57 127 
Home Page  


Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Identificação dos adolescentes de hoje com a personagem de cinderela

 

Identification of the today’s adolescents with the cinderella personage

 

 

Vicente Cassepp-Borges*

Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Publicado em 1981 por Colette Dowling, Complexo de Cinderela descreve um modelo de mulher que prefere acomodar-se em um casamento a competir no mercado de trabalho. O objetivo deste ensaio foi verificar se ainda se encontram, nas adolescentes de hoje, características que permitam a comparação com a personagem Cinderela das histórias infantis. Um questionário fechado foi aplicado em 200 jovens de nível sócio-econômico médio para a coleta dos dados. Os resultados sugerem que, ainda hoje, podemos verificar parcialmente o mesmo modelo de mulher descrito no início dos anos 80.

Palavras-Chave: Complexo de Cinderela, Identificação, Gênero, Adolescência.


ABSTRACT

Published in 1981 by Colette Dowling, Cinderella Complex describes a woman role model that prefers to stay comfortable in a marriage rather than to compete into the work market. The objective of this essay was to investigate if we still can find currently adolescents’ characteristics that allow the comparison with the Cinderella character of the fairy tale. A closed questionnaire for gathering the data was used. The results suggested that, still today, we partially find the described model of woman in the beginning of 80’s.

Keywords: Cinderella Complex, Identification, Gender, Adolescence.


 

 

INTRODUÇÃO

Era uma vez, uma sociedade patriarcal na qual as mulheres tinham um espaço quase nulo, de subordinação aos homens (Rago, 2001). Estes problemas de gênero podem ser atribuídos à cultura falocêntrica, que traz o homem como sujeito (um) e reduz a mulher a uma posição de Outro ou de não-masculino (zero) (Butler, 2003). Esta mesma lógica binária fundamenta os contos de fada, nos quais não existe um meio termo entre o bem e o mal, o tolo e o esperto, o lindo e o feio, etc. (Bettelheim, 1979). A partir do século passado, no entanto, o movimento feminista obteve inúmeras vitórias em direção a uma sociedade mais justa.

Assim, em 1981, o livro Complexo de Cinderela levantou vários questionamentos sobre esta outra mulher, fruto das conquistas do feminismo. Acostumadas a uma vida em que tinham a única e simples missão de serem boas mães e esposas, as mulheres tiveram que se separar de figuras de autoridade para tornarem-se autônomas. Esta liberdade empurrou a mulher para um mundo de ambição, dinheiro, responsabilidades, trabalho, etc. Porém, torna-se difícil que uma mulher educada para a passividade ocupe esta posição ativa no mundo (Dowling, 1981/1995).

A busca da identidade da mulher na nossa cultura é sufocada pelas condições sociais. A repressão e a opressão ao sexo feminino estão constantemente presentes, submetendo a maioria das mulheres a padrões sociais. Aquelas que assumem este papel deixam de reivindicar a igualdade de direitos e oportunidades, recentemente prevista na nossa legislação (Gonzaga et al., 1999).

Um exemplo disso é a adaptação à cultura brasileira do “Bem Sex-Role Inventory” no início da década de 80. Mesmo com as mudanças que vinham ocorrendo na sociedade, são atribuídas características como arrojado, autoconfiante, auto-suficiente, competidor, estudioso, influente, líder, livre, namorador, poderoso e popular ao sexo masculino. Por sua vez, o sexo feminino é caracterizado por adjetivos como delicado, dependente, dócil, emotivo, fiel, frágil, ingênuo, meigo, obediente, passivo, prendado, romântico, sensível, submisso, tolerante e vaidoso (Oliveira, 1983).

 

O COMPLEXO DE CINDERELA

Como Cinderela, as mulheres da década de 80, e talvez as de hoje, esperavam por algo externo de grande força que mudasse suas vidas. Este desejo inconsciente de cuidados dos outros, esta dependência psicológica, estas atitudes e temores fazem com que as mulheres não consigam um lugar no mercado de trabalho, pois tudo isto as impede de usar plenamente seu potencial criativo e intelectual. O Complexo de Cinderela é o conflito entre querer ao mesmo tempo os cuidados paternalistas do marido e a independência (Dowling, 1981/1995).

