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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Os impasses da educação na adolescência contemporânea

 

The impasses of education in the contemporary adolescence

 

 

Renata Pires Bastos CostaI; Maria Celina Peixoto LimaII; Clara Virgínia de Queiroz PinheiroII

I Universidade de Fortaleza – UNIFOR

II Diretoria do Centro de Ciências Humanas, Psicologia, UNIFOR – Univ. de Fortaleza

 

 


RESUMO

Família e escola se inquietam diante de adolescentes com dificuldades específicas relacionadas ao saber escolar.Tais dificuldades se caracterizam como desinteresse pelo conhecimento, falta de sentido no conteúdo escolar edificuldade em manter a atenção nas aulas. A partir de uma leitura psicanalítica, o presente artigo traz umcaminho possível para que pensemos o mal-estar na educação contemporânea. Tomamos como centrais eintimamente relacionados os conceitos de desejo e autoridade, uma vez que o saber se constrói fundamentalmentea partir da relação do sujeito com seu desejo e na identificação com aqueles que ocupam a posição de mestre.A adolescência, momento de intensas combinações e composições que exigem um novo posicionamento frenteàs demandas sociais, é compreendida pela psicanálise como modelo das questões decorrentes da crise dasreferências simbólicas. Neste sentido, a questão do declínio da autoridade na atualidade teria efeitos diretossobre a educação, incidindo, mais especificamente, nos impasses do desejo de saber do adolescente testemunhadospela demanda crescente dirigida à clínica psicopedagógica.

Palavras-Chave: Adolescência; educação; desejo de saber; crise de autoridade; psicanálise.


ABSTRACT

Families and schools feel uneasy when facing teenagers' problems regarding specifically academy-relatedknowledge. These problems can be lack of interest for knowledge acquisition, lack of meaning perceived inacademic content and difficulty in maintaining attention during classes. This work presents a possibleperspective to understand this discomfort in education from a psychoanalytical approach. We take as centraland intimately related the concepts of desire and authority, given that knowledge is built fundamentally bythe relation experienced by the subject with their desire, and the identification with those who play the roleof master/teacher. Adolescence, a time of powerful combinations and compositions that demands new attitudesto social requests, is understood by psychoanalysis as a model for the questions surrounding the crisis ofsymbolic references. Thus, the question of authority's decline nowadays has direct effects on education,involving, most specifically, teenager's desire for knowledge, demonstrated in the escalating demand forpsycho-pedagogical treatment.

Keywords: Adolescence; education desire for knowledge; authority's crisis; psychoanalysis.

 

 

INTRODUÇÃO

Família e escola se inquietam diante de adolescentes que apresentam dificuldades específicasrelacionadas ao saber escolar. Tais dificuldades, longe de se apresentarem como associadas a questõesneurológicas, caracterizam-se como desinteresse pelo conhecimento, falta de sentido no conteúdoescolar e dificuldade em manter a atenção nas aulas. Queixas comuns entre adolescentes para osquais "estudar é muito chato".

Este cenário pôde ser observado através dos 12 anos em que estivemos envolvidos comadolescentes que traziam "queixas escolares," nas aulas particulares em domicílio, no contexto dapsicopedagogia clínica e na coordenação do Base Educacional – espaço que oferece cursos e aulasparticulares de todas as disciplinas para alunos de ensino fundamental e médio.

Os aspectos abordados no presente artigo relacionam-se, portanto, a esta nossa experiênciaprofissional, trazendo as possibilidades e limitações determinadas por este recorte que envolve ouniverso de adolescentes que freqüentam escolas particulares da cidade de Fortaleza com os quaistivemos contato através de aulas particulares ou atendimentos psicopedagógicos. Tal recorte, assim,não implica na escolha dos aspectos aqui abordados como exclusivos ou mesmo mais importantes,mas sim, simplesmente, na escolha do foco proporcionado por nossa experiência como fonte deinformações para uma leitura, reconhecemos, sempre parcial, do problema aqui considerado.

Os alunos que acompanhamos, em sua maioria, tinham na rotina escolar uma experiência dedesprazer, movidos pela pressão da temida reprovação, enquanto a formação em si não parecia lhesoferecer nenhuma referência em termos de ideais.

