Boletim de Psicologia
ISSN 0006-5943
ARTIGOS ORIGINAIS
Motivação dos pais para a prática da adoção
Motivation of the parents for the practice of adoption
Ana Karen Gondim*; Camila Sousa Crispim; Fabyanna Henrique Tomaz Fernandes; Jordanna Cibelly Rosendo; Thalyta Maria Cabral de Brito; Uandra Brito de Oliveira; Tatiana de Cássia Nakano
Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ
RESUMO
A sociedade contemporânea tem ampliado gradativamente o debate a respeito das questões que tratam da adoção. Buscando identificar quais os motivos que levaram e levam pais a decidirem pelo processo de adoção, a presente pesquisa envolveu 10 pais que estavam na fila da adoção ou a realizaram, sendo utilizada uma entrevista estruturada composta por 10 questões abertas que investigaram temas como: motivação para a parentalidade, expectativas em relação ao processo de seleção, identificação no casal de quem teve a idéia da adoção, preferência por algum tipo de criança, receios em relação à adoção, concepções acerca da adoção não legalizada, busca de aconselhamento psicológico durante o processo. Os resultados mostraram que o processo de adoção, embora muito desejado por vários casais, ainda é marcado por dificuldades, preconceitos, falta de acompanhamento psicológico durante o processo e burocracia, o que age, muitas vezes, como empecilho ou fator desmotivante.
Palavras-Chave: Adoção, Criança, Motivos.
ABSTRACT
The contemporary society has extended gradually the debate regarding adoption. The present research aimed to identify the reasons that had led couples to decide for the adoption process. A structured interview composed of 10 open questions was conducted with 10 parents who had already adopted or were still waiting to adopt. The questions dealt with the following aspects: motivation to parenthood, expectations towards the selection process, identification of which member of the couple had the idea of adopting, preference for some type of child, fears related to adoption, conceptions concerning non legalized adoption, and search for psychological help during the process. The results demonstrated that the adoption process, although very desired by several couples, is still marked by difficulties, prejudice, lack of psychological assistance during the process and bureaucracy, which represent, most of the time, an obstacle as well as a discouraging factor.
Keywords: Adoption, Child, Motivation.
INTRODUÇÃO
A adoção é um processo de inserção no ambiente familiar, de forma definitiva, de uma criança cujos pais morreram, são desconhecidos, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções ou foram considerados inaptos pela autoridade competente (Freire, 1994).
A adoção, segundo Reppold e Hutz (2003), também pode ser definida como a criação de um relacionamento afiliativo que envolve aspectos jurídicos, sociais e afetivos que a diferenciam da filiação biológica. Dentre tais aspectos, pode-se citar a exposição a um processo avaliativo realizado para fins de habilitação à adoção, a indeterminação temporal da “gestação” adotiva, o desconhecimento da história pregressa do adotado e a excessiva valorização social dos laços consangüíneos. Tais contingências, somadas à diversidade dos resultados encontrados na literatura sobre o ajustamento psíquico dos filhos adotivos, reforçam o estigma de que a adoção é associada à vulnerabilidade psicológica do desejo de ser pai e à incapacidade de realizá-lo ou à filantropia dos pais adotantes. Contudo, de acordo com os mesmos autores pouco se sabe até então sobre a extensão na qual o enfrentamento destes fatores relaciona-se a atributos pessoais dos pais e à motivação para a adoção.
