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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O olhar de três gerações de mulheres a respeito do casamento1

 

The point of view of three generations of women about marriage

 

 

Fernanda Cristina Gomes de Carvalho; Maria Lucia de Souza Campos Paiva *

Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi investigar o olhar de três gerações de mulheres a respeito do casamento e suas respectivas facetas. Buscou-se entender como as mulheres vivenciam e percebem os relacionamentos amorosos. Para tal, foi utilizado o método qualitativo e a amostra foi composta por seis mulheres, sendo duas adolescentes, duas adultas e duas da terceira idade. Com cada sujeito da pesquisa foi realizada uma entrevista semi-dirigida e aplicadas quatro pranchas do TAT. A análise dos resultados teve como base o referencial psicanalítico. Constatou-se que a visão da mulher a respeito do seu próprio papel na sociedade e no casamento está ligada a valores pessoais adquiridos com sua história de vida e com os modelos familiares experimentados. As mulheres mais jovens possuem um discurso revolucionário incoerente com sua manifestação inconsciente, ainda buscando um relacionamento conjugal idealizado e uma constituição familiar calcada em alguns padrões tradicionais e conservadores.

Palavras-Chave: Casamento, História da mulher, Psicanálise, TAT.


ABSTRACT

The purpose of this work was to investigate the point of view about marriage of three generations of women in order to understand how they experience this relationship. The clinical qualitative method was used with six women who composed the sample: two teenagers, two adults and two elderly women. An interview was conducted with each participant, followed by the application of four TAT cards. The psychoanalytic framework was used to analyze the results. The conclusion was that women’s perspective regarding their own role in society and in marriage is related to personal values acquired through their life history and into their experienced familiar models. Younger women’s speech was revolutionary and incoherent with their unconscious manifestations for they still searched for an idealized marital relationship and a familiar constitution based on some traditional and conservatives standards.

Keywords: Marriage, Woman history, Psychoanalysis, TAT.


 

 

Na atualidade notamos cada vez mais relacionamentos conjugais descartáveis e desinteresse por uma união estável. Segundo Bauman (2004), na sociedade moderna encontrou-se uma maneira diferente de estabelecer relações amorosas. Os relacionamentos duradouros não são mais vistos como metas ou como exemplos do que os indivíduos almejam. As pessoas vêm sofrendo um processo de individualização e enxergam o relacionamento como algo solúvel, quanto mais desapego, melhor. Desse modo, pode-se dizer que um relacionamento moderno tem sua duração incerta, vinculada ao quanto as partes estejam plenamente satisfeitas.

De acordo com Bauman (2004) ainda vivemos na era moderna, discordando de outros autores que consideram a época atual como pós-moderna. Para ele, o mundo moderno está em busca de relações descartáveis, enaltece pessoas que conseguem não se relacionar e essas possuem um mérito, um saber especial de como não se envolver ou se desapegar facilmente de outra pessoa à medida que ela não lhe serve mais.

Para o mesmo autor, a sociedade moderna mascara o real desejo do ser humano social, que é o de se relacionar. O indivíduo não quer arcar com a responsabilidade e a pressão exercidas sobre ele, a de fazer outra pessoa e a si mesmo feliz. Outro motivo que torna o relacionamento de hoje mais fluido é o fato do indivíduo acreditar que sempre pode encontrar um parceiro melhor que o atual. A sociedade consumista impõe que busquemos sempre algo novo e diferente ao invés de aceitar com maturidade as diferenças do que se tem.

A partir desta reflexão proposta por Bauman (2004), de que os relacionamentos atuais adquiriram certa fluidez, é possível pensar acerca da história do relacionar-se, de como ele adquiriu esta forma. As mudanças oriundas dos movimentos feministas, que visavam o reconhecimento e liberdade da mulher, bem como o surgimento da pílula anticoncepcional e o divórcio, foram questionando e modificando as maneiras de relacionamento até então existentes. Este trabalho pretende mostrar o resultado de uma pesquisa que abordou a visão da mulher sobre o casamento. É importante entender o que mulheres de diferentes faixas etárias pensam a respeito deste tema. Se elas sentem vontade de dividir a vida com um companheiro, o que elas acham vantajoso e desvantajoso. Outro aspecto importante é investigar o que as mulheres pensam a respeito das mudanças na forma de relacionar-se ao longo dos anos, como elas enxergam um relacionamento afetivo na atualidade, solúvel (ou como as jovens sentem a fluidez atual estabelecida).

