Boletim de Psicologia
ISSN 0006-5943
ARTIGOS ORIGINAIS
Percepção de fatores de risco e de proteção para acidentes de trânsito entre adolescentes
Perception of risk and protection factors for traffic accidents among adolescents
Miria Benincasa; Manuel Morgado Rezende*
Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
RESUMO
Os acidentes de transporte terrestre representam, em vários locais do mundo, a principal causa de morte não natural entre adolescentes. Neste estudo, buscou-se identificar os fatores de risco e de proteção relacionados a este fenômeno. Para isso, selecionaram-se 32 adolescentes, distribuídos em dois grupos pertencentes à classe A e dois à Classe D, conforme especificações do ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2002). Utilizou-se o método do Grupo Focal para coleta e análise dos dados. Os resultados apontaram que "ganhos sociais em dirigir sem carteira", "associação de álcool e direção" e "falta de habilidade nesta prática" são fatores de risco para acidentes de trânsito entre adolescentes. As conseqüências da exposição ao risco de acidente de trânsito relatadas foram "morrer" e "se machucar". O fator de proteção apresentado foi reduzir o consumo de álcool ao dirigir. Identificou-se a necessidade de programas de proteção à saúde e à vida voltados para esta população.
Palavras-chave: Adolescência, Acidente de trânsito, Fatores de risco e proteção.
ABSTRACT
Traffic accidents represent, in several places around the world, the main cause of non-natural death among adolescents. This study aimed to identify risk and protection factors related to this phenomenon. The participants in the study were 32 adolescents, divided into four groups according to their socioeconomic level (ABEP's specifications were used): two groups considered upper level adolescents and two groups of lower level adolescents. Data were collected through the focal group technique. Results indicated the following risk factors for traffic accidents among adolescents: "social gains of driving without a driver's license"; "alcohol ingestion and driving associated"; and "lack of driving abilities". As consequences related to the exposition to traffic accident risk factors, the adolescents mentioned "dying" and "getting hurt". The protection factor presented was "reduction of alcohol consumption before driving". The need for developing health and life protection programs for adolescents was identified in this study.
Keywords: Adolescence, Traffic accidents, Risk factors, Protection factors.
INTRODUÇÃO
Este estudo aborda a percepção de fatores de risco e de proteção para acidentes de trânsito entre adolescentes. Inicialmente são explicitados os conceitos de risco, fatores de proteção e percepção de riscos empregados neste artigo.
Risco é um conceito da Epidemiologia Moderna e refere-se à probabilidade da ocorrência de algum evento indesejável (Silveira, Silvares e Marton, 2003; Augusto, Freitas e Torres, 2002). Fatores de risco são elementos com grande probabilidade de desencadear ou associar-se ao desencadeamento de um evento indesejado, não sendo necessariamente fator causal. Segundo Silveira, Silvares e Marton (2003), fatores de proteção são recursos pessoais ou sociais que atenuam ou neutralizam o impacto do risco. Estes autores acrescentam que a percepção dos riscos volta-se à perspectiva do controle preventivo dos riscos, buscando, por meio da educação, influir nos comportamentos deletérios para a saúde do corpo e do meio ambiente.
Os acidentes de trânsito, por sua freqüência, são considerados riscos segundo alguns estudos epidemiológicos. Andrade e Jorge (2000) relatam que os acidentes de transporte terrestre, em especial os de trânsito de veículo motor, representam, em vários locais do mundo, a principal causa de morte não natural. Segundo estes autores, os acidentes de transporte terrestre são englobados em um agrupamento de causas de mortes não naturais, denominadas causas externas, em que se incluem todos os tipos de acidente (de transporte, quedas, afogamentos e outros), as lesões intencionais (homicídios, suicídios e intervenções legais) e as lesões provocadas em circunstâncias de intencionalidade ignorada (ou causa de tipo ignorado), sendo, atualmente, classificadas no capítulo XX da Classificação Internacional de doenças, décima revisão.