Oferecer uma família destinada a dar conforto, afeto e acima de tudo amor, proporciona à criança uma base para o seu desenvolvimento. Contudo, é preciso ter em mente que a adoção não aparece como um meio de resolver problemas sociais, como abandono e a institucionalização, mas sim, como um direito de todo indivíduo a ter uma expectativa de futuro em família, seja biológica ou adotiva. Assim, não se pode negar a necessidade de uma família na vida de uma criança, sendo o processo de adoção de valor essencial. Todavia, nota-se ainda a existência de mitos e preconceitos em relação à adoção de uma criança, isto se dá em virtude do emaranhado de formalidades e exigências para que uma criança seja encaminhada para adoção, se constituindo em uma das causas de uma fila de espera interminável. Além das exigências quanto às habilidades dos candidatos a pais adotivos, a procura é, na maior parte das vezes, por bebês brancos, tendo como conseqüência aqueles que ficam sem adoção e cuja justificativa é a negação ou a dificuldade de aceitar crianças de cor diferente. Assim, segundo Schettini, Amazonas e Dias (2006), a adoção sobreviveu, por um longo período de tempo, em contexto marginal, e o filho adotivo foi vítima de preconceito. Este cenário tem se alterado favoravelmente nos últimos anos. As famílias adotivas, aos poucos, vêm adquirindo visibilidade, saindo da clandestinidade a que haviam sido relegadas, sufocadas pelo estigma dos mitos e preconceitos arraigados no imaginário popular. Os esforços conjuntos da sociedade em geral e os muitos exemplos de adoções bem-sucedidas de que se tem notícia ultimamente têm contribuído neste sentido.
Diante da responsabilidade pela criação de um filho, Weber (1999) fala da necessidade de preparação, porque são raras as pessoas que se preparam para ter um filho, seja biológico ou adotivo, e isso “refere-se a uma reflexão sobre as próprias motivações, riscos, expectativas, desejos, medos, entre outros... significa tomar consciência dos limites e possibilidades de si mesmo, dos outros e do mundo” (p. 35).
Diante do exposto, esta pesquisa tem por objetivo realizar um estudo acerca da adoção, mais especificamente identificar no discurso dos pais (ou futuros pais) adotivos os motivos que os levaram a decidir pela adoção de uma criança, levantando dados mais específicos em relação a como se dá esse processo.
MÉTODO
O presente estudo foi realizado na cidade de João Pessoa em 2006, com uma amostra aleatória de 10 pais, que participaram independentemente do sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade, raça e religião. As entrevistas foram realizadas em local definido pelos pais, ou seja, em sua residência, ou ainda, em grupos nos quais pais adotivos se reuniam quinzenalmente. A idade mínima dos sujeitos foi de 20 anos e a máxima de 69, com média de 43,7 anos. Oito participantes eram do sexo feminino e dois do sexo masculino. O grau de escolaridade foi muito variado (Ensino Fundamental Incompleto até pós-graduados), sendo que em relação ao estado civil, nove sujeitos eram casados(as) e um solteiro(a). Foi utilizada a técnica de amostragem não-probabilística por questões de conveniência. Como critério de inclusão estes pais deveriam estar na fila de adoção (n= 2) ou terem efetuado a adoção de uma criança (n= 8), independente do tempo desta.
O instrumento adotado para a pesquisa foi uma entrevista estruturada, composta por 10 questões abertas, visando analisar os motivos que levaram ou levam pais a decidirem pelo processo de adoção. As questões diziam respeito a temas como: motivação para a parentalidade, expectativas em relação ao processo de seleção, que tipo de informações recebeu, de quem partiu a idéia, quando resolveram se candidatar a pais adotivos, existência de preferência por algum tipo de criança, adoção de uma criança diferente do modelo idealizado, receios em relação à adoção, concepções acerca da adoção não legalizada, busca de aconselhamento psicológico durante o processo.
Todas as autoras participaram da coleta de dados e da realização das entrevistas, trabalhando com indicações de pessoas conhecidas acerca de sujeitos que realizaram ou gostariam de conseguir a adoção de crianças. À priori foi feito um contato com os pais por telefone, por duas pesquisadoras, durante o período matutino, para que fosse marcado um dia e horário para a efetivação da pesquisa. Devido ao horário em que os contatos foram realizados pode ter sido priorizada a participação de mulheres, especialmente as donas de casa, o que explicaria a proporção tão reduzida de pais quando comparados com as mães.
