Boletim de Psicologia
ISSN 0006-5943
ARTIGOS ORIGINAIS
Interesse profissional e estilos de pensar e criar em estudantes de Psicologia
Professional interest and styles of thinking and creating of Psychology students
Silvia Godoy I; Fernanda Ottati II; Ana Paula Porto Noronha II *
I Universidade Presbiteriana Mackenzie
II Universidade São Francisco
RESUMO
O objetivo do estudo foi explorar as relações entre as preferências profissionais e os estilos de pensar e criar por meio da Escala de Características de Atividades Profissionais (ECAP) e da Escala Estilos de Pensar e Criar. Foram verificadas possíveis diferenças de média quanto às variáveis idade e série escolar. Participaram 65 alunos de um curso de Psicologia de uma universidade particular, com idade entre 17 e 46 anos, sendo 80% do sexo feminino. Os principais resultados revelaram que as maiores médias na ECAP referem-se à preferência pelos indicadores de ambientes e atividades profissionais de maior destaque e reconhecimento e o fator relacional divergente da escala Estilos de Pensar e Criar foi o que apresentou mais coeficientes de correlação significativos com os itens da ECAP.
Palavras-Chave: Avaliação psicológica, Orientação profissional, Criatividade.
ABSTRACT
The purpose of the study was to explore the relationship between professional preferences and styles of thinking and creating using the Escala de Características de Atividades Profissionais (ECAP) and the Escala Estilos de Pensar e Criar. Possible average differences based on the age and school grade variables were assessed. Participants in this study were 65 students between 17 and 46 years old, 80% female, attending a Psychology course in a private university. The main results demonstrated that the highest ECAP averages are related to preference for indicators of environment and professional activities that have more enhancement and are more recognized while the divergent relational factor of the Escala Estilos de Pensar e Criar was the one that presented more significant coefficients with the ECAP items.
Keywords: Psychological assessment, Professional guidance, Creativity.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Orientação Profissional (OP), entendida como uma das modalidades de serviços de desenvolvimento de carreira, tem como principal objetivo auxiliar os indivíduos com dúvidas no que se refere à carreira profissional, além de avaliar características pessoais, com vistas a realizar escolhas profissionais apropriadas (Savickas, 2004). No contexto brasileiro, de acordo com Melo-Silva, Lassance e Soares (2004), a OP é compreendida como a ajuda para a tomada de decisão em momentos específicos, como a passagem de um ciclo educativo a outro, a transição dos estudos ao mundo do trabalho, ou ainda, para a mudança de ocupação, preparação e adaptação para a aposentadoria.
Ainda com relação aos serviços de orientação profissional, autores como Melo-Silva, Oliveira e Coelho (2002) ressaltam a importância de analisar métodos e instrumentos psicológicos utilizados nesse contexto, de modo a disponibilizar serviços adequados, fundamentados teórica e empiricamente. O processo de OP contribui para que as pessoas identifiquem suas preferências, a fim de que obtenham informações sobre as diferentes áreas profissionais e explorem suas opções de escolhas (Holland, 1977).
No que tange ao construto interesse profissional no contexto de orientação, há mais de trinta anos, Mattiazzi (1977) afirmava que os interesses não deveriam ser estudados isoladamente, pois deveriam ser vistos no conjunto de variáveis que atuam no processo de escolha. Sob esse aspecto, mesmo existindo diversas pesquisas que buscam discutir o tema, ainda hoje, não há uma única teoria que explique, de forma sustentável, a definição de interesse, o que, em contrapartida, não parece ser exclusividade desse construto (Leitão e Miguel, 2004). Ainda segundo Mattiazzi (1977), o interesse é considerado como um processo comportamental dinâmico; um fator motivador que orienta a atenção e conduz a busca de atividades específicas, determinando sua duração e intensidade. Enfatiza, ainda, que as aptidões, a hereditariedade, os traços de personalidade, a cultura e a experiência são fatores que atuam no desenvolvimento dos interesses.