Segundo Barros, Ximenes e Lima (2001), as causas externas em 1979 ocupavam a quarta posição e, em 1994, passaram para a segunda, suplantada apenas pelas causas perinatais. Quando se analisou a distribuição percentual da mortalidade por causas externas dos grupos de 0-9 e 0-19 anos separadamente, observou-se que, para os adolescentes, elas ocupavam a primeira posição como causa de óbito em toda a série. Estes autores acrescentam que os acidentes de trânsito ocupavam a segunda posição de morte por causas externas, em 1979 e, em 1985, já era a primeira causa de morte entre as causas externas, com percentuais acima de 30%. No Brasil, o principal tipo de morte por acidente de trânsito é o atropelamento (Souza, Gonçalves e Silva, 1997).
Segundo Andrade e Jorge (2000), os adolescentes de classe social média e alta aprendem a dirigir precocemente, com idades variando de oito a treze anos, tendo os membros da família como seus instrutores e, este elemento, pode ser considerado como fator de risco para acidente de trânsito. Sauer e Wagner (2003) concordam com estes autores e informam sobre o menor índice de acidentes de trânsito entre as classes menos favorecidas. Explicam este fato com o argumento de que as baixas taxas de acidentes de trânsito devem-se, possivelmente, ao fato de que tais comunidades possuem menor índice de motorização. No entanto, estes autores sugerem que a correlação entre o desenvolvimento sócio-econômico de uma população e a mortalidade no trânsito deva ser melhor estudada.
Andrade e Jorge (2000) apontam que outro fator de risco para acidente de trânsito está relacionado com as características próprias desta fase do desenvolvimento como: falta de habilidade com a direção, pressão exercida pelo grupo e imaturidade emocional típica da idade. Segundo estes autores, há uma tendência determinada social e culturalmente, que favorece a exposição dos jovens a maiores riscos na condução de veículos como maior velocidade, manobras mais arriscadas, uso de álcool entre outros.
Andrade, Soares, Braga, Moreira e Botelho (2003) confirmam que os acidentes de trânsito envolvem a falta de habilidade com a direção. Relatam que os principais fatores que contribuíram para o último acidente de trânsito dos sujeitos de sua pesquisa foram: o desrespeito à sinalização, excesso de velocidade e motorista alcoolizado. Estes autores acrescentam que há grande influência do grupo nos comportamentos de risco. A pressão exercida pelo grupo associada à imaturidade emocional característica da idade e o uso de álcool podem desencadear excesso de velocidade, manobras ilegais e falta do uso de equipamento de proteção. Outros autores (Lyra, Goldberg e Lyda, 1996; Vermelho e Melo Jorge, 1996; Carlini-Contrim, Gazal-Carvalho e Gouveia, 2000; Barros, Ximenes e Lima, 2001) fazem referência à falta de uso do cinto de segurança e ausência de capacete no uso de motocicleta como potencializadores dos riscos.
Sauer e Wagner (2003) confirmam o maior risco para acidentes de trânsito com morte quando o condutor é um adolescente ou adulto jovem. Os autores acrescentam que tanto condutores quanto passageiros adolescentes estão desproporcionalmente envolvidos em acidentes de trânsito com vítimas, quando comparados com condutores de outras faixas etárias. Ratificam que características próprias dessa faixa etária como: imaturidade, sentimento de onipotência, tendência de superestimar suas capacidades, pouca experiência e habilidade para dirigir e comportamentos de risco são fatores de riscos para acidente de trânsito.
Como principal fator de proteção para acidentes de trânsito entre adolescentes, Barros, Ximenes e Lima (2001) apontam a redução do consumo de álcool. Os autores mostram que, em países desenvolvidos, apesar de serem os acidentes de trânsito (sobretudo as colisões) a primeira das causas de morte entre jovens, a tendência tem sido decrescente. Essa redução vem sendo explicada pelos investimentos em medidas como obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, diminuição do limite de velocidade e aumento da idade para a permissão legal da ingestão de bebida alcoólica.