Com esse estudo embasado na opinião exclusivamente feminina, foi possível perceber se ainda há nos dias de hoje, tanto quanto havia no passado, o desejo de se casar, de constituir uma unidade familiar indissolúvel. Pode-se inferir que a troca de parceiro, a inconstância e a dificuldade de encontrar um companheiro seja atribuído ao fato de que o verdadeiro desejo feminino é estar casada e encontrar a pessoa ideal. Mas como o leque de possibilidades é grande, a liberdade de escolha e de experimentar existe, fica difícil se comprometer para a vida inteira, já que estamos propícios a querer alguém diferente ou até melhor, a qualquer momento.

A partir deste estudo, mulheres da atualidade interessadas no tema poderão entender um pouco da sua trajetória, as implicações do movimento feminista no decorrer da história e a evolução e aproximação de direitos para com os homens. É importante que as mulheres olhem para sua posição e os caminhos que têm percorrido ao longo do tempo com criticidade e percebam que muitas de suas reivindicações do passado surtiram efeito. Para tal, faz-se necessário discorrer acerca da história do casamento e das implicações do movimento feminista.

 

HISTÓRIA DO CASAMENTO

Na Idade Média, o casamento foi instituído pela Igreja e considerado mais um sacramento. O casal e seu relacionamento passaram a ser selados eternamente pelos olhos de Deus, até que a morte os separasse. O adultério passou a ser considerado pecado, o caráter sexual que norteava um relacionamento a dois, questionado. Permitia-se somente sexo com intuito de procriação, a sexualidade não devia ser incentivada ou desenvolvida. A constituição de uma unidade familiar abençoada por Deus devia ser preservada (Costa, 2007).

Ainda na Idade Média, de acordo com Ariès (1978), surgem os primeiros resquícios de uma família, de intimidade entre homem e mulher. Os documentos artísticos mostram que a privacidade da família se passava mais na rua do que dentro da casa. Até mesmo o momento do leito nupcial era dividido com os convidados e com a sociedade, ele se tornava público e era considerado mais importante que a cerimônia religiosa. As modificações sociais ocorreram com lentidão atribuindo um caráter privado a estrutura familiar, distanciando-a do espaço público pouco a pouco. O marido tornou-se uma figura de autoridade, que zelava pela esposa e filhos, a mulher por sua vez apenas o obedecia e cuidava dos afazeres domésticos.

No século XVI aparece a figura da criança, como mais um complemento da unidade familiar intimista e unida, também nessa época aparecem santos e padroeiros que possuem a função de preservar e proteger a família. Segundo Gomes (1998), a criança passa a assumir um papel mais centralizado na família e a infância possui uma maior importância e respeito (antes as crianças eram consideradas semelhantes aos adultos).

Entre a Renascença e a Idade Moderna houve modificações no âmbito do relacionamento conjugal e na maneira como as pessoas respeitavam as imposições da Igreja para as práticas sexuais. Costa (2007) diz que no século XVIII nasce um outro modelo de casamento, onde era priorizado o amor, e o sexo teve sua prática mais aceita, buscando a compatibilidade do casal.

A partir da Revolução Industrial, das modificações no mercado de trabalho como competitividade e inclusão da mulher, há um estreitamento dos laços emocionais na família. O casamento passa a incluir a questão da escolha envolvendo amor, surge a importância do olhar para a vida do casal, não havia mais a obrigatoriedade, ele só seria concedido, se as duas partes se encontrassem satisfeitas com o laço (Gomes, 1998).

No século XX, a sexualidade passou a ser entendida sob um novo prisma, a Psicanálise apontou sua importância e influência no desenvolvimento do ser humano com a teoria edípica e as fases do desenvolvimento do indivíduo. Os conceitos teóricos e a mudança do papel da mulher na sociedade contribuíram para uma visão modernizada de casamento e relacionamento. O relacionamento conjugal transformou-se numa escolha, podendo ser discutido, modificado e livre de outras influências. A visão religiosa de obrigatoriedade e eternização foi trocada por companheirismo e vontade de estar junto (Costa, 2007).

Féres-Carneiro (2001), num texto bastante atual, define o casamento contemporâneo sem nenhuma ligação institucional, representando uma relação de intensa significação na vida dos indivíduos, já que envolve um alto grau de intimidade e muito investimento afetivo. Ou seja, na sociedade contemporânea, o casamento não necessariamente está associado à formação de uma família, imperando a necessidade afetiva dos parceiros de estarem juntos.

