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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Psicodiagnóstico interventivo em pacientes adultos com depressão1

 

Interventive psychodiagnosis in adults depressive patients

 

 

Maria Salete Lopes Legname de Paulo*

Departamento de Psicologia Clínica - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta uma reflexão sobre as mudanças atuais em Psicodiagnóstico, com uma proposta que inclui a possibilidade de intervenções desde o início do processo. Define o Psicodiagnóstico Interventivo e propõe um modelo de atendimento psicoterapêutico breve para adultos com depressão. Os testes projetivos são utilizados como mediadores terapêuticos, além da vertente diagnóstica. Apresenta também as possibilidades de intervenção a partir das técnicas projetivas e um caso clínico ilustrativo do procedimento proposto.

Palavras-chave: Psicodiagnóstico interventivo, Técnicas projetivas, Depressão, Adultos, Psicanálise.


ABSTRACT

This article presents a reflection about contemporary changes in Psychodiagnosis, proposing the possibility of intervention from the beginning of the process. The study defines the Intervening Psychodiagnosis and proposes a model of care to adults suffering from depression in brief psychotherapy. The projective techniques were used as therapeutic mediators of the intervening process, as well as diagnostic tools. The possibilities of intervention through the projective tests are presented and illustrated with a clinical case.

Keywords: Therapeutic assessment, Projectives techniques, Depression, Adults, Psychoanalysis.


 

 

INTRODUÇÃO

A clínica da atualidade tem demonstrado uma necessidade de pesquisas e desenvolvimento de técnicas de intervenção iniciais e eficazes para pessoas que procuram atendimento psicológico. Quando o tema é compreender as causas do sofrimento psíquico, acredita-se que todas as contribuições são relevantes e bem vindas, na medida em que o mundo mental é um constante desafio à nossa compreensão.

Em vários anos de prática clínica e docência, tem sido possível acompanhar a evolução do Processo Psicodiagnóstico nas últimas décadas, que inicialmente referia-se apenas à avaliação e investigação psicológica, com uma finalidade de encaminhamento. Atualmente existem diversos estudos que consideram uma nova concepção de Psicodiagnóstico, incluindo a possibilidade de intervenção terapêutica, além da vertente diagnóstica (Barbieri, 2002; Trinca, 2002; Tardivo, 2004).

Com base nessa nova perspectiva de atendimento em Psicodiagnóstico Interventivo, este trabalho apresenta o resultado de uma pesquisa elaborada para investigar os aspectos psicodinâmicos e as possibilidades de intervenção nos quadros de depressão em adultos, a partir da utilização das técnicas projetivas como mediadoras do contato terapêutico (Paulo, 2004).

Além disso, o trabalho em parceria de pesquisa com médicos psiquiatras estudando pacientes com depressão, tem oferecido uma experiência que amplia o interesse em investigar psicodinamicamente como esse quadro clínico se manifesta nos testes projetivos, como compreender a vivência atual do paciente depressivo, integrando os conceitos da teoria psicanalítica e principalmente como é possível ajudar essas pessoas em estado de profundo sofrimento psíquico dentro da instituição. Como resultado desse trabalho alguns estudos já foram apresentados e publicados, entre eles, Tardivo et al. (1999), Paulo (2000, 2003); Paulo et al. (2002; 2003).

 

DIAGNÓSTICO DE PERSONALIDADE

A evolução do processo psicodiagnóstico tem sido gradativa e os psicólogos, principalmente influenciados pelos conceitos psicanalíticos, passaram a explorar mais o rico potencial que tinham à sua disposição (Ocampo et al., 1995).

Assim, baseada principalmente no raciocínio clínico, a avaliação psicológica passa a ser um processo de tipo compreensivo, que visa a uma compreensão psicodinâmica do indivíduo e de suas dificuldades, sendo os instrumentos psicológicos e as técnicas projetivas meios auxiliares na investigação da personalidade, em que prevalece a busca de compreensão da vida psíquica e não a submissão a padrões estabelecidos por teorias (Trinca, 1984).