Lent, Hackett e Brown (1994) destacaram que os interesses referem-se a padrões de gostos, aversões e indiferenças acerca de atividades e ocupações relacionadas a uma carreira. Nessa mesma direção, Holland, Fritzsche e Powell (1994) referem-se à concepção de interesses como preferências, uma vez que as pessoas aprendem a preferir certas atividades em detrimento de outras, em razão da história ou forças culturais e pessoais. Essas tendências fazem com que o indivíduo sinta-se melhor na companhia de pessoas com características semelhantes em relação aos interesses, às competências e à visão de mundo, tendendo a produzir ambientes profissionais que reflitam as orientações das pessoas que o compõem.
A esse respeito, Savickas (1999) conceitua interesse como uma tendência para a satisfação de necessidades e valores pessoais, caracterizado pela prontidão de resposta a estímulos ambientais específicos (objetos, atividades, pessoas ou experiências). Ainda, o autor compreende o construto como um processo cognitivo, acompanhado por emoções que se convertem em volição, o qual determina a ação com vistas a promover interações sujeito-ambiente, integrando o indivíduo, objeto e comportamento. Portanto, o interesse é resultado de um processamento cognitivo gerador de emoções e volição que acionam as interações sujeito-ambiente, de forma a gerar ações que satisfaçam necessidades e valores, promovendo o desenvolvimento pessoal, a adaptação ao contexto e a consolidação da identidade.
Com base na concepção de que o processo de orientação profissional favorece o autoconhecimento do indivíduo e que, em particular, talentos em potencial podem ser descobertos, pretendeu-se realizar o presente estudo. Para Wechsler (2001), é fundamental que, no futuro, as pessoas tenham condições de atuar de maneira criativa, contribuindo para a economia e o crescimento do país. Assim este estudo destinou-se também a estudar os estilos de pensar. Wechsler (1994, 2002) enfatiza que a criatividade pode ajudar o indivíduo a desenvolver seu potencial, dando-lhe forças internas para resolver seus problemas presentes e condições para, no futuro, reagir aos problemas que surgirão. Para a autora, a visão de mundo ou o sentido de um destino criativo, auxiliará na formação dos valores, das atitudes, dos comportamentos e dos relacionamentos interpessoais de um indivíduo. Realça, ainda, que a criatividade é uma forma de garantir a saúde mental de uma pessoa nas suas diversas fases da vida, quais sejam, infância, adolescência, maturidade e velhice.
O estudo da criatividade, de acordo com Homsi (2006), tem despertado interesse de psicólogos e educadores de distintas orientações teóricas, que vêm desenvolvendo pesquisas empíricas a respeito das diferentes facetas compreendidas neste construto, tais como o processo, o produto, a pessoas e as condições ambientais que favoreçam a expressão e o desenvolvimento da criatividade. Nesse sentido, a tendência atual tem sido a de considerar o conceito de criatividade dentro de uma visão multidimensional, que envolve a interação de processos cognitivos, características de personalidade, estilos de pensar e aprender, assim como a influência da família, da escola e da sociedade (Wechsler, 1998).
Na mesma direção do construto interesse, conceituar o tema da criatividade tem sido uma tarefa difícil, pois, conforme destaca Homsi (2006), muitas pessoas, quando escutam dizer que um sujeito é criativo, entre outras coisas, esperam algo extraordinário, reluzente, espetacular, inusitado, como se a criatividade precisasse ter estes atributos. Romo (1998) afirma que a pessoa criativa é uma pessoa que questiona a realidade, que levanta um problema e não o abandona, que está sempre em estado de alerta, e assim pode perceber qualquer coisa válida aos seus propósitos, até as mais insuspeitas.
Sob outra perspectiva, Martinez (2002) afirma que criatividade é a forma como as pessoas se expressam em determinadas situações, sendo capazes de produzir algo novo que tenha determinado valor. Assim sendo, a criatividade pode ser considerada como um processo multideterminado, em que os fatores históricos, econômicos, sócio-culturais, ideológicos e subjetivos servem como mediadores. Em síntese, a criatividade é um processo complexo da subjetividade humana, que se constitui a partir dos espaços sociais de vida do sujeito.