Kerr (1985), num artigo em que cita o Complexo de Cinderela como um dos motivos pelos quais as meninas superdotadas não se tornavam mulheres de sucesso com a mesma freqüência dos homens, descreveu este conceito como uma tendência do self derrotado querer ser cuidado ou ser salvo da responsabilidade de cuidar do self estabelecido. São muitas as barreiras que impedem as mulheres de realizar seu completo potencial, as quais foram divididas em internas e externas. As internas seriam o próprio Complexo de Cinderela e o medo de que alguém descubra que elas não são brilhantes ou competentes. As barreiras externas incluem o sexismo, a discriminação e a falta de recursos (como a menor oferta de bolsas de estudo e empregos para mulheres, por exemplo). Além de serem tradicionalmente educadas em casa para a passividade, as mulheres ainda sofrem uma forte pressão social para isso. O Complexo de Cinderela pode ser visto como uma defesa (aceitação) a esta pressão social.

Enquanto Dowling (1981/1995) trata o Complexo de Cinderela como um papel feminino ou uma característica inerente à personalidade feminina, Giddens (1993) atribui este conceito à uma personalidade de co-dependência. Isto significa que, ao mesmo tempo em que existem parceiros que exercem uma conduta controladora, existem parceiros que exercem uma conduta controlada. Este tipo de relacionamento é assim chamado porque traz sofrimento para ambos. A mulher co-dependente tende a se apaixonar por homens com desejo de apenas satisfazer suas necessidades sexuais, pois é uma pessoa que ocupa bastante tempo de sua vida preocupada com a necessidade dos outros.

Entretanto, conformada, pacífica, e também querendo evitar maiores desgostos ao pai, que ela tanto amava, resolveu obedecer às ordens da madrasta” (Penteado, 1964, p. 82).

Dowling (1981/1995) pontua que o Complexo de Cinderela levava jovens de 16 ou 17 anos a abandonarem a faculdade para partir para o casamento. Mas ele está presente na sociedade de tal modo que é possível perceber em mulheres com curso superior, que, mesmo tendo condições propícias para a independência, preferem esconder-se em um casamento.

Como a tarefa de se sustentar parece exigir muito esforço, várias mulheres se esquecem que o comodismo tira a dignidade e a auto-estima. Além disso, o meio não espera e não exige muito do dito “sexo frágil”. Por outro lado, a tarefa de obter o reconhecimento na sociedade é algo tão desafiador e interessante que leva a mulher moderna a abrir mão do tempo livre e do cuidado dos filhos (Dowling, 1989).

 

O CONTO DE CINDERELA

Os contos de fadas se tratam de uma literatura atraente para crianças e mesmo para adultos. A transmissão deles é feita através de gerações, sendo que uma criança ouvinte acaba se tornando um adulto difusor das histórias (De Souza, 2005). Aprimorados através dos séculos e dos milênios, os contos trazem mensagens explícitas e subliminares, atingindo todos os níveis de funcionamento da mente. De maneira geral, têm a função de ensinar à criança (e, ainda, aos adultos) sobre os problemas interiores dos seres humanos e a forma moralmente correta de lidar com eles. Por esta razão, o dilema moral é uma característica sempre presente. Os contos de fadas transmitem a mensagem de que na vida os problemas graves irão surgir de forma inesperada e injusta, mas que o enfrentamento deles através da bondade fará com que sejam obtidas vitórias nestas lutas.

Tratando-se mais especificamente do conto da Cinderela, observam-se todas as características gerais do parágrafo anterior. A primeira versão da história foi registrada na China no século IX d.C. Existem muitas outras diferentes versões da história de Cinderela, que também recebe o nome de Gata Borralheira. Porém, todas têm alguma semelhança. Apesar de existir uma versão feita pelos irmãos Grimm (Aschenputtel), a versão mais divulgada nos dias de hoje é atribuída a Perrault (Bettelheim, 1979).

Considerando esta evolução, em 1893, Marian Roalfe Cox (citada por Bettelheim, 1979), sob um ponto de vista psicanalítico, dividiu 345 histórias de Cinderela em três categorias: A primeira contém apenas uma heroína maltratada, que obtém reconhecimento através do sapato (fatos encontrados em todas as histórias). A segunda acrescenta um pai que quer se casar com a filha, fazendo com que esta fuja e se torne “Borralheira”. A última mostra um pai que extrai uma declaração de amor da filha, que julga insuficiente, fazendo com que ela seja banida e se torne miserável.