A importância de se mencionar a visão histórica do casamento, desde a Idade Média até os dias atuais, vem no sentido de enfatizar todas as mudanças ocorridas nesse contexto. A prioridade do casal e o motivo pelo qual optam pelo casamento ao longo dos anos aponta para mudanças nas motivações dos pretendentes, desde a manutenção da propriedade, influências da religiosidade até o surgimento do amor. Hoje, os casais têm mais liberdade para conduzirem seus relacionamentos, se decidirem a respeito de filhos e se vale a pena estar junto. Pela liberdade e outras formas de viver instituídas, surgiram novas maneiras de se relacionar e a mulher assume dentro desse contexto um papel significativo.

 

SOBRE O FEMINISMO E A MULHER

Segundo Teles (1993), é difícil encontrar estudos históricos que valorizem a posição da mulher e sua atuação perante a sociedade. Anteriormente ao século XIX, ela era vista apenas como mãe e membro da sociedade, não tendo papel triunfante na história de heroína ou intelectual. Quando lhe era concedida alguma posição de destaque, estava sempre atrelada a algum homem (normalmente marido).

O feminismo pode ser considerado um movimento político, pois reivindica uma modificação na esfera do pensamento da sociedade em relação à mulher: seus direitos e deveres. Esse movimento questiona a opressão feminina vivida ao longo de sua história, a falta de liberdade de pensamento, de colocação e de voto e a igualdade de direitos com o sexo masculino. As mulheres reivindicaram a possibilidade de trabalho intelectual, o direito à licença maternidade e fizeram com que a sociedade olhasse para funções tipicamente femininas, como os trabalhos domésticos, com dignidade (Teles, 1993).

A respeito do feminismo no Brasil, Pinto (2003) identifica tendências, como engajamentos e reivindicações, ocorridas entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, responsáveis pela manifestação do movimento.

Esse cenário fez com que efervescesse o desejo da mulher de se sobressair e de lutar por seus direitos. No golpe de Estado de 1937, a situação política e reivindicativa da mulher estagnou. Getúlio Vargas, exercendo o papel de ditador, enfrentou um povo resistente que buscava a democracia e a atitude política da mulher, nesse momento, se misturou com o povo e diminuiu sua força. Somente em 1970, na Ditadura Militar, o movimento feminista no Brasil retomou a sua força, apoiado e influenciado pelos movimentos feministas Europeus e Norte-americano (Pinto, 2003).

O Hemisfério Norte e o Brasil, em meados dos anos 70, viviam cenários políticos completamente diferenciados. Enquanto a Europa enfrentava um cenário de liberdade e luta pela igualdade, o Brasil encontrava-se em uma situação de repressão. O movimento feminista no Hemisfério Norte ganhou força juntamente com os ideais de liberdade da sociedade. Os primeiros grupos feministas no Brasil, nascidos em 1972, utilizaram a bagagem e a influência internacionais para o deixarem com a sua cara (Otto, 2004).

Nessa nova esfera a mulher possui um duplo papel, de mãe, dona-de-casa e trabalhadora. Essas multi-funções e obrigações como esposa, mãe e funcionária muitas vezes a sobrecarregam e fazem com que a mulher atinja um grau elevado de estresse. A mulher na atualidade sofre desse mal devido a sobrecarga de funções e responsabilidades que se estabeleceram. No mercado de trabalho, ela possui a mesma carga horária e responsabilidades que um homem, mas no ambiente privado ainda mantém o lugar do passado. Ela não encabeça novamente um movimento devido aos estereótipos que se formaram em torno do feminismo: de mulheres mal-amadas, lésbicas, comunistas, etc. Preferem ficar no anonimato e sofrem as conseqüências impostas (Nogueira, 2001).

Oliveira (1991) pontuava a reflexão entre diferenciação e desigualdade. A mulher, no início do movimento feminista, buscava se igualar ao homem, ocupar seu lugar. Devido ao seu histórico de preconceito, de diferentes maneiras tentou opor-se, encontrar espaço. Inicialmente pela literatura, onde pode colocar, mesmo que no imaginário, seus pensamentos, histórias e fantasias. Depois em outros campos foi encontrando espaço e se sobressaindo.