Os participantes foram orientados a preencher e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo todos os esclarecimentos a respeito dos objetivos da pesquisa. As entrevistas foram feitas individualmente com os pais, sendo que, à medida em que eles respondiam as questões, estas eram transcritas na íntegra pela entrevistadora. Com os dados de todas as entrevistas em mãos, o processo de análise dos dados foi feito a partir da metodologia de análise qualitativa, empregando análise de discurso das respostas dos participantes. Após avaliar as respostas em função do conteúdo e categorização das mesmas, salientamos que as essas puderam se enquadrar em mais de uma categoria, os resultados são fornecidos a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a realização de pesquisa com pais adotivos ou candidatos à adoção, um dado sóciodemográfico importante verificado foi o fato de que a maioria dos entrevistados era casada, confirmando dados encontrados na pesquisa de Ebrahim (2001), realizada em Porto Alegre, na qual a maioria dos participantes era casada. Também na pesquisa de Costa e Campos (2003), feita pela consulta dos dados estatísticos sobre as famílias adotantes no Distrito Federal, nos anos de 1998 e 1999, verificaram a predominância da adoção de crianças por casais. Deste modo, afirma Ferreyra (1993), que o estado civil e a presença ou ausência de filhos biológicos está relacionada com os dados encontrados em termos das motivações para a adoção. Este cenário mostra que hoje, em virtude da grande metamorfose que está ocorrendo nas configurações familiares, as possibilidades de adoção aparecem sob múltiplas formas e em diferentes contextos. Embora a maior demanda ainda seja oriunda de casais jovens com problemas de infertilidade, também casais com filhos biológicos, casais na meia idade, casais homossexuais e pessoas solteiras têm manifestado interesse em constituir ou aumentar a sua família através da adoção (Schettini, Amazonas e Dias, 2006).
Em relação à primeira questão, “Quais os motivos que te levaram a decidir pela adoção de uma criança?”, as respostas dos participantes foram agrupadas em quatro categorias: (1) desejo de formar uma família, (2) vontade de ter um filho, (3) ajudar uma criança e (4) dificuldade de engravidar. Sendo enquadrados na primeira categoria cinco participantes, na segunda oito, na terceira três e na quarta três. A pesquisa de Costa e Campos (2003) confirma a presença dos mesmos motivos, visto que a motivação principal para adoção observada foi o desejo de ter filhos. Outros motivos evidenciados foram: necessidade de preencher a solidão; proporcionar companhia a um filho único; escolher o sexo do próximo filho; substituir um filho natural falecido, entre outras.
As pessoas recorrem à adoção pelos motivos mais diversos. Levinzon (2004) cita as seguintes razões, relatadas por pais, a partir de sua experiência clínica: a esterilidade de um ou ambos os pais; a morte anterior de um filho; o desejo de ter filhos quando já se passou da idade em que isto é possível biologicamente; as idéias filantrópicas; o contato com uma criança que desperta o desejo da maternidade ou paternidade; o parentesco com os pais biológicos que não possuem condições de cuidar da criança; o anseio de serem pais, por parte de homens e mulheres que não possuem um parceiro amoroso; o desejo de ter filhos, sem ter de passar por um processo de gravidez, por medo deste processo ou até por razões estéticas. Schettini (1998b) acrescenta ainda o desejo de ter companhia na velhice; o medo da solidão; o preenchimento de um vazio existencial; a tentativa de salvar um casamento; a possibilidade de escolher o sexo da criança.
Na sua pesquisa, Weber (2003) encontrou, com uma amostra de 240 pais adotivos (recrutados em 105 cidades de 17 estados brasileiros), dentre outros aspectos, que a principal motivação para adoção foi não ter filhos próprios (50%), sendo que os pais adotivos entrevistados relatavam o desejo de seguir o padrão biológico e passar pela experiência de cuidar de um bebê com poucos dias de vida.
Segundo Reppold e Hutz (2002), verifica-se que não há consenso entre os profissionais da área sobre a associação entre os fatores que impulsionam os pais a adotar um filho ou sobre a qualidade da relação estabelecida entre estes. Provavelmente, isto ocorra porque a avaliação de um aspecto isolado da adoção (no caso, a motivação parental) é pouco efetiva frente à diversidade de variáveis envolvidas na saúde emocional dos membros de famílias adotivas.