Segundo Trinca (1983), o psicodiagnóstico do tipo compreensivo objetiva uma análise psicológica globalizada do paciente com ênfase no julgamento clínico, obtido com o auxílio de instrumentos disponíveis: entrevistas, observações, testes psicológicos e exames complementares. A anamnese e a exploração clínica da personalidade são os instrumentos fundamentais, que levam às conclusões sobre a dinâmica intrapsíquica, interpessoal e sócio-cultural, cuja interação resulta nos desajustamentos individuais.

A abordagem do diagnóstico compreensivo é dinâmica e implica subordinar a avaliação psicológica ao pensamento clínico. Significa um trabalho flexível e não uniforme e imutável, para enfocar as situações mentais emergentes que estruturam o processo. Trata-se de um trabalho dinâmico que vai ser elaborado em função dos fatores emergentes e relevantes da situação e é único para cada caso clínico (Trinca, 1984).

A possibilidade de intervenções no psicodiagnóstico foi mencionada por Ocampo e Arzeno (1995a) e Verthelyi (1993) na entrevista devolutiva como um momento de discussão dos resultados que mobiliza mudanças internas. As autoras utilizavam assinalamentos durante o processo eventualmente, nos casos de fracasso na comunicação, nas situações de condutas estereotipadas, para ampliar informações e para explorar a vivência do entrevistado, o que pode ter um efeito na ansiedade presente ou no sentimento de culpa. Essas intervenções visavam a alguma mudança de postura, interna ou externa, por parte do paciente com a finalidade de facilitar a reintrojeção dos resultados. Buscando novas formas de trabalho, há algum tempo têm surgido estudos que incluem uma forma interventiva de atuação em psicodiagnóstico, na qual o objetivo de diagnosticar e compreender a problemática do indivíduo torna-se indissociado da ação de intervir. Ancona-Lopez (1995) destacou o processo de intervenção a partir da reestruturação do atendimento em clínica-escola e criou as primeiras triagens grupais, seguidas dos grupos de espera em psicodiagnóstico e de sensibilização a pais e crianças encaminhados para psicoterapia.

Mais recentemente, em nosso meio, várias pesquisas têm utilizado o modelo interventivo no psicodiagnóstico. Barbieri (2002) investigou a eficiência do método diagnóstico/terapêutico com crianças com queixas de transtorno de conduta, utilizando a Consulta Terapêutica, a Entrevista Familiar, a Bateria de Hammer e o CAT num enfoque interventivo. Trinca (2002) avaliou a possibilidade de intervenção com o procedimento de Desenho-Estória em estudo com crianças em situação pré-cirúrgica. Tardivo (2004) apresentou um trabalho de intervenção com adolescentes a partir de desenhos temáticos.

 

PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO

A evolução dessa prática clínica levou a uma nova concepção de psicodiagnóstico, que busca integrar avaliação e intervenção, neutralizando os possíveis limites entre o diagnóstico e a psicoterapia breve.

Assim denomina-se Psicodiagnóstico Interventivo a uma forma de avaliação psicológica, subordinada ao pensamento clínico, para apreensão da dinâmica intrapsíquica, compreensão da problemática do indivíduo e intervenção nos aspectos emergentes, relevantes e/ou determinantes dos desajustamentos responsáveis por seu sofrimento psíquico e que, ao mesmo tempo, e por isso, permite uma intervenção eficaz (Paulo, 2004). Esse processo prioriza o raciocínio clínico e utiliza os resultados dos instrumentos psicológicos de uma forma flexível, como um trabalho dinâmico que se estrutura em função dos aspectos emergentes e significativos da situação clínica e é único para cada paciente.

Trata-se de um psicodiagnóstico com a aplicação de instrumentos psicológicos, entre eles, os projetivos, necessários à avaliação da problemática específica, mas usados também como mediadores do contato terapêutico. Implica em utilizar os dados, respostas, reações físicas ou emocionais do paciente e resultados obtidos na análise das técnicas projetivas de modo flexível, como ponto de partida para a intervenção terapêutica, o mais precocemente possível. Refere-se ao emprego de instrumentos projetivos, como facilitadores da comunicação, como auxiliares na elaboração de intervenções e como mediadores do contato do psicoterapeuta com o mundo interno dos pacientes.