Para Alencar (1998) é de especial relevância para a expressão da criatividade a disposição para correr riscos e aprender com os próprios erros, de tal modo que a coragem é um atributo fundamental, uma vez que a criatividade implica lidar com o desconhecido. A prática das idéias, segundo esta autora, sugere a geração de mudanças nos diversos tipos de ambientes, sejam eles educacionais ou empresariais e estas, por sua vez, acarretam, em conseqüência, a busca de aperfeiçoamentos constantes. Portanto, deve ser dada atenção às estratégias utilizadas pelos indivíduos, sobretudo aos seus estilos de criar.
Entende-se por estilos as maneiras preferenciais de pensar e se comportar frente a determinadas situações (Wechsler, 1999, 2006). De maneira mais complexa, Kirton (1994) define estilos de criar como preferências cognitivas consistentes e estáveis, que se manifestam em qualquer situação, e que envolvem criatividade, solução de problemas e tomada de decisão (Mumford e Simonton, 1997; Higgins, Qualls e Couger, 1992).
Com vistas a avaliar os estilos de pensar e criar de jovens e adultos, Wechsler (2006) desenvolveu o instrumento intitulado Escala de Estilos de Pensar e Criar, cuja base teórica reuniu 25 características criativas, de natureza cognitiva e afetiva. Os itens da escala estão agrupados em cinco fatores, quais sejam, Cauteloso Reflexivo, Inconformista Transformador, Lógico Objetivo, Emocional Intuitivo e Relacional Divergente.
O estilo Cauteloso Reflexivo caracteriza pessoas que tendem a ser mais tímidas e cautelosas, que pensam de maneira mais calma e reflexiva. O tipo Inconformista Transformador representa pessoas que podem agir de maneira impulsiva, que possuem idéias de transformação e tendem a questionar atitudes e ações. Já o estilo Lógico Objetivo reúne pessoas que tendem mais a pensar do que a criar e que possuem pensamento convergente no sentido da lógica e objetividade. Por sua vez, o tipo Emocional Intuitivo congrega indivíduos que dão mais importância às emoções e intuição, podendo apresentar facilidade de imaginar e fantasiar e; por fim, o estilo Relacional Divergente refere-se a pessoas que tendem a buscar novas idéias e caminhos e também podem demonstrar uma maior preocupação com o próximo (Wechsler, 2006).
Tendo em vista as pesquisas que envolvem interesses por atividades ou ambientes profissionais e estilos de pensar e criar, serão apresentadas algumas investigações consideradas relevantes para o presente estudo, as quais poderão contribuir para a compreensão dos objetivos do trabalho.
Com objetivo de analisar possíveis diferenças de gênero quanto aos estilos de pensar e criar, Mundim e Wechsler (2007) aplicaram a Escala Estilos de Pensar e Criar e o Inventário de Percepção de Criatividade e Liderança em 76 gerentes e subordinados organizacionais, sendo 48 homens e 28 mulheres. Os achados indicaram diferenças significativas (p< 0,01) entre gerentes e subordinados nos fatores dos estilos Inconformismo Inovador, Investimento Intuitivo e Ousadia Intuitiva. Por outro lado, obteve-se somente diferença significativa (p< 0,05) entre os sexos no fator Sensibilidade Interna e Externa para os gerentes. Além disso, os adjetivos ‘honesto’, ‘compreensivo’, ‘objetivo’, ‘criativo’, ‘flexível’ e ‘seguro’ foram os mais apontados como características de um líder.