A mulher, ao invés de encontrar seu lugar e ir contra a desigualdade sócio-política, foi pouco a pouco se tornando semelhante ao homem, realizando suas funções, buscando alcançar o mesmo nível intelectual, os mesmos postos para se sentir justiçada. Entretanto, essas diferenças existem no próprio campo sexual, certos papéis não podem ser trocados, e a mulher acaba ocupando dois papéis: o seu e o de homem, perdendo assim sua identidade (Oliveira, 1991).

Para Knibiehler (2007), a mulher nunca vai encontrar um equilíbrio e igualdade perfeita perante o sexo masculino, as diferenças existem fisiológica e psicologicamente e sempre estarão presentes. O feminismo tende a não acabar e buscar a não-opressão, diferenciação abrupta e justiça. Para a feminista francesa, a maternidade é um dos aspectos que mostram claramente essa diferenciação dos sexos, as duas faces da humanidade, os movimentos feministas em seu início reivindicavam a sexualidade, o poder de escolha da mulher sobre seu próprio corpo. Uma ativista feminista dos anos 60 priorizava a luta política por direitos e liberalidade sexual, não enxergava a maternidade como algo bonito e complementar na vida da mulher, apenas julgava que seu papel não se resumia a cuidar da casa, filhos e marido. Hoje, Knibiehler (2007) afirma que pode surgir uma terceira onda do feminismo, depois de passadas as grandes transformações e radicalizações do movimento, as mulheres podem olhar para a diferenciação e para a maternidade com outros olhos, menos críticos e mais emocionais.

O movimento feminista ou a história das mulheres dizem muito a respeito da mudança do papel feminino no decorrer dos anos. Esses acontecimentos influíram, intensamente, no relacionamento do casal, promovendo todas as alterações pertinentes ao casal contemporâneo.

Jablonski (2001, p. 93), pesquisando a classe média do Rio de Janeiro, constatou que:

Mulheres, bem mais do que os homens, se mostram mais insatisfeitas com a atual situação pela qual passa o casamento. Se a mulher não é mais a criatura subserviente e assexuada do início do século passado, também não é ainda o ser livre e totalmente emancipado, que gostaria de ser.

O que se pode concluir acerca do mundo atual é um grande paradoxo, na medida em que a família tradicional ainda se mantém viva a despeito de todas as mudanças ocorridas no papel da mulher ao longo do tempo. Em contrapartida, essa nova forma de “ser mulher” propiciou o surgimento de novos modelos de relação conjugal.

O objetivo deste estudo foi avaliar a visão de três gerações distintas de mulheres brasileiras residentes na cidade de São Paulo – adolescentes, jovens adultas e de terceira idade – a respeito do relacionamento afetivo do casal heterossexual (o casamento).

 

MÉTODO

Foi utilizado na pesquisa o método clínico-qualitativo. De acordo com Turato (2003), esse método dá a devida importância para o sentido e a significação do fenômeno estudado. Essa metodologia propõe que o pesquisador utilize a atitude clínica fundamentada no referencial teórico psicanalítico. Entretanto, a pesquisa pode ser realizada no campo natural do sujeito, uma vez que não há necessidade de se fazer algum tipo de tratamento psicológico. A entrevista semi-dirigida aparece como o principal instrumento dessa metodologia e também podem ser utilizados instrumentos auxiliares na coleta de dados.

Sujeitos

Foi selecionada uma amostra de seis mulheres heterossexuais, sendo: duas adolescentes entre 15 e 18 anos, que namoravam ou pretendiam se relacionar; duas jovens adultas entre 30 e 35 anos casadas ou que já estiveram casadas pelo menos por cinco anos; e duas senhoras entre 70 e 75 anos casadas ou viúvas que estiveram casadas pelo menos por cinco anos. Todas brasileiras, pertencentes à classe média e residentes na cidade de São Paulo.

Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos na coleta de dados para cada sujeito: entrevista semi- dirigida com questões abertas e aplicação de quatro pranchas do Teste de Apercepção Temática de Murray (2005), as pranchas 2, 4, 7MF e 10. O objetivo de utilizar dois instrumentos na coleta de dados teve o intuito de fornecer material acerca das heranças conscientes e inconscientes quanto à concepção do relacionamento amoroso que essas mulheres tinham.