O caso de Alice (nome fictício), acompanhada por nós na clínica psicopedagógica, ilustra oproblema: Alice tem 15 anos, estuda em uma tradicional escola particular de classe A, cursa o 1º anodo Ensino Médio e, desde a sexta série do Ensino Fundamental, enfrenta sucessivas recuperações defim de ano, cada vez em maior número de disciplinas. Segundo seus pais, "ela não aprende, porque nãoquer. É inteligente... De música e computador sabe tudo, se quisesse mesmo, só tirava (nota) dez". Por outro lado, o discurso de Alice é o seguinte: "Toda recuperação tô [sic] lá eu, sem férias, mematando de estudar pra aprender em um mês a matéria do ano todo. Não agüento mais, me desespero, façopromessas e a cada ano a situação piora, fico em mais matérias, devendo mais pontos... Eu tento, queromelhorar, sei que, se eu estudasse, meus pais pegariam menos no meu pé. Mas, na hora mesmo, não sei o queacontece, vou pra aula e vôo, a matéria é sempre chata demais. Todo ano digo que no próximo vai ser diferente,mas acumulo tudo, não consigo estudar nem prestar atenção nas aulas".

Casos como este são comuns na atualidade, fazendo com que diversas explicações surjam natentativa de dar conta deste desinvestimento adolescente no conhecimento. O problema de Alicepoderia ser entendido como uma patologia relacionada à atenção, falta de motivação, carência daatenção dos pais, falhas no conteúdo da escola ou uma rebeldia típica da adolescência?

Considerando as especificidades da educação dos adolescentes na contemporaneidade, emconformidade com os estudos de Kupfer (2005), Rassial (1999), Gutierra (2003) e Khel (2004), partimosde duas questões que julgamos inter-relacionadas. A primeira diz respeito à crise da autoridade e sua relação com uma crise da educação contemporânea e a segunda consiste na especial posição doadolescente com relação ao saber vindo do outro.

A partir, porém, de nossa prática pedagógica e psicopedagógica, observamos queixas constantesrelacionadas ao desinteresse adolescente pelo saber freqüentemente associadas à declaração de paise educadores: "ele não aprende porque não quer" e, fundamentados no pensamento freudiano,consideramos um terceiro aspecto que certamente se relaciona de forma central e incisiva às duas questões anteriormente abordadas: a questão do desejo. A partir deste novo recorte, é fundamentaldiscutirmos as especificidades envolvidas na relação entre a adolescência, o desejo de saber e a criseda autoridade na contemporaneidade.

Norteados por uma visão psicanalítica de construção do sujeito na cultura, através de textosfreudianos e de trabalhos relacionados à educação, ampliamos nossa visão acerca dos impassesvivenciados na educação contemporânea relacionando-os ao conceito de desejo, central à teoriapsicanalítica. Assim, a noção de desejo e sua relação com os impasses na educação aqui abordadosserão examinadas a partir de dois aspectos fundamentais: a crise da autoridade e seus efeitos sobrea educação e as especificidades do desejo de saber adolescente.

 

SOBRE O DECLÍNIO DA AUTORIDADE E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO

A partir da questão aqui abordada – o desinvestimento adolescente no conhecimento –,tomamos como centrais e intimamente relacionados os conceitos de desejo e autoridade, uma vezque o desinvestimento adolescente no conhecimento se construiria fundamentalmente a partir darelação deste adolescente com seu desejo. Neste sentido, a questão do declínio da autoridade naatualidade teria efeitos diretos sobre a educação e, mais especificamente, sobre o desinvestimentoadolescente no conhecimento.

Em conformidade com as idéias de Grant (1999), acreditamos que numa sociedade que valorizao imediatismo e a efemeridade, fala-se em crise da educação associada à crise da autoridade e datradição. À medida que a globalização e a tecnologia encurtam as distâncias que marcariam asdiferenças, afasta-se a possibilidade da falta viabilizadora do desejo.

Os progressos da ciência moderna, de acordo com Lebrun (2004) nos fazem acreditar que tudo épossível, sendo interpretados como a negação dos limites inerentes à condição humana. Toda e qualquerangústia ou frustração é tratada pelo discurso da tecnociência como pertencente à ordem da patologia.