Considerando-se que a questão 2, “Quais as expectativas em relação ao processo de seleção para adoção?”, tratou de três temas diferentes (expectativas, informações e exigências), as respostas a esta questão centraram-se mais na burocracia e lentidão, que ainda caracterizam o processo de adoção amparada na lei. Cinco dos dez entrevistados apontaram este fator como o que mais gerava expectativa. Outra expectativa apontada refere-se às características da criança a ser adotada, apontada por três participantes. Ainda em relação às expectativas, uma das entrevistadas também relatou a cobrança da família e a tentativa de aceitar a adoção como uma possibilidade.
Em relação às expectativas, informações e exigências no processo de adoção vê-se que os participantes relataram que: “o processo é lento”, “temos que receber visitas da assistente social e da psicóloga”, “a guarda definitiva só vai ser dada após a audiência com o juiz”, “tem que ser maior de 21 anos”, indicando que a maioria dos entrevistados (90%) tiveram que corresponder a uma série de exigências, na sua maioria documentações, exames e trâmites legais (audiências e processos de acompanhamento periódico da criança) até que o processo de adoção fosse efetivado.
Os procedimentos, segundo Costa e Campos (2003), num caso de inscrição formal, ocorrem da seguinte forma: a família se inscreve e aguarda que uma criança cadastrada para adoção lhe seja apresentada. Após a apresentação, a família inscrita é acompanhada por um técnico do Setor de Adoção, o Juiz defere a guarda provisória e determina que seja feito um novo estudo psicossocial, no qual se avalia, entre outros aspectos, a adaptação e aceitação da criança pela família durante o estágio de convivência, que deve preceder à adoção propriamente dita (a sentença e o mandado de cancelamento e a confecção de novo registro civil). De acordo com o Estatuto de Criança e do Adolescente, qualquer pessoa maior de 21 anos pode adotar, independente do seu estado civil, desde que tenha 16 anos de diferença de idade em relação ao adotado e não seja parente ascendente (avô ou avó) ou irmão (Costa e Rossetti-Ferreira, 2007).
A próxima questão indagava sobre: Que tipo de informações receberam? Pode-se ver, a partir das respostas dos participantes, que o acesso a informações acerca do processo de adoção ocorreu de diversas maneiras entre os candidatos a pais adotivos. Três deles relataram que houve informação acerca da dificuldade e da burocracia envolvida no processo, algumas vezes em um tom até de intimidação. Cinco participantes relataram ter recebido informações de uma fonte oficial, no caso o próprio Juizado ou Conselho Tutelar e há ainda o relato de uma adoção não legalizada, de forma que nenhuma informação foi obtida e um participante que relatou ter buscado informações em um grupo de ajuda.
Considerando-se também que a questão três ao abordar o processo de seleção para adoção tratou de dois temas diferentes (idéia de adoção e reação do outro cônjuge), as respostas foram também analisadas em função das temáticas envolvidas. Na questão, “De quem partiu a idéia da adoção?”, as respostas dos participantes mostraram que, na maioria, dos casos a idéia da adoção partiu da mulher (sete participantes), enquanto que três participantes responderam que os dois (homem e mulher) tomaram a decisão. No entanto, também se percebeu a ausência da tomada de decisão por parte do homem, não tendo sido relatado por nenhum entrevistado.
O levantamento deste dado se mostra importante pelo fato de que, segundo Hamad (2002), torna-se imprescindível cada cônjuge avaliar a sua posição com relação ao projeto de adoção, pois, muitas vezes, há uma diferença entre a mulher e o homem na demanda de criança. Algumas vezes, o homem concorda com a adoção por amor ou por bondade, sem estar pessoalmente investido desse desejo. Enquanto a mulher deseja dar a seu marido o filho que não pode ter biologicamente, o homem o aceita para evitar que a mulher sofra devido a esta impossibilidade
Quando questionados “como foi a reação da outra parte?” pôde ser observado que as respostas dos participantes foram muito variadas, envolvendo desde a não responsabilização pela adoção, expectativa como se fosse realmente uma gravidez, dificuldade para se acostumar com a idéia, insegurança, medo da reação de outras pessoas e aceitação. Também pode ser visto que a reação do outro, na maioria das respostas, foi de aceitação, sendo que apenas um participante disse que: “ele não quis se responsabilizar”. No entendimento de Hamad (2002), a acolhida de uma criança, filho biológico ou não, tem uma ressonância diferente para a mulher e para o homem, mesmo que, intencional e conscientemente, os dois assegurem que têm um projeto em comum.
