em laudos, diagnósticos e avaliações para se evitar rotulações e estigmas.
Considerações Finais
Para sintetizar nosso estudo, iniciamos apontando que a maioria dos artigos lidos traz um embasamento da lei em favor da inclusão, mas com críticas sobre essa lei ainda não ser plenamente executada; apesar da importância dessa garantia legal, a sua aplicabilidade ainda tem muito a ser trabalhada. Ao mesmo tempo, nosso mapeamento assinalou que as ações do psicólogo escolar para inclusão são poucas diante da magnitude do desafio, pois, apesar de termos descrito ações emergentes que vêm despontando, foi perceptível o pouco material de intervenções da Psicologia e que possam ser norteadoras para outros profissionais.
Também é tangível que o processo de inclusão de alunos com NEE na escola colabora para a diversidade social, facilitando o desenvolvimento de todos os educandos, pois "nas relações concretas no contexto escolar, valores como respeito e cooperação podem ser experienciadas pelas crianças quando a inclusão for efetiva" (Mattos & Nuernberg, 2011, p. 130). Porém, os limites existentes para estimular a integração do aluno com NEE na coletividade ainda é desafiante e acreditamos que o psicólogo na escola poderia mediar essas ações, na medida em que a Psicologia é uma ciência que fundamenta os processos inter-relacionais do desenvolvimento humano e suas múltiplas diversidades.
Mas nossa análise dos textos abordou que as escolas em vez de integrarem a criança tendem a desenvolver nela hábitos que a levam a um isolamento ainda maior e acentuam o separativismo, afetando diretamente seu desenvolvimento. Enfrentar e contornar isso confirma um dos aspectos mais citados na relevância do trabalho do psicólogo escolar: o de se romper estigmas de que o aluno com deficiência não aprende, não é capaz, não evolui, não se integra. Nos achados deste estudo apontamos que, com uma mediação adequada, o potencial de cada um pode ser explorado, promovendo aprendizado e desenvolvimento.
Ratificamos, embasados nos postulados de Vigotski (1929/1997; 1930/2004), que o aluno com algum tipo de deficiência só se vê deficiente diante do outro como contraponto e ante as consequências sociais de sua fragilidade endossada, apontada e frisada pelo meio. E cabe aos trabalhadores da escola acessarem e provocarem esses alunos a irem além e explorar outras possibilidades de convívio e aprendizado. E isso, sabemos, é algo complexo de praticar em um contexto tão diverso e exigente como o escolar.
Finalizamos ressaltando a premência da inserção de psicólogos em equipe interdisciplinar na escola como integrantes indispensáveis para tal desafio. Tudo isso corrobora e justifica que a Psicologia deve, cada vez mais, se engajar em ações no interior das escolas, mas é sabido que não existe uma obrigatoriedade da inserção desse profissional na Educação pela legislação brasileira e acreditamos estar diante de uma das principais limitações ao desenvolvimento da inclusão nas instituições educacionais.
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Recebido em 14/02/2017
Aprovado em 02/10/2018
i Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996; Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva de 2008; Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica de 2011.
ii Optamos por usar a expressão que o autor utiliza, mas destaca Vigotski (1929/1997), que essa é uma construção alimentada no plano social como defeito, e o autor não o considera como tal.
iii Grifo do autor.
iv Programa Educativo Ludo-Pedagógico, vide Santos (2014).