Considerando a necessidade de dispormos de meios eficientes de promover intervenções imediatas e adequadas à realidade social em que vivemos, o diagnóstico interventivo permite promover experiências mutativas junto a pessoas que sofrem, diagnosticando e intervindo desde as primeiras consultas, como propõe Winnicott (1971/1984), em “Consultas Terapêuticas”.

É importante salientar que, na literatura consultada, a grande maioria dos trabalhos na área refere-se ao atendimento infantil, são escassos os estudos científicos sobre Psicodiagnóstico Interventivo com adultos ou que utilizem as técnicas projetivas como instrumento mediador do trabalho psicoterapêutico com pacientes adultos.

Assim, a consciência dessas necessidades e a vivência na evolução do processo de avaliação psicológica, aliadas à prática clínica e ao interesse em Psicodiagnóstico e Técnicas Projetivas, resultaram em uma pesquisa sobre Diagnóstico Interventivo com adultos (Paulo, 2004), descrita resumidamente a seguir. É apresentado também um caso clínico ilustrativo do procedimento adotado no referido estudo.

 

DESCRIÇÃO DA PESQUISA

Foi realizada uma pesquisa qualitativa (Paulo, 2004) com a finalidade de investigar as possibilidades de aplicação de um modelo de Psicodiagnóstico Interventivo em adultos depressivos.

Foram atendidos quatro pacientes, dois homens e duas mulheres, entre 31 e 57 anos de idade, diagnosticados com depressão pelos seus psiquiatras. Os pacientes procuraram o atendimento psicológico por uma demanda pessoal, com queixas características de um quadro depressivo e participaram de um processo terapêutico breve de três meses, utilizando técnicas projetivas também como mediadoras do contato, além de seu objetivo diagnóstico. O Questionário Desiderativo (QD) e o Teste de Relações Objetais de Phillipson (TRO) foram escolhidos entre diversos testes projetivos, porque se mostraram apropriados devido à fundamentação teórica psicanalítica, para investigação e compreensão dos aspectos psicodinâmicos envolvidos nos quadros de depressão. Os testes foram aplicados de acordo com as propostas dos autores, o QD segundo Nijamkin e Braude (2000) e o TRO segundo Phillipson (1979). Foram analisados também com base em trabalhos anteriores, como Arzeno (1995), Grassano (1996), Ocampo e Arzeno (1995b, 1995c) e Piccolo e Schust (1995). Na análise do QD e do TRO foram selecionados os aspectos mais significativos relacionados à dinâmica do quadro depressivo, segundo a teoria psicanalítica, para direcionar o trabalho interpretativo.

A Teoria das Relações Objetais, de Klein (1934/1981) forneceu o suporte para a análise dos testes e para compreensão dos determinantes ligados à depressão, direcionando a elaboração das intervenções. Os resultados das técnicas projetivas foram empregados como ponto de partida para a intervenção, direcionando os pontos emergentes a serem trabalhados nos encontros terapêuticos, de acordo com o fundamento psicanalítico sobre os transtornos depressivos, utilizando várias respostas como exemplos simbólicos mediadores da interpretação.

O Inventário Beck para Depressão - BDI (Beck Depression Inventory), traduzido e validado no Brasil por Cunha (2001), foi aplicado no início e no final do processo de atendimento para avaliar a intensidade da depressão e a natureza dos sintomas depressivos.

Em um atendimento psicológico, o terapeuta tem um enquadre e uma proposta de estratégia clínica, mas, mesmo assim, as oportunidades de intervenção surgem de forma imprevisível. Tendo como objetivo, desde o início do processo, a possibilidade de utilizar os dados dos instrumentos projetivos como facilitadores do contato com o paciente, algumas intervenções foram feitas na própria sessão de aplicação do teste.

O embasamento teórico das entrevistas seguiu o modelo de “Consulta Terapêutica” de Winnicott (1971/1984), considerando que os primeiros encontros possuem elementos de motivação do paciente, que mobilizam importantes aspectos da vida mental e que necessitam ser trabalhados e rearticulados. Essa disponibilidade do paciente também favorece a capacidade de insight de suas dificuldades, se o material da primeira consulta puder ser interpretado pelo analista.