Cinderela também lida com questões fraternais, sendo que as crianças se identificam com este conto, porque tendem a acreditar que os seus irmãos sempre recebem um tratamento melhor do que elas. Além disso, em quase todas as histórias, Cinderela é uma figura idealizada, é o retrato da inocência (Bettelheim, 1979).

 

QUEM É CINDERELA?

Quanto à personalidade de Cinderela, é possível dizer que se trata de uma personagem idealizada. Possui uma virtude perfeita, não sentindo nenhum rancor ou revolta da madrasta e das irmãs que a maltratavam, por exemplo. Também é uma moça muito bonita, mesmo que as diferentes versões mudem seus traços físicos. Apesar de toda esta idealização descrita, a leitura do conto sugere alguns outros traços na personagem que serão listados a seguir:

1. Cinderela valorizava o status social do parceiro, sendo este um dos fatores que despertou o encantamento dela no príncipe.
2. Cinderela necessitou da ajuda de uma força sobrenatural, personalizada na figura da fada, para conquistar o príncipe.
3. Apesar da ausência de vaidade fazer parte desta personalidade perfeita, também necessitou do artifício de um vestido bonito.
4. O príncipe é quem toma a iniciativa de convidá-la para dançar, apesar de Cinderela estar alimentando um forte desejo durante bastante tempo e de que o príncipe a estava conhecendo naquele momento.
5. O romance central do conto ocorre de uma maneira bastante rápida. O príncipe fica perdidamente apaixonado no instante em que vê Cinderela.
6. Ao invés de tentar superar as barreiras por si própria, Cinderela vê a saída de sua situação de sofrimento no casamento. Isso a permite “viver feliz para sempre”.

Embora sem procurar estabelecer uma relação direta com Cinderela, estas características foram muitas vezes exploradas em pesquisas qualitativas. Rocha-Coutinho (2000) percebeu, no discurso de homens e mulheres, que a questão financeira aparece de maneira implícita. Ambos acreditam que o homem deva “ajudar” nos afazeres domésticos e que a mulher deva “auxiliar” nas despesas da família. Porém, a responsabilidade das tarefas é dividida de maneira sexista, sendo atribuídas palavras como “alicerce” e sustentáculo à função masculina de “provedor”. A preocupação com a aparência é tida no imaginário de ambos sexos/gêneros como algo mais feminino que masculino. Os dois sexos/gêneros consideram que a iniciativa num relacionamento deve ser masculina. Se uma mulher quiser aproximar-se de um homem, deve fazê-lo com a máxima discrição. A própria busca do príncipe encantado permanece, sendo ele chamado de “homem ideal”.

O objetivo deste trabalho foi estudar quantitativamente a identificação implícita de adolescentes com a personagem Cinderela dos contos infantis, a fim de retomar o conceito de Complexo de Cinderela proposto na década de 1980 (Dowling, 1981/1995). Objetivou-se principalmente verificar diferenças de gênero no que diz respeito a esta identificação.

 

MÉTODO

Amostra: A amostra foi composta por 200 jovens de ambos os sexos (96 rapazes e 104 moças), estudantes do 2º e do 3º anos do ensino médio de uma escola tradicional de nível sócio-econômico médio alto de Porto Alegre. Foi assim escolhida pelo fato do conceito de Complexo de Cinderela ter sido baseado na mulher norte-americana, de condições financeiras mais favoráveis. A média de idade foi de 15,6 anos, sendo que o mais jovem tinha 15 e o mais velho 18 (DP=0,684). Na amostra, 17% (n=34) estava namorando; 39% (n=78) não namoravam, mas já haviam tido esta experiência e 44% (n=88) nunca haviam tido um relacionamento deste tipo.

Instrumento: Foi utilizado um questionário não validado, desenvolvido pelo autor. O questionário possuía 14 questões fechadas (Anexo I). Ele comparava os participantes com a personagem Cinderela, a fim de saber se eles se comportam de acordo com o arquétipo descrito na história infantil. Acredita-se que os respondentes não tenham percebido esta comparação. O questionário também investigava como os adolescentes vêem a questão de gênero.