Em relação a esta questão, autores como Gomes (1987) e Minuchin (citado por Prado, 1996) afirmam que a família não pode ser considerada uma entidade isolada, ou seja, um sistema complexo que é formado por indivíduos que se agrupam por geração, sexo, interesse ou função, formando assim os subsistemas. Desta forma, conclui-se que os indivíduos ao decidirem por um processo de adoção, e conseqüentemente à tentativa de oferecer uma família a esta criança, devem tomar suas decisões em conjunto, sempre baseados no diálogo, respeito, compreensão, visto que a vida e a rotina de todos os membros da família serão alteradas, devendo enquadrar-se à nova realidade familiar.
Em relação à quarta questão, “Depois de quanto tempo conversando sobre o assunto resolveram se candidatar a pais adotivos?”, as respostas dos participantes variaram de imediato até 11 anos. Assim, o que se pode concluir é que esta decisão é um processo muito pessoal e individualizado, sendo sentido como necessidade por algumas pessoas em momentos específicos de sua vida, independentemente da idade, podendo ainda ocorrer com rapidez ou demorar mais tempo para ser elaborado pelo indivíduo.
Em relação à quinta questão, “Tem preferência por algum tipo de criança (sexo, idade, características físicas)?”, as respostas dos participantes foram agrupadas em quatro categorias: (1) nenhum tipo preferencial de criança (seis participantes), (2) por meninas recém-nascidas (dois participantes), (3) crianças a partir de 2 anos (um participante) e (4) crianças a partir de 7 anos (um participante). Não se pode negar a existência apontada pela literatura, de preferência por crianças mais novas (antes dos 2 anos de idade), visto que, segundo Ebrahim (2001) a adoção no Brasil ainda é comumente vista como solução para a infertilidade, constituindo uma das razões para a procura maciça de bebês. Ainda, segundo este autor, somente as crianças de até três anos conseguem colocação nas famílias brasileiras, sendo que a partir desta idade a adoção torna-se difícil. Os preconceitos dos adotantes quanto à adoção de crianças mais velhas e que surgem como forma de justificar a preferência por bebês, relacionam-se, fundamentalmente, com a dificuldade na educação.
Para Costa e Rossetti-Ferreira (2007), no que se refere à maternidade e paternidade adotivas no Brasil, as pesquisas de Cassin (2000), Mariano (2004), Vargas (1998) e Weber (2003) apontam para a preferência brasileira pela adoção de recém-nascidos, de mesma cor de pele que a família adotante e, preferencialmente, do sexo feminino, visto que mulheres são representadas como mais dóceis e de fácil adaptação a novos ambientes. Essas pesquisas também revelam o medo da realização de adoções tardias, que é fundamentado no estigma de que crianças mais velhas trariam consigo maus hábitos, defeitos de caráter adquiridos em suas famílias de origem (por convivência ou por herança biológica) ou ainda adquiridos em abrigos.
Em relação à sexta questão, “Adotariam uma criança diferente desse “modelo” que idealizaram?”, as respostas dos participantes foram agrupadas em duas categorias: sim ou não, sendo que a maioria (oito) afirmou não encontrar resistência em adotar uma criança diferente do modelo que idealizaram. Embora esse resultado tenha sido verificado na presente pesquisa, devido ao número baixo de participantes, sua generalização não se torna possível. Ainda que seja importante apontar o fato de que na literatura científica tenha sido constatado, que, as crianças mais velhas, não brancas e com problemas de saúde sejam consideradas de difícil colocação, pois não se encaixam no perfil predominantemente escolhido/desejado pelos adotantes. Neste sentido, pesquisa de Cassin (2000) aponta que 92% dos adotantes queriam uma criança recém-nascida ou até um ano de idade; 47,3% não tinham preferência pelo sexo, mas dentre os que demonstram preferência, a maioria desejava menina; 89,7% desejavam uma criança branca; 92,7% aceitavam somente uma criança saudável (apenas uma pessoa aceitava criança soropositiva ao HIV); e 57,5% não adotariam irmãos.