Em seu trabalho com crianças Winnicott (1984) utilizava o “Jogo de Rabiscos” como um meio auxiliar de entrar em contato com o paciente. De forma similar, são utilizados nesta pesquisa os conceitos de Winnicott em adultos com depressão, empregando os instrumentos projetivos como mediadores auxiliares na exploração do rico potencial do encontro terapêutico.

Segundo o autor, nas primeiras entrevistas o psicoterapeuta ocupa o lugar de um objeto subjetivo para o paciente, uma vez que é assimilado por este de acordo com expectativas e crenças de que o analista poderá ajudá-lo ou ser compreensivo. A experiência clínica tem mostrado evidências de que as primeiras consultas possibilitam ao psicoterapeuta um espaço maior de ação e intervenção, pois o paciente normalmente mostra-se mais aberto e fornece ricos elementos para a interpretação.

Com base nesses dados, as intervenções foram elaboradas o mais precocemente possível com o objetivo de compreender o paciente e fazê-lo sentir-se acolhido em suas angústias, para que pudesse retornar com esperança de ser ajudado. Caso contrário, se as primeiras oportunidades são desperdiçadas, corre-se o risco de que a pessoa depressiva não tolere a frustração de não ser entendida, colocando a terapia como mais uma situação de suas convicções de que não pode ser auxiliado.

Esta proposta de atendimento terapêutico abreviado, com base no diagnóstico interventivo, teve também como fundamentação teórica o referencial psicanalítico de autores atuais, como Simon (1999) e Kehdy (2001) e seus pressupostos acerca dos benefícios da adaptação e flexibilização dos conceitos e técnica da psicanálise aplicada à psicoterapia psicanalítica.

 

MODELO DE ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO

Os resultados da pesquisa de intervenção com adultos foram satisfatórios, pois os pacientes apresentaram melhora na sintomatologia depressiva comparada ao início do atendimento, o que possibilitou elaborar um modelo de atendimento a partir da experiência realizada (Paulo, 2004).

A proposta é baseada no Psicodiagnóstico Interventivo, que se inicia com uma avaliação psicológica subordinada ao pensamento clínico e inclui intervenções o mais precocemente possível. Esse atendimento neutraliza uma possível distinção entre os processos de investigação psicológica e intervenção terapêutica e integra a possibilidade de avaliar e intervir psicologicamente.

O modelo de atendimento é estruturado de acordo com uma seqüência de procedimentos, num processo breve de aproximadamente 12 sessões de 50 minutos. Essas etapas não são seguidas rigorosamente, mas se referem a um modelo flexível e adaptado às necessidades e estado emocional do paciente.

1) Entrevista inicial

A etapa inicial é uma entrevista clínica, com a finalidade de acolhimento e intervenção desde o início, se necessário. A abordagem da entrevista é semi-dirigida para coleta de dados de identificação e queixa principal, esclarecendo os pontos necessários para a compreensão da problemática atual. No final desse primeiro encontro apresenta-se o contrato de trabalho que constitui um processo de atendimento breve, de três meses, com freqüência de uma sessão semanal de 50 minutos, marcando uma data final para o término do processo.

2) Avaliação e aplicação dos instrumentos psicológicos

A partir da segunda sessão, sugere-se a aplicação do BDI para verificar o nível da intensidade da depressão no início do atendimento. A análise qualitativa das respostas permite uma avaliação de conteúdo específico dos aspectos da vida do paciente que estão mais afetados pelos sintomas depressivos, bem como permite verificar quais aspectos permanecem preservados. Alguns itens do BDI podem necessitar de investigação mais detalhada, deve-se então complementar os dados sobre o modo de vida e dificuldades momentâneas do paciente expressos nas respostas.

Na seqüência são aplicados os testes projetivos, iniciando pelo QD de acordo com as normas do manual e avaliado segundo Arzeno (1995), Grassano (1996), Nijamkin e Braude (2000), Ocampo e Arzeno (1995b), Piccolo e Schust (1995). Nesta etapa do processo o profissional já dispõe de alguns dados sobre o paciente, incluindo as observações de seu comportamento, comentários e/ou reações à aplicação do teste, que lhe permitem decidir sobre a viabilidade e/ou necessidade de elaborar intervenções. Na sessão seguinte e quando necessário, no máximo em duas sessões, aplica-se o TRO, seguindo as normas do manual e a interpretação com base psicanalítica nos autores que aprofundaram o conhecimento desta técnica, entre eles, Grassano (1996), Ocampo e Arzeno (1995c), Phillipson (1979), Rosa (1995). Neste momento o psicólogo já possui dados importantes que lhe permitem elaborar intervenções a partir de sua observação clínica e da análise de interpretação dos instrumentos projetivos.