Procedimento

A entrevista forneceu dados para que fosse realizada uma análise qualitativa e, a partir desta, foi investigado o ponto de vista de cada mulher em relação às suas concepções sobre casamento, obtendo-se assim aspectos tanto conscientes como inconscientes. O TAT foi escolhido por já ter sido utilizado em trabalhos anteriores, como na dissertação de Paiva (2003), e por se tratar de um instrumento projetivo capaz de investigar em profundidade as fantasias inconscientes a respeito das relações conjugais, assim como, a visão de mulher e de homem.

No procedimento de análise, os dados da entrevista foram compilados em grupos temáticos definidos. Posteriormente, para a interpretação do TAT foi utilizado o raciocínio clínico, como é proposto por Dana (1985). Em seguida, foram relacionados os dados obtidos na entrevista com a análise do teste de cada sujeito separadamente. Por fim, foram comparados e analisados os dados das seis mulheres, chegando-se a uma análise global a respeito da sua visão de relacionamento conjugal.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mulheres adolescentes

As jovens adolescentes concordaram no aspecto de que a mulher deve trabalhar e possuir suas escolhas. O casamento deve acontecer, acima de tudo por amor e, a partir disso, construir uma vida junto ao parceiro baseada em troca e confiança.

As duas adolescentes mostraram visões diferentes no que diz respeito ao papel da mulher. Tereza2, 15 anos, mostrou-se conservadora, se comparada com o padrão de uma adolescente de sua idade. Luana, 17 anos, ainda oscila entre uma visão moderna e conservadora, predominando uma visão moderna em relação à mulher, à sexualidade, à opção sexual e ao casamento. Ambas apresentam conflitos típicos da idade envolvendo sexualidade e independência frente à figura materna.

Apesar de possuírem idades muito próximas, Tereza apresenta fantasias idealizadas frente a um relacionamento amoroso. Na prancha 10, demonstra ter uma visão romântica em relação a um casamento heterossexual. Enquanto Luana, nesta mesma prancha, se identifica com uma mulher que vive um conflito em relação ao gênero do parceiro. Apesar dela falar de um conflito próprio da adolescência que diz respeito à escolha do objeto de desejo, apresenta também um aspecto relevante em termos de expor que em seu imaginário é possível existir relação tanto homo como heterossexual, algo muito presente na contemporaneidade.

A visão tradicional de Tereza a respeito do relacionamento conjugal se confirma na prancha 4 quando o conflito do casal é desencadeado por uma falha imperdoável realizada pela mulher do ponto de vista do homem. A figura masculina aparece dura e não acolhedora frente à tentativa de reconciliação por parte da figura feminina, que sofre e se culpa pela separação. Nessa mesma prancha Luana, em sua associação, apresenta ponto de vista diferente entre o homem e a mulher. O conflito gira em torno da questão do trabalho, pois a mulher ganha mais que o homem e este se sente incomodado. Ela finaliza a associação mudando o olhar do homem, que deixa de querer competir com a mulher e passa a ser cúmplice mesmo que esta ganhe mais dinheiro.

Mulheres adultas

As duas jovens adultas estão casadas e apresentam traços conservadores em seus discursos. Vera, 34 anos, fala a respeito da palavra do homem que é mais forte que a palavra da mulher, diz que a mulher é quem cede diante de uma discussão ou divergência de opiniões e que, no tempo livre, é ela quem realiza os afazeres domésticos. Joana, 32 anos, em alguns estímulos inconscientes mostra uma visão conservadora, porém, sempre apresentando uma questão de ambivalência, se contradizendo. Ela enxerga uma vantagem no papel de mulher em relação ao homem no relacionamento. Ambos devem dividir as tarefas que antes eram responsabilidade da mulher, mas as antigas responsabilidades do homem devem se manter.

mãe não faz parte dos planos de Vera. Ela diz sofrer pressão por parte dos familiares e das pessoas em geral, que acham que uma mulher bem casada na sua idade deve ter o desejo de ser mãe. Vera fica pensativa ao dizer: “Não sei se há algo de errado comigo, mas eu não tenho esse desejo, o de ser mãe”. A sociedade ainda cobra da mulher esse amor pela maternidade, a maioria das mulheres consideram este um grande sonho e virtude, mas Vera não sente essa necessidade e gostaria de não sofrer essa pressão. Ela é nova, bem casada e tem boas condições financeiras, mas afirma que por ela, envelheceria apenas ao lado do marido, que tem vontade de ser pai, mas não faz questão. Ele respeita a vontade de Vera e nunca pressionou. Rios (2007) aponta que na atualidade é crescente o número de casais que optam por não ter filhos. Entre as principais motivações, declaradas pelos casais pesquisados pela autora, encontra-se a prioridade dada à satisfação conjugal.