Por trás da idealização da criança a ser adotada - um filho perfeito, sem problemas de saúde, semelhante fisicamente aos pais, recém-nascido, cujo comportamento acredita-se que poderá ser mais facilmente moldado pelos adotantes - pode estar o desejo de imitar ao máximo a situação biológica idealizada narcisicamente e/ou ainda encobrir os temores e receios com relação à história, origem e genética da criança (Costa e Campos, 2003).
Em relação à sétima questão, “Quais os principais medos e receios em relação à adoção?” As respostas foram agrupadas em quatro categorias: (1) medo de não ser um bom pai ou mãe (dois participantes), (2) medo da revelação para a criança da adoção (três participantes), (3) receio de reversão da adoção pela família biológica (quatro participantes) e (4) nenhum medo (um participante), confirmando dados relatados na pesquisa de Andrade, Costa e Rossetti-Ferreira (2006) com pais adotantes, que apontou como receios a opção pela adoção legal por medo dos genitores reaparecerem; o receio de influências genéticas desconhecidas no comportamento de seus filhos; preconceitos dos outros frente à adoção feita por eles; a busca da adoção pela infertilidade do casal; vontade de esquecer o passado da criança e dúvidas/dificuldades no que tange à revelação.
De acordo com Schettini (1998a) os que defendem que se deve conversar com o bebê sobre a adoção justificam esta postura, dizendo que a introdução do termo, de forma amorosa e positiva, pode ser uma maneira saudável de tratar a gestão do processo de adoção. Para os que são contrários a este procedimento os argumentos são que tal declaração dificulta nos adotados o sentimento de amor pelos pais e que os bebês não precisam saber sobre a adoção, mas sim do amor, da segurança e da alimentação.
Ainda em relação aos medos, a literatura aponta a discriminação associada à adoção, evidenciando a grande freqüência das situações de preconceito a que as famílias adotivas são expostas, o que pode, inclusive, justificar as dificuldades de adaptação dos adotados (Reppold e Hutz, 2002), ou o menor apoio social percebido pelas mães adotantes. De acordo com Campos e Costa (2004) o processo de adoção é permeado de subjetividade e emoções: medo, ansiedade, constrangimento, dúvidas e incertezas. Há uma consciência destas dimensões por parte de todos os envolvidos no processo. E mais, que estas dimensões superam e transcendem os aspectos legais e jurídicos.
Em relação à oitava questão, “Realizariam a adoção de uma forma não legalizada (pegar para criar)?”, a maioria dos participantes respondeu que sim, alegando como motivos: “porque de forma legal é muito difícil, as leis precisam mudar”, “fiz à brasileira e até hoje é assim” e a minoria respondeu que não fariam por “medo de ser descoberto”, e “venha a trazer problemas para toda a família”. Portanto, historicamente sabe-se que a adoção é o processo de tornar-se filho numa linguagem que possibilita a criação desta identidade somente através da sentença judicial, porém, também se sabe que no Brasil existe um outro tipo de prática, na qual a criança é abandonada nos portões de lares e acaba sendo registrada como filho legítimo, demandando uma prática chamada adoção à brasileira, na qual o adotante recebe o bebê adotado e o registra como biológico.
Neste sentido, a pesquisa de Weber (1998) demonstrou que a maioria dos pais adotivos das classes sociais mais elevadas adotou através dos Juizados da Infância e da Juventude, enquanto a maioria dos pais adotivos com nível econômico menos privilegiado realizou adoções ilegais (registrar uma criança em seu próprio nome sem passar pelos trâmites legais). Por outro lado, estes últimos mostraram-se menos exigentes em relação à criança, adotando crianças maiores, negras ou simplesmente que estavam por perto precisando de ajuda.