3) Sessões terapêuticas

Este atendimento tem como base a teoria e técnica psicanalítica, seguindo o modelo de “Consulta Terapêutica” de Winnicott (1984), neste caso aplicada a adultos. Nas sessões iniciais o profissional deve aguardar o material emergente. A partir das associações do paciente, o psicólogo pode elaborar intervenções integrando os dados obtidos nas técnicas projetivas com os aspectos centrais relacionados à dinâmica depressiva.

O trabalho de intervenções pode ocorrer desde o início e requer uma atitude mental do psicólogo para apreensão do material significativo e emergente no encontro terapêutico. Por meio do raciocínio clínico os dados obtidos nas técnicas projetivas são utilizados para elaborar as intervenções que dão um significado à vivência subjetiva do paciente. Ou seja, as reações do paciente, suas respostas, os símbolos significativos e a análise dos testes servem como ponto de partida para o trabalho interpretativo.

4) Possibilidades de Intervenção

Todo psicodiagnóstico é um processo interventivo, na medida em que o contexto da consulta, a atitude do psicólogo, as questões formuladas e os testes psicológicos aplicados mobilizam sempre alguma reação emocional no paciente. A própria aplicação de um teste projetivo é uma variável adicionada, que interfere na vivência do paciente, em suas expectativas ou temores a respeito do processo de atendimento. Avaliar o momento mais adequado para introduzir os assinalamentos necessários depende da formação teórica e experiência clínica do psicólogo.

De acordo com os resultados apresentados na pesquisa (Paulo, 2004), dependendo do momento em que o profissional verbaliza suas observações ou da finalidade de suas interpretações as possibilidades de intervenção, com base nos instrumentos projetivos, podem ser:

  • intervenção imediata é a comunicação do psicólogo que se faz necessária no decorrer da aplicação ou logo após o término do teste, em virtude da reação emocional do paciente ao teste.
  • intervenção facilitadora refere-se a assinalamentos e questões reflexivas, com o objetivo de facilitar as associações livres e enriquecer o material clínico.
  • associação espontânea ao teste, inclui intervenções elaboradas pelo psicólogo a partir da referência espontânea do paciente aos aspectos mobilizados pelo teste projetivo.
  • intervenção a partir de símbolos, são interpretações que utilizam exemplos simbólicos extraídos das respostas ao teste e usados como modelos ilustrativos para esclarecer o conteúdo a ser comunicado.
  • interpretação, refere-se à elaboração de interpretação normalmente de material inconsciente, a partir da análise do teste projetivo.
  • interpretação da relação transferencial, refere-se a intervenções elaboradas a partir da interpretação e análise de conteúdo do teste que indicam projeção da relação terapêutica.

5) Duração do processo

O processo de psicodiagnóstico interventivo deve ser adaptado e apropriado às necessidades do paciente e às condições da instituição, considerando sempre que um tempo de elaboração interna é necessário. Como um processo terapêutico abreviado, um trabalho de aproximadamente três meses ou 12 sessões mostrou-se útil para beneficiar pacientes depressivos, na pesquisa realizada.

6) Reavaliação

A reavaliação final é feita pela observação clínica, relatos do paciente e reaplicação do BDI. A integração dessas informações oferecem dados que indicam a possibilidade de encerramento ou a necessidade de encaminhamento do caso.

7) Término do processo

O trabalho de encerramento é feito nas três últimas sessões, em que as intervenções são direcionadas a auxiliar o paciente na elaboração de angústias de separação, perda e luto, principal etiologia da depressão. Esta etapa inclui interpretações da transferência e o esclarecimento de possíveis distorções emocionais que ocorrem pela dificuldade de sustentar-se por si mesmo.