Pelo fato de Vera ter perdido o pai muito cedo e ter sido criada somente com os cuidados da mãe, considera difícil pensar em exercer o papel de mãe e assumir todas as responsabilidades, caso uma eventualidade aconteça. Tem medo de não conseguir amparar a criança da melhor maneira.

O fato de Vera negar os conflitos entre mãe e filha nas pranchas 2 e 7MF mostra uma idealização do relacionamento entre elas envolvendo diálogo, compreensão e cumplicidade (não apontando as brigas, discussões e opiniões diversas comuns existentes). É possível sugerir que, talvez, ela não tenha vontade de ser mãe pelo fato de colocar muita expectativa e responsabilidade nesse papel. Vera possui certo receio de não conseguir atingir esse grau de cumplicidade e tranqüilidade na relação com um filho, medo de não saber lidar com a situação, caso o comportamento do filho não satisfaça as suas expectativas, seja contrário, questionador ou revoltado. Além disso, Vera coloca os afazeres domésticos, o cuidado dos filhos como tarefas que devem ser realizadas pelas mulheres, neste sentido a maternidade assume um forte peso e responsabilidade para a mulher. A parentalidade para ela é de responsabilidade da mulher e não do casal.

Joana relatou na entrevista sua opinião de que o homem e a mulher devem dividir os afazeres domésticos e cuidados com a casa. Em contrapartida, disse também que gosta de homens cavalheiros e que paguem a conta do jantar, que “queimar sutiãs” e a representação que isso traz é um radicalismo da mulher, sem necessidade de acontecer. Com essas duas opiniões ambivalentes, ela demonstra querer vantagens na divisão das tarefas, na assimetria dos cuidados. Não busca igualdade entre os sexos e sim vantagem.

Joana possui desejos de ser mãe daqui a alguns anos. O fato de estar presa ao Édipo e apresentar conflitos adolescentes na prancha 2 pode explicar o adiamento da maternidade. Pode-se inferir que há interferências dos valores contemporâneos. Joana enxerga a maternidade como uma responsabilidade difícil de assumir, de acordo com a entrevista, onde ela insinua o peso de ter filhos e a importância da divisão de tarefas entre o homem e a mulher. Ela sugere que, no momento, ainda não seria capaz de encarar o papel de mãe sozinha ou mesmo de dividi-lo com o parceiro, precisando de mais tempo para amadurecer.

O conflito em relação à maternidade e seu peso também está presente na prancha 7 MF. Joana mostra um conflito típico da contemporaneidade, ela projeta nessa história muito do que acontece hoje nas relações familiares, do fato da figura da mãe não ser mais presente na totalidade do tempo disposto para vida dos filhos, já que agora ela está inserida no mercado de trabalho e tem outras prioridades além do papel de mãe. Novamente ela demonstra a dificuldade em assumir a maternidade.

De acordo com as associações e a entrevista é possível afirmar que Joana circunda entre o modelo tradicional de casamento e a visão contemporânea, apresentando uma ambigüidade entre sua vivência real e seus ideais, que remontam a valores do passado. Essa ambivalência pode ser notada na comparação entre o que ela diz na entrevista e a associação da prancha 10. Ela diz que a mulher hoje é independente e que não acredita em casamento para a vida toda. Entretanto, na associação da prancha apresenta um modelo idealizado de casamento em que cada idoso vive feliz para sempre e faz bodas de ouro cercado de parentes queridos.

Mulheres da terceira idade

As duas idosas são viúvas e apresentam claramente uma visão conservadora a respeito do papel da mulher no relacionamento do casal, como mãe e como profissional. Rosa, 75 anos, fala do casamento com alegria, lembrando do companheirismo e amor existentes. Cláudia, 77 anos, que ficou viúva jovem e nunca mais se relacionou, relata uma velhice solitária e fala do relacionamento do casal com distanciamento e traços depressivos. Ambas priorizando que a mulher deve cuidar da casa.