As crianças e adolescentes não escapam deste imperativo de perfeição: é preciso supri-los detudo, e como se torna cada vez mais difícil dizer-lhes "não"! A isto podemos acrescentar a idéia deFontes (1999), ao dizer que a modernidade nos traz como ideal ver a criança sempre feliz e radiante,um imperativo que implica o não reconhecimento de qualquer positividade do sofrimento no sentidode ser determinante do desejo.

Aquele que não alcança o "sucesso escolar", portanto, deve ter, conforme o discurso da ciência e, freqüentemente, da Medicina, da Psicologia e da Psicopedagogia, "algum dos problemas" tão comuns na modernidade, como transtorno do déficit de atenção, hiperatividade ou dislexia, devendo ser tratado e, freqüentemente, medicado.

Observamos com isso uma uma falta de compromisso do sujeito diante de suas escolhas edaquilo que o constitui. No que diz respeito às questões de aprendizagem, pais e filhos não seassumem como sujeitos de suas histórias, tomando suas frustrações como pautadas na objetividadee na patologia associadas ao discurso científico.

Não há mais por que se responsabilizar. Os ditos encontram sua legitimidade na coerência científica. O saber da ciência apresenta-se, assim, prescindindo de mestres, livre de enunciadoresque sustentem o lugar de autoridade - autoridade esta que, em outros tempos, esteve associada àigreja, ao pai da família ou mesmo ao mestre que existia no professor (Lebrun, 2004).

Se o discurso da ciência deixa vazio este lugar de autoridade, fazendo com que seus antigosocupantes questionem-se quanto ao seu papel, no espaço escolar tal discurso manifesta-se atravésdaquilo que Lajonquière (1999) define como psicologização do cotidiano escolar, o que correspondeà invasão de conceitos psicológicos como determinantes de práticas pedagógicas.

Esta psicologização do cotidiano escolar caracteriza-se, conforme Lajonquière, fundamentalmentepor três aspectos: a crença em condições maturacionais que precisam ser estimuladas, a teoria dosafetos, cuja máxima consistiria em "não traumatizar o aluno" e a rotulação das dificuldades deaprendizagem. Assim, questões relativas à educação já não podem ser resolvidas por pais e educadores,pertencem à ordem da patologia e devem ter suas respostas em médicos e psicólogos.

Nesse contexto, segundo Dias (2004) a figura do professor tem sua autoridade questionada eo aluno é visto como cliente. Cada vez mais a escola "negocia" os limites que deveriam ser impostosaos alunos. A posição ocupada pelo professor, muito associada à citada teoria dos afetos, ou mesmoa uma relação onde se deve "atender plenamente às necessidades do cliente", distancia este professorde sua posição de autoridade. O professor, hoje, não ocupa o lugar de modelo, de detentor dosuposto saber, aquele com o qual o aluno deveria identificar-se.

O papel da educação – de transmitir conhecimento acumulado, valores e cultura (Pombo,2003) – exigiria o distanciamento que colocaria aquele que sabe num lugar de referência. Se antes afigura paterna, como modelo forte e presente, produzia um distanciamento entre a posição ocupadae a desejada, essa distância era capaz de provocar um movimento contínuo, gerando laços sociais eefeitos de construção cultural. A tônica atual é pela identificação horizontal, livre de modelos de referência marcados pela diferença (Fontes, 1999).

Diferença esta que se manifesta na existência de lugares hierarquizados, determinados paracada um, de maneira inconsciente. Tal hierarquia, que define os lugares de criança e adulto, deacordo com Lebrun (2004), possibilitava a inscrição da alteridade e autorizava tradicionalmente oexercício da mestria criando a condição necessária à educação.

Além disso, os novos modelos de comunicação viabilizam de forma crescente ao aluno oacesso a um saber sem mestre, ao qual se pode ascender diretamente, o que implica no desprestígioda escola como lugar central de transmissão do conhecimento. O saber que se busca hoje está cadavez mais relacionado a informações que podem ser adquiridas sem as mediações das funçõeseducativas tradicionais.