8) Acompanhamento dos pacientes posteriormente ao Psicodiagnóstico Interventivo

É importante planejar alguma forma de acompanhamento posterior ao término do processo. Sugere-se um contato por telefone após um mês e seis meses do encerramento do atendimento, oferecendo uma entrevista, caso o paciente necessite e/ou aceite. A finalidade desses contatos é avaliar a retomada de desenvolvimento do paciente ou a necessidade de novo encaminhamento.

O modelo de atendimento proposto e as possibilidades de intervenção terapêutica são flexíveis e valorizam os momentos de acordo com o material de cada paciente em particular. Não possui um roteiro estruturado de como intervir ou interpretar, não existe interpretação padrão, mas as intervenções são elaboradas a partir do material clínico associado pelo próprio paciente. A experiência clínica e a sensibilidade do psicólogo são fundamentais para perceber o momento oportuno e respeitar a resistência ou a capacidade de seu paciente de acompanhar o que está sendo comunicado.

 

ILUSTRAÇÃO DE CASO CLÍNICO

O material clínico apresentado a seguir refere-se ao atendimento de uma das pacientes da pesquisa, com alguns dados da entrevista inicial e queixa principal, significativos para compreensão do trabalho e vinhetas ilustrativas dos tipos de intervenção empregados a partir da análise dos testes projetivos, que são recortes do atendimento. O processo realizado segue o modelo proposto anteriormente de Psicodiagnóstico Interventivo (Paulo, 2004).

Maria2 tem 52 anos, é casada, possui nível médio de escolaridade e mantém uma atividade profissional. Com diagnóstico de transtorno ansioso não especificado e episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos - CID 10: F41.9; F32.2 respectivamente (OMS; 1996) - e medicada com Fluoxetina, 60mg / dia, como antidepressivo.

Na ocasião do atendimento estava muito desanimada para o trabalho, tinha muito sono, dormia muito e sentia uma tristeza profunda, tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Tinha dificuldade de concentração para leitura e televisão, não tinha atividades de lazer e não sentia prazer em nada do que fazia. Apresentava quedas e machucados freqüentes, comia muito, engordou 20 Kg, tinha hérnia de disco, mas não se cuidava, não se importava com a aparência, nem com a saúde.

Na avaliação inicial pelo BDI obteve um total de 36 pontos, que indica nível de depressão grave.

 

DADOS CLÍNICOS ILUSTRATIVOS

1) Intervenção imediata e facilitadora

As histórias contadas no TRO eram pobres e descritivas do estímulo da prancha, a paciente não incluiu a cor, mas mostrava sensibilidade às nuances de claro-escuro das figuras, relacionando-as com sentimentos de tristeza.

A paciente estava bloqueada e a produção pobre no teste é resultado do estado depressivo. No final da aplicação foi iniciado um trabalho de intervenção imediata em que a psicóloga começou a conversar com a paciente sobre seu estado interno desmotivado e monótono, que aparece na dificuldade de elaborar as histórias propostas pelo teste. Além disso, sua percepção das figuras indica ambientes frios e tristes. Esta intervenção favorece as associações da paciente sobre o conteúdo emocional mobilizado pelo teste, o que facilita seus relatos e queixas com relação à sua vida real.

2) Associação espontânea

Na prancha 5 (AG) do TRO, a paciente conta:

Dá idéia de pessoas em sofrimento, que o vento está levando, um grupo de pessoas que uma ventania muito forte, então representa o medo, o sofrimento. Só. (?) Pela curvatura delas. Dá impressão daqueles quadros que representam o fim do mundo. Só.

Esse sentimento interno de estar sem forças e de ser levado pela vida e pelos acontecimentos é muito comum em pacientes com depressão (Grassano, 1996). O medo e a angústia de desamparo são trabalhados com ela. Então a partir desse diálogo Maria lembra da prancha 5, que ela achou triste e ao mesmo tempo muito parecida com seu estado de espírito, o que favoreceu o trabalho na sessão sobre sua necessidade de acolhimento e cuidados. Sua identificação com os personagens do teste e sua associação espontânea à prancha 5 do TRO facilitam o trabalho interventivo sobre a angústia de desamparo, o medo e a sensação de catástrofe e pânico, que era uma de suas queixas.