Considerando que, segundo a literatura revisada, o acidente de trânsito é um risco entre adolescentes, os objetivos deste estudo foram: investigar se há percepção sobre este risco entre esta população e identificar os fatores de proteção que utilizam para lidar com este risco.
OBJETIVOS
Os objetivos deste estudo foram investigar, entre adolescentes, a percepção do risco de acidente de trânsito durante este período da vida; identificar o que relatam como fatores de risco e compreender o que consideram como fatores de proteção ao refletir sobre o tema.
MÉTODO
Sujeitos
Foram selecionadas, pelo critério de conveniência, três escolas de ensino médio e fundamental, de duas cidades da região sudeste do Brasil. Duas escolas estão localizadas na cidade de São Paulo e uma escola de uma cidade de tamanho médio do interior de Santa Catarina. A inclusão de distintas regiões geográficas objetivou contemplar diferenciações sociodemográficas, na formação da amostra. As localizadas na região metropolitana de São Paulo foram: uma particular, de um bairro nobre da cidade, que disponibilizou sujeitos de classe A; outra pública, localizada na periferia da cidade, que disponibilizou os sujeitos de Classe D. A terceira escola, localizada no interior o estado de Santa Catarina disponibilizou dois grupos: adolescentes de classe A que estudavam pela manhã e adolescentes de classe D que estudavam à noite. As determinações de classes A e D dos participantes dos grupos foram delineadas segundo as normas da ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2002).
Selecionaram-se, em cada escola, 12 adolescentes com as características de idade e classe social estabelecidas para este estudo. Foi apresentada a proposta e combinadas as datas. O número de oito participantes foi atingido para cada grupo, respeitados os critérios estabelecidos pelos próprios adolescentes, sob a coordenação da pesquisadora, a partir do interesse em participar desta atividade e disponibilidade no horário proposto. Adotou-se a mesma sistemática nos demais grupos para homogeneizar a composição numérica de participantes. Os adolescentes e seus responsáveis assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Os grupos foram considerados: Grupo1 (G1), pertencente à classe social A de Santa Catarina; Grupo 2 (G2), classe social A de São Paulo; Grupo 3 (G3), classe social D de São Paulo e Grupo 4, classe social D de Santa Catarina.
Assim participaram 32 adolescentes entre 14 e 18 anos incompletos, dos quais 16 eram do sexo feminino e 16 do sexo masculino, sendo que nenhum deles estava habilitado para conduzir veículos automotores. Metade da amostra pertencia à classe social A e metade à classe D. Para selecionar estes adolescentes, primeiramente foi aplicado o questionário ABEP (2002) de classes econômicas, encontrando os sujeitos das classes A1 e D, determinadas para este estudo. Foi feito o convite a todos aqueles que contemplavam esta classificação. Em todos os grupos houve um número de candidatos maior que oito. A seleção final ocorreu em função da disponibilidade de horário para participar das atividades propostas pela pesquisadora, mantendo-se o número de quatro adolescentes do sexo feminino e quatro do sexo masculino em cada grupo. O número de participantes foi definido pelo critério de oito participantes por grupo focal, sugerido por Osório (2000). A opção pelas classes sociais A e D deveu-se ao interesse por identificar a percepção deste risco nas duas classes sociais extremas, excluindo-se a classe E, porque esta faixa etária está freqüentemente ausente das escolas.
PROCEDIMENTO
Foi realizado um estudo exploratório e de natureza qualitativa, empregando-se o Grupo Focal. Carlini-Contrim (1996, p.286) descreve o Grupo Focal como “um método de pesquisa qualitativa que pode ser utilizado no entendimento de como se formam as diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviço”. Acrescenta que “a essência do grupo focal consiste em se apoiar na interação entre seus participantes para colher dados, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (moderador do grupo)”. O material obtido, segundo esta autora, é a “transcrição de uma discussão em grupo, focada em um tópico específico”.
O roteiro adotado para investigar o tema incluiu as seguintes questões: “Vocês acham que sofrer acidente de trânsito é um risco na adolescência? Como o adolescente se expõe a este risco? Por que desta exposição? Como é possível se proteger deste risco?”