Com vistas a avaliar o desenvolvimento da criatividade de estudantes do Ensino Médio e Superior, Nakano e Wechsler (2006), investigaram 865 estudantes, sendo 475 do sexo feminino e 390 do sexo masculino. Desses, 628 eram do Ensino Médio e 237 do Superior, de instituições públicas e particulares do interior do paulista. O instrumento utilizado foi o Teste Pensando Criativamente com Figuras de Torrance e os resultados demonstraram efeitos significativos por nível de ensino (F=3,59, p< 0,006), com melhor desempenho do Ensino Superior. Já a variável sexo e a sua interação com nível de ensino não se mostraram significativas.
Outra investigação, envolvendo a relação entre temperamento e os estilos de pensar e criar em estudantes universitários foi desenvolvida por Homsi (2006). A autora aplicou o Questionário de Avaliação Tipológica (QUATI) e a Escala Estilos de Pensar e Criar em 126 estudantes das áreas de Ciências Biológicas, Humanas e Exatas, ambos os sexos, com idades entre 17 e 44 anos, de duas universidades particulares do interior paulista. Os resultados indicaram que não existem relações significativas entre temperamento e estilos de pensar e criar. Por outro lado, observaram-se associações significativas por área e por sexo nos fatores do QUATI, sendo que a área Biológica apresentou valores maiores para a atitude Extroversão, enquanto as funções Pensamento e Sentimento sofreram influências para idade e área. Também para os estilos de pensar e criar, a área Biológica apresentou valores significativamente maiores para os fatores Pensamento Divergente e Ousadia Inovadora e, com relação à variável sexo, o masculino apresentou maior índice no fator Síntese Humorística. Em relação à área de Ciências Humanas, as maiores médias foram encontradas no estilo Cauteloso Reflexivo, quando comparada com as áreas Biológicas e Exatas.
Mais especialmente, no que se refere aos interesses, Santos e Melo-Silva (2005), com o intuito de investigar diferenças nas preferências por cursos de graduação associadas ao gênero, realizaram um levantamento da lista dos alunos matriculados nos cursos da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Ribeirão Preto, no ano de 2003. Os achados revelaram que os cursos de Economia, Contabilidade, Administração, Informática, Biomédica e Medicina são os que concentram mais homens, enquanto em Enfermagem, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Farmácia, Psicologia, Pedagogia, Fisioterapia e Química predominam as mulheres. Os autores supõem que exista uma divisão das profissões orientada por estereótipos associados ao gênero, uma vez que as mulheres procuram mais freqüentemente cursos ligados aos cuidados e à assistência e os homens, por sua vez, profissões que envolvam raciocínio, cálculo e aquelas reconhecidas como de maior prestígio social.
Em estudo semelhante, Bueno, Lemos e Tomé (2004) aplicaram três instrumentos, quais sejam, LIP, 16 PF e Matrizes Progressivas de Raven – Escala Geral em 120 estudantes de Psicologia de uma instituição particular de ensino superior da cidade de São Paulo, sendo 88,3% do sexo feminino e 11,7% do sexo masculino, com idades entre 17 e 38 anos (média 20,1). O objetivo dessa investigação foi estudar as associações entre interesses, traços de personalidade e inteligência.
Dentre os principais resultados, foi possível localizar algumas características comuns aos estudantes de Psicologia e algumas características específicas de três subgrupos, que diferenciam e provavelmente interferem nas escolhas pelas diferentes áreas de atuação do psicólogo. O subgrupo 1 apresentou interesse por Ciências Biológicas associado ao interesse por Atividades Sociais; o subgrupo 2 apresentou interesse por Atividades Artísticas associado ao interesse por Atividades Sociais e o subgrupo 3 apresentou interesse destacado apenas por Atividades Sociais. Concluiu-se que há características distintas entre os estudantes de Psicologia, no que se refere aos processos intelectuais, interesses e traços de personalidade, e que essas características provavelmente interferem em suas escolhas profissionais ao longo da carreira.
Balbinotti, Wiethaeuper e Barbosa (2004) pesquisaram possíveis diferenças nos níveis de cristalização de preferências profissionais em função das variáveis sexo, idade, escolaridade e o tipo de escola (pública ou particular). Esse construto é entendido como uma das etapas do desenvolvimento de carreira, pertencente ao momento no qual o adolescente se engaja na conquista de sua identidade, tendo como uma das tarefas desta fase a formulação de idéias em relação ao campo e ao nível de atividades profissionais que lhe são convenientes.