Procedimento: Esta pesquisa ofereceu riscos considerados mínimos aos participantes. Eles foram lembrados de que a participação deles era de caráter voluntário. Estes procedimentos visaram atender às recomendações das Resoluções nº 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia e nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, referentes à conduta ética na pesquisa com seres humanos. Aos participantes, foi solicitado o preenchimento do instrumento utilizado, aplicado de forma coletiva nas salas de aula.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados foi feita através da comparação de freqüências e porcentagens das respostas de cada sexo e os testes estatísticos utilizados foram o quiquadrado e o teste t de Student. Apesar de se tratar de um estudo de caráter quantitativo, pode-se dizer que a “lógica binária” descrita no primeiro parágrafo deste artigo é quebrada com a utilização de escalas tipo Likert, que representam continuidade. Com o intuito de tentar estabelecer uma comparação dos participantes com a Cinderela é apresentado um trecho do livro relacionado à pergunta que está sendo analisada.

De lá de sua horta, Cinderela erguia seus olhos admirados para as torres do castelo, que lhe lembravam uma imponente catedral. E dava asas à fantasia. Como deveria ser delicioso morar naquele encantamento” (Penteado, 1964, p. 86).

A Figura 1 mostra os resultados da questão13, referente à situação financeira do parceiro, que teve um elevado número de questionários sem resposta (n = 8, 4%), nas quais, alguns(as) participantes escreveram no questionário novas opções com uma resposta de abstenção (tanto faz, indiferente, etc.). Além disso, 71,88% (n=138) do total dos que responderam (excluindo-se as omissões) preferiram a resposta neutra (igual).

 

 

Figura 1. Freqüências relativas das categorias da questão 13: Situação financeira do parceiro(a) com quem imagina se casar (em relação à sua própria condição financeira).

Talvez as semelhanças nas respostas entre os gêneros no que diz respeito à situação financeira do parceiro com quem desejaria se casar se deva a um constrangimento dos participantes deste estudo. Estes dados se contrapõem aos resultados obtidos em alguns estudos (Buss, 1989; Féres-Carneiro, 1997), que afirmam que as mulheres preferem mais parceiros mais ricos do que os homens. Pode-se supor que, além da maneira direta como a pergunta foi colocada, a idade dos(as) participantes tenha influenciado nos resultados. Estes dados sugerem que, ao menos na amostra pesquisada, existem poucas diferenças de gênero no que tange ao valor dado à questão financeira na escolha do parceiro.

E, com mais um toque da varinha mágica, Cinderela ganhou um par de sapatinhos de cristal azul enfeitados de ouro” (Penteado, 1964, p. 104).

Na questão 11, ambos os sexos não mostraram que algum ser superior, a astrologia ou o esoterismo possam vir a ajudá-los a encontrar o parceiro(a) ideal. Apesar disso, foi encontrada uma diferença significativa para a categoria nenhuma (t = 4,286; gl=128; p<0,001), sugerindo um maior ceticismo masculino (59,38%, n = 57) do que feminino (26,9%, n=28). A Figura 2 mostra a tendência da amostra de negar estas crenças.

 

 

Figura 2. Freqüências relativas das categorias da questão 11: Importância da crença em algum ser superior, a astrologia ou o esoterismo na procura do(a) parceiro(a) Ideal.

Quando o questionário perguntou sobre a importância que a crença em algum ser superior, a astrologia ou o esoterismo têm na procura do(a) parceiro(a) ideal, agrupou algumas formas de conhecimento consideradas não científicas. O discurso do Complexo de Cinderela prevê o fato das mulheres esperarem que algo grandioso e sobrenatural apareça para mudar suas vidas (Dowling, 1981), pois Cinderela dependeu de uma fada para conquistar o príncipe. Embora a tendência de negar as crenças na adolescência (Amatuzzi, 2000) tenha sido confirmada, eram as meninas quem davam mais importância a elas.

Quando Cinderela reconheceu o príncipe, sentiu-se perdida. Como iria recebê-lo assim, envolta naqueles trapos? (Penteado, 1964, p. 112).

Quanto à valorização das roupas (questão 12), ressalta-se a semelhança entre as respostas dadas por cada sexo. De acordo com a Figura 3, pode-se perceber um elevado percentual de respostas nas categorias “muita” e “total” (60,5%, n=121), sendo que “nenhuma” e “pouca” somam somente 11% (n=24). Isto indica que a amostra acredita no papel das roupas na sedução de um(a) parceiro(a).