Antes do início da atividade, foram definidas as regras de participação:
a. falar uma pessoa de cada vez;
b. evitar discussões paralelas para que todos participem;
c. ninguém pode dominar a discussão;
d. todos têm o direito de dizer o que pensam;
e. todos se comprometeram com o respeito e o sigilo sobre os diversos pontos de vista manifestados na atividade.
Foram realizadas três sessões de 90 minutos com cada grupo e o papel do coordenador foi o de facilitar e incentivar as discussões sobre o tema Todas as sessões foram filmadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. A análise dos dados iniciou-se com uma codificação dos dados extraindo-se três categorias: I. Fatores de Risco para acidente de trânsito; II. Conseqüências deste risco e; III. Fatores de Proteção para este risco. A partir destas categorias estabeleceram-se subcategorias que foram organizadas com citações literais dos participantes dos grupos. Elaborou-se, então, uma apresentação deste material, que contemplasse as percepções dos adolescentes. Estes resultados foram discutidos à luz de ARTIGOS ORIGINAIS encontrados sobre o tema.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente, serão apresentados no Quadro 1 as categorias e subcategorias que envolvem o fenômeno acidente de trânsito, estabelecidas neste estudo. Estas categorias são: Fatores de risco, Conseqüências e Fatores de Proteção. Posteriormente, as subcategorias serão exemplificadas a partir de citações que ilustrem os principais dados da análise. No final de cada citação será indicado o grupo ao qual pertence o relato.
Quadro 1. Categorias e subcategorias do fenômeno acidente de trânsito: fatores de risco, conseqüências e fatores de proteção
I. FATORES DE RISCO
a. Andar de carona e não ter como controlar a ocorrência de acidentes
“Eu, como adolescente, ando só de carona e não tenho como controlar” (G1).
“Porque a gente não dirige, né? Mas, quando a gente sai, a gente vai com pessoas que dirigem” (G2).
“Mas não tem jeito. Todo mundo aqui vive sabendo de acidente de carro ou de moto com gente da nossa idade. Da nossa idade não, porque a gente não pode dirigir, mas com caras um pouco mais velhos. Mas tem sempre gente da nossa idade que tá de carona” (G3).
“E outra, eu só ando de carona, nem dá pra eu bater o carro, nem tenho carro” (G4).
b. Dirigir sem carteira
“Eu dirijo, mas se me pegarem sem a carteira dá pau” (G1).
“A pessoa que não tem carteira não deveria dirigir sozinha, porque ainda não tem muita habilidade” (G2).
c. Ganhos sociais em dirigir sem carteira
“O homem pensa em dirigir logo pra fazer pressão. Na verdade, sei lá, mas facilita um monte sua vida” (G1).
“Mas dá moral você dirigir. Independente de ter carteira ou não. Se tu dirige, ganha mais guria” (G2).
“Acho que eles fazem isso pra se mostrar também. Como é pouca gente que tem carro e quando tem é emprestado do pai, eles ficam se mostrando pros amigos que não tem pra quem pedir emprestado” (G3).
“Além de você poder pegar muito mais mina de carro, né? Tem mina que só fica com cara de carro, e são as melhores” (G3).
“E também, de carro dá pra ficar com mais guria. Por isso que os piá que têm dinheiro conseguem mais guria, a gente até que é mais bonitinho” (G4).
d. Beber e dirigir
“Mas tem gente que começa a beber e depois vai dirigir e por beber, muitas vezes, bate” (G1).
“Quando a gente sai, a gente vai com pessoas que dirigem. Elas bebem também e a gente não sabe sempre se dá pra confiar. Mas de qualquer jeito, assim é melhor do que o pai levar” (G2).
“É porque vai pra balada e não vai ficar sem beber. Numa dessas perde o controle e pode bater o carro” (G2).
“Bateu na estrada quando tava voltando de um rodeio numa cidade que eu não lembro o nome. Dizem que tava bêbado” (G3).
“Mas acho que as pessoas batem mais porque tão bêbadas do que no racha” (G3).