Participaram 860 estudantes de ensino médio, sendo 438 de escola pública e 422 de escola particular, com as idades variando entre 14 e 18 anos. Os resultados apontaram que, a única diferença verificada relacionou-se ao tipo de escola e a cristalização de preferências profissionais, na qual a pública foi favorecida, onde majoritariamente encontram-se estudantes de nível sócio-econômico mais baixo do que aqueles inscritos em escolas particulares. Neste caso, observou-se maior nível de cristalização.
Nunes (2007) analisou as características de interesses de jovens por meio da aplicação do Self Directed Search (SDS) em 289 estudantes da primeira à terceira série do Ensino Médio, sendo 56% do sexo feminino, com média de idade de 16 anos. A autora analisou a freqüência em que as tipologias do SDS tiveram médias mais altas, tendo verificado que os tipos com escores mais elevados foram o Empreendedor (28,7%) e o Social (21,1%). Observou também diferenças significativas em função do sexo para os tipos Realista, Social e Convencional, sendo que os homens obtiveram médias mais altas para o Realista e as mulheres, para Social e Convencional. No que diz respeito às variações quanto à idade e série escolar, não foram verificadas diferenças significativas em nenhum dos tipos do SDS.
Considerando o exposto, o presente estudo destinou-se a explorar as relações entre os construtos preferências profissionais e estilos de pensar e criar em estudantes iniciantes do curso de Psicologia. Em acréscimo, foram investigadas as diferenças de médias entre os sujeitos quanto às variáveis idade e semestre que está cursando.
MÉTODO
Participantes
A pesquisa contou com a colaboração de 65 jovens de um curso de Psicologia de uma universidade particular do interior paulista. Desses, 80% eram do sexo feminino e 20% do sexo masculino, com idade que variou entre 17 e 46 anos (média 23,92 e desvio-padrão 7,12). No que se refere à distribuição por semestre, 70,8% freqüentava o primeiro semestre do curso e 29,2% o terceiro semestre.
Instrumentos
Foram utilizadas para a coleta de dados a Escala de Características de Atividades Profissionais (ECAP) e a Escala Estilos de Pensar e Criar.
1. Escala de Características de Atividades Profissionais (ECAP)
A ECAP encontra-se em desenvolvimento por Noronha, Santos e Sisto (em construção) e tem por objetivo avaliar a preferência por determinadas características de atividades e ambientes profissionais. A composição da versão inicial tem o formato de resposta tipo Likert, devendo variar de ‘muito’ (5) a ‘não tem’ (1), tomando-se como referência o quanto cada um daqueles itens representa suas preferências.
Para a construção da escala utilizou-se a relação de 65 profissões descritas em guias ocupacionais e descrições de perfis profissiográficos de várias instituições de ensino superior, divulgados na internet. Reunindo-se as informações chegou-se à relação composta por 35 itens que descrevem peculiaridades das atividades profissionais, como por exemplo: “Usar equipamentos no desenvolvimento de suas funções”, “Ter contato com animais” e “Usar força física”. Os estudos de validade e de precisão da escala ainda estão em curso.
2. Escala Estilos de Pensar e Criar
O instrumento foi desenvolvido por Wechsler (2006), contendo 100 itens relacionados aos estilos preferenciais de pensar e criar dos indivíduos com objetivo de conhecer mais sobre seu potencial de criar e inovar em diferentes campos de atuação. Os itens foram construídos baseados na literatura sobre as características das pessoas criativas, avaliando 25 dimensões. Cada dimensão é investigada por quatro itens, sendo dois de forma positiva e dois negativos. O formato da escala é Likert de 6 pontos, variando de discordo totalmente a concordo totalmente.