Tomando como referência, as reflexões presentes em Algumas reflexões sobre a Psicologia doescolar, onde Freud (1914/1969) postula a impossibilidade da aquisição de saber que não seja atravésdo Outro encarnado no mestre, podemos mensurar as conseqüências da crise da autoridade e dodesaparecimento do mestre na escola atual.

Entendemos, assim, os adolescentes de hoje no lugar de protagonistas da crise da educaçãoapontada por Arendt (1992). Cada vez mais, o saber valorizado por eles não pode ser encontrado naescola, vista como desinteressante e desatualizada. Seus professores nada sabem sobre as novidadesque motivam os alunos e podem ser encontradas principalmente através da internet. Em tempos detécnica, informação e autonomia, a transmissão do conhecimento perde espaço e a autoridade perdea força (Sanada 2006).

Para Césaris (2000), a freqüente agressão do aluno, sua apatia, nada mais é que um sintomadaquilo que não funciona na escola. A fim de conquistar alunos/clientes, freqüentemente, a escolautiliza métodos mercadológicos, com mudanças estéticas que, comumente, mascaram o cotidianorotineiro, compartimentado, isolado e aborrecido das aulas.

Neste sentido, contribui Antelo (2004), quando afirma que o enfraquecimento do pai no mundomoderno ocasiona uma intensa carência de eixos para o educador, que perde sua posição deautoridade. O enfraquecimento das referências simbólicas na família, na escola e no laço social produzefeitos desestruturantes da autoridade e, conseqüentemente, do mestre e da educação.

Para Gutierra (2003), a escola e o saber por ela veiculado perdem valor numa sociedade marcadapelo declínio da imago social paterna. Em um tempo de declínio do valor da educação na constituiçãodos sujeitos, saber e cultura não são reconhecidos como prioridades.

A carência de eixos observada na escola é também registrada na família. Roudinesco (2003)destaca a diluição da função paterna, o fortalecimento do feminismo e as evoluções técnico-científicascomo fatores fundamentais que possibilitam o surgimento de um novo conceito de família nacontemporaneidade. Nesta família, invadidos por discursos psicológicos e pedagógicos, os pais sãovistos como incapazes de exercer sua função e paralisam-se diante da educação dos filhos. A fim deevitar toda e qualquer dor, tristeza ou medo, recorrem aos especialistas em busca da "melhor soluçãopara os seus problemas". Perdidos diante das modificações sociais, onde o discurso científico, autorizadopelas mídias, dita o certo e o errado, muitos pais duvidam da sua própria capacidade e autoridade.

Para Pombo (2003), a crise da educação se deve fundamentalmente ao fato de que, hoje, amissão real da escola, de ensino, no sentido de inscrição das novas gerações no patrimônio comum dossaberes acumulados pela humanidade, vem progressivamente sendo substituída pela educação no sentidode disciplinarização das vontades e desejos dos alunos. À medida que os pais trabalham e abandonamseus filhos cada vez mais precocemente e por um maior espaço de tempo nas escolas, há a transferênciade grande parte da custódia diurna das crianças, fazendo com que freqüentemente também sejam transferidos para a escola direitos e deveres educativos que deveriam pertencer à família.

Neste contexto, os professores vêm sendo solicitados a serem educadores, a dominaremconteúdos diversos que envolvem desde didática à educação moral, que se acredita estarem relacionados ao ato de ensinar e distanciam-se do domínio do conteúdo sobre o qual ensinam. Para Pombo (2003), este domínio do conteúdo é que possibilitaria ao docente, antes de educador, sermesmo professor, ocupando um lugar de referência para seus alunos, sendo aquele que representa eapresenta o saber.

Assim, segundo Bastos (2000), poderíamos pensar que temos, hoje, na base do fracasso escolar,também o professor que não ocupa o lugar daquele que detém o conhecimento, daquele que sabe epor isso deve servir como referência. A relação entre o professor e o aluno acaba funcionando comoum espelho onde o professor que não sabe "do que está falando" ou "por que está ali", reclama de um aluno desmotivado e desinteressado.

Neste sentido, a crise da educação diz respeito à transferência, para a escola, deresponsabilidades da família, o que interfere na postura dos professores e implica numa distorção dopapel fundamental da escola de transmissão de conhecimentos contribuindo para o distanciamentodo interesse dos alunos.