“É porque as pessoas bebem muito à noite e saem com seus carros. Quem estiver na frente eles não querem nem saber, passam por cima” (G4).
“É. Acho que a maioria dos acidentes na cidade acontece porque as pessoas beberam” (G4).
e. Vontade de correr
“Também tem gente que só pensa em correr” (G1).
“Acho que querer beber tem que ver com querer correr de carro” (G1).
“Mesmo porque, tem vontade de correrpra se mostrar” (G2).
“Ele eramotoboy e estava no serviço. Mas ele era totalmente louco com aquela moto. Andava no meio dos carros, nãotava nem aí” (G3).
“Aqueles amigos que eu falei, os que vão tirar racha. Eu adoro sair com eles e às vezes eles me chamam e é claro que eu vou ... E com eles, a gente sai de carro e sempre bebe. Nunca aconteceu nada, mas eles sempre ficam brincando de madrugada com o carro. Não correm mais porque pode ter radar em alguns lugares. Mas quando eles sabem que não tem ou que fica desligado porque é tarde, eles não tãonem aí, correm mesmo (G3).
f. Estradas ruins
“O ruim mesmo são estas estradas daqui. São muito perigosas. Se não fossem, as pessoas quase não iam morrer. Aqui na cidade até tem acidente, mas morte mesmo, mais na estrada” (G1).
“Mas, que os das estradas, não é por isso. É porque tem esse tanto de curva. As pessoas perdem o controle da direção” (G4).
g. Falta de habilidade com a direção
“Eu fui aprender a dirigir com meu pai e aí ele me mandou dar ré e foi bem difícil, não tenho muita habilidade” (G1).
“Mas às vezes você até tá certo mas tem um monte de louco que não sabe dirigir.” (G2)
“Ele era totalmente louco com aquela moto. Andava no meio dos carros, não tava nem aí” (G3).
“As pessoas às vezes parecem loucas com carro” (G4).
h. Vontade de correr riscos
“Mas também, não dá pra viver sem se arriscar nada, né? Um pouquinho de risco sempre tem que ter, não adianta” (G2).
“Mas também tem que se arriscar um pouco. Já não pode beber, também não pode correr, não pode nada?” (G3).
II. CONSEQÜÊNCIAS
a. Morrer
“E numa dessas, provoca acidente e morre” (G1).
“Mas também tem muita gente que morre. Não conheci ninguém jovem, mas adulto, fiquei sabendo de vários” (G2).
“Já sei de um monte de garoto que morreu em acidente de moto e de carro. Um até era amigo do meu irmão, vivia lá em casa” (G3).
“Mas a gente não conhece muita gente que morreu ou se machucou muito (G3).
“Está de coma no hospital e parece que não vai sair dessa” (G4).
b. Machucar-se
“E se não morre, pode se machucar, a ponto de não andar mais ou ficar todo deformado” (G1).
“E tem muita gente um pouco mais velha que a gente que já sofreu acidente. Não conheço ninguém que chegou a morrer, mas tem” (G2).
“Eu também conheço uma pá de cara que já sofreu acidente. Principalmente de moto. Tem um que nem anda mais depois de um acidente. Acho que não vai andar nunca mais” (G3).
“Se sair também, parece que não vai andar mais. Foi muito feio” (G4).
c. Matar ou machucar outros
“E quem não bebe tá correndo risco também porque os que bebem estão na rua” (G1).
d. Problemas com o pai
“Se eu faço alguma coisa com o carro dele, acho que ele nunca mais me deixa usar” (G1).
“O problema é bater o carro. Meu pai me mata se eu faço isso. Acho que ele nunca mais me empresta, se eu fizer um arranhãozinho” (G2).
“Eu também dirijo e tomo muito cuidado, porque, se alguma coisa acontece, meu pai também não me empresta mais” (G3).
e. Não há muitas conseqüências ruins
“É, não sei como não acontece mais acidente. Conheço gente que vive dirigindo bêbado e nunca acontece nada. Parece que Deus protege, não sei” (G3).