Para aferir a validade de construto foi realizada a análise fatorial que indicou a existência de cinco fatores de primeira ordem, que foram nomeados segundo os principais temas apresentados nos itens que os compuseram, a saber: Cauteloso reflexivo, Inconformista transformador, Lógico seguro, Emocional intuitivo e Relacional divergente. Esses fatores apresentaram carga fatorial superior a 0,30 e explicaram 38,38% da variância. A precisão foi estimada pelo Coeficiente Alfa de Cronbach e três dos cinco fatores apresentaram níveis excelentes de precisão com coeficientes superiores a 0,80.
Procedimento
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa, tendo recebido parecer favorável. Todos os cuidados éticos em relação aos participantes foram tomados. Os participantes responderam aos testes coletivamente em sala de aula após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O tempo de aplicação foi de aproximadamente 50 minutos e as turmas foram divididas em 1º e 3º semestre. Aplicou-se primeiro a ECAP e em seguida a Escala Estilos de Pensar e Criar.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente foram realizadas as estatísticas descritivas do instrumento ECAP, bem como a análise das médias de cada item em relação ao semestre cursado e amostra total. Os resultados podem ser vistos na Tabela 1.
Tabela 1. Médias e desvios padrão de cada item da ECAP por semestre e amostra total
Os achados revelaram que os itens ‘desenvolver seu trabalho de maneira criativa’, ‘ter uma sala para trabalhar’ e ‘ganhar bem’ foram os que obtiveram as maiores médias. Além destes, ‘possuir autonomia no desenvolvimento de suas funções’, ‘atender público/pessoas’, ‘trabalhar usando sua capacidade de expressão verbal’ e ‘viajar’ também tiveram escolhas altas. Dentre os itens com menor média, destaca-se: ‘ter rotina fixa de trabalho’, ‘ter horário rígido’, ‘ter um uniforme’, ‘precisar do trabalho do outro para desenvolver as suas atividades profissionais’, ‘utilizar força física’ e ‘ser subordinado’.
De alguma forma, a partir do exposto pode-se inferir que as maiores médias referem-se a características de ambientes e atividades profissionais de maior destaque e reconhecimento social. Em contrapartida, os itens com menores médias podem sugerir atividades e ambientes com menores remuneração e status social.
Em relação às médias dos participantes nos itens da ECAP em razão do semestre que estão cursando, foram encontradas diferenças significativas em alguns itens, sendo que os alunos do primeiro semestre obtiveram as maiores médias nos seguintes itens: ‘Desenvolver suas atividades sozinho’ (t = –2,030; p=0,47); ‘Ter contato com animais’ (t = 2,339; p=0,023); ‘Ter uniforme de trabalho’ (t = 2,319; p=0,024); ‘Desenvolver tarefas novas nos vários dias da semana’ (t = 2,086; p=0,041) e ‘Utilizar força física’ (t = 2,124; p=0,038). Os alunos do terceiro semestre apresentaram maiores médias em apenas um item, a saber: ‘Desenvolver seu trabalho de maneira criativa’ (t = 3,344; p=0,001).
Nesse particular, convém destacar que os participantes são alunos do curso de Psicologia, sendo que algumas das características preferidas pelos estudantes do primeiro semestre não são específicas das tarefas desenvolvidas por este profissional, tal como utilizar a força física ou ter contato com animais, como exemplos. Já as diferenças encontradas pelos participantes do terceiro semestre mostraram-se mais em consonância com as características do curso escolhido. A Tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas de cada fator na Escala Estilos de Pensar e Criar por semestre e amostra total.
Tabela 2. Médias e Desvios padrão de cada Fator na Escala Estilos de Pensar e Criar por semestre e amostra total
Cada fator do instrumento Estilos de Pensar e Criar permite a pontuação máxima descrita a seguir: Cauteloso Reflexivo: 192 pontos; Inconformista Transformador: 192 pontos; Lógico Objetivo: 66 pontos; Emocional Indutivo: 42 pontos e Relacional Divergente: 48 pontos. Foi possível observar que as médias maiores foram nos fatores Relacional Divergente e Inconformista Transformador, considerando os escores máximos permitidos em cada fator. A seguir são apresentados respectivamente, exemplos de itens destes dois fatores: ‘Respeito o direito do outro ao tomar decisões’ e ‘Gosto de idéias novas’. Em contrapartida, a menor média ficou sob responsabilidade do fator Cauteloso Reflexivo.