Em relação à nona questão, “Estão recebendo ou já receberam algum aconselhamento psicológico durante este processo?”, um único participante respondeu afirmativamente, enquanto os outros nove afirmaram não terem recebido nenhum tipo de aconselhamento psicológico, alegando que não é necessário ou que o poder judiciário não forneceu. Alguns participantes relataram ter recebido aconselhamento de um determinado grupo do qual fazem parte. A partir dessa realidade e da importância de um acompanhamento durante este processo, autores como Vargas (1998) e Weber (1998) apontam a necessidade de preparação dos candidatos à adoção, ao invés de simplesmente avaliá-los e selecioná-los.
Neste sentido, trabalho relatado por Costa e Campos (2003) demonstrou que tal prática pode se tornar possível. Estes autores verificaram que no Distrito Federal a equipe técnica responsável pelo Setor de Adoção tem se mostrado sensível à importância desta preparação e, desde o início do ano de 2000, vem desenvolvendo um projeto com esse objetivo, denominado Pré-natal da Adoção. À prática do estudo psicossocial tradicional foram incorporadas atividades de grupo, em sua maioria de caráter vivencial, dentro de uma perspectiva similar a de Grupos Multifamiliares (Costa, 1998). As pessoas inscritas para adoção participam desses grupos, nos quais os principais temas relativos à adoção e acolhimento são discutidos e vivenciados: a motivação para adoção; o perfil idealizado da criança; as principais dúvidas, medos, mitos e preconceitos sociais; como lidar e contar sobre a história de origem da criança (temores, dificuldades, alternativas); os segredos (origem e conseqüências); trâmites legais e processuais (prazos, procedimentos, informações); cuidados específicos para recém-nascidos e adoções tardias (manejo); a infertilidade e a conjugalidade (possíveis dificuldades), demonstrando a importância da atuação do psicólogo, que muito tem contribuído para transformar a realidade da adoção, na medida em que proporciona um espaço de escuta, reflexão e suporte aos adotantes com suas angústias e receios, apoiando-se nos momentos de conflitos, desorientação e frustração.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos na presente pesquisa demonstraram que o processo de adoção, embora muito desejado a nível individual, ainda é marcado por dificuldades, preconceitos, falta de acompanhamento psicológico durante o processo e burocracia, o que age, muitas vezes, como empecilho ou fator desmotivante. Conclui-se que é necessário que as famílias que pretendem adotar estejam preparadas psicologicamente para este acontecimento marcante. Assim, reforça-se a importância do trabalho do psicólogo nos casos de adoção, como forma de oferecer um suporte durante este processo tão importante e transformador na vida do indivíduo que decide adotar.
Este trabalho junto aos candidatos a pais visa oferecer oportunidade de receber suporte psicológico ao longo de todo o tempo de espera do filho, que os oriente no sentido de elaborar e enfrentar os medos e angústias vivenciados durante este período. O acompanhamento psicológico também contribuirá para que os futuros pais consigam distinguir as suas reais motivações conscientes e inconscientes para a adoção, discernindo-as daquelas que poderiam ser consideradas inconsistentes e insuficientes, e constituir-se, no futuro, numa situação de risco (Schettini, Amazonas e Dias, 2006).
O trabalho de preparo com os candidatos à adoção possibilita que eles repensem e muitas vezes se tornem mais maleáveis em suas exigências quanto às características (físicas e psicológicas) da criança desejada, de forma a permitir a facilitação no processo, ampliando-se as possibilidades de adotantes. Neste sentido o acompanhamento psicológico pode atuar visando conscientizar os pais acerca da possibilidade de haver diferença entre a criança que esperam e a criança real. A aceitação desta diferença e a compreensão dos desafios específicos apresentados pela adoção permitirão uma melhor adequação ao papel de pais adotivos.
Assim, um acompanhamento psicoterápico individualizado seria recomendado a estes casais, mas se isto não for possível, a participação em grupos de apoio à adoção também tem se mostrado efetiva, contribuindo para a prevenção de dificuldades e alívio da ansiedade, tão comuns no processo de adoção favorecendo trocas entre pessoas que vivenciam a mesma situação de espera.
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Recebido em 10/04/07
Revisto em 10/07/08
Aceito em 12/07/08
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