“Mas, quando acontece de moto, sempre é feio. De carro que é mais sossegado” (G3).
“Mas bater de carro, mesmo que aconteça muito, não é toda hora. Ninguém conhece muita gente que morreu de acidente de carro. No máximo um ou outro. Não é tão fácil assim morrer” (G3).
III. FATORES DE PROTEÇÃO
a. Reduzir o consumo de substâncias psicoativas
“É não beber tanto quando sair, eu acho” (G1).
“Quando a gente puder dirigir, tomar cuidado pra não beber tanto” (G2).
“O que dá pra fazer é não beber muito, quando você for sair de carro. É pegar leve, ficar com uma mina que não beba tanto” (G3).
“Tinha é que acabar com essa coisa de droga” (G4).
b. Melhorar as estradas
“Mas também podiam melhorar as estradas” (G1).
“Tinham é que melhorar essas estradas, se é que dá pra fazer isso” (G4).
c. Não receber carona de quem bebe
“Mas não é sempre que a gente pode sair de carro, normalmente a gente vai com alguém que já pode dirigir” (G1).
“Eu não volto pra casa com quem vai dirigir e tá bêbado” (G2).
“Dá pra pedir pra alguém que não beber dirigir” (G3).
“Também não andar de carro com quem usa droga, né?” (G4).
d. Mais policiamento
“Acho que tinha que ter guarda na rua à noite, principalmente de final de semana. Acho que todo mundo ia ficar mais seguro, tanto com acidente como com outras coisas” (G4).
Não foram apresentadas diferenças relevantes de opiniões quanto ao que se apresenta como fator de risco e fator de proteção entre as Classes Sociais “A” e “D” quanto ao risco “acidente de trânsito”. No entanto, identificou-se o fator de risco “dirigir sem carteira”, como uma peculiaridade dos representantes da classe alta e do sexo masculino do presente estudo. O acesso a veículos automotores foi predominante na classe A que, conseqüentemente, acaba se expondo a mais riscos por dirigir sem carteira. Nesta classe social, 50% dos sujeitos (15 do sexo masculino e um do sexo feminino) relataram ter dirigido pelo menos uma vez, enquanto na classe D, 25% (quatro sujeitos, todos do sexo masculino) afirmaram já ter dirigido. Como pode ser visto neste estudo, o interesse por essa prática predominou entre os representantes do gênero masculino, tendo sido associado à vontade de correr riscos e ao aprendizado precoce. O fato de muitos terem aprendido a dirigir antes da idade mínima legal, reflete insuficiente conscientização dos responsáveis quanto aos riscos de se ter um menor ao volante, que é confirmada pelo fato de a maioria dos sujeitos ter relatado este aprendizado com os próprios familiares. Os adolescentes que têm acesso à condução de veículos de familiares ou adquirem seus próprios veículos são pertencentes à classe A, enquanto os pertencentes à classe D, nem fizeram referência a este fator de risco, confirmando os dados da literatura (Andrade e Jorge, 2000; Sauer e Wagner, 2003). Por outro lado, dados epidemiológicos apontam que, no Brasil, o principal tipo de morte por acidente de trânsito é por atropelamento (Souza, Gonçalves e Silva, 1997) e, neste estudo, o atropelamento não foi percebido como uma conseqüência do risco “acidente de trânsito”. Embora fosse apontado como conseqüência “se machucar ou machucar os outros”, o papel adotado para a reflexão era o de condutor dos veículos e seus acompanhantes em uma colisão. Ser vítima não foi mencionado por nenhum grupo, enquanto, vitimizar foi apresentado apenas pelo G1.
Embora as diferenças quanto às classes sociais não tenham sido expressivas, houve divergências de opiniões entre os grupos de Santa Catarina e de São Paulo. Os primeiros apresentaram “estradas ruins” como condição causal e “melhoria das estradas” como fator de proteção para acidentes de trânsito. Este resultado é fundamentado na localização da cidade em que os adolescentes residem. A região é bastante montanhosa, as estradas, possuem pista única e há um intenso tráfego de caminhões devido à grande quantidade de frigoríficos da região (Perdigão, Sadia, Aurora, Seara, entre outros).