A análise da diferença no instrumento em razão do semestre que estão cursando também foi realizada. Vale ressaltar que como os fatores possuem números diferentes de itens, para a presente análise foram considerados também os valores mínimos e máximos de cada um, tal como na análise anterior. Os resultados dispostos na Tabela 2 revelaram diferença apenas para o fator Cauteloso Reflexivo, de tal modo que os alunos do primeiro semestre apresentaram a maior média (t = 3,460; p=0,001). São exemplos de itens que compõem este fator ‘Não consigo organizar grupos’ e ‘Não sou uma pessoa ativa’. Esse achado está em consonância com os da pesquisa de Homsi (2006), que também encontrou as maiores médias no estilo Cauteloso Reflexivo em alunos da área de Ciências Humanas. Este estilo caracteriza pessoas que apresentam dificuldades em tomar decisões, que preferem o raciocínio lógico e temem seguir a intuição.
A Tabela 3 apresenta as correlações entre os itens da ECAP e a Escala de Estilos de Pensar e Criar. O fator Relacional Divergente foi o que apresentou mais coeficientes significativos com os itens. Em contrapartida, o Inconformista Transformador não apresentou nenhuma correlação significativa.
Tabela 3. Correlação de Pearson entre os tipos da Escala Estilos de Pensar e Criar e os itens da ECAP
Nota: *p < 0,05; ** p <0,01
As pessoas que se identificam com o estilo Relacional Divergente tendem a ser abertas a novas experiências e flexíveis, o que corrobora a escolha pelo item ‘trabalhar como autônomo’ e ‘não ser funcionário de uma instituição’. ‘Trabalhar com tarefas detalhistas’ e ‘ter uma sala para trabalhar’ também se correlacionaram com este estilo. Já o fator Emocional Intuitivo destaca-se pela facilidade de relacionamento e pelo alto grau de empatia. ‘Comandar uma equipe’, ‘trabalhar como autônomo’ e ‘ganhar bem’ são itens que se correlacionaram significativamente com o fator. Dos três itens citados, o primeiro revela-se mais coerente com a descrição do fator. De qualquer forma, convém destacar que os coeficientes, ainda que significativos, foram baixos. Esses achados corroboram algumas pesquisas, que indicam o interesse por atividades sociais nos alunos de Psicologia (Bueno, Lemos e Tomé, 2004).
O último aspecto analisado refere-se à diferença entre médias dos participantes nos instrumentos, quando comparados em relação à idade. Para tanto, a amostra foi dividida em três grupos, sendo que a análise foi realizada com os indivíduos mais novos (com idade entre 17 e 20 anos = ≤ 20) e mais velhos (com idade entre 26 e 46 anos = ≥ 26). Para a organização dos grupos usou-se a distribuição nos quartis (grupo 1 – quartil 25 e grupo 3 – quartil 75).
Os resultados apontaram que em apenas em um item os participantes mais novos obtiveram médias maiores e significativas, que foi: ‘Ser funcionário de uma empresa/instituição’ [t (39) = 2,735; p=0,010].
Considerando que escala pesquisada possui 35 itens e que apenas um item apresentou diferença significativa, esses dados estão parcialmente em consonância com os achados de Balbinotti, Wiethaeuper e Barbosa (2004) à medida que não encontraram diferenças significativas nos níveis de cristalização de preferências profissionais em função da variável idade. A Tabela 5 dispõe as médias referentes ao outro instrumento estudado.