3) Intervenção a partir de símbolos

No QD, em resposta às escolhas negativas, Maria diz que não gostaria de ser:

“Uma máquina, porque é uma coisa totalmente industrializada, com botões no comando de outras e mesmo assim falível.
Uma planta com espinhos, deve ser bastante duro, bastante difícil você conviver com espinhos, se a folha dela bater nos espinhos imagino que ela deva sofrer.”

As respostas negativas ao QD condensam símbolos que permitem trabalhar os aspectos negativos que não aceita em si mesma, pois quando as defesas falham, ela teme também ficar paralisada, privada de movimento e autonomia, sob o controle de outros, como uma máquina, simbolizada na resposta ao QD.

Paralelamente, a flor com espinhos revela a ambivalência de sentimentos e impulsos internos que favorecem as intervenções. Existe certo desequilíbrio entre os impulsos amorosos e destrutivos em que predominam ataques ao objeto bom interno (Klein, 1934/ 1981). Este processo leva a sentimentos de desamparo, dor e aflição característicos de um estado melancólico porque não sente confiança no objeto introjetado.

Com base na teoria psicanalítica, a psicóloga utiliza as respostas ao QD para interpretar a ambivalência e os impulsos destrutivos3, dizendo:

P: “Deve ser muito sofrido conviver com os próprios espinhos… como uma planta com espinhos que você não gostaria de ser, porque se a folha dela bater nos espinhos ela deve sofrer.”
M: “Eu também acho que esses tombos e machucados são de fundo emocional, mas não sei como. Será que é a mesma coisa de eu não conseguir me cuidar? Não sigo as recomendações dos médicos, por exemplo, de fazer caminhadas ou emagrecer, enquanto isso só piora meu problema de coluna”.

É interessante observar que, como resposta à intervenção de P, a própria paciente associa espontaneamente suas quedas e machucados freqüentes e sua falta de cuidados consigo mesma, em função de sua auto-estima prejudicada. Nessa sessão P procura também trabalhar aspectos construtivos do ego por meio do modelo fornecido pela própria paciente no QD, tentando favorecer a possibilidade de resgatar seus recursos construtivos internalizados.

4) Interpretação

Na prancha em branco do TRO a paciente relata:

“Todas as figuras foram muito sugestivas, que levam a esta última, que é uma pessoa em sofrimento, que não está se achando, que tem os seus momentos bons e ruins. Sabe o quadro “O céu e o inferno” de Tintoretto? Tem pessoas alegres e representa no céu e no inferno ao mesmo tempo, na alegria e na tormenta. Ao mesmo tempo tem a felicidade e a infelicidade. Está no Louvre, na mesma sala que a Mona Lisa. Não me emociono fácil, mas me emocionei com o quadro que tem pessoas felizes e pessoas morrendo. É um quadro enorme e ele conseguiu unir pessoas morrendo e pessoas felizes, jarros, flores, pessoas juntas e no outro lado também tem um inferno, porque estão caindo do morro e caem mortas. Ao entrar nessa sala todo mundo vai direto à Mona Lisa, mas eu me interessei por este, um quadro muito grande e que me emocionou…” (fica com lágrimas nos olhos).

É importante ressaltar que não existe registro dessa obra de Tintoretto denominada “O céu e o inferno”. O quadro de Tintoretto que está no Museu do Louvre chama-se “O Paraíso” e de fato é muito grande e tem muitas pessoas em um local que indica o céu. Pode-se supor, então, que “o inferno, a tormenta, pessoas caindo e morrendo” referem-se à distorção e projeção de aspectos do mundo interno de Maria. Durante as sessões seguintes, P aponta para a paciente que a lembrança de um quadro real está distorcida em sua mente, no qual agrega aspectos destrutivos e moribundos (Klein, 1934/1981). A lâmina em branco favorece uma projeção clara dos aspectos depressivos, denegridos, agressivos, de violência e morte que não aceita e não tolera em si mesma e, portanto, não reconhece como sendo seus. Dessa forma não pode integrá-los. Projeta a ambivalência dos aspectos bons e maus, alegria e tormenta, felicidade e infelicidade, céu e inferno, idealização e destrutividade, vida e morte.