É fato, porém, que em adição às dificuldades enfrentadas na educação contemporânea,observamos ainda outros impasses que parecem específicos da educação de adolescentes. Sãoinúmeros os casos de crianças com histórico escolar livre de graves problemas que, na adolescência,tornam-se apáticas ou resistentes ao conteúdo escolar. Neste sentido, concordamos com autorescomo Rassial (1999), Gutierra (2002) e Khel (2004) naquilo que diz respeito às especificidades dosproblemas escolares na adolescência.

 

ADOLESCÊNCIA E DESEJO DE SABER

Constituída para ser apropriada pela escola, a adolescência passa, como afirma Rassial (1999),a ser alvo de vários discursos. Com efeito, a partir de um ponto de vista psicanalítico, a adolescênciaé compreendida para além das questões pubertárias, podendo ser entendida como modelo dasquestões do sujeito contemporâneo.

Momento de intensas combinações e composições que exigem um novo posicionamento frenteàs demandas sociais, para Kaufmann (1996), o resultado do trabalho da adolescência, a saber, a conquista de uma identidade sexuada, é sem dúvida a conseqüência tanto de um trabalho dedesprendimento das imagens parentais infantilizadas como de uma aceitação das experiências dedúvida, de falta e de solidão.

Devendo passar da família ao laço social, o adolescente, desiludido com a figura paterna,assiste à queda dos seus ideais da infância e deve se encontrar com os mestres. Ele se depara com odesamparo fundamental inerente ao ser humano e deve aprender a lidar com a falta dos pais e com sua própria falta. A este respeito nos valemos das contribuições de Gutierra (2002), quando declara que na adolescência há uma virada em relação ao saber vindo do Outro, no que diz respeito à veracidade e à consistência deste saber, já que, percebendo a impossibilidade da completude prometidana infância, o adolescente desconfia, principalmente, dos grandes representantes dos ideais do mundoadulto: os pais e os professores.

Daí a importância central das reflexões de Freud (1914/1987) sobre o valor do professor no despertar do interesse dos jovens pelas ciências. Como Gutierra (2002) e Rassial (1999) a partir detais reflexões, consideramos a relação transferencial do adolescente ao mestre como fundamental àcompreensão dos aspectos relacionados à educação e ao desejo de saber na adolescência.

Momento de transição do sujeito, devido a um reposicionamento da sua relação com o desejoe a autoridade, a adolescência, na atualidade, com as questões relativas às novas configurações daautoridade (comentadas no item anterior do presente trabalho) teria acentuados seus impasses.Então, a adolescência se constituiria pelo deslocamento das referências parentais como ideais e aípoderíamos incluir também aqueles que detêm a tradição e a autoridade, como os professores, taldeslocamento já poderia justificar a recusa do adolescente ao saber vindo do outro.

O que observamos hoje, contudo, parece não se esgotar nesta operação que define a adolescência (Rassial, 1999). A recusa do adolescente ao saber escolar não parece constituir-se somente a partir deste movimento de reposicionamento subjetivo, mas indica uma denúncia de que os lugares de referência e autoridade estão sendo negados justamente por se encontrarem esvaziados pelas estratégias sociais contemporâneas

Poderíamos pensar que o desejo de saber adolescente sofreria, assim, uma espécie de pane com as vicissitudes da atualidade, fazendo com que o olhar adolescente não se dirigiria mais ao adulto com seu saber? Neste sentido, concordamos com Fontes (1999), quando afirma que, se o desejo de saber aponta para a falta, para a impossibilidade de realização que garantiria um saber apenas suposto, observamos, hoje, guiado pelo imperativo do gozo, o consumo de saber, que torna este saber objeto possível.

Vivemos num tempo no qual, embora tenhamos acesso a uma quantidade sem precedentesde informações, a velocidade em que são processadas fazem-nas efêmeras e a quantidade de fontese pontos de vista fazem-nas incertas. Tempo no qual os enunciados ganham poder em detrimentodos enunciadores, quando a crise da autoridade indica a crise de um lugar de poder e referência(Lebrun, 2004). Em tempos de técnica, de informação, de autonomia, a transmissão perde espaço eas referências daquilo que representariam uma autoridade igualmente perdem força.