O fator de risco “vontade de correr riscos” foi apontado freqüentemente pelos grupos de São Paulo e apenas pelo grupo de classe A de Santa Catarina. Esta “vontade de correr riscos” é apontada na literatura (Andrade e Jorge 2000) como uma tendência entre os jovens, embora não indique diferenças regionais, nem entre classes sociais nesta postura. Este dado sugere a necessidade de estudos sobre esta tendência, contemplando estas diferenças.
Como fatores de risco comuns a todos os grupos foram encontradas: “andar de carona e não ter como controlar”, “ganhos sociais em dirigir sem carteira”, “beber e dirigir” e “falta de habilidade com a direção”.
Segundo Sauer e Wagner (2003), os fatores de risco para a maior mortalidade no trânsito pode ser explicada parcialmente pelas características próprias dessa faixa etária. Este estudo confirma este fator de risco através do interesse apontado pelos participantes em beber, correr ou ambos, embora alguns tenham relatado falta de oportunidade para fazê-lo.
O fator de risco “falta de habilidade com a direção” retrata a realidade da rotina dos participantes. Por serem indivíduos com idade máxima de 18 anos incompletos, ainda não possuem carteira de habilitação, dirigem há pouco tempo e não têm domínio sobre as leis de trânsito. A partir desta realidade, infere-se que, além do risco envolvendo a intenção de correr e beber, há o fator desconhecimento das leis e suas conseqüências, confirmando o estudo de (Andrade et al., 2003).
Os participantes deste estudo demonstraram que há “ganhos sociais em dirigir sem carteira” em vários aspectos: simboliza a conquista da independência, favorece a intimidade em relacionamentos amorosos e demonstra poder e superioridade sobre outros que não podem dirigir ou não têm para quem pedir emprestado. Este comportamento de risco é, portanto, incentivado pela pressão exercida pelo grupo, podendo ser potencializado pelo uso de álcool e/ou outras drogas, excesso de velocidade e falta de equipamento de proteção ao dirigir, confirmando os estudos de Andrade et al. (2003); Vermelho, Melo Jorge (1996); Barros, Ximenes e Lima (2001); Carlini-Contrim, Gazal-Carvalho e Gouveia (2000); Lyra, Godberg e Lyda (1996).
Apenas os participantes dos G1, G2 e G3 identificaram “problemas com o pai” como conseqüência deste risco, argumentando perdas de privilégios caso ocorra um acidente. Não foi encontrada referência a esta conseqüência na literatura. As únicas conseqüências apontadas por todos os grupos foram: “morrer” e “se machucar”. Em alguns momentos da discussão minimizaram a probabilidade de ocorrer estas conseqüências, sugerindo haver muitos comportamentos de risco, quando comparados à baixa quantidade de acidentes com vítima. Esta percepção que têm de si mesmos confirma os resultados de Sauer e Wagner (2003), quando mostram o sentimento de onipotência e a tendência a supervalorizar suas capacidades como características deste período do desenvolvimento.
Embora a literatura (Sauer e Wagner, 2003) indique maior freqüência de acidentes de trânsito com vítima envolvendo adolescente, quando comparada a outras faixas etárias, os adolescentes deste estudo não se referiram a esta informação. Apesar de reconhecerem estas conseqüências, identificaram maior freqüência de acidentes com carros entre adultos e com motocicleta entre adultos jovens maiores de 18 anos.
Como fatores de proteção para acidentes de trânsito foram apresentados: “reduzir o consumo de álcool” e “não receber carona de quem bebe”. Os participantes percebem que, freqüentemente, os acidentes estão associados ao consumo de alguma substância psicoativa e reconhecem que esta é uma associação perigosa, confirmando os estudos de Barros, Ximenes e Lima (2001). Discutiram sobre alternativas de diversão para efetivarem a redução do consumo destas substâncias como: dedicar-se mais a encontros amorosos e menos a encontros com amigos; reunirem-se para assistir filme e jogar “baralho”, “banco imobiliário” e “rpg”.