Tabela 4. Média dos participantes na ECAP em razão da idade, < 20 anos (N = 22) e > 26 anos (N = 17)
Tabela 5. Média dos participantes na Escala Estilos de Pensar e Criar em razão da idade, 20 anos (N = 22) e 26 anos (N = 17)
Os indivíduos mais velhos apresentaram maior identificação com o estilo Relacional Divergente [t (39)= t=-2,842; p=0,007], exemplificado pelos itens ‘Respeito o direito do outro ao tomar decisões’ e ‘Para tomar uma decisão gosto de obter muitas informações’.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo objetivou explorar as relações entre os construtos preferências profissionais (ECAP) e estilos de pensar e criar de jovens universitários estudantes de Psicologia. Os construtos são divergentes, porém algumas correlações foram encontradas entre eles, embora baixas e em pequeno número. O que se pretende com estudos dessa natureza é que se estabeleçam comparações entre instrumentos e construtos, com vistas a contribuir com os processos de orientação profissional.
Melo-Silva, Lassance e Soares (2004) afirmam que a OP deve auxiliar a tomada de decisão em momentos como a passagem de um ciclo educativo a outro. Assim, o entendimento de quais são os elementos medidos pelos instrumentos, bem como as características partilhadas com demais medidas, tende a tornar os processos mais efetivos e produtivos, facilitando o trabalho do psicólogo. Desta forma, além de permitir uma breve caracterização das preferências de estudantes de um curso de Psicologia do interior paulista, pretendeu-se avançar na divulgação de pesquisas dos instrumentos em questão.
O processo de OP, de acordo com Holland (1977), contribui para que as pessoas identifiquem suas preferências, para que obtenham informações sobre as diferentes áreas profissionais e para que explorem suas opções de escolhas. Nesse sentido, este estudo buscou colaborar com o referencial supracitado à medida que fica evidente que explorar as ‘preferências por atividades’ e os ‘estilos de pensar e criar’ pode ser fundamental para o aprimoramento da área de conhecimento.
Quanto às diferenças de médias, parece oportuno destacar as encontradas em relação às preferências, segundo o semestre cursado. Algumas das características preferidas pelos alunos do primeiro semestre não são específicas das tarefas desenvolvidas pelos profissionais da Psicologia, tal como utilizar a força física ou ter contato com animais. Já as diferenças encontradas pelos participantes do terceiro semestre mostraram- se mais em consonância com as características do curso escolhido. Por sua vez, quanto aos estilos de pensar e criar observou-se coerência em algumas particularidades encontradas dentre elas, a empatia e facilidade de relacionamento. Nesse particular, os resultados reafirmam os preceitos de Lent, Hackett e Brown (1994), na direção de que os interesses referem-se a padrões de gostos, aversões e indiferenças acerca de atividades e ocupações relacionadas a uma carreira.
Ao lado disso, em parte dos estudos citados na fundamentação dessa pesquisa, foi possível encontrar pequena ou nenhuma diferença significativa entre as variáveis ‘sexo’, ‘idade’ e ‘série escolar’ em relação ao construto interesse (Nunes, 2007); cristalização das preferências (Balbinotti, Wiethaeuper e Barbosa, 2004); estilos de pensar e criar e percepção da criatividade (Mundim e Wechsler, 2007); e criatividade (Nakano e Wechsler, 2006).
Este estudo foi exploratório e, em razão disso, não se pretendeu esgotar as relações possíveis, até porque este não era o objetivo. Nesse sentido, uma das limitações do presente estudo é o fato do mesmo ter sido realizado com jovens de um único curso universitário, de uma única instituição particular de ensino. Futuras pesquisas poderão investigar a relação entre preferências profissionais e estilos de pensar e criar com outras amostras, o que contribuirá na verificação de possíveis semelhanças e diferenças associadas a características específicas de grupos diferenciados.
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Recebido em 09/09/08
Revisto em 26/02/09
Aceito em 02/03/09
* Endereço para correspondência: Ana Paula - Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro. Itatiba-S.P. CEP: 13.251-900. E-mail: ana.noronha@saofrancisco.edu.br.