 

 

Figura 3. Freqüências relativas da questão 12: Importância da escolha das roupas para a sedução do sexo oposto.

A escolha das roupas é algo tratado como tipicamente feminino. Um vestido bonito foi o requisito necessário para que Cinderela fosse ao baile onde conheceu o príncipe. Mais do que isto, o relacionamento não teria acontecido sem que o sapato tivesse sido esquecido no castelo. Magalhães e Koller (1994), por exemplo, apontam que as mulheres de seu estudo tiveram escores mais altos quanto à vaidade do que os homens. Esperar-se-ia, portanto, que as meninas valorizassem mais as roupas. Apesar de não ter sido especificado qual o sexo que exerceria esta sedução, nota-se que a amostra dá uma elevada importância à indumentária. É possível que as meninas tenham respondido que as roupas sejam importantes para seduzir os meninos, enquanto os meninos tenham respondido que as roupas sejam importantes para que eles sejam seduzidos pelas meninas. Porém, a maioria dos homens adultos da amostra de Rocha-Coutinho (2000) declarou que a puberdade foi a fase da vida na qual eles mais estavam preocupados com a aparência. Assim, as características da adolescência podem explicar a valorização das roupas por ambos gêneros.

O príncipe tirou-a do embaraço, convidando-a para dançar” (Penteado, 1964, p. 95).

Na Figura 4, relativa à questão 14 (“você concorda com o fato das iniciativas amorosas serem masculinas?”), observa-se uma diferença significativa entre os sexos (=10,72; gl=3; p<0,05). Esta diferença foi encontrada porque as moças concordam mais com as iniciativas nos relacionamentos serem masculinas (26,92%, n=28) do que os rapazes (11,46%, n=11). Além disso, há três rapazes (3,1% das respostas masculinas) que acreditam que tomar a iniciativa deveria ser função feminina, enquanto esta resposta não foi dada por nenhuma adolescente.

 

 

Figura 4. Freqüências relativas da questão 14: Concordância ou não com o fato das iniciativas nas relações amorosas serem masculinas.

Esta questão refere-se à maior tendência da cultura se organizar com os homens tomando a iniciativa nas relações amorosas (Giongo, 1998; Guareschi, 1999; Rieth, 1998). Pode-se sugerir o desconforto masculino em exercer este papel (Giongo, 1998; Guareschi, 1999). Apesar das meninas estarem começando a exercer esta função, este estudo sugere que são os homens quem mais desejam esta mudança, enquanto as meninas ainda preferem continuar na posição de esperar a iniciativa masculina.

O príncipe, logo depois, caia-lhe aos pés, exclamando:
-Oh, formosa e misteriosa princesa, posso saber ao menos seu nome e pedir-lhe a mão?” (Penteado, 1964, p. 115).

Na Figura 5, encontram-se os resultados da questão 4 que perguntava se os participantes acreditavam que possa ocorrer amor à primeira vista. O sexo feminino apresenta respostas afirmativas neste tipo de relação de maneira mais freqüente, com uma diferença significativa (=6,34; gl=2; p<0,05). A resposta “sim” esteve presente em 61,5% (n=64) dos questionários femininos e em 44,8% (n=43) dos masculinos. Por sua vez, os rapazes se mostraram mais indecisos (19,8%, n=19, sem opinião formada) do que as moças (10,6%, n=11).

 

 

Figura 5. Freqüências relativas da questão 4: Crença no amor à primeira vista.

Apesar haver uma percepção generalizada de que as mulheres sejam um pouco mais “iludidas” com um amor que dure até o fim da vida, a diferença não foi significativa. Pode-se observar uma grande semelhança entra as respostas dadas por cada sexo. Houve uma tendência às respostas intermediárias em detrimento das extremas, sugerindo que este comportamento pode ser representado em uma curva semelhante à normal, que pode ser visualizada na Figura 6.