Na prancha 4, Cláudia mostra uma visão dos relacionamentos conjugais atuais que se dissolvem facilmente com a falta de diálogo e de cooperação entre ambas as partes. Ela justifica tal fato devido à entrada da mulher no mercado de trabalho, da mudança de seu papel no universo matrimonial. Ela fala também do sofrimento dos filhos, quando o casal se separa. Diz também que o casal não pretendia se separar assim rápido, parecendo um reflexo do relacionamento moderno. A história contada por Cláudia, não é o mais comum entre mulheres da sua faixa etária. Percebe-se claramente que ela projeta a história de vida da filha mais velha, que se casou com um colega de trabalho, teve dois filhos e se separou. Nessa mesma prancha, ao ser questionada em relação ao estímulo da mulher ao fundo, ela o identifica como sendo a figura da mãe da moça, que está triste pela separação do casal, já que no imaginário dela o casamento deveria durar a vida toda. É possível inferir que ela deva ter se sentido assim no momento da separação da filha.

A prancha 7MF mostra uma visão típica e conservadora de como Cláudia considera que a opinião da mãe a respeito da conduta da filha é irrefutável, não deve ser contrariada e desobedecida. É uma visão conservadora, já que as relações familiares atuais dão espaço ao diálogo e não repreendem a sexualidade.

Como Rosa foi casada por muitos anos e perdeu o marido há apenas cinco, a idealização da família perfeita ainda está muito presente no seu inconsciente. Quando ela fala do relacionamento do casal, presente nas pranchas 4 e 10, ela apresenta um final feliz para a história, com reconciliação e união. Na prancha 4, o casal briga e se reconcilia através do diálogo proposto pela mulher. É isso que ela conta na entrevista, que acha muito importante o diálogo entre o casal e esse é até um dos motivos para os relacionamentos atuais serem tão volúveis, ela demonstra também que a mulher é mais flexível, que a conversa deve partir dela, como acontecia em seu casamento. A prancha 10 mostra uma visão de um casamento feliz e duradouro, de acordo com as crenças vigentes em sua época, parecendo ainda bastante presa às lembranças de sua própria vivência matrimonial.

Na prancha 2, Rosa fala de um conflito entre mãe e filha que gira em torno do que a mulher deve fazer. Rosa identifica-se com a jovem que busca sair de casa para trabalhar, enquanto a mãe sofre com a escolha da filha. Na associação, a mãe gostaria que a filha seguisse o mesmo caminho que ela seguiu, o de permanecer cuidando dos afazeres domésticos. Ela projeta na mulher jovem a possibilidade de mudança do papel feminino. Entretanto, na entrevista, ela aponta que a mulher tem a função de assegurar a manutenção do casamento. Com o trabalho feminino, isso ficaria mais difícil.

Rosa, no relato da entrevista, mostra sua visão conservadora a respeito do papel do homem no casamento. Seu marido era autoritário, sua palavra era sempre a que valia. O relacionamento do casal não possuía nenhum diálogo íntimo. Porém, Rosa coloca essas características do marido como naturais, mostrando a submissão da mulher e sua aceitação diante dessa condição.

Ela se mostra conservadora também no que diz respeito à separação. Ela considera que os casais mais jovens não estão sabendo conduzir o relacionamento amoroso da maneira correta, estão focando apenas a sexualidade e a diversão, ao invés de focar em fatos que para Rosa são fundamentais como o papel de mãe e de submissão da mulher.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mulher, em sua história teve um papel submisso e não questionador. A partir do movimento feminista e das diferentes configurações da sociedade, ela iniciou um processo de mudança. Depois do impacto desse movimento social, que ocorreu principalmente nas relações familiares e conjugais, a mulher passou a se tornar independente naturalmente. Aos poucos entrou no mercado de trabalho e conquistou um poder argumentativo diante do homem. A mulher atual não tem apenas o papel de mãe e de esposa, ela possui outras realizações pessoais, ela atingiu um universo amplo e possui uma gama de possibilidades e de atividades.

Levando em conta o contexto histórico, essas mudanças no papel da mulher são recentes. Foram séculos de submissão para algumas décadas de mudanças e maior “liberdade”. A mulher hoje está de fato mais independente, ela possui um universo próprio e possibilidades de escolha. Foi possível notar essa posição nas entrevistadas. Mesmo as mulheres mais velhas, que foram submissas ao marido e priorizavam os cuidados com a casa e com os filhos, ao invés de atentarem-se para suas necessidades e desejos pessoais, foram capazes de reconhecer um movimento diferenciado nas mulheres mais jovens, ou seja, estavam totalmente cientes de que com as mulheres atuais ocorre um outro processo, gerando maior independência, individualização, entrada no mercado de trabalho e opção pela maternidade, dentre outras escolhas.