Neste contexto, a falência dos ideais que se apresenta na cultura tende a tornar ainda maispenosa a falência típica dos ideais da adolescência (Coutinho, 2005). Numa cultura onde a imagemadolescente associada à juventude, beleza e descompromisso seduz também pais e professores, oadolescente vive sob regras que funcionam segundo a sua vontade (Khel, 2004).

Se a adolescência consiste na saída de uma esfera familiar e a entrada na ordem social, seriapreciso que este ‘grande outro' familiar encontrasse na cultura seu equivalente. O enfraquecimento do pai no mundo moderno e o discurso tecno científico, marcado pelo enunciado sem enunciador (Lebrun,2004), deixa mais vazio este lugar de referência, de suposto saber. O saber, neste contexto, não poderiaser inicialmente suposto, uma vez que não há espaço para lugares de referência marcados pela autoridadee o desejo de saber seria paulatinamente substituído pelo consumo de saber (Fontes, 1999).

Outro fator que pode ser apontado como contribuinte para a queda do investimentoadolescente no saber é a questão da relação do adolescente com o enigma que deveria ser o geradordo movimento em direção ao saber. Se, para Freud (1905/1987), o enigma da origem e da diferença sexual é o responsável pelo surgimento do desejo de saber, na contemporaneidade podemos nosquestionar acerca do lugar e do papel destes enigmas.

O segredo que desperta a curiosidade, o proibido, já praticamente não existem em nossotempo, na mesma medida em que as diferenças sexuais se atenuam. Se, diante das diferenças que aangustiam, a criança passaria a querer saber, diante da falta da diferença não há a condição primeirapara o surgimento do desejo de saber. Vivendo em um tempo do "já posto", em que os corpos e osexo estão "escancarados" pela mídia, não há espaço para o enigma e o adolescente desconhece oprazer da busca pela descoberta.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos como relevantes e possíveis as contribuições da psicanálise à clínica psico-pedagógica, uma vez que esta pode ser entendida como espaço de escuta singular, o que interessasignificativamente à psicanálise. Ao tomarmos a psicanálise como referencial teórico, assumimos aideia de sujeito que se constrói através da relação com o outro, a partir das noções de demanda e de desejo, que colocam o sujeito na dimensão do incompleto, do desconhecido. Desse modo,atravessada pelo desejo singular, a aprendizagem e mesmo o "despertar" do interesse peloconhecimento, não podem obter "sucesso". Os saberes diversos que chegam para ler as "dificuldadesde aprendizagem", tentando homogeneizar e massificar os sujeitos só evidenciam a impossibilidadeinerente ao ato de educar.

O desinvestimento adolescente no conhecimento pode encontrar na psicanálise um espaçode contribuição relevante ao considerar as especificidades que marcam o sujeito e a cultura, aomesmo tempo em que sugere uma relação com o desejo de saber e a questão da autoridade.

Alertados por Freud (1914/1969), no seu artigo "Algumas reflexões sobre a Psicologia do escolar",sabemos da importância do lugar do mestre na adolescência, que, como vimos, encontra-se hoje ameaçado pela crise da autoridade No entanto, não se trata, para nós, de estabelecer causas únicasou determinantes para as questões relativas aos impasses da educação na adolescência. A aproximaçãode visões simplistas ou deterministas onde haveria a escolha de um fator responsável pelodesinvestimento adolescente no conhecimento não faz parte de nossos objetivos.

Se, à primeira vista, a busca de conhecimentos, por parte dos adolescentes, pode dizerrespeito a uma série de questões tais como uma forma de ascender ao saber dos pais, um passorumo à independência ou uma prova de que se é um "bom menino", para entender o significadodo desinvestimento nesse campo, é preciso considerar as inter-relações entre os processos dereposicionamentos sociais contemporâneos e as questões relativas à assunção subjetiva de umlugar social.

Para concluir, podemos dizer que a tarefa educativa com adolescentes testemunha um duploimpasse resultante tanto da posição adolescente agnóstica em relação ao saber vindo do Outro,como também dos problemas que cercam o projeto educativo na atualidade.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em: 16/06/09
Revisto em: 28/09/09A
ceito em: 10/10/09

 

 

 

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