 

 

Figura 6: Freqüências relativas da questão 5: Possibilidades de viver um amor que dure até o fim da vida (Crença da amostra)

O amor de Cinderela ocorre com um príncipe que a conhecera naquele instante. E o estudo mostra que as meninas acreditam mais que um romance ocorra desta forma. Poder-se-ia imaginar que estão corretas as autoras (Giongo, 1998; Rieth, 1998) que descrevem que os rapazes vêem no ficar apenas um relacionamento momentâneo, enquanto as moças imaginam levar adiante esta curta relação. Conhecer alguém e apaixonar-se em pouco tempo é algo externo e grandioso, que faz com que a pessoa melhore sua vida, tanto no sentido emocional quanto no status social. Foi o que ocorreu com Cinderela, e as moças apresentam esta “ilusão” de modo mais freqüente do que os rapazes. Porém, quando indagada sobre as possibilidades de viver um amor que dure até o fim da vida (leia-se “de viverem felizes para sempre”), a amostra apresentou uma grande semelhança entre as respostas dadas por cada gênero, sugerindo que as moças apresentam a mesma semelhança com Cinderela neste quesito do que os rapazes.

 

CONCLUSÃO

Este estudo sugere que, comparadas com o gênero masculino, as adolescentes estão mais próximas da personagem Cinderela. Esta proximidade ocorreu porque as meninas desta amostra: a) acreditam mais na ajuda de meios sobrenaturais para encontrar o parceiro do que os meninos; b) acreditam mais no amor à primeira vista do que os meninos; c) preferem que os meninos continuem tomando a iniciativa nas relações amorosas. Com relação à importância da escolha das roupas e à situação financeira de um futuro parceiro, as semelhanças encontradas neste estudo entre os sexos entram em conflito com dados de estudos mais específicos sobre estes temas (Buss, 1989; Santos et al., 1992). A crença em um amor até o fim da vida é uma característica de Cinderela que, aparentemente, não se pode afirmar como pertencente a um gênero ou de outro.

Apesar das limitações do método quantitativo para fenômenos complexos, este estudo tentou mostrar a necessidade de estudar a mulher com outro olhar. Ao invés de apenas criticar uma cultura que torna a mulher submissa, procurou-se entender a lógica da submissão de grande parte delas. Acredita-se que o comportamento relativo a um gênero ocorre em conseqüência do comportamento do outro e que, portanto, não cabe somente aos homens a responsabilidade por todas as desigualdades nas relações. Porém, a convivência pacífica entre homens e mulheres, num mundo em que cada pessoa exerce os papéis de gênero adequados à sua personalidade (e não somente ao sexo), pode ser o primeiro passo para que as pessoas vivam felizes para sempre.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amatuzzi, M.M. (2000). O desenvolvimento religioso: uma hipótese psicológica. Estudos de Psicologia (Campinas), 17 (1), 15-30.        [ Links ]

Bettelheim, B. (1979). A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra.        [ Links ]

Buss, D.M. (1989). Sex differences in human mate preferences: Evolutionary hypotheses tested in 37 cultures. Behavioral and Brain Sciences, 12 (1), 1-49.        [ Links ]

Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.        [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia (2000). Resolução nº 016/2000 de 20 de dezembro de 2000.        [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde (1996). Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996.        [ Links ]

De Souza, M.T.C.C. (2005). Valorizações afetivas nas representações de contos de fadas: um olhar piagetiano. Boletim de Psicologia, 55 (123), 205-232.        [ Links ]

Dowling, C. (1995). Complexo de Cinderela. (A. M. F. Miazzi, trad.) São Paulo: Melhoramentos. (Original publicado em 1981).        [ Links ]

Dowling, C. (1989). Mujeres perfectas: el miedo a la propia incapacidad y cómo superarlo. Buenos Aires: Grijalbo.        [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1997). A escolha amorosa e a interação conjugal na heterossexualidade e na homossexualidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, 10, 351-368.        [ Links ]

Giongo, A.L. (1998). O ficar e sua função na adolescência: Um estudo em uma escola de classe média alta de Porto Alegre. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.        [ Links ]

Giddens, A. (1993). A transformação da intimidade. São Paulo: UNESP.        [ Links ]

Gonzaga, M.T.C.; Oliveira, A.S.L.V.; Russo, D.M.; Yoshimato, G.; Oliveira, K.B. & Simm, L.A. (1999). Compromisso com a construção da cidadania da mulher: setor de Psicologia da delegacia da mulher de Maringá, Paraná &– Brasil. Psicologia em Estudo, 4 (3), 211-217.        [ Links ]

Guareschi, N. (1999) O “ficar: novas perspectivas nas relações de gênero de meninas e meninos. Psico, 30 (2), 81-94.