De acordo com o relato das entrevistas e aplicação do TAT nas seis mulheres, duas de cada geração, foi possível notar que a divergência de opiniões e de comportamentos está ligada principalmente à história de vida de cada uma delas. Cada mulher, independente de sua idade, possui a sua história, a sua configuração familiar e seu modelo de papel de mãe, de pai e de casal. O âmbito familiar em que essa mulher está inserida, o relacionamento de seus pais, o relacionamento com o marido e com os filhos inseridos em sua cultura, valores pessoais e morais influenciam o que essa mulher pensa a respeito do feminino e do seu lugar na família.

A análise da história de vida e da opinião dessas mulheres, bem como a interpretação possível através da aplicação do TAT mostra a ambivalência no discurso de muitas delas. O que elas relatam na entrevista, o que elas dizem a respeito da mulher, do seu papel e do casamento, muitas vezes não está de acordo com as histórias relatadas através dos estímulos das pranchas. Apenas as idosas tiveram seu inconsciente mais fiel ao relato das entrevistas.

É possível extrair duas conclusões. Uma de que a mulher jovem, influenciada pelas mudanças das conjunturas sociais e culturais possui um discurso “revolucionário” de que a mulher hoje é independente do homem devido a sua entrada no mercado de trabalho e de sua independência adquirida ao longo do tempo. Ela também fala a respeito de uma mulher que não vê a maternidade como prioridade, perdendo lugar para a vida profissional e afazeres pessoais. Os cuidados com a casa sofreram uma divisão de tarefas entre homem e mulher. Esse discurso muitas vezes não está de acordo com o que aparece na interpretação do teste, mostrando um desejo inconsciente da mulher de se casar nos moldes tradicionais, exercer seu papel de mãe e de cuidadora do lar.

Outra conclusão também é possível, pois mulheres da mesma faixa etária apresentam opiniões diferentes referentes ao papel da mulher, do homem e do casamento, mostrando que a diferença de opinião não se dá apenas no âmbito geracional. É necessário dar a devida relevância a fatores pessoais e ligados à história de cada um.

Percebe-se, principalmente, como influência no pensamento da mulher uma questão transgeracional. O ser mulher e as atitudes assumidas estão relacionadas ao que lhe foi passado de geração em geração. Pelo fato da mulher possuir um histórico marcado pelo seu papel submisso dentro da família, ela atualmente não consegue se desvincular completamente desses valores tão arraigados ao feminino. Ela não consegue se desvencilhar dessa visão de mulher conservadora e tem um desejo inconsciente de exercer esse papel tão criticado por ela mesma, da mulher dona-de-casa, bem casada e mãe, necessitando da proteção de um provedor – marido/pai. Sendo assim, pode-se dizer que as mulheres jovens e de meia idade possuem um conflito inconsciente entre uma imago de mulher e de homem pautada em uma leitura tradicional de relacionamento amoroso que difere do que elas buscam e vivem com seus parceiros. Levy e Gomes (2008, p. 171) advertem que “um paradoxo se instala: a sociedade contemporânea propõe papéis igualitários para homens e mulheres, diferenciados do modelo tradicional de família. Contudo, a clínica com casais demonstra, em alguns casos, uma fixação do modelo “homem-ativo-fálico/mulher-passiva-castrada” que permanece, subjacente, à mudança dos tempos.”

Contudo, as novas configurações familiares e conjugais promovendo um novo modelo de se relacionar – o chamado casamento contemporâneo – também é uma realidade hoje, produzindo uma convivência paralela e paradoxal entre o antigo e o novo. Este conflito inconsciente pertence não somente a essas mulheres, mas ao período de transição que vivemos. Sabemos que a identidade feminina é construída pelas heranças familiares e sociais, mas ainda é preciso que a sociedade caminhe no sentido de uma maior aproximação entre as representações sociais e psíquicas do que é o papel da mulher e do homem e o que é vivido e almejado em um relacionamento amoroso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 16/10/08
Revisto em 06/04/09
Aceito em
10/04/09

 

 

* Endereço para correspondência: Rua Cerro Corá, 792, apto. 33. São Paulo – SP. CEP: 05061-100. E-mail: fefacarvalho@hotmail.com e mlupaiva@mackenzie.br.
1 Esse artigo foi feito a partir de uma monografia de conclusão de curso.
2 Os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos.

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