A paciente acompanha as interpretações muito surpresa e diz:

“Não tem o inferno?… Não sei… é o que me lembro… mas, se você está falando… Será possível? Por que então eu me lembro de pessoas caindo, morrendo?…”

Nesse momento Maria parece interessada em saber sobre seu processo e objetos internos, P fala então do estado mental depressivo e desanimado que pode, às vezes, distorcer aquilo que vemos e distorcer principalmente a lembrança e o que permanece na mente como experiência interna. Com o auxílio de sua própria história no TRO a paciente tem um insight sobre seus impulsos destrutivos, ponto central na dinâmica do quadro depressivo, segundo Klein (1981). Então ela diz:

“Além do quadro, eu posso na minha vida estar vendo coisas muito ruins aonde elas não existem… Será que é uma sensação minha?”

A sessão termina e Maria ficou muito tranqüila de poder abordar temas tão difíceis para ela.

 

EVOLUÇÃO CLÍNICA

A experiência com o trabalho interventivo a partir do QD e do TRO, com esta paciente, demonstrou que as intervenções utilizando respostas, imagens e histórias dos testes propiciaram um trabalho aprofundado de interpretação, em que os focos são captados e apontados para a paciente logo que possível e as interpretações podem prosseguir ou serem retomadas posteriormente. Trabalho este, que apenas uma entrevista devolutiva de informações sobre o teste não poderia conter. Essa forma de atendimento inclui um tempo de elaboração, do intervalo entre as sessões, para que a interpretação fornecida possa se expandir e retornar ampliada. No material clínico descrito, sobre o quadro de Tintoretto, as interpretações mais profundas só foram elaboradas no decorrer do processo terapêutico, demonstrando que, neste modelo de atendimento, a intervenção a partir do teste projetivo transcende o que seria uma entrevista devolutiva.

Na reavaliação final pelo BDI, após três meses de atendimento, a paciente apresentou um total de 22 pontos, que indica depressão moderada, lembrando que ela havia obtido 36 pontos na avaliação inicial, que apontava um nível de depressão grave.

A evolução clínica e os relatos de Maria demonstraram sensível recuperação da auto-estima, maior possibilidade de cuidados com a saúde, redução do sentimento de tristeza e desânimo, melhora na capacidade de trabalhar e retomada do interesse pela sexualidade.

 

CONCLUSÃO

O relato parcial do processo de atendimento apresentado associa a riqueza das técnicas projetivas com o suporte teórico psicanalítico para elaboração das intervenções, buscando uma compreensão que não se limita à devolução dos resultados dos testes.

A partir da pesquisa realizada pôde-se concluir que o Psicodiagnóstico Interventivo, utilizando testes projetivos como facilitadores do contato, favoreceu a ocorrência de associações livres e facilitou o trabalho interpretativo. Dessa forma, demonstrou que é possível ampliar o alcance da clínica psicanalítica promovendo uma continuidade no atendimento da avaliação à interpretação psicológica, favorecendo a possibilidade de experiências mutativas desde os primeiros encontros terapêuticos.

Sugerem-se novas pesquisas nesse campo, pois a técnica interventiva apresentada neste trabalho pode ser expandida para outros instrumentos de avaliação psicológica, a outros quadros clínicos e a diferentes faixas etárias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 29/08/2005
Revisto em21/08/2006
Aceito em 22/08/2006

 

 

 

 

* Endereço para correspondência: R. Dr. Bacelar, 231 / cj. 46, Vila Clementino, São Paulo – SP; CEP: 04026-000; Telefone: (11) 5083-3023; Fax: (11) 2273-8108; E-mail: mlegname@usp.br.
1 Artigo baseado na Tese de doutorado da autora intitulada: “O psicodiagnóstico interventivo com pacientes deprimidos: alcances e possibilidades a partir do emprego de instrumentos projetivos como facilitadores do contato”.
2 O nome é fictício e alguns dados foram alterados para preservar a identificação.
3 Na descrição do material clínico utiliza-se a primeira pessoa para manter a narrativa fiel ao diálogo, 164 no qual P: Pesquisadora e M: Maria, a paciente.

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