Kerr, B.A. (1985). Smart girls, gifted women: Special guidance concerns. Roeper Review, 8 (1), 30-33.        [ Links ]

Magalhães, M. & Koller, S.H. (1994). Relação entre narcisismo, sexo e gênero. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 46 (3-4), 77-93.        [ Links ]

Oliveira, L.S. (1983). Masculinidade, feminilidade, androginia. Rio de Janeiro: Achiamé.        [ Links ]

Penteado, J. (1964). Jóias da literatura Infantil. São Paulo: Martins.        [ Links ]

Rago, E. (2001). Feminizar é preciso: Por uma cultura filógina. São Paulo em Perspectiva, 15 (3), 53-66.        [ Links ]

Rieth, F. (1998). Ficar e namorar em: C. Bruschini & H. B. Hollanda (Orgs.). Horizontes plurais: Novos estudos de gênero no Brasil. (pp. 113-133). São Paulo: Fundação Carlos Chagas, Ed. 34.        [ Links ]

Rocha-Coutinho, M.L. (2000). Dos contos de fadas aos superheróis: Mulheres e homens brasileiros reconfiguram suas identidades. Psicologia Clínica, 12 (2), 1-40.        [ Links ]

Santos, A.; Conceição, L.H.P.; Rosa, S.S.; Lemos, G.G.; Mazzio, S.A.; Abreu, A.C.N. & Otta, E. (1992). Influência do tipo de vestimenta na formação de primeiras impressões e na reação à aproximação de um estranho. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 8 (1), 79-88.        [ Links ]

 

 

Recebido em 27/11/06
Revisto em 03/09/07
Aceito em 10/09/07

 

 

* Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia Universidade de Brasília &– Laboratório de Avaliação e Medida &– LabPAM, Sala A1 &– 096. Brasília &– DF. CEP: 70910-900. Fone/Fax: (61) 3307 -1114; E-mail: cassepp@gmail.com.

 

 

ANEXO I

QUESTIONÁRIO

 

1) Qual o seu sexo?
a) Masculino
b) Feminino

2) Qual a sua idade?______anos

3) Tens namorado (a)?
a) sim
b) não, mas já tive
c) não, nunca tive

4) Você acredita que possa ocorrer amor à primeira vista?
a) Sim
b) Não
c) Não tenho opinião formada

5) Quais as suas possibilidades de viver um amor que dure até o fim de sua vida?
a) Nenhuma
b) Poucas
c) Razoáveis
d) Muitas
e) Totais

6) Qual o sexo que você acredita que sinta mais forte o amor:
a) O masculino
b) O feminino
c) Ambos sentem com a mesma força
d) Não tenho opinião formada

7) Qual o sexo que você acredita que sinta mais forte a sexualidade:
a) O masculino
b) O feminino
c) Ambos sentem com a mesma força
d) Não tenho opinião formada

8) Quanto às relações amorosas, você sente que:
a) O sexo masculino domina
b) O sexo feminino domina
c) Existe uma igualdade

9) Quanto às relações de trabalho, você sente que:
a) O sexo masculino domina
b) O sexo feminino domina
c) Existe uma igualdade

10) De que sexo você gostaria de ter nascido?
a) Masculino, com certeza
b) Masculino, eu acho
c) Indiferente
d) Feminino, eu acho
e) Feminino, com certeza

11) Qual a importância que a crença em algum ser superior, a astrologia ou o esoterismo tem na procura do(a) parceiro(a) ideal?
a) nada
b) um pouco
c) intermediário
d) muito
e) tudo

12) Qual a importância da escolha das roupas para a sedução de alguém do sexo oposto?
a) Nenhuma
b) Pouca
c) Média
d) Muita
e) Total

13) Imagino me casar com uma pessoa de situação financeira:
a) Muito melhor do que a minha
b) Melhor do que a minha
c) Igual à minha
d) Pior do que a minha
e) Muito pior do que a minha

14) Você concorda com o fato das iniciativas nas relações amorosas serem masculinas?
a) Sim, tomar iniciativa é função dos homens
b) Sim, mas as mulheres devem tomar a iniciativa,
às vezes
c) Não, tomar a iniciativa é responsabilidade de ambos
d) Não, tomar a iniciativa deveria ser função
feminina

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License