Dados encontrados nesta pesquisa como: uso da “carona” (apresentado como fator de risco) e, a “carona” associada à redução do consumo de álcool pelo condutor (considerada como fator de proteção para acidentes de trânsito) não foram comentados na literatura pesquisada. Andrade et al. (2003) encontraram altos índices de acidentes de trânsito envolvendo jovens, no entanto não questionaram se os sujeitos de seu estudo estavam na posição de condutor ou de passageiro do veículo, no momento do acidente.
Os resultados relacionados a acidentes de trânsito, demonstraram que estes adolescentes apresentaram características esperadas neste período do desenvolvimento, segundo a descrição de Knobel e Aberastury (1981). Estes autores descrevem como atitude social reinvindicatória esta tendência a transgredir regras e correr riscos.
Os participantes deste estudo, em sua maioria, não tinham opiniões formadas a respeito do tema. Relataram nunca terem refletido sobre o assunto, apesar de conviverem com tais ocorrências em suas comunidades ou através dos jornais e da televisão. No entanto, durante as discussões em grupo, as opiniões foram sendo formadas, apresentadas e, freqüentemente, reformuladas. Os adolescentes revelaram comportamentos de risco em si mesmos e reconheceram a necessidade de alterá-los. Segundo Carlini-Contrim (1996, p. 287),
“as pessoas em geral precisam ouvir as opiniões dos outros antes de formar as suas próprias. E, constantemente mudam de opinião (ou fundamentam melhor sua posição inicial), quando expostas a discussões em grupo. É exatamente este processo que o Grupo Focal tenta captar.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre os fatores de risco apontados destaca-se o de dirigir sem carteira, que reflete insuficiente conscientização dos responsáveis quanto aos riscos de deixar um menor dirigir e indica que os pais também não percebem os riscos os quais estão expondo os menores.
Outro fator a ser considerado é a unanimidade quanto ao interesse pelo excesso de velocidade e por dirigir alcoolizado. Apesar dos participantes reconhecerem este interesse como um fator de risco, ao refletirem sobre o mesmo, tendem a minimizar os riscos e as conseqüências. Esta tendência demonstra a necessidade de fiscalização destes comportamentos pelos responsáveis, visto que, os próprios adolescentes minimizam a necessidade de proteção.
Em todos os sujeitos pesquisados houve o predomínio da crença de que dificilmente algo de ruim poderia acontecer. Quando convidados a discutir sobre os fatores de risco que abordavam e suas conseqüência, tenderam a minimizá-los inicialmente, para depois criarem alternativas de proteção criativas.
Os comportamentos de risco acima citados mostram a necessidade de desenvolvimento de estratégias de mudanças destes através de programas de promoção de saúde ou educação para a saúde junto a pais de adolescentes.
Portanto, foi percebido, entre os adolescentes, a falta de oportunidade para refletirem sobre todos os riscos aos quais estão expostos diariamente e, com isso, impossibilitados de reformularem suas opiniões, pensarem sobre seus hábitos e sobre possíveis soluções protetoras para tais riscos. Segundo os participantes deste estudo, os adultos se aproximam com discursos previamente elaborados e não permitem a elaboração espontânea de conceitos a respeito deste e de outros temas. Embora já tenham ouvido sobre os danos provocados pela associação de álcool e direção, relataram nunca terem pensado sobre como suas atitudes os deixam expostos.
Esta atividade promoveu nos adolescentes a oportunidade de refletir sobre seus próprios comportamentos de risco. O objetivo deste estudo não envolvia alterar tais comportamentos, apenas discuti-los, caso fossem percebidos. Não foi possível, através deste estudo, avaliar se houve mudança de comportamento ou utilização dos fatores apontados como protetores. No entanto, foi oferecida a oportunidade de escolherem estar expostos ou se protegerem do risco “acidente de trânsito”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido em 5/10/2006
Revisto em 12/02/2007
Aceito em 25